Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 195/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  IUC  
Valor do pedido: € 36.785,16
Tema: IUC – Incidência subjectiva
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 195/2015-T

Tema: IUC – Incidência subjectiva

 

I. Relatório

 

1. A... - …, S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, pessoa colectiva n.º …, com sede na Quinta …, Edifício …, Piso …, …, …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra diversos actos de liquidação oficiosa do Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos períodos de tributação de 2009 a 2012 e veículos identificados pelo respectivo número de matrícula em documento anexo ao pedido, peticionando:

 

a) A admissão do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, por ser o mesmo tempestivo;

 

b) A apreciação conjunta da legalidade dos actos de liquidação oficiosa supra referidos e identificados por documentos anexos ao pedido, por se mostrarem preenchidos os pressupostos legais da cumulação de pedidos;

 

c) A declaração da ilegalidade dos actos de liquidação oficiosa de IUC relativos aos períodos de 2009 a 2012 e aos veículos automóveis identificados pelos respectivos números de matrícula em documento anexo ao pedido;

 

d) A condenação da AT no pagamento das custas suportadas pela Requerente com o pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

 

2. Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam as questionadas liquidações, os veículos em causa não eram sua propriedade, porquanto esta, através de contratos de compra e venda, havia sido já transmitida a terceiros.

 

3. E, assim, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pelo pagamento do referido tributo com referência aos períodos e veículos a que as mesmas respeitam.

 

4. Respondendo ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) invoca a excepção de intempestividade do pedido e, sem conceder, pronuncia-se, quanto à questão de fundo, no sentido da sua improcedência, pugnando pela manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais, julgado suficiente, foi dispensada, com anuência das partes, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT., sendo facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentar alegações escritas.

 

11. Apenas a Requerida apresentou alegações, reiterando a posição assumida em sede de contestação, de novo pugnando, com os fundamentos nela vertidos, pela improcedência da presente impugnação.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

12.1. A Requerente foi destinatária de diversos actos de liquidação oficiosa de IUC, relativamente aos períodos e veículos identificados em documento anexo ao presente pedido;

 

12.2. Tempestivamente, a Requerente reagiu contra os referidos actos de liquidação através de reclamações graciosas em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respectivo facto gerador, os veículos a que aqueles respeitam terem já passado à propriedade de terceiros, por contratos de compra e venda.

 

12.3. Para comprovar o alegado, a reclamante - ora Requerente - juntou às reclamações, cópias das facturas de venda, que identificam, além da data da venda, o veículo transaccionado e o respectivo adquirente.

 

12.4. Por despachos de 12 de Novembro de 2014 e 12 de Dezembro de 2014, as reclamações foram totalmente indeferidas com o fundamento de, à data da exigibilidade do imposto, os veículos a que as mesmas respeitam se encontrarem registados em nome da Requerente, pelo que era esta o sujeito passivo do imposto, nos termos do artigo 3.º do CIUC.

 

12.5. As decisões de indeferimento das reclamações foram notificadas, por via postal, ao mandatário constituído e à reclamante - ora Requerente - em diversas datas, sendo a primeira em 18 de Dezembro do mesmo ano e as restantes em datas posteriores.

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT,  nada obsta à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

15. A Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral no sentido de obter declaração de ilegalidade, e consequente anulação, de diversas liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação que identifica.

 

16. Por seu lado, a Requerida sustenta que o pedido, centrado na impugnação directa dos actos de liquidação, é intempestivo, devendo, consequentemente, ser declarado improcedente.

 

16. Suscitada, assim, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, importa, em primeiro lugar, dela conhecer.

 

Da caducidade do direito de acção

 

17. A questão da intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral é suscitada pela Requerida, com os seguintes fundamentos:

 

17.1. A Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), identifica como actos tributários do pedido de pronúncia arbitral "... Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação oficiosa do Imposto Único de Circulação, relativo aos anos fiscais de 2009 a 2012, juntos como documentos n.º 1 a 197."

 

17.2. No seu pedido, a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal aprecie "a legalidade dos actos de liquidação juntos como documentos n.ºs 1 a 197."

 

17.3. Todavia, " o objecto imediato do pedido seria, ou deveria ser, o indeferimento das reclamações graciosas oportunamente apresentadas pela Requerente."

 

17.4. Pretendendo a Requerente reagir contra os actos de liquidação oficiosa, deveria o pedido de constituição do tribunal arbitral ser apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, em conformidade com o disposto no artigo 102.º, n.º1, al. a) do CPPT, para que remete o artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

 

17.5. As liquidações contestadas, devidamente notificadas, têm como data-limite do pagamento voluntário o dia 11 de Dezembro de 2013.

 

17.6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 18 de Março de 2015.

 

18. Do exposto conclui a Requerida mostrar-se claramente ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de actos de liquidação em sede arbitral pelo que, sendo intempestivo o pedido formulado, o tribunal não pode dele conhecer.

 

19. Reforçando a fundamentação da excepção que suscita, e referindo-se ao prazo para impugnar, diz a Requerida que:

 

" Este prazo é de caducidade, peremptório e de conhecimento oficioso, consequenciando o seu decurso a extinção do direito de praticar o acto (nº 3 do artigo 145.º do Código de Processo Civil - CPC), contando-se de forma contínua sem suspensão e interrupção, nos termos do art,. 279.º do Código Civil - CC - (art. 20.º, n.º 1, do CPPT).

 

efectivamente, neste quadro, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação directa dos actos de liquidação de imposto (ou seja, dos actos primários), a "tempestividade" do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso dos actos de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões formuladas pelo  sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau).

...

Não o tendo feito - ou seja, não havendo sindicado a declaração de ilegalidade do acto em segundo grau, o do indeferimento das reclamações graciosas - inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente aos actos que a Requerente ora sindica."

 

20. Conclui a Requerida que, "na medida em que estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não o podendo, como é óbvio, exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar (o que quer que seja) relativamente ao pedido ..." Tal circunstância, configurando uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa deve conduzir a uma decisão que, consequentemente, declare a absolvição da Requerida, o que, desde logo requer.

 

21. Em suporte do pedido que formula, a Requerida invoca a posição deste Tribunal Arbitral. expressa em acórdão de 5 de Maio de 2014, proferido no Processo n.º 261/2013-T, relativa a questão idêntica à que se coloca nos presente autos.

 

22. Com efeito, a Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral que, tal como afirma a Requerida, tem como objecto os actos de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação relativos aos períodos de 2009 a 2012 e aos veículos automóveis identificados em documentos anexos ao pedido.

 

23. Embora no pedido que formula a Requerente faça referência ao indeferimento de reclamações graciosas relativas aos actos de liquidação cuja legalidade vem impugnar, no pedido de pronúncia que formula identifica como seu objecto, unicamente, a apreciação desses actos, expressando a sua pretensão nos seguintes termos:

 

"Nestes termos .... deve V.Ex.ª:

...

b) Admitir a apreciação conjunta da legalidade dos actos de liquidação oficiosa juntos como Documentos 1 A 197, uma vez que encontram-se preenchidos os pressupostos legais que permitem a cumulação de pedidos, nos termos conjugados dos artigos 104.º do CPPT com o artigo 3.º, n.º 1, do RJAMT;

 

c) Declarar a ilegalidade dos Actos de Liquidação Oficiosa do Imposto Único de Circulação, relativo aos veículos automóveis com as matrículas melhor descritas na Tabela junta como Anexo XXII."

 

24. Está, pois, em causa exclusivamente a impugnação directa de actos de liquidação de IUC, devidamente notificados à Requerente, cujo prazo de pagamento voluntário, terminou em 11 de Dezembro de 2013.

 

25. Como resulta do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias a contar dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT. No presente caso, esse prazo conta-se a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, nos termos da alínea a) do n.º 1 do referido preceito legal, sendo computado em 10 dias a contar da data da notificação da respectiva liquidação, conforme dispõe o artigo 18.º do CIUC e consta das notificações.

 

26. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 18 de Março de 2015, depois, portanto, de largamente excedido aquele prazo.

 

27. Conforme bem se assinala no acórdão arbitral proferido no Proc. 261/2013-T: " É pacífico na doutrina e na jurisprudência arbitral do CAAD que apesar do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, fazer referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação, essa competência estende-se a actos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade dos actos primários, como é o caso de indeferimento de reclamações graciosas e de actos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões de tais reclamações."

 

26. Excedido o prazo para impugnação directa dos actos de liquidação, abriu-se à Requerente um novo prazo para impugnar os actos de indeferimento das reclamações graciosas por si interpostas e, deste modo, suscitar a apreciação consequente daqueles actos.

 

27. Todavia, como, aliás, assinala a Requerida, "não havendo sindicado a declaração de ilegalidade do acto em segundo grau, o do indeferimento das reclamações graciosas - inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente aos actos que a Requerente ora sindica."

 

28. Com efeito, estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido – C. P. Civil, arts. 608.º, n.º 2, e 609.º,n.º 1 - não pode deixar de reconhecer-se a consistente fundamentação da posição da Requerida, com a qual se concorda.

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

 

b) Julgar improcedente o pedido, dele absolvendo a Requerida.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 36.785,16, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.836,00, integralmente a cargo da Requerente.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Outubro de 2015

 

O árbitro, Álvaro Caneira.