Decisão Arbitral
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RELATÓRIO
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A… – …, S.A., pessoa colectiva n.º …, apresentou em 26/02/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto do selo do ano de 2013.
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O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 15/04/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
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No dia 30/04/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.
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Cumprindo a estatuição do art. 17.º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Administração Tributária (AT), em 05/05/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
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Em 05/06/2015 a Requerida apresentou a sua resposta e em requerimento autónomo solicitou, perante a ausência de qualquer excepção que obstasse ao conhecimento do mérito, a dispensa da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.
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A Requerente em 09/06/2015 apresentou requerimento no qual expressou a sua concordância com identificado em 1.5. da presente.
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O tribunal, no dia 07/08/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, determinou que as partes, querendo, apresentassem alegações escritas e agendou data para a prolação da decisão final no dia 10/09/2015.
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Nenhuma das partes apresentou alegações finais escritas.
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SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. OBJECTO DO LITÍGIO
A Requerente entende que a situação fáctica não preenche a norma de incidência tributária. Ou, dito de outro modo, que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) não é aplicável ao seu prédio, matricialmente inscrito como «terreno para construção».
Mais, acrescenta que a liquidação em crise enferma de manifesta violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, pois, na sua opinião, não se compreende ou explica a razão de apenas existir a tributação de imóveis com fins habitacionais, com exclusão daqueles com valor superior a € 1 000 000, não afectos a tal finalidade.
Na sua partitura argumentativa ainda acrescenta que: i) a verba 28.1 da TGIS deixa de fora da incidência os bens imóveis do mesmo sujeito passivo, afectos à habitação, que tenham individualmente um VPT inferior a € 1 000 000, mas que no seu conjunto perfaçam um montante superior a € 1 000 000; ii) Não há justificação, há luz do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, para tributar um sujeito passivo que tenha um imóvel com o VPT igual ou superior a € 1 000 000 e com afectação habitacional e não tributar, doutro modo, um sujeito passivo que tenha um imóvel com o VPT igual ou superior a € 500 000 e com afectação industrial; iii) que o princípio da capacidade contributiva (por via da aplicação do princípio da equivalência), importante critério de repartição de tributos públicos ao serviço da igualdade tributária não poderá ter aplicação prática à presente hipótese, porquanto, a verba 28.1 da TGIS não apresenta uma estrutura comutativa e iv) não se pode justificar a diferença de tratamento dizendo que na verba em causa se prosseguem outros fundamentos razoáveis, isto é, outros princípios jurídicos e/ou bens jurídico constitucionalmente protegidos que legitimam a desigualdade verificada.
Termina a Requerente, advogando que é ilegal o acto em crise pois faz a aplicação de uma norma que não é válida em face de uma regra de hierarquia superior, pelo que, solicita a declaração de ilegalidade do acto em crise, a restituição da quantia que foi paga e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
Por seu turno, a Requerida, defende que o conceito de «prédio com afectação habitacional», para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS compreende, quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, chamando atenção para o elemento literal da norma. Isto é, na sua opinião, é relevante o facto do legislador não ter optado por «prédios destinados à habitação», mas por «afectação habitacional».
Sustenta ainda que a mera constituição de um direito potencial de construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa e muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.
Conclui referindo que não há violação de qualquer princípio constitucional, porquanto a verba 28.1 da TGIS constitui uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito. Isto é, a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do imposto do selo, os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais. Neste âmbito, defende igualmente que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, pelo que, a medida implementada procura um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, …, sob o art. n.º ….
4.1.2. Em 31/12/2013, o prédio (urbano) estava matricialmente classificado como «terreno para construção», sendo o seu VPT de € 1 801 795,06.
4.1.3. A Requerente foi notificada de uma liquidação de imposto do selo respeitante ao ano de 2013, no montante de € 18 017,95, a pagar em 3 prestações.
4.1.4. O prazo de pagamento voluntário da 3.ª prestação terminou em 30/11/2014.
4.1.5. A Requerente, no dia 26/02/2015, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
4.1.6. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário de € 18 017,95, nos seguintes termos:
a) € 6005,99 (1.ª prestação), no dia 17/04/2014;
b) € 6005,98 (2.ª prestação), no dia 31/07/2014;
c) € 6005,98 (3.ª prestação), no dia 28/11/2014.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
A matéria de facto dada como provada tem fonte nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também e deram como assentes os factos não impugnados com relevância para a decisão a proferir.
5. O DIREITO
A primeira questão que deve ser objecto de apreciação pelo tribunal consiste em delimitar o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na sua redacção à data do facto tributário. Isto é, há que indagar se os terrenos para construção cabem na norma de incidência, como sustenta a Requerida, ou se, pelo contrário, estão excluídos da mesma.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, a verba n.º 28 da TGIS, dispõe que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional – 1 %...»[1].
Deste modo é, desde logo, necessário recortar o conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» a que alude a norma em interpretação. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao Código do Imposto do Selo (CIS), é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do mesmo diploma necessário aplicar as normas do CIMI quanto ao conceito e espécies de prédios urbanos
Consequentemente, dispõe o art. 4.º do CIMI sobre o conceito de prédio urbano: «…são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos…». E continua o art. 6.º, n.º 1 de tal diploma: «Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros». O n.º 2 dispõe que: «Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».
Assim, para a subsunção de um prédio em cada uma das categorias enumeradas, releva a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina.
Ora, cabem na verba de imposto do selo em análise, os prédios que já estão adstritos a fins habitacionais, isto é, aqueles a que se deu esse destino[2]. Mas é legítimo formular a seguinte questão: e em relação àqueles prédios (terrenos para construção) com tal destino ou, aqueles em que a destinação é desconhecida, subsumem-se a «prédios com afectação habitacional»?
A resposta à referida pergunta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, o teor literal da verba em análise permite afastar do âmbito de incidência aqueles terrenos para construção que não têm concretizado qualquer tipo de utilização, na medida em que ainda não estão aplicados ou destinados a fins habitacionais. Por outras palavras, não é possível proceder à sua subsunção como «prédios com afectação habitacional», porquanto ainda não têm qualquer afectação ou outro destino, a não ser a construção de tipo desconhecido[3].
Ainda assim, pode questionar-se: integram o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS os terrenos para construção que ainda não estão aplicados a fins habitacionais e já têm um direito determinado, como é o caso de uma licença de loteamento? Julgamos que não. Na verdade, o art. 6.º, n.º 2 do CIMI, subsidiariamente aplicável, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.
Na verdade, o legislador não utilizou a expressão «prédios habitacionais», mas pelo contrário «prédios com (nosso sublinhado) afectação habitacional», isto é, o prédio tem de ter já efectiva a afectação a esse fim.
Ora, tal sentido interpretativo fica claro com a mobilização de um resumo das palavras do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei[4], na medida em advogou que aquela: i) visava criar uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor; ii) criava uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação e iii) a taxa incidiria sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Ou, dito de outro modo, a categoria a que legislador se refere com a expressão «prédios com afectação habitacional» são as «casas».
O mesmo sentido interpretativo mantém-se, ainda que se considere que na determinação do VPT dos prédios urbanos, classificados como terrenos para construção, se deva ter em linha de conta a afectação que terá a edificação para estes autorizada ou prevista, com vista a apurar o valor da área de implantação. Tal não significa que os terrenos para construção devam ser classificados como «prédios com afectação habitacional», uma vez que esta destinação se refere, na economia do CIMI, a prédios e construções que possam ser habitados[5].
Revertendo tal sentido interpretativo para os autos, impõe-se dizer que o terreno para construção objecto dos presentes não se subsume à categoria de «prédios com afectação habitacional» e, como tal, a liquidação de imposto do selo de 2013 deve ser declarada ilegal.
Ainda assim podia julgar-se abalada esta interpretação com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) no segmento em que deu nova redacção à verba 28.1 da TGIS, na qual se remete agora para as categorias descritas no art. 6.º do CIMI, isto é, «prédio habitacional» e «terreno para construção». Todavia, entendemos que não, porque, como sustenta a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA[6]: «… o legislador não atribuiu carácter interpretativo (…), apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo…». Isto é, nada se concretiza em relação aos actos praticados ao abrigo da redacção anterior e demonstra-se outra opção legislativa com a referência às espécies de prédio urbano, i) habitacional e ii) terrenos para construção. Consequentemente, tal alteração legislativa em nada modifica a decisão vertida no parágrafo anterior.
Por tal somatório de razões, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como terreno para construção à data do facto tributário relativo ao ano de 2013, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, deve ser anulada a liquidação de imposto do selo de 2013, com todas as consequências legais.
Por outro lado, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios, quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Conhecendo a questão, a ilegalidade das liquidações é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa apurada, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.
Finalmente, se o tribunal acolheu o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto do selo do ano de 2013, prejudicado fica o conhecimento dos restantes vícios alegados, cfr. art. 124.º do CPPT, aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1 do RJAT.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se procedente o pedido, com a consequente anulação do acto objecto de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais, incluindo a restituição do montante pago a título de imposto do selo do ano de 2013 e juros indemnizatórios até integral reembolso.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 18 017, 95 nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 1224, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 10 de Setembro de 2015
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Na redacção em vigor à data do facto tributário.
[2] V. neste sentido, nomeadamente, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014, no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA; o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 046/14, de 14/05/2014, no qual foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES e o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.
[3] V. acórdão proferido no âmbito processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.
[4] Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, pág. 32.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014 no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[6] No âmbito do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 048/14, de 09/04/2014 por esta relatado.