Decisão Arbitral
Requerente: A… – ...
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
A – Tramitação processual
1. A… – …, NIF …, com morada na Rua …, Torre … – …, em Lisboa, (doravante Requerente) veio requerer, em 5 de Maio de 2015, a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no art. 10.º/2, al. c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que introduziu o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante, abreviadamente, designado por RJAT), com vista à anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo, referentes ao ano de 2012, incidentes sobre o Prédio, localizado em …, da freguesia e concelho de ... com o artigo matricial U-….
2. Pede, ainda, o Requerente a condenação da Requerida à restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.
3. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente optou por não designar árbitro.
4. Nos termos do art. 6.º/2 al. a) e do art. 11.º/1 al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como Árbitro, a ora signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
5. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 20 de Julho de 2015.
6. A Requerida apresentou a sua resposta no dia 25 de Setembro de 2015.
7. A reunião arbitral teve lugar no dia 2 de Novembro de 2015.
8. No dia 5 de Novembro de 2015, o Requerente apresentou, por escrito, resposta às excepções.
9. Foi fixado o dia 30 de Novembro de 2015 para a prolação da decisão final.
B. Posição das Partes
10. O Requerente alega, em síntese que:
10.1. É proprietário do prédio urbano (terreno para construção) situado na freguesia e concelho de ... inscrito que está descrito sob o artigo matricial n.º U-…, daquela freguesia.
10.2. O Requerente foi notificado dos actos tributários de liquidação do Imposto de Selo, por aplicação da verba 28.1, aditada pelo Decreto-Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, consubstanciada nos documento com os números 2012 …, de que resultou a importância a pagar de € 6.019,16 e número 2013 …, de que resultou uma importância a pagar de € 4.163,26.
10.3. À data daquelas liquidações, o prédio tinha os valores patrimoniais tributários de € 1.203.832,00 e € 1.248.975,00, respectivamente.
10.4. O Requerente apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico, os quais foram indeferidos.
10.5. Sustenta que a Requerida a ilegalidade e a inconstitucionalidade dos actos em causa.
10.6. Termina pedindo que o tribunal arbitral tributário declare a ilegalidade dos actos em causa.
10.7. Pede, igualmente, que seja reembolsado da totalidade do montante pago por força das liquidações descritas, acrescida dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data do reembolso.
11. A Requerida alega, em síntese que:
11.1. Por excepção, invoca a incompetência do tribunal arbitral, para conhecer do pedido, na parte em que o mesmo tem por objecto o documento de cobrança que comporta a liquidação do Imposto de Selo, consubstanciada no documento n.º 2013 … (1.ª prestação de 2012), efectuado nos termos da verba n.º 28 da Tabela do Código de Imposto de Selo, no valor de € 4.163,26.
11.2. Em abono da sua tese, sustenta que – nos termos do art. 2.º do RJAT que delimita a competência dos tribunais arbitrais –, está excluído do seu âmbito o pedido de pronúncia arbitral quanto ao acto de cobrança n.º 2013 …, invocando as decisões proferidas nos processos 736/2014-T, 27/2015-T, 726/204-T.
11.3. Por impugnação, sustenta a legalidade das liquidações impugnadas e a interpretação dada pela A.T. à verba n.º 28 da TGIS, concluindo, a final, pela improcedência do pedido.
C – Factos provados
12. Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante:
12.1. O Requerente era, em 2011 e 2012, proprietário do prédio urbano, correspondente a um terreno para construção, sito em …, concelho e freguesia de ... inscrito na matriz predial urbana sob o art. ….
12.2. Em 8/11/2012 foi emitida a liquidação de Imposto de Selo, nos termos da Lei n.º 55-A/2012, art. 6.º/al. l), f) e i), que deu origem ao documento identificado com o n.º 2012 …, de que resultou o apuramento de uma colecta no montante de € 6.019,16.
12.3. À data da liquidação, o prédio tinha o valor patrimonial tributário de € 1.203.832,00.
12.4. Deste documento consta a seguinte menção: “A liquidação efectuada observa o disposto nas alíneas a) a f), do n.º 1, do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”.
12.5. O Requerente foi notificado para efectuar o pagamento da prestação única, no montante de € 6.019,16, até ao dia 20/12/2012.
12.6. Em 19/12/2012, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto no montante de € 6.019,16.
12.7. Em 22/03/2013 foi emitida liquidação de Imposto de Selo, por aplicação da verba n.º 28.1, ano de 2012, à taxa de 1% sobre o VPT, que deu origem ao documento identificado com o n.º 2013 …, de que resultou o apuramento de uma colecta no valor de € 12.489,76.
12.8. À data desta liquidação, o prédio tinha o valor patrimonial tributário de € 1.248.975,70.
12.9. Neste documento consta ainda o seguinte: “Ano do Imposto – 2012”, e a seguinte menção: “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT.”
12.10. O Requerente foi notificado para pagar a primeira prestação até ao final do mês de Abril de 2013, no montante de € 4.163,24.
12.11. Em 29/04/2013, o Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação no montante de € 4.163,26.
12.12. O Requerente apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico, os quais foram indeferidos pela Requerida.
II – SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º/2, e 6.º/1, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos art. 4.º e 10.º/ 2, do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de vícios que o invalidem.
III. FUNDAMENTAÇÃO
As duas questões a decidir no âmbito dos presentes autos são as seguintes:
1. A primeira questão reporta-se à competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido que respeita à liquidação de Imposto de Selo efectuada em 22/03/2013;
2. A segunda é a de saber se o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, mais especificamente, saber se nela estão incluídos os terrenos para construção, ou seja, saber se um terreno para construção é um prédio com afectação habitacional para efeitos de aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
a) Da competência do tribunal arbitral
Os dois pedidos formulados pelo Requerente, embora coincidentes quanto aos preceitos normativos em causa – a aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aos terrenos para construção – foram delimitados de forma diferente. Se relativamente ao primeiro pedido (documento n.º 2012 …), o mesmo não suscitou dúvidas quanto ao objecto dos presentes autos, já no segundo levou a Requerida a suscitar a excepção de competência do Tribunal Arbitral. Com efeito, o segundo pedido – consubstanciado no documento identificado com o n.º 2013 … –, o Requerente parece impugnar a sua liquidação. Porém, ao concretizar esse pedido o Requerente refere que do mesmo resulta uma importância a pagar no montante de € 4.163,26, sendo omisso quanto ao valor da colecta resultante da liquidação efectuada. A identificação do objecto do pedido, tal como configurado pelo Requerente, pode dar azo a dúvidas quanto ao efectivo objecto do pedido de pronúncia arbitral, designadamente, saber se o Requerente impugna a liquidação de Imposto de Selo ou apenas o pagamento da primeira prestação que resultou dessa liquidação.
O Requerente instruiu o pedido com dois documentos, o primeiro, reporta-se à liquidação do Imposto de Selo n.º 2012 …, no valor de € 6.019,16 e o segundo à liquidação de Imposto de Selo n.º 2013 …, no valor de € 12.489,78, com pagamento da primeira prestação no montante de € 4.163,26.
Na óptica da Requerida, este último documento configura um mero documento de cobrança o que leva a Requerida a sustentar que o Requerente não impugna o acto tributário mas se limita a impugnar o pagamento da primeira prestação de um acto tributário. Conclui alegando que, nesta parte, o objecto do processo é a anulação de uma nota de cobrança para pagamento da primeira prestação de um imposto, matéria que não consta da competência dos tribunais arbitrais tributários de acordo com o art. 2.º do RJAT.
Na resposta às excepções invocadas, o Requerente sustenta que o pedido de pronúncia arbitral versa sobre a anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo nos termos da verba n.º 28.1 da Tabela de que a nota de cobrança é uma mera emanação.
Na verdade, a formulação deste segundo pedido parece, de facto gerar dúvidas, quanto ao objecto da impugnação: se o acto de liquidação de Imposto de Selo, se uma nota de cobrança referente ao pagamento da primeira prestação.
Todavia, dos fundamentos ou razões invocadas pelo Requerente e das menções expressas no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, resulta que o Requerente questiona duas liquidações de Imposto de Selo: “A Requerente foi notificada dos actos tributários de liquidação de IS, a seguir identificados” (cf. art. 12.º), “As Liquidações reportam-se (...) e a norma em que as mesmas se baseiam é a Verba 28 da TGIS” (art. 13.º), “As Liquidações referem-se ao Prédio (...)” (art. 14.º), “Aquando da data das Liquidações (...)” (art. 20.º).
Resulta do pedido que o Requerente pede ao Tribunal Arbitral que declare a “ilegalidade das liquidações de imposto de selo efectuado nos termos da Verba 28 da TGIS e referentes ao ano de 2012, incidentes sobre o prédio localizado em …, … ... distrito do Porto, Concelho de ... Freguesia de ... com o artigo matricial U-…, com base na sua ilegalidade/inconstitucionalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas concretamente aplicáveis.”
Da menção aos actos impugnados que podemos ler no art. 12.º do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, o Requerente alega que foi notificado das liquidações de Imposto de Selo que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, por remissão para os documentos números 2012 … e 2013 …, identificando-os como as “Liquidações”, ambas reportadas ao ano de 2012.
A formulação final do pedido e a petição leva-nos a concluir que o Requerente põe em causa duas liquidações de Imposto de Selo por aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aos terrenos para construção, que deram origem aos documentos com os números 2012 … e 2013 ….
Embora a formulação dos pedidos não constitua, na verdade, nenhum modelo perfeccionista, a verdade é que o Requerente deu a conhecer suficientemente, ao Tribunal arbitral, o efeito jurídico que pretendia obter e quais os actos emanados pela Requerida objecto da sua pretensão anulatória: duas liquidações de Imposto de Selo consubstanciadas nos documentos com os números 2012 … e 2013 ….
Com efeito, o Requerente identifica como objecto do pedido arbitral os actos de liquidação de Imposto de Selo e, consequentemente, pede a anulação de ambos, por vício de violação de lei.
Como vem sendo jurisprudência do STA, a lei não impõe nesta matéria formulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis, exigindo-se apenas que o impugnante descreva a sua pretensão expondo os seus fundamentos e objecto ou, dito de outro modo, o efeito jurídico que se pretende obter com a acção impugnatória (cf. Ac. STA de 9/02/1993, 4/10/1995 e 29/10/2008, proferido no processo 541/08). Este entendimento corresponde àquele que aliás melhor se coaduna com o princípio da tutela judicial efectiva e os princípios pro accione.
Conclui-se, assim, que o Requerente pretende ver apreciado no âmbito dos presentes autos a legalidade de dois actos de liquidação do Imposto de Selo, de modo que o objecto do presente pedido se refere a duas pretensões anulatórias de liquidação de actos tributários. Termos em que se decide que o Tribunal Arbitral é competente para deles conhecer, nos termos do disposto no art. 2.º/1, al. a), do RJAT.
Improcede, pois, a excepção de incompetência deduzida pela Requerida.
b) Da incidência da Verba n.º 28.1 da TGIS aos terrenos para construção
A questão a decidir nos presentes autos é a de saber o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, mais especificamente, saber se nela estão incluídos os terrenos para construção. Sinteticamente a questão que se coloca é a de saber se um terreno para construção é um prédio com afectação habitacional para efeitos de aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
O Tribunal Arbitral Tributário é novamente chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se os terrenos para construção, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, podem subsumir-se ao conceito de prédios (urbanos) “com afectação habitacional”, a que alude a já identificada verba n.º 28.1 da TGIS.
Esta questão foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da Arbitragem Tributária (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 51/2013-T, 144/2013-T, 2/2015-T, 54/2015-T e 84/2015-T entre outros), como pelos sucessivos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciaram, reiteradamente e de forma uniforme, sobre a questão decidenda (cf. Ac. STA de 22/04/2015, proferido no processo 347/15, e toda a jurisprudência aí citada, e Ac. STA de 29/04/2015, proferido no processo 21/15, Ac. STA de 8/7/2015 proferido no processo 573/15 entre outros), não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência firmada, que decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, previstos na verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55/2012, de 29 de Outubro, como prédios (urbanos) com afectação habitacional.
A verba n.º 28 da TGIS, anexa ao Código de Imposto de Selo (CIS), foi aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, vigente à data da liquidação em causa nos presentes autos, tinha a seguinte redacção:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”
A redacção da verba n.º 28.1 foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando o ponto 28.1 a utilizar o conceito de prédio habitacional, e a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”. Porém, a alteração legislativa operada não tem aplicação aos presentes autos que têm por referência os anos anteriores. Com efeito, como já foi salientado pelo Ac. do STA de 29/04/2015, esta alteração não tem aplicação a situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013).
Como já aludimos, a questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ou seja, apurar se os terrenos para construção podem subsumir-se ao conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional.
Vejamos,
O conceito de prédio (urbano) com afectação habitacional não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no CIS ou no CIMI para o qual o art. 67.º/2 do CIS remete a título subsidiário, quando estejam em causa matérias não reguladas respeitantes à verba n.º 28.1 da TGIS, se definiu o conceito de prédio com afectação habitacional.
Da leitura do CIMI verificamos uma distinção entre prédios urbanos e prédios rústicos, definindo-se como prédios urbanos todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos – cf. art. 4.º do CIMI. Diz-nos o art. 6.º/1 daquele diploma que os prédios urbanos se dividem em: habitacionais [al. a)], comerciais, industriais ou para serviços [al. b)]; terrenos para construção [(al. c)] e outros [(al. d)].
O CIMI define prédios habitacionais, comerciais ou industriais ou para serviços como os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins – cf. art. 6.º/2 do CIMI. Os terrenos para construção são os terrenos situados, dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operações de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente, os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos – cf. art. 6.º/ 3 do CIMI.
Resulta, pois, que o CIMI não oferece uma definição específica do que sejam prédios com afectação habitacional, tendo-se colocado, nos vários litígios a que deu azo a redacção da verba n.º 28.1, na sua versão originária, a questão de saber qual o âmbito de incidência da mesma.
Como tem sido sufragado nos vários acórdãos e decisões arbitrais a que já aludimos, a expressão afectação habitacional não pode ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos com efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.
Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem per si qualquer condição de serem considerados prédios com afectação habitacional, uma vez que não possuem licença de utilização para habitação e, por outro lado, não são, pela sua própria natureza, habitáveis.
Com efeito, a afectação habitacional que refere o CIMI surge sempre referida a “edifícios” ou “construções” existentes, autorizados ou previstos, porque apenas estes podem ser habitados, o que não acontece, naturalmente, com os terrenos para construção. Ou, dito de outro modo, os terrenos para construção não são susceptíveis de serem utilizados para habitação.
O facto de na determinação do VPT dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se levar em conta a afectação que será para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. art. 45.º/ 1 e 2 do CIMI) não transforma os terrenos para construção em prédios com afectação habitacional.
A expressão prédio urbano com afectação habitacional que encontramos na verba n.º 28.1 da TGIS, no confronto com as espécies de prédios que surpreendemos no art. 6.º n.º 1, afasta do âmbito de aplicação daquela os prédios urbanos que não sejam habitacionais, como sucede aos que tenham destinos comerciais, industriais, sejam terrenos para construção e outros, cujas categorias podemos ler no art. 4.º/1 al. b) a d) do CIMI.
Por outro lado, como já foi salientado em anteriores decisões sobre esta matéria, aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Como realçou a decisão n.º 144/2013-T do CAAD, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da al. a), do n.º 1, do art. 6.º do CIS e “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabem os terrenos para construção, referidos que são na alínea c) do citado preceito.
Assim, os terrenos para construção não se subsumem ao conceito de prédio com afectação habitacional, prevista na verba n.º 28.1 da TGIS.
Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que os terrenos para construção não estão abrangidos pelo conceito de prédio (urbano) com afectação habitacional constante da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ou seja, na redacção anterior à Lei do Orçamento de Estado para 2014.
Não havendo sustentação legal para os actos de liquidação efectuados, impõe-se a sua anulação.
c) Dos juros indemnizatórios
Peticiona o Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante total de € 10.182,42, bem como dos respectivos juros indemnizatórios.
O art. 43.º/1 da Lei Geral Tributária prescreve que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
Por seu turno, o art. 24.º/1, al. b) do RJAT dispõe que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
Dado que, no caso sub iudice, se verifica a ilegalidade da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária que procedeu à liquidação impugnada, por incorrecta aplicação e interpretação do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, tem o Requerente direito ao reembolso do imposto pago no montante de € 6.019,16 e € 4.163,26 e aos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até integral pagamento, à taxa de juros resultante do art. 43.º/ 4 da Lei Geral Tributária.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a excepções de incompetência invocada pela requerida;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal as liquidações de Imposto do Selo, em causa, que deram origem aos documentos com os números 2012 …, de 8/11/2012 e 2013 …, de 22/03/2013, com todas as legais consequências;
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o Requerente o valor do imposto indevidamente pago, no montante de € 10.182,42, acrescido de juros indemnizatórios desde a data em que cada um dos pagamentos foi efectuado até à data do seu integral reembolso;
d) Condenar a Requerida nas custas do presente processo.
Valor do processo:
De harmonia com o disposto no art. 306.º/1 e 2 do Código do Processo Civil, conjugado com o art. 97.º-A/1 al. a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT) e art.º 3.º/2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 18.508,92, que constitui o montante total do imposto resultante das liquidações impugnadas cuja anulação se peticionou.
Com efeito, o objecto do presente processo, conforme resulta do pedido constante da petição inicial, é a impugnação de duas liquidações de Imposto de Selo, cuja colecta total é de € 18.508,92, pelo que é esta a importância cuja anulação foi pretendida (art. 97.º-A/1, al. a) do CPPT).
Custas:
Para os efeitos do disposto no art. 12.º/2 e no art. 22.º/4 do RJAT e art. 4.º/4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 26 de Novembro de 2015
O Árbitro,
(Alexandra Gonçalves Marques)