Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 242/2015-T
Data da decisão: 2015-11-23  IRC  
Valor do pedido: € 37.717,04
Tema: IRC – tempestividade do pedido
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Decisão Arbitral

 

Requerente: A…

Requerida: Fazenda Pública

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.      A…, com sede social na Rua …, nº …, … Porto, titular do NIPC, …, apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 08/04/2015, “nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, denominado Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)”, solicitando, in fine, a anulação “…das liquidações oficiosas de IRC identificadas no presente pedido de pronúncia…”.

2.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD.

3.      Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, e da alínea a), do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário árbitro singular do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado, tendo o Tribunal Arbitral Singular sido constituído em 19/06/2015, sendo que as partes foram notificadas na mesma data.

4.      O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – Do Pedido

1.      A A… (Requerente) apresentou pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade das liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2010 e 2011, em 8/04/2015, depois de ter visto indeferida uma Reclamação Graciosa que tinha interposto junto da AT com os mesmos fundamentos, com o mesmo objeto, cuja decisão foi notificada em 2015/01/12.

2.      Menciona expressamente no pedido que: ”Pretende-se a pronúncia do presente Tribunal com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRC, acima identificadas…”.

3.      Não volta a abordar a questão da reclamação graciosa nem qualquer facto com ela relacionado na PI.

4.      A Requerente com o presente pedido de pronúncia, delimitado a estes termos pela própria, solicita, concretamente, que sejam anuladas as liquidações adicionais de IRC efetuadas com referência aos exercícios de 2010 e 2011, nos montantes, respetivamente, de 37 348,95€ e 368,09€, por ilegalidade - vício de violação de lei - nomeadamente violação do art.º 54º do Código de IRC.

5.      Alegou, em suma, que fez entrega tempestiva das declarações Mod. 22 de de IRC de cada um daqueles exercícios, e que foi em resultado de uma ação inspetiva levada a cabo pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do …que surgiram as mencionadas liquidações adicionais.

6.      No entender da Requerente, as liquidações adicionais tiveram por base o valor da correção proposta da matéria tributável dos dois exercícios por parte da Administração Tributária (AT) com o fundamento de que “… as bebidas vendidas na Queima das Fitas pela A…, configuram custos comuns a todas as atividades desenvolvidas na Queima sujeitas e não isentas de IRC”;

7.      Isto porque, também no entender da AT, “sendo os gastos com as bandas e artistas de considerar afetos a todas as atividades realizadas naqueles eventos, sujeitas e isentas de IRC, por analogia, os gastos com as bebidas vendidas naqueles eventos também o serão, atendendo às sinergias resultantes da oferta diversificada de serviços num único espaço”;

8.      Com base neste entendimento a matéria coletável foi corrigida porque deve ser realizado rateio destes custos entre a atividade isenta e a atividade sujeita que é desenvolvida na Queima das Fitas.

9.      A Requerente discorda em absoluto desta leitura do art.º 54º do CIRC, pelo que a correção deverá ser eliminada e consequentemente a liquidação anulada “…dado que o que está em causa é que os gastos incorridos com bebidas correspondem a gastos exclusivamente incorridos com uma atividade sujeita e, como tal, os mesmos devem ser considerados como afetos à atividade sujeita e não repartidos entre a atividade sujeita e a isenta de imposto”;

10.  Isto porque, ”… a A… é um sujeito passivo que não exerce a título principal atividade comercial, industrial ou agrícola sendo tributada em sede de IRC nos termos previstos na alínea a) do nº 1 e nº 3 do artigo 2º, alínea b) do nº 1 do artigo 3º, alínea b) do nº 1 do artigo 15º, artigos 53º e 54º do Código do IRC, sendo tributada à taxa prevista no nº 5 do artigo 87º do mesmo Código.

11.  Assim, e conforme previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 11º do Código do IRC encontram-se isentos deste imposto os rendimentos diretamente derivados do exercício de atividades culturais, recreativas e desportivas, não sendo considerados, para este efeito, os provenientes de qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola exercida, ainda que a título acessório, em ligação com essas atividades e, nomeadamente, os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, a aplicações financeiras e jogo do bingo.

12.  Na verdade, “Relativamente às bebidas vendidas durante a Queima das Fitas, importa esclarecer que a A… se configura como um mero intermediário na venda das bebidas por parte da B… e outros distribuidores de bebidas aos concessionários dos espaços na Queima.

13.  Deste modo, as bebidas adquiridas pelos concessionários dos espaços à B… e outros distribuidores de bebidas, por intermediação da A…, são vendidas pelos concessionários durante a Queima das Fitas a valores de mercado.

14.  De facto, a A… não possui sequer qualquer stock de bebidas, ou assume qualquer risco de stock, sendo que os seus proveitos resultam do mero exercício de intermediação na compra e venda de bebidas e acessório às atividades da Queima das Fitas.

15.  Assim, o exercício desta atividade por parte da A… configura uma atividade comercial exercida a título meramente acessório, configurando como tal um rendimento sujeito e não isento de IRC, tal como a própria AT considera no decorrer do Projeto Final do Relatório de Inspeção.”

16.  Deste modo, e atendendo à ligação essencial, exclusiva e imediata entre os gastos (custo com a aquisição das bebidas à B… e outros distribuidores de bebidas) e os rendimentos sujeitos e não isentos de imposto (venda das bebidas aos concessionários), entende a A… como linear, que os respetivos gastos devem ser também afetos na sua totalidade à atividade sujeita e não isenta de IRC.

17.  Ademais, os argumentos invocados pela AT, em que esta refere que o evento Noites da Queima das Fitas ocorre num recinto fechado onde mediante a aquisição de um bilhete se pode disfrutar de uma série de serviços integrados de cultura, diversão, de entretenimento e outros serviços como a venda de bebidas e a restauração,

18.  Alegando ainda que aquele que pretender entrar dentro do recinto apenas para beber uma bebida não o pode fazer sem adquirir um bilhete,

19.  Em nada obstam ao entendimento da A…, atendendo a que, quem compra um bilhete para aquele evento tem por objetivo assistir a um espetáculo e aceder àqueles serviços de cultura, diversão e entretenimento e não o fará (certamente!) unicamente por pretender consumir uma bebida”.

20.  Sobre o procedimento da reclamação graciosa nada disse a requerente.

B – Da Resposta

1.      A Requerida foi notificada do pedido de pronúncia em 22/06/2015, e apresentou a sua Resposta, juntando com ela o processo administrativo, em 04/09/2015.

2.      Invocou a existência das exceções dilatórias de intempestividade do pedido de pronúncia e a verificação de caso julgado parcial.

3.      Apresentou também a impugnação detalhada sobre a matéria do pedido, nos termos seguintes:

 “Os gastos com a aquisição de bebidas (seja para revenda seja para venda direta ao público) foram custos transversais à realização do evento Queima das Fitas e de outros eventos similares por parte da Requerente. E são custos transversais por várias razões:

Em primeiro lugar, porque a venda de bebidas é uma componente indissociável de uma atividade cultural e/ou de entretenimento realizada em recinto fechado, como é o caso da Queima das Fitas. Com efeito, ocorrendo o referido evento num recinto fechado (ao qual apenas se pode aceder mediante a aquisição de um bilhete), os utentes estão necessariamente circunscritos a usufruir de forma indissociável não só a um conjunto de serviços integrados de cultura, diversão e entretenimento, mas também a serviços de restauração (onde se inclui a venda de bebidas):

«Apesar de não serem publicados quaisquer valores respeitantes aos montantes da despesa em alimentação e bebidas nos festivais, no Reino Unido considera-se geralmente que esse montante é cerca de 80% do valor gasto em bilhetes, o que elevaria a economia destes sete festivais em 2014 para perto dos 72 milhões de euros.»

Em segundo lugar, porque caso o evento caso se limitasse exclusivamente às atividades de cultura, diversão e entretenimento, por uma razão de evidência o número de utentes que se deslocariam àquele seria com toda a certeza muito menor.

O que, consequentemente, se refletiria não só na diminuição da receita de bilheteira, como também na receita adveniente dos patrocínios, concessão de espaços, entre outros.

Em terceiro lugar, porque sem a organização de um cartaz atrativo o próprio evento não teria a afluência de utentes que teve. O que, naturalmente, se refletiria não só na diminuição da receita de bilheteira, como também na receita de bilheteira, publicidade, venda de bebidas, entre outros. Aliás, só através da associação entre o evento e as marcas de bebidas vendidas consegue a Requerente oferecer aos utentes os espetáculos em causa, uma vez que as vendas e revendas das bebidas constituem uma forma daquela oferecer um baixo preço dos bilhetes face ao cachet dos artistas que atuam no recinto.

Em quarto lugar, porque o utente que pretenda apenas entrar no recinto para beber uma bebida só o poderá fazer mediante a aquisição de um bilhete.

Em suma, os gastos com as bebidas são gastos afetos a TODAS as atividades realizadas no recinto fechado da Queima das Fitas atendendo às sinergias resultantes da oferta diversificada de serviços (maxime, cultura, diversão, entretenimento e restauração) num único espaço.

Com efeito, se é certo que quem acede ao recinto fechado da Queima das Fitas não o faz apenas pela razão de adquirir uma bebida, não menos certo é também que poucos acederiam àquele recinto apenas pelos eventos de cultural, diversão e entretenimento em si mesmos.

Como resulta evidente e é do conhecimento público, os utentes que compram um bilhete para aceder a um evento realizado em recinto fechado, como in casu, têm em vista usufruir de toda uma envolvência que reúne todos os meios necessários, incluindo aqueles que visam a satisfação de necessidades humanas básicas, como é o caso do fornecimento de líquidos”.

4.      Concluiu pedindo a absolvição da instância, reconhecidas que estejam as exceções dilatórias, ou, se assim, não se entender, a declaração de improcedência do pedido por o ato tributário se encontrar realizado de acordo com as normas legais em vigor à data.

 

III – SANEAMENTO

Em 14/10/2015 decorreu a reunião do art.º 18º do RJAT, na qual, depois de ouvidas as partes sobre toda a matéria dos autos, se acolheu favoravelmente a desistência da inquirição das testemunhas arroladas pela AT, assim como ficou decidido que a apreciação das exceções teria lugar na decisão final, sem prejuízo de as partes alegarem por escrito sobre tal matéria em 5 dias.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (art.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

IV - MATÉRIA DE FATO PROVADA E NÃO PROVADA

Consideram-se provados nos autos os seguintes factos devidamente apoiados nos documentos juntos pelas partes:

·         A Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IRC dos anos de 2010 e 2011 após procedimento de inspeção que corrigiu a matéria coletável desses exercícios, sendo os montantes a pagar, respetivamente, de 37 348,95€ e 368,09€;

·         O prazo para pagamento voluntário terminou em 26/08/2013;

·         Em 23/12/2013 a impugnante apresentou reclamação graciosa;

·         A reclamação graciosa foi indeferida e a decisão foi notificada em 12/01/2015;

·         Em 8 de Abril de 2015 interpôs pedido de pronúncia arbitral.

Não se verifica a situação de factos não provados

Cumpre decidir.

 

IV - DAS EXCEÇÔES

 Exceção de intempestividade

1 – Encontram-se provados, com interesse para a apreciação desta exceção, os seguintes factos:

·         A Requerente viu alterada a matéria coletável declarada dos exercícios de 2010 e 2011, após o exame à escrita por parte do Serviço de Inspeção da AT.

·         Com base neste procedimento de inspeção externa, a AT efetuou uma liquidação adicional de IRC por cada um daqueles exercícios, em relação às quais a Requerente, por não estar de acordo, apresentou Reclamação Graciosa em 2013/12/23, que foi indeferida, e notificada em 12/01/2015.

·         Não se conformando com a decisão tomada em sede de Reclamação, a Requerente interpôs pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos, solicitando expressamente, e só, que “sejam anuladas as liquidações adicionais de IRC efetuadas quanto aos exercícios de 2010 e 2011, nos montantes de 37 348,95€ e 368,09€, respetivamente, por ilegalidade - vício de violação de lei - nomeadamente do art.º 54º do Código de IRC”.

2 - A AT, por seu turno, entende que a Requerente apresentou esta sua pretensão de julgamento em sede de tribunal arbitral para além do prazo previsto no nº 1 do art.º 10º do RJAT porque, no essencial,

” … tal como determina o artigo 10.º do RJAT quanto a atos de liquidação/autoliquidação, o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, n.os 1 e 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Deste último normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária [artigo 102.º/1-a) do CPPT].

Tendo em atenção o Documento 1 junto à p.i., dali se retira que a data limite de pagamento das duas liquidações adicionais (e não “liquidações oficiosas” como certamente por lapso indica a Requerente) era o dia 2013-08-26. Ora, o pedido de pronúncia foi apresentado pela Requerente a 2015-04-08, ou seja, muito para além do prazo de 90 dias contados a partir do dia 2013-08-26.

Logo, o pedido formulado é claramente intempestivo e o Tribunal Arbitral Singular não pode dele conhecer.

É certo que a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra os dois atos de liquidação adicional, a qual originou o processo n.º …2013… (cfr. Processo Administrativo de Reclamação Graciosa). Como igualmente certo é o facto da Requerida ter indeferido totalmente aquela Reclamação Graciosa (cfr. Processo Administrativo de Reclamação Graciosa).

Contudo, além de não ter feito qualquer alusão no pedido de pronúncia arbitral ao processo de Reclamação Graciosa, a Requerente não formulou qualquer pedido tendente à anulação daquilo que foi decidido em sede de procedimento de Reclamação Graciosa.

Ora, não tendo a Requerente esgrimido qualquer reparo ou contestação aos argumentos tecidos pela Requerida e que culminaram com o indeferimento da Reclamação Graciosa, forçoso se torna concluir que inexiste fundamento para se poder firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal Arbitral Singular apreciar o pedido formulado relativamente aos atos de liquidação.”

3 – A Requerente respondeu a esta exceção afirmando, nomeadamente, que,

“… como a própria Requerida assume expressamente na sua resposta, "é certo que a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra os dois atos de liquidação adicional, a qual originou o processo nº…2013…." 

Donde dúvidas não subsistem que foi apresentada pela Requerente uma reclamação graciosa sobre os atos de liquidação adicional, sendo certo que a mesma foi declarada totalmente improcedente, possibilitando como bem refere JOGE LOPES DE SOUSA, de resto citado pela Requerida nos itens 24º e 25º da sua resposta, a apresentação do presente pedido de constituição de tribunal arbitral no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa deduzida. 

E não se diga, como parece querer demonstrar a Requerida, que a Requerente ao não fazer qualquer alusão ao processo de reclamação graciosa, não formulou qualquer pedido tendente à anulação daquilo que foi decidido nessa sede. 

 Como supra se transcreveu, tal menção é feita expressamente no articulado apresentado, sendo que decorre da leitura da mesma, que o presente pedido surgiu, obviamente, no seguimento do indeferimento de tal reclamação graciosa. 

É manifesto que com a constituição do tribunal arbitral se pretende, a final, a anulação das liquidações adicionais de IRC, no entanto tal pedido surge como decorrência do pedido de ilegalidade da reclamação graciosa que confirmou o ato de liquidação, motivo pelo qual é indiscutivelmente tempestivo o pedido de pronúncia arbitral

…”.

 

Vejamos

Do art.º 10º do RJAT decorre que os interessados podem requerer a constituição de tribunal arbitral no prazo de 90 dias a contar dos factos enumerados no art.º 102º, nº 1 e 2[1] do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A impugnante foi notificada, em tempo, para efetuar o pagamento de liquidações adicionais de IRC com referência aos exercícios de 2010 e 2011, cujo prazo para pagamento voluntário dessas mesmas liquidações terminou em 201/08/2015.

Temos que, da consulta do processo administrativo, a Requerente por não estar de acordo com aquelas correções apresentou reclamação graciosa das liquidações, dentro do prazo legal, e a decisão de indeferimento foi notificada em 12/01/2015.

Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente interpôs pedido de constituição do tribunal arbitral em 2015/04/08, isto é, antes que decorressem os 90 dias previstos no nº1 do art.º 10º do RJAT.

A Requerida Fazenda Pública sustenta que é manifesto que os atos impugnados são duas liquidações de IRC (2010 e 2011- atrás identificadas) e que a Requerente não assacou ao ato de decisão proferido em sede de reclamação graciosa qualquer ilegalidade, ou seja, não fez qualquer referência à legalidade do procedimento de reclamação graciosa cujo objeto eram “…as ditas liquidações” apesar de a mesma ter sido totalmente indeferida.

No entender da AT o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido dirigido diretamente à ilegalidade do despacho ou decisão da reclamação graciosa e indiretamente à legalidade das liquidações impugnadas.

Tendo o pedido de pronúncia sido dirigido só à legalidade das liquidações adicionais de IRC, então o prazo para sindicar essas ilegalidades em sede de tribunal arbitral está ultrapassado porquanto o prazo para esse efeito terminou 90 dias depois do termo do prazo para o pagamento voluntário das ditas liquidações adicionais.

É sabido que o art.º 10º do RJAT prescreve que os interessados podem apresentar pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos no nº 1 e 2 do art.º 102º do CPPT, ou do termo do prazo para pagamento voluntário ou da notificação, neste caso, da notificação da reclamação graciosa.

A AT, por seu turno, defende que o início do prazo ocorreu logo após o termo do prazo para pagamento voluntário, porém, a Requerente entende que o início do prazo para apresentação do pedido arbitral ocorreu depois da notificação da reclamação graciosa.

O tribunal está vinculado na sua decisão pela delimitação que o Autor faz do objeto do processo, definindo-se os poderes cognitivos e decisórios do tribunal de conformidade com o que estabelecem os art.ºs 608.º e 609.º do Código de Processo Civil.

O que é objetivo é que a Requerente quer ver sindicada com esta ação, a legalidade dos atos tributários correspondentes às liquidações de IRC acima identificadas sem que tenha vindo apresentar, efetivamente, qualquer circunstância que tenha que ver com a legalidade do despacho proferido em sede de reclamação graciosa.

Ora, aos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por fundamento atos de liquidação é aplicável, por remissão, no que se refere ao prazo para respetiva apresentação, a contagem de prazo decorrente da alínea a) do nº 1 do art.º 102º do CPPT, isto é, o prazo de 90 dias contados a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

Daí que, referindo a Requerente expressamente que submete à apreciação do tribunal arbitral a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC de 2010 e 2011, embora o venha a fazer depois de ter visto indeferida uma reclamação graciosa com o mesmo objeto, entende-se, aliás, na sequência da jurisprudência pacífica deste tribunal e mesmo do STA, que não pode beneficiar do prazo referido na alínea b) do nº 1 do art.º 102º do CPPT para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral porque em relação à referida reclamação nada alega sobre a sua eventual ilegalidade, constatando-se apenas a referência provada da sua existência.

E esta conclusão resulta objetivamente da PI quando nas conclusões a Requerente diz:

“Deste modo, entende a A… que com o exposto se encontra devidamente fundamentada a imputação global dos gastos incorridos com bebidas à atividade sujeita e não isenta de IRC.

De facto, e olhando de uma forma necessariamente global para a atividade desenvolvida e tendo em conta todo o seu procedimento no que respeita aos seus gastos e rendimentos e respetiva imputação à sua atividade sujeita e isenta, impõe-se, como já referido, o cumprimento dos princípios da equidade e da justiça tributária, na repartição dos mesmos. Termos em que deve o presente pedido de pronúncia ser considerado inteiramente procedente, por provado e, em consequência serem anuladas as liquidações oficiosas de IRC, identificadas no presente pedido de pronúncia, com as legais consequências.”

Daí que, o objeto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, seja a invocada ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRC e não o indeferimento da reclamação graciosa. Ao contrário, constata-se, portanto, que em momento algum da petição ou até mesmo das alegações apresentadas, a Requerente faça menção a eventuais ilegalidades do despacho nela proferido, nada dizendo sobre este procedimento tributário.

Estando os poderes cognitivos do tribunal delimitados pelos factos alegados pelas partes, como atrás ficou dito, não pode o juiz decidir sobre questões não suscitadas pelas mesmas, nem condenar em objeto diferente ou em quantidade superior ao pedido, como determinam os citados art.º 608º e 609º do CPC.

Portanto, estes autos têm como objeto a anulação das liquidações adicionais de IRC de 2010 e 2011, pelo que o prazo para a impugnação em sede arbitral da sua eventual ilegalidade terminou decorridos que foram 90 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário daquelas liquidações, que era 2013-08-26. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 8/04/2015, estando, portanto, manifestamente para além do prazo legalmente previsto.

Nesta conformidade procede a exceção de intempestividade invocada pela Requerida, ficando, portanto, prejudicado o conhecimento da outra exceção e das restantes matérias suscitadas no presente processo.

 

DECISÃO

Nestes termos, decide o tribunal:

·         julgar procedente a exceção de intempestividade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2010 e 2011;

·         absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

De harmonia com o disposto no artº 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 37 717,04€.

 

Custas a cargo da Requerente, nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, que se fixam no montante de €1 836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 Lisboa, 2015-11-23

 

O Árbitro Singular

 

 

 

(José Ramos Alexandre)

 

 



[1]   Entretanto, a alínea d) do art.º 16º da Lei nº 82-E/2014, de 31/12/2014, revogou o referido nº 2.