Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 244/2015-T
Data da decisão: 2015-12-07  IVA  
Valor do pedido: € 45.946,27
Tema: IVA - IPSS; Direito à restituição do IVA ao abrigo do DL 20/90, de 13 de Janeiro
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Decisão arbitral

 

I.                   RELATÓRIO

 

 

1.      Objeto do pedido

A…, NIPC …, com sede na Rua …, n.º …, …, … GUIMARÃES, vem requerer a constituição de tribunal arbitral e impugnar uma liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), no montante de € 45.946,27, lançada pelo Serviço de Finanças de Guimarães … e notificada pelo ofício n.º …, de 16.12.2014, do referido Serviço de Finanças, com fundamento no excesso de reembolso de imposto ao abrigo do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13.01.

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, o Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário, Joaquim Silvério Dias Mateus, que aceitou o encargo dentro do prazo legalmente previsto sem que qualquer das partes tivesse manifestado recusa pela sua designação, tendo o tribunal arbitral sido constituído em 26 de Junho de 2015.

Não havendo que apreciar e decidir qualquer pressuposto referido no artigo 18.º do RJAT foi decidido não realizar a reunião aí prevista e na ausência de controvérsia quanto à matéria de facto foi dispensada a produção de prova testemunhal.

As partes, notificadas para o efeito, não apresentaram alegações, tendo sido fixado o dia 15 de Dezembro de 2015 como data limite para proferir a decisão arbitral.

 

2.       Fundamentação do Pedido

A instituição requerente fundamentou a sua pretensão de ver anulada a totalidade da liquidação adicional impugnada com a argumentação que, em resumo, passa a apresentar-se.

Alega, em primeiro lugar, que a autoridade tributária ora requerida lhe deferiu todos os pedidos de reembolso de IVA que apresentou ao abrigo e cumprindo as regras previstas no DL 20/90, de 13 de Janeiro, referentes a custos incorridos no âmbito da sua atividade estatutária nos anos de 2011 e 2012, tendo-lhe restituído o correspondente imposto sem qualquer objeção, pelo que será ilegal proceder em 2014 à revogação dos despachos de deferimento desses pedidos.

Além disso, a requerente discorda da interpretação que a requerida dá ao DL 20/90 e às alterações de que o mesmo foi objeto através do artigo 130.º da Lei 55-A/2010, de 31.12 e do artigo 179.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12.

Com efeito, enquanto a autoridade requerida pretende a restituição de € 19.975,05 referentes à rubrica “Edifícios e outras construções” com base na redução a 50% do IVA suportado prevista no n.º 2 do citado artigo 179.º da Lei 64-B/2011 que, segundo a mesma, se deve aplicar às aquisições de bens e serviços relacionados com a obra de construção/ampliação do imóvel afeto ao Lar de Idosos, Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário, na parte que excedeu o montante do financiamento aprovado, a requerente defende que a norma que veio reduzir o IVA a restituir para 50% não lhe é aplicável dado que em lado algum se exige que o financiamento cubra a totalidade do custo da obra e que, ao contrário, uma vez que em 31.12.2010 a requerente já tinha a decisão de aprovação de candidatura a um co-financiamento público, como previsto no n.º 2 do artigo 130.º da Lei 55-A/2010 e no n.º 2 do artigo 179.º da Lei 64-B/2011, tinha direito à restituição de todo o IVA suportado com as despesas incorridas com a referida obra.

Além da situação descrita, a requerente discorda igualmente da pretensão da requerida em relação ao reembolso referente à aquisição, em 2012, de bens de “equipamento básico” que, segundo a requerida, excedeu em € 7.878,34 o limite fixado no n.º 2 do artigo 179.º, em relação ao reembolso referente a despesas com “estudos, projetos e fiscalização” dos anos de 2010, 2011 e 2012 cujo IVA restituído terá excedido em € 2.242,50 o limite legal previsto no citado n.º 2 do artigo 179.º, em relação ao reembolso referente a despesas com a aquisição de “bens ou serviços relativos a elementos do ativo imobilizado” cujo IVA restituído terá excedido em € 13.504,38 o mesmo limite e também o limite previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90, que determina que só é restituível o imposto suportado em aquisições cujo valor anual não exceda € 9.975,96, bem como em relação ao reembolso referente a despesas de 2011 e 2012 respeitantes a faturas de “prestação de serviços de consultoria no âmbito do acompanhamento da candidatura”, no montante de € 2.346,00, que segundo a requerida foi também indevidamente restituído por não dizer respeito à construção e ampliação do edifício do lar de idosos.

A requerente não aceita as referidas limitações ao direito ao reembolso que estão incorporadas na liquidação impugnada invocando, nomeadamente, divergências quanto à interpretação do DL 20/90 e das alterações que lhe foram introduzidas a reduzir a 50% o direito ao reembolso, bem como quanto à qualificação e enquadramento de algumas despesas na referida legislação.

Quanto a estas últimas a requerente foca-se nas despesas referentes a “bens ou serviços relativos a elementos do ativo imobilizado” que, no seu entender, não devem ser abrangidas pelo limite previsto na alínea b) do n.º 1 do DL 20/90, uma vez que se tratou da compra de mobiliário para equipar o edifício ampliado e que esta compra se deve enquadrar na alínea a) e não na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90 e também nas despesas incorridas com os “serviços de consultoria relativos ao processo de candidatura” ao financiamento a fundos públicos para ampliação do imóvel em causa e com o acompanhamento desse processo que, segundo a requerente, estão relacionados com a dita obra e consequentemente devem ser enquadrados na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90 não lhe sendo aplicável qualquer limitação ou redução. 

A requerente termina pedindo a anulação integral da liquidação adicional de IVA, no montante de € 45.946,27.

 

3.      Resposta da autoridade requerida

Face ao relatório de inspeção que serviu de base à liquidação impugnada o montante desta liquidação resulta da soma de um conjunto de quantitativos de imposto que, segundo a autoridade requerida, foram indevidamente reembolsados à requerente.

Assim, segundo a requerida, foram indevidamente pagos à requerente os quantitativos que passam a indicar-se uma vez que, face ao disposto no n.º 2 do artigo 179.º da Lei 64-B/2011, esta tinha apenas direito a receber 50% do IVA suportado com determinadas despesas e não a sua totalidade como indevidamente foi feito.

Estão nesta situação:

1.      O quantitativo de € 19.975,05 de IVA suportado em 2012 debitado em faturas referentes à rúbrica “edifícios e outras construções”;

2.      O quantitativo de € 7.878,34 de IVA suportado em 2012 debitado em faturas referentes à aquisição de “Equipamento básico”;

3.      O quantitativo de € 2.242,50 de IVA suportado em 2011 e 2012 debitado em faturas referentes a custos com “estudos, projetos e fiscalização”;

 

Mais alega a requerida que foi também indevidamente pago à requerente o quantitativo de € 13.504,38 de IVA suportado na aquisição de bens móveis adquiridos em 2012, uma vez que, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90, o valor máximo a restituir, relativamente ao IVA suportado com a aquisição deste tipo de bens, está limitado a compras de € 9.975,96, sendo que por aplicação do n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 64-B/2011 só 50% do imposto suportado seria restituível;

Segundo a requerida foram também restituídos indevidamente quantitativos de imposto no montante de €2.346,00 suportados em faturas referentes a despesas em serviços de consultoria incorridos com a candidatura ao projeto de financiamento de dinheiros públicos que, segundo a mesma requerida, não cabem no âmbito das despesas da obra.

 A requerida termina dizendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

4.      Saneamento

O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Uma vez que o processo não enferma de nulidades e não foram levantadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa estão reunidas as condições para ser proferida a decisão arbitral.

 

II.                FUNDAMENTAÇÃO

 

1.      Matéria de facto. Factos dados como provados

Face aos documentos juntos aos autos por requerente e requerida dá-se por provada a seguinte matéria de facto relevante, não contestada por qualquer das partes.

A requerente é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), como tal registada nos serviços da segurança social desde o ano de 2008, tendo resumidamente por objeto estatutário prestar serviços de apoio a crianças, jovens, deficientes, idosos e aos mais vulneráveis em geral, bem como a prevenção e reparação de situações de carência e outras vulnerabilidades económicas e sociais, estando isenta de IVA ao abrigo do n.º 6 do artigo 9.º do CIVA.  

A liquidação adicional impugnada, no montante de € 45.946,27, foi efetuada pelo Serviço de Finanças de Guimarães … com base numa ação de inspeção interna levada a cabo pelos Serviços da Direção de Finanças de … entre Janeiro e Março de 2013, na sequência de um pedido de reembolso de imposto sobre o valor acrescentado (pedido de restituição n.º …) apresentado pela requerente em 2013-01-02, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13/01, no montante de € 57523,80.

Dá-se também por provado que a requerente apresentou em 10.04.2009 uma candidatura ao Fundo Social Europeu/POPH Potencial Humano (n.º …/2009/…) tendo em vista obter o apoio financeiro para o projeto de “ampliação do lar de idosos, centro de dia e serviço de apoio domiciliário”, a qual foi aprovada em 20 de Julho de 2010 com a atribuição de um financiamento total de € 1.003.460,22, destinando-se € 894.002,07 ao “edifício e outras construções”, € 91.578,11 à aquisição de “equipamento básico” e € 17.880,04 a “imobilizações incorpóreas - despesas com estudos, projetos e fiscalização” (Cfr. relatório de inspeção e documentos juntos pela requerente).

A requerente juntou um documento referente à “estrutura do financiamento” para “Ampliação do Lar de Idosos, Centro de Dia e SAD” no qual estão discriminados os montantes do financiamento, indicando que a Contribuição do Fundo Social Europeu (FSE) foi de 301.038,07 (30% do total), a Contribuição Pública Nacional (orçamento da segurança social) foi de 301.038,07 (30% do total) e a contribuição privada foi de 401.384,09 (40% do total).

Na sequência da aprovação do financiamento foi também provado que o contrato de empreitada para execução da obra de edificação em causa foi assinado em 9 de Junho de 2011, pelo preço de € 1.139.027,15, acrescido de IVA à taxa em vigor, perfazendo a quantia final de € 1.401.003,34, tendo a obra sido dada por concluída em Novembro de 2012 (Cfr. Ata da Direção n.º 142, de 20 de Abril de 2011 e contrato de empreitada com data de 9 de Junho de 2011).

O relatório de inspeção informa que a ora requerente foi apresentando os pedidos de reembolso do IVA incorrido com os custos de execução da obra, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90, no decurso do prazo dessa execução, os quais lhe foram pagos pelos serviços competentes da administração tributária.

Nos anos de 2010, 2011 e 2012 a requerente apresentou outros pedidos de reembolso de IVA relativos à aquisição de outros bens e serviços relacionados com o exercício da sua atividade, a saber, com a aquisição de equipamentos, com despesas em estudos, projetos e fiscalizações, com a aquisição de outros bens do ativo imobilizado e com a aquisição de serviços de consultoria, pedidos esses devidamente identificados nos autos e cuja análise e enquadramento são também objeto da presente decisão arbitral.

Em matéria de prova anota-se finalmente que as faturas em que foi debitado o IVA objeto dos pedidos de restituição não foram juntas aos autos aceitando-se para efeitos da presente decisão arbitral a qualificação das despesas e a sua integração nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90 constantes nos documentos juntos e em que requerente e requerida convergem.

 

2.      Matéria de direito

No processo em apreço está em causa a aplicabilidade dos benefícios fiscais previstos no DL 20/90, de 13 de Janeiro, em vigor nos anos de 2010 a 2012, com as alterações que sofreu nos referidos anos.

A requerente inicia a sua invocação sobre a ilegalidade da liquidação adicional dizendo que apresentou os pedidos de reembolso seguindo o procedimento correto e que como tal foram tratados e decididos, não havendo, pois, fundamento para revogar as decisões anteriores e vir agora lançar a liquidação adicional impugnada.

Ainda que a requerente não tenha dito qual a norma que considera violada, invoca-se, com a requerida, o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do DL 20/90, que prevê a possibilidade de ser lançada uma liquidação adicional em relação ao imposto que seja considerado indevidamente restituído.

Trata-se de um poder dever da administração tributária que, dentro do prazo de caducidade, nos termos previstos no artigo 94.º do CIVA e no artigo 45.º da LGT, procede à correção das liquidações originais e dos quantitativos de imposto que reembolsa aos contribuintes sempre que a posteriori detecta que os mesmos foram indevidamente restituídos.

Quanto aos demais fundamentos apresentados comecemos por analisar a redação das normas do DL 20/90 relevantes para o caso em apreço e que era, em 2010, a seguinte (redação dada pela Lei n.º 52-C/96, de 27.12):

Artigo 2.º, n.º 1. “O Serviço de Administração do IVA procederá à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado pelas instituições particulares de solidariedade social, bem como pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relativamente às seguintes operações:

a)      Aquisições de bens ou serviços relacionados com a construção, manutenção e conservação de imóveis utilizados total ou principalmente na prossecução dos respetivos fins estatutários desde que constantes de faturas de valor não inferior a 997,60 €, com exclusão do IVA;

b)      Aquisição de bens ou serviços relativos a elementos do ativo imobilizado corpóreo sujeitos a deperecimento utilizados única e exclusivamente na prossecução dos respetivos fins estatutários, com exceção de veículos e respetivas reparações, desde que constantes de faturas de valor unitário não inferior a 99,76 €, com exclusão do IVA, e cujo valor global, durante o exercício, não seja superior a 9975,96 €, com exclusão do IVA.”

Entretanto, nos anos em que foram praticadas as operações conexas com o IVA constante na liquidação impugnada, a redação do citado DL 20/90 sofreu algumas restrições de que passamos a destacar as que poderão afetar a referida liquidação.

Assim, num capítulo com a designação de “Disposições diversas com relevância tributária”, a lei n.º 55-A/2010, de 31.12.2010 (lei do OE para 2011), no seu artigo 130.º, veio revogar o artigo 2.º do DL 20/90, em face do qual as instituições particulares de solidariedade social, a partir de 1 de Janeiro de 2011, deixaram de ter direito a ser reembolsadas do IVA suportado nas despesas de construção, manutenção e conservação de imóveis afetos aos seus fins estatutários e na compra de outros equipamentos afetos aos mesmos fins.

No entanto, o n.º 2 do citado artigo 130.º previu uma norma transitória com o seguinte teor:

“O direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado pelas instituições particulares de solidariedade social e pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa relativo às operações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro, mantém-se em vigor no que respeita às operações que se encontram em curso em 31 de Dezembro de 2010, bem como às que no âmbito de programas, medidas, projetos e ações objeto de co-financiamento público com suporte no Quadro de Referência Estratégico Nacional, no Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central ou nas receitas provenientes dos jogos sociais, estejam naquela data a decorrer, já contratualizadas ou com decisão de aprovação de candidatura”.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (lei do OE para 2012), veio determinar que “sem prejuízo do disposto no número seguinte (o número 2 deste artigo que se transcreve a seguir) são repristinados, durante o ano de 2012”, entre outros preceitos legais, “as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro (…), que tinham sido revogados pelo n.º 1 do artigo 130.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro”.

No entanto, a repristinação operada não veio com a mesma abrangência quantitativa anterior dado que o n.º 2 desse mesmo artigo 179.º passou a determinar que “A restituição prevista nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro, é feita em montante equivalente a 50% do IVA suportado, exceto nos casos de operações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 130.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, relativamente às quais se mantém em vigor o direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado”.

Em face destas alterações legislativas constata-se que a restituição do IVA referente às operações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90 passou a ter o seguinte enquadramento temporal:

1.      Quanto às operações previstas nas referidas alíneas a) e b) do citado n.º 1 (quanto a esta alínea limitado a aquisições anuais até € 9975,96) que se concretizaram e esgotaram até 31 de Dezembro de 2010, o direito à restituição do IVA era integral não tendo sido tocado pelas referidas alterações;

2.      A restituição seria também integral para as operações relativas à construção, manutenção e conservação de móveis (alínea a), que já estivessem em curso de execução em 31 de Dezembro de 2010 e para as operações que tivessem sido objeto de programas, medidas, projetos ou ações de co-financiamento público com suporte no Quadro de Referência Estratégico Nacional ou no Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central que naquela mesma data de 31 de Dezembro de 2010 já estivessem a decorrer, já estivessem contratualizadas ou cuja candidatura já tivesse sido formalmente aprovada;

3.      Da regra anterior resulta, pois, que o direito à restituição integral do IVA previsto na alínea a) não dependia da lei em vigor na data da emissão das faturas mas sim da lei em vigor na data de início de execução da obra “relacionada com a construção, manutenção e conservação de imóveis” que deu origem à emissão dessas faturas ou, tendo sido apresentada candidatura a co-financiamento público dos referidos programas, da lei em vigor na data em que a candidatura foi aprovada ou em que a operação foi contratualizada;

4.      Já quanto à restituição referida na alínea b) a aquisição dos “bens ou serviços relativos a elementos do ativo imobilizado corpóreo sujeitos a deperecimento” teria que ter ocorrido antes de 31 de Dezembro de 2010 ou, se operada depois dessa data, manter-se-ia o direito à dedução integral (para compras de valor não superior a € 9975,96) se a compra tivesse sido co-financiada com fundos públicos nos mesmos termos e condições;

5.      Assim, no caso de faturas emitidas nos anos de 2011 e anos seguintes referentes a qualquer operação iniciada antes de 31 de Dezembro de 2010 ou, não sendo o caso, referentes a operações que se tivessem candidatado a co-financiamentos públicos do QREN ou da Administração Central do Estado e, naquela mesma data, já estivessem contratualizadas ou cuja candidatura estivesse formalmente aprovada, não seriam afetadas por qualquer limitação quantitativa e o IVA nelas evidenciado deveria ser integralmente restituído;

6.      Uma outra regra a extrair do regime legal acima transcrito é a de que no caso de operações que se tenham candidatado ao co-financiamento público previsto nos programas enunciados no artigo 130.º, n.º 2, o direito à restituição do IVA suportado com a execução dessas operações depende exclusivamente de se tratar de uma operação co-financiada com a candidatura aprovada até 31 de Dezembro de 2010 ou já contratualizada mas não depende do montante desse financiamento cobrir a totalidade ou apenas uma parte dos custos da operação;

7.      Por outro lado, uma vez que norma repristinadora determinou que os efeitos da repristinação seriam apenas para se aplicar “durante o ano de 2012”, constata-se que quanto às operações cujo início de execução, no caso de imóveis, ou cuja concretização, quanto a compras de equipamento, tivessem ocorrido entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011, sem co-financiamento público, não poderiam beneficiar de qualquer reembolso do IVA suportado na sua construção ou aquisição (subsequentes repristinações do DL 20/90 estão fora do âmbito das situações que cabe analisar e decidir nos presentes autos);

8.      Quanto às operações cujo início de execução, no caso dos imóveis, ou cuja concretização, no caso das compras de equipamento, ocorreram após 1 de Janeiro de 2012, o reembolso do IVA passou a ser de 50%.

 

À luz das regras acima sintetizadas, na parte aplicável, podemos agora enquadrar as várias situações objeto da liquidação impugnada pelo pedido de pronúncia arbitral.

Assim, quanto ao IVA referente a despesas suportadas em 2011 e 2012 integradas na rúbrica “edifícios e outras construções” que, como ficou demonstrado, foram co-financiadas por fundos públicos atribuídos através de processo de candidatura aprovada antes de 31 de Dezembro de 2010, o direito à restituição é integral não estando sujeito à redução pretendida pela requerida.

Com efeito, esta solução foi claramente ressalvada pela segunda parte do n.º 2 do artigo 130.º e reafirmada pelo n.º 2 do artigo 179.º, acima transcritos, que, ao contrário da posição que consta no relatório de inspeção que também foi acolhida na resposta da requerida, não fazem depender a restituição do IVA do montante do financiamento público atribuído nem determinam que para além desse financiamento a restituição seria reduzida a 50%.

Como a própria expressão normativa indica a operação tinha que ser co-financiada, tinha que haver financiamento público a juntar a financiamento privado e o financiamento tinha que estar aprovado até 31 de Dezembro de 2010.

O n.º 2 do artigo 130.º acima transcrito é bem claro ao determinar que se mantinha, sem qualquer limitação, “O direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado (…) no que respeita às operações que se encontram em curso em 31 de Dezembro de 2010, bem como às que no âmbito de programas, medidas, projetos e ações objeto de co-financiamento público com suporte no Quadro de Referência Estratégico Nacional, no Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central ou nas receitas provenientes dos jogos sociais, estejam naquela data a decorrer, já contratualizadas ou com decisão de aprovação de candidatura”.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 179.º veio reduzir a 50% o IVA a devolver “exceto nos casos de operações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 130.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, relativamente às quais se mantém em vigor o direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado”.

Como se constata, em lado nenhum está escrito que apenas haveria lugar à restituição integral do IVA correspondente ao montante do financiamento contratualizado ou que a restituição seria apenas de 50% quanto aos montantes que excedessem esse valor.

É certo que o valor contratualizado foi de € 1.003.460,22 e que o custo final da obra superou esse valor em € 173.696,10.

Porém, a administração tributária não só não questionou a argumentação da requerente sobre o acréscimo do custo da obra como não apresentou qualquer prova que o valor a mais não foi aplicado nos custos dessa mesma obra.  

No dizer da lei, o que é beneficiado com a restituição do IVA e a medida desse benefício é, por um lado, a qualidade do beneficiário e, por outro lado, a natureza da despesa e a sua afetação, sendo que o financiamento e a sua origem foram erigidos, perante uma alteração da lei, apenas como elemento relevante para definir se a IPSS podia aceder ou não a esse benefício e em que condições. Não mais do que isto.

Ora, como prescrito no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, na interpretação das normas legais “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Julga-se assim procedente o pedido de anulação da liquidação adicional impugnada na parte referente ao IVA suportado com despesas referentes ao imóvel para “ampliação do lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário”, no montante de € 19.975,05.

Quanto ao IVA suportado em 2012 por despesas de “Equipamento básico”, o relatório de inspeção, acolhido na resposta da autoridade requerida, considera que a restituição deve ser integral em relação ao montante do financiamento aprovado e apenas de 50% quanto ao quantitativo excedente, calculando assim que o imposto restituído em excesso foi de € 7.878,34.

Convergindo requerente e requerida que estas despesas se devem considerar integradas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90 que, ao contrário da alínea b), não estabelece limites quanto aos seus quantitativos, os invocados artigos 130.º e 179.º também não estabelecem qualquer limite quanto a esses quantitativos, dependendo a restituição do IVA apenas do facto de ter havido co-financiamento e da candidatura ter sido aprovada antes de 31 de Dezembro de 2010, condições essas que, como dado por provado, se verificaram no caso em apreço.

Assim, com os mesmos fundamentos já apresentados para a situação anterior, julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação adicional impugnada na parte referente ao IVA suportado com despesas referentes a “equipamento básico” integrado no imóvel afeto ao lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário da requerente, no montante de € 7.878,34.

Quanto às despesas com “estudos, projeto e fiscalização”, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, a autoridade requerida, tal como apresentado no relatório de inspeção, considerou que o IVA restituído em excesso foi de € 2.242,50, invocando os mesmos fundamentos apresentados para as situações anteriores, ou seja, o montante das despesas desta rúbrica, no quantitativo de € 38.250,00, em relação ao qual foi pedida e obtida a restituição do correspondente imposto, no montante de € 8.490,00, excedeu o montante do financiamento aprovado que foi de € 17.880,04.

Assim, face às contas apresentadas, o valor do IVA pago em excesso foi de € 4.485,00, sendo que a requerente teria direito apenas a 50% deste montante ou seja aos referidos € 2.242,50.

Ora, ao contrário da posição da requerida, uma vez que estas despesas foram igualmente consideradas integradas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90, que não estabelece qualquer limite ao montante das despesas para efeitos da restituição do IVA, constata-se que os invocados artigos 130.º e 179.º também não estabelecem qualquer limite quanto a esses quantitativos, dependendo a restituição do IVA apenas do facto de ter havido co-financiamento no âmbito de uma candidatura aprovada antes de 31 de Dezembro de 2010, condições essas que, como dado por provado, se verificaram no caso em apreço.

Julga-se assim procedente o pedido de anulação da liquidação adicional impugnada na parte referente ao IVA suportado com despesas referentes a “equipamento básico”, no montante de € 2.242,50.

Quanto às despesas relativas ao ano de 2012 com bens ou serviços referentes a “elementos do ativo imobilizado” a liquidação impugnada considera que foi restituído em excesso a quantia de € 13.504,38.

O fundamento constante no relatório de inspeção que lhe serviu de suporte tem a ver com o facto de ter sido apresentado um pedido de reembolso referente a despesas no montante de € 91.878,64, cujo quantitativo ultrapassou assim o limite de € 9.975,96 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90.

Face ao cálculo apresentado no relatório de inspeção, a requerente só teria direito de obter a restituição de 50% do IVA correspondente ao dito valor de € 9.975,96, ou seja, € 1.147,23 (9975,96 x 23%: 50%).

Não contestando a requerente que lhe foi paga a quantia de € 14.651,61, com base no pedido que oportunamente apresentou nos serviços da AT, e não colhendo o argumento que tais despesas se deverão integrar na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 20/90, constata-se efetivamente que esse montante ultrapassou largamente a quantia prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º deste mesmo diploma legal cujos termos, conjugados com a repristinação e redução a 50% operada pelo n.º 2 do artigo 179.º da lei n.º 64-B/2011, prevê que a restituição seria apenas de € 1.147,23.

Nestes termos, improcede assim parcialmente o pedido de anulação da liquidação adicional pelo quantitativo de € 13.504,38  

Finalmente a liquidação adicional contém ainda o quantitativo de € 2.346,00 evidenciado em faturas emitidas em 2011 e 2012 relativamente a despesas incorridas com “serviços de consultoria” no âmbito do acompanhamento do projeto de candidatura ao financiamento público apresentado pela requerente.

Não se acompanha a posição da requerente no sentido de pretender que as despesas que deram origem ao IVA em causa devem ser consideradas despesa da construção do imóvel e nessa medida enquadradas na alínea a) do nº 1 do artigo 2.º do DL 20/90.

Com efeito, em face da prova produzida, tratou-se de despesa pela obtenção de serviços a montante da operação de construção/ampliação do prédio afeto a lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário e não de despesa com aquisição de bens ou serviços diretamente integrados na referida obra não preenchendo assim o requisito legal, previsto na citada alínea a), de estar em causa imposto suportado com “Aquisições de bens ou serviços relacionados com a construção, manutenção e conservação de imóveis”.

Julga-se assim improcedente o pedido de anulação parcial da liquidação impugnada pelo montante de € 2.346,00.

 

Decisão

Nestes termos, o tribunal arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação adicional impugnada pelo quantitativo de € 30.095,89 e julgá-lo improcedente quanto ao quantitativo de € 15.850,38, condenando nas custas requerente e requerida na proporção dos montantes em que decaíram.

 

Valor do processo

Face ao determinado no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 45.946,27.

 

Custas

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, bem como do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo, fixam-se as custas em € 2.142,00, ficando € 738,94 a cargo da requerente e € 1.403,06 a cargo da autoridade requerida.

 

 

Notifique-se

 

 

Lisboa, 7 de Dezembro de 2015

 

 

 

O árbitro,

 

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)