Decisão Arbitral
Processo n.º 312/2015-T
Tema: Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético / Constitucionalidade
Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (árbitro-presidente), Prof. Doutora Suzana Tavares da Silva e Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa (árbitros vogais), acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1 - A, pessoa coletiva n.º …, com sede na … (de ora em diante, Requerente), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força do consignado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º daquele Decreto-Lei, apresentar, em 19-05-2015, pedido de pronúncia arbitral com vista à apreciação da legalidade dos atos administrativos de liquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (de ora em diante apenas CESE), criada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, de cujo artigo 228.º consta o respetivo regime legal, atos esses praticados pela Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras I da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), relativos ao ano de 2014 e constantes da demonstração de liquidação n.º 2014 CESE..., notificados em 09-01-2015.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (de ora em diante RJAT), na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, a Requerente designou como árbitro a Professora Doutora Suzana Tavares da Silva e a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante AT ou Requerida) indicou como árbitro, nos termos do disposto na já mencionada alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, tendo sido designado por ambos, como terceiro árbitro (e árbitro presidente), nos termos do disposto na referida alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 6 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Professor Doutor Rui Duarte Morais.
Os signatários comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável e as Partes, notificadas das designações, não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-08-2015.
2- No pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a Requerente alega, em suma, que a CESE é um imposto e que a sua incidência, subjetiva e objetiva, viola o princípio da capacidade contributiva, o princípio da igualdade, o princípio da tributação das empresas pelo lucro real e, além disso, o princípio da proibição da consignação de receitas a determinadas despesas.
Entende ainda a Requerente que, mesmo admitindo ser a CESE uma verdadeira contribuição financeira (e não um imposto), ainda assim seria um tributo materialmente inconstitucional por constituir uma restrição inadmissível do direito de propriedade, violar o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade (o princípio da equivalência).
Para sustentar a sua argumentação, a Requerente juntou pareceres dos Senhores Professores Doutores Paulo Otero e Sérgio Vasques.
Finalmente, a Requerente alega que não lhe pode ser imputada responsabilidade no atraso na liquidação, porquanto, à data em que esta deveria ter ocorrido, não estavam ainda verificados todos os respetivos pressupostos.
A AT apresentou a sua resposta em 02-10-2015, tendo exercido o contraditório por impugnação e por exceção.
A título de exceção invocou: i) ilegitimidade passiva; ii) incompetência material do tribunal por não se encontrar materialmente habilitado a apreciar a questão da inconstitucionalidade que fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados; e iii) incompetência material do tribunal por a AT se encontrar apenas formalmente vinculada aos tribunais arbitrais constituídos para a apreciação de questões relacionadas com “impostos”.
Quanto ao mérito do pedido, a AT sustentou a legalidade das liquidações impugnadas, por entender que a CESE configura, formal e materialmente, uma contribuição financeira, a qual respeita, em absoluto, o princípio da equivalência e não viola o princípio da igualdade (proporcionalidade).
Quanto à violação da regra da não consignação, a AT sustenta que, mesmo entendendo-se estar em causa um imposto, existem exceções, nomeadamente a prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental, sendo que a CESE preenche os pressupostos de tal exceção.
Por requerimento de 14-10-2015, a Requerente veio responder às exceções invocadas pela AT.
O conhecimento das exceções foi oportunamente, por despacho arbitral, relegado para a decisão arbitral final.
No seguimento do Requerimento apresentado pela Requerente em 27-10-2015, cujo teor seria aceite pela Requerida em 09-11-2015, foi emitido, em 10-11-2015, despacho arbitral qual se dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e se decidiu que o processo prosseguisse, dando-se a possibilidade às partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, de forma sucessiva, em 15 dias.
As Partes apresentaram alegações, mantendo os respetivos pontos de vista e nada acrescentando de substancial ao já alegado nos requerimentos anteriores.
Assim, reunidas todas as peças processuais, bem como os pareceres de direito que as acompanham, todos devidamente apreciados e ponderados pelo Tribunal, cumpre decidir.
II - FACTOS PROVADOS
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A Requerente não procedeu à autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, relativamente ao ano de 2014. Perante tal omissão, e na sequência de uma ação inspetiva, a AT procedeu à liquidação ora objeto de impugnação.
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A Requerente não contesta que preenche os pressupostos de incidência de tal tributo.
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A Requerente exerce uma atividade regulada pela Entidade Reguladora do Sector Energético (ERSE).
Não existem factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.
III - DAS EXCEPÇÕES
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Da ilegitimidade passiva
Sustenta a AT, na sua resposta, que não é parte legítima neste processo, uma vez que a Requerente não imputa vícios intrínsecos à liquidação, mas sim “vícios de (i)legalidade e (in)constitucionalidade da norma [do regime jurídico que aprovou a CESE], pretendendo a sua desaplicação”, não podendo a Requerida apreciar essa questão e proceder em tais termos [de desaplicação da norma], por dever atuar em obediência ao princípio da legalidade.
É de presumir que a Requerida se arrima aqui à circunstância de, enquanto entidade administrativa, não poder recusar a aplicação de normas legais, com fundamento na sua inconstitucionalidade. Ora, é exato que uma tal impossibilidade – comummente reconhecida em princípio e em termos gerais – se estende também, naturalmente, à AT. Mas o argumento que daí pretende extrair, para concluir pela sua ilegitimidade neste processo, é completa e manifestamente improbante.
É que essa impossibilidade não obsta, como é óbvio, a que, realizada pela AT a liquidação de qualquer tributo, o sujeito passivo possa impugnar judicialmente essa liquidação com fundamento na inconstitucionalidade da norma em que a mesma se baseou – e de tal modo que, se o tribunal julgar procedente o vício e, consequentemente, anular a liquidação, nada mais restará à AT senão «executar» a decisão judicial (seja reformando a liquidação, em função do judicialmente decidido, seja pura e simplesmente promovendo o reembolso do sujeito passivo).
Ora, é disto que agora, e neste processo, se trata: o que nele se questiona não é, diretamente, e em abstrato, a inconstitucionalidade das normas que aprovaram a CESE (posta nesses termos, a questão haveria de ser, de facto, objeto de outro processo, no âmbito do Tribunal Constitucional) – é antes, e justamente, a ilegalidade dos atos de liquidação da CESE praticados pela Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras I da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), relativos ao ano de 2014 e constantes da demonstração de liquidação n.º 2014 CESE..., fundamentada na inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE.
Trata-se de um controlo difuso, concreto e incidental, nos termos do qual a norma legal que fundamenta o ato de liquidação pode ser julgada inconstitucional e, consequentemente, desaplicada no caso concreto, fundamentando assim a ilegalidade derivada do ato de liquidação – ilegalidade no sentido de ilegitimidade jurídica, por se fundamentar, neste caso, na violação da Constituição, e derivada, por não se tratar de um vício intrínseco ao próprio ato, mas sim de um vício do qual o mesmo acaba por enfermar na sua génese em razão do vício originário de inconstitucionalidade de que padece a norma que é sua condição de validade.
É o controlo previsto no artigo 204.º da C.R.P., segundo o qual os tribunais podem desaplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. E é um controlo que o presente Tribunal Arbitral, por constituir uma das categorias de tribunais à luz do regime jurídico-constitucional vigente (ex vi o n.º 2 do artigo 209.º da C.R.P.), pode levar a cabo, no âmbito do controlo de legalidade dos atos tributários supra mencionados.
Assim, caso o Tribunal Arbitral venha a decidir pela ilegalidade do ato de liquidação com fundamento na inconstitucionalidade das normas que aprovaram o Regime Jurídico da CESE, nos termos antes referidos, não pode a AT deixar de se conformar com os efeitos da decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 24.º do RJAT – sem prejuízo de um eventual recurso para o Tribunal Constitucional, relativo à questão incidental da inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da C.R.P..
Eis o que, evidentemente, assegura que a Requerida é parte legítima no processo – pelo que haverá de ser julgada improcedente a exceção da sua ilegitimidade passiva.
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Da incompetência material do tribunal por não se encontrar materialmente habilitado a apreciar a questão da inconstitucionalidade que fundamenta o pedido de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados
Como já resulta dos fundamentos que sustentam a improcedência da exceção de ilegitimidade passiva, o presente tribunal arbitral tem competência, nos termos dos mencionados artigos 209.º e 204.º da C.R.P., para proceder, no âmbito do presente processo, ao controlo concreto de constitucionalidade das normas que sustentam os atos de liquidação impugnados pela Requerente e à sua eventual desaplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
Uma modalidade de controlo de constitucionalidade que, de resto, tem até repercussão legal expressa no artigo 25.º do RJAT, eliminando assim quaisquer dúvidas que ainda pudessem subsistir quanto à admissibilidade do controlo concreto de constitucionalidade das normas legais no âmbito da apreciação da legalidade dos atos tributários em processo arbitral.
Por esta razão, improcede a exceção, ora em apreço, de incompetência material do tribunal invocada pela AT.
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Da incompetência material do tribunal por a AT se encontrar apenas formalmente vinculada aos tribunais arbitrais constituídos para a apreciação de questões relacionadas com “impostos”
Por último, invoca ainda a Requerida a incompetência material do tribunal fundamentada na não vinculação formal da AT aos tribunais arbitrais constituídos para a apreciação de quaisquer questões que não estejam relacionadas com “impostos”. Em outras palavras, o que a AT defende é que, na eventualidade de o tribunal concluir que o tributo em apreço é juridicamente uma “contribuição” e não um “imposto”, uma tal decisão não será oponível à AT, na medida em que esta, por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apenas se encontra vinculada à “jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º [do RJAT]”.
Para a AT, embora o RJAT refira expressamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º. que o âmbito material da arbitragem abrange “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, o facto de o mencionado artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ter usado a expressão “impostos” em vez de manter a de “tributos” significa que o Governo terá querido restringir os litígios a que a AT se vincula aos que se relacionam com impostos.
Todavia, uma tal interpretação não se nos afigura juridicamente correta.
Em primeiro lugar, o teor literal e a articulação sistemática dos preceitos não permitem um esclarecimento direto e evidente do sentido das normas. E se algum sentido se pode atribuir de forma mais próxima e fiel à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva clara que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções.
Em segundo lugar, a convocação dos elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam para a razoabilidade de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.
O facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade.
A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da mencionada Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas, ao fim e ao cabo, ao facto de, à data dela, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características.
Mais, a doutrina em que a AT se louva não permite sustentar uma posição diversa, antes pelo contrário.
Assim, p. ex., SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE em «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24, deixam claro que
“os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.
Nesta medida, considera-se que o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ̶ abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.
Consequentemente, e uma vez que a CESE, tal como resulta do artigo 7.º do respetivo regime jurídico, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (na redação entretanto atualizada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 e Dezembro e pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril) é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto.
Julga-se assim igualmente improcedente a exceção, ora em causa, de incompetência material do tribunal.
O processo é próprio e tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não existem nulidades ou mais exceções de que cumpra conhecer.
IV - DO MÉRITO
Constituem o objeto da presente ação as questões de saber se os atos de liquidação impugnados respeitantes à CESE de 2014 são ou não ilegais por i) ser inconstitucional o regime da CESE e por ii) não se verificarem os pressupostos para a respetiva liquidação.
A - DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME JURÍDICO DA CESE
O primeiro fundamento alegado pela Requerente para sustentar a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados refere-se à inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE.
Segundo a sua argumentação, a CESE constitui dogmaticamente um imposto e não uma contribuição financeira, na medida em que não apresenta, estruturalmente, nenhuma expressão de bilateralidade que possa sustentar-se no princípio da equivalência, consubstanciando, pelo contrário, um “imposto especial sobre alguns operadores de um sector de atividade específico, aos quais, em face da sua particular capacidade contributiva, o Estado entendeu que devia exigir um esforço acrescido no processo de consolidação orçamental”, a que somou o objetivo de, com esta receita ou pelo menos com parte dela, reduzir o stock da “dívida tarifária” do sector elétrico.
E depois, sustenta a Requerente que a CESE é um “imposto inconstitucional” por violar: i) o princípio da capacidade contributiva na sua vertente da igualdade fiscal, ao repousar sobre uma base de incidência subjetiva arbitrária – isentando do mesmo uma parte dos operadores económicos do sector energético (os que, aparentemente, têm menor capacidade contributiva) e também os que não tenham no país sede ou direção efetiva –; ii) a regra do n.º 2 do artigo 104.º da C.R.P., que prevê a tributação das empresas pelo lucro real, quando exclui a CESE dos gastos dedutíveis em sede de IRC, criando assim um “imposto sobre o rendimento [que acresce ao IRC] que incide indiretamente sobre os lucros”; iii) o princípio da proporcionalidade, pela circunstância de a sua incidência objetiva de base presuntiva – que se reconduz a uma presunção de que os “ativos são uma manifestação de riqueza potencial” – conduzir a uma tributação arbitrária, que somada ao efeito de sobreposição que apresenta em relação ao IRC, a transforma num tributo confiscatório; iv) o princípio da proibição da consignação de receitas a determinadas despesas, constante do n.º 3 do artigo 105º da Constituição.
Por último, afirma ainda que, mesmo a ser possível reconduzir a CESE à categoria de contribuição financeira, esta seria também inconstitucional por violar: i) o princípio da proporcionalidade, na medida em que infringe o princípio da igualdade proporcional na repartição dos encargos públicos, ao impor a certas empresas operadoras do sector energético um encargo tributário superior ao dos restantes operadores económicos, quando nenhuma razão fundamentada existe para que estes suportem diferenciadamente, e na medida da diferença assim imposta, os custos sociais e ambientais em matéria de política ambiental e energética; e o ii) o princípio da razoabilidade, ao prorrogar temporalmente, e aparentemente com tendência à perenidade, a vigência de um tributo que havia sido concebido sob a denominação de extraordinário e com um carácter previsivelmente anual, como denunciava a sua criação por Lei do Orçamento do Estado.
Na sua resposta, a AT sustenta que a CESE é uma verdadeira contribuição financeira, destinada a suportar os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do sector energético, o que explica a consignação das respetivas receitas ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Segundo a Requerida, existe uma “relação causal” neste tributo (“uma contrapartida presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”), pois “os operadores económicos do sector, sujeitos passivos da CESE, presumivelmente provocarão ou aproveitarão o financiamento de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético”. Para além disso, as isenções subjetivas previstas pelo legislador não são, no seu entender, arbitrárias ou desproporcionais, na medida em que excluem os centros electroprodutores com menor representatividade, de modo a garantir que esta medida tributária não constitua um obstáculo à entrada ou permanência no mercado, ou seja, não restrinja a concorrência e o acesso ao mercado energético.
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Da qualificação jurídica da CESE
1.1. A CESE é um tributo criado pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, mais concretamente pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
De acordo com o legislador, a CESE “tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético” (n.º 2 do artigo 1.º do Regime Jurídico da CESE).
Na redação inicial da lei, a CESE incidia sobre as pessoas singulares ou colectivas que integravam o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de Janeiro de 2014, se encontrassem em alguma das situações descritas nas alíneas a) a l) do artigo 2.º do Regime Jurídico da CESE.
Já no que respeitava à incidência objetiva, estipulava o artigo 3.º do Regime Jurídico da CESE que a mesma incidia sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitassem, cumulativamente, a: ativos fixos tangíveis; ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas. No caso das atividades reguladas – como é o caso da atividade de armazenamento subterrâneo de gás natural, que a Requerente exerce em regime de concessão de serviço público (artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de Fevereiro, modificado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 230/2012, de 26 de Outubro), integrada no contexto da exploração da Rede Nacional de Transporte, Infra-estruturas de Armazenamento e Terminais de GNL (RNTIAT) –, a CESE incide sobre o valor dos “ativos regulados” caso este seja superior ao valor dos ativos calculados segundo as regras gerais.
De sublinhar ainda, com interesse para a caracterização do tributo, que o mesmo foi concebido como um encargo a suportar económica e financeiramente pelos respetivos sujeitos passivos, o que explica a proibição de repercussão do mesmo sobre os consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime Jurídico da CESE), e a proibição de que o respetivo valor possa ser considerado um gasto dedutível para efeitos de aplicação do IRC (artigo 12.º do Regime Jurídico da CESE).
Por último, trata-se de um tributo de receita consignada a um fundo público – fundo entretanto constituído como património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, gerido, na vertente técnica, pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, e na vertente financeira pela Direcção-Geral do Tesouro (Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril) – que obedece a regras legais em matéria de alocação das respetivas receitas, em especial da CESE, cujo produto é utilizado em dois terços para o financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e o terço restante na redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (artigos 4.º/2a) e 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 e artigo 11.º do Regime Jurídico da CESE).
No final do ano de 2014, o legislador decidiu ‘prorrogar’ a vigência da CESE, fazendo alguns ajustes na redação dos artigos daquele regime jurídico, de modo a adequar o texto legal à concernente vigência no ano de 2015 – artigos 237.º e 238.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.
Já em 2015, o Regime Jurídico da CESE haveria de sofrer nova modificação, em consequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, cuja principal finalidade foi alargar o seu âmbito de aplicação aos comercializadores do sistema nacional de gás natural.
1.2. Tomando em consideração os elementos estruturais caracterizadores da CESE antes mencionados, podemos inferir que a questão da sua qualificação jurídico-tributária há-de fazer-se no contexto da respetiva recondução à categoria de um imposto de receita consignada ou de uma contribuição financeira. (A qualificação de taxa é logo de afastar por manifesta inexistência de uma contraprestação individualizável, que é um dos pressupostos desses tributos).
Tradicionalmente, esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo.
Ora, a regulação económica – compreendida, seja na sua faceta de modificação na forma de intervenção geral do Estado na economia, na condução das políticas públicas e no modo de relacionamento com os agentes económicos, seja na faceta de promoção e garantia do interesse público, em particular do bem-estar da população, na aceção do cumprimento dos objetivos da regulação social, agora maioritariamente reconduzidos à garantia das obrigações de serviço público (universalidade, acessibilidade, continuidade, igualdade e adaptação às necessidades) no domínio dos serviços económicos de interesse geral explorados em ambiente privatizado e liberalizado – é justamente um sector que, impondo uma recompreensão das categorias tributárias, traz para o primeiro plano as contribuições financeiras, que surgem inevitavelmente como instrumentário típico deste novo modelo económico-social, e que, num primeiro momento, suscitaram dificuldades de integração no contexto do universo tributário vigente (cf. Thomas von Danwitz, «Die Universaldienstfinanzierungsabgaben im Telekommunikationsgesetz und im Postgesetzes als verfassungswidrige Sonderabgaben», NVwZ, 2000, pp. 615 e P. Kirchhof, «Nichtsteuerliche Abgaben», Isensee/Kirchhof (Hg) Handbuch des Staatsrechts, 3.ª ed., Band V, 2007, pp.1164ss).
Também entre nós a questão tem vindo a ser intensamente debatida no plano jurisprudencial, exatamente quando os tributos surgem associados a uma função regulatória, tendo o Tribunal Constitucional já considerado, no acórdão n.º 152/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Maio de 2013, que se hão-de reconduzir à categoria de contribuições financeiras os tributos exigidos a operadores económicos de certos sectores regulados (tributos de natureza sectorial) “cujo desiderato é a consecução de objetivos extrafiscais” (entendendo que neste caso aqueles tributos consubstanciam medidas típicas da autonomia da ação governativa, pelo que o controlo judicial da respetiva conformidade jurídico-constitucional, no plano formal e material, não pode deixar de tomar em consideração este específico enquadramento). Já mais recentemente, no acórdão n.º 539/2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Novembro de 2015, o mesmo tribunal haveria de acrescentar – desta vez a propósito da qualificação da “taxa alimentar mais” como uma contribuição financeira – que se devem reconduzir a esta categoria os tributos que visam a “comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado [neste caso as cadeias de distribuição de alimentos com uma dimensão superior a 2.000 m2]” e que “o que a distingue [a contribuição financeira] dos impostos é que se destina, não a financiar as despesas públicas em geral, mas a financiar despesas associadas a certos serviços públicos, por cuja execução são diretamente responsáveis determinadas entidades públicas”.
Com efeito, importa destacar ‘a circunstância’ que caracteriza hoje o sector dos serviços económicos de interesse geral, no qual se inclui o sector energético, e que tem como pressupostos normativos imperativos – nacionais, europeus e, ainda que maioritariamente mediatizados pelo direito europeu, também internacionais –: i) a sustentabilidade ou auto-suficiência financeira do sistema – que inviabiliza o financiamento dessas atividades a partir do orçamento do Estado (proibição geral de auxílios de Estado, exceto quando expressamente autorizados no quadro do direito europeu) e impõe a repercussão de todos os custos (princípio da aditividade tarifária) sobre os consumidores finais/utentes –, ii) a concorrência entre os operadores no quadro de uma economia livre e iii) a integração nas políticas sectoriais das políticas ambientais e de garantia do abastecimento energético (promoção das fontes energéticas endógenas), no quadro de um modelo de transição para uma economia verde (Kahl / Bews, Ökostromförderung und Verfassung, Nomos, 2015).
Assim, uma das regras típicas do modelo de regulação económica consiste em impor a alguns operadores económicos destes sectores inúmeras obrigações de serviço público, cujo sobrecusto pode assumir diferentes formas de financiamento (como a própria internalização de parte de custos, veja-se o caso Federutility, TJUE, Proc. C-265/08, em que o tribunal julgou conforme ao direito europeu a imposição de “preços de referência” como medida de regulação económico-social no domínio do fornecimento do gás natural, sempre que ficasse salvaguardado que tais medidas fossem claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e verificáveis, e que estivesse garantido às empresas de gás na União um igual acesso aos consumidores), sendo uma dessas formas típicas a repartição do mesmo [do mencionado sobrecusto] pelos restantes operadores económicos, que ficam legalmente obrigados ao pagamento de contribuições – é o que sucede entre nós, e em todos os países europeus por imposição do direito comunitário, no sector das telecomunicações (v. artigo 97.º/1b) e 2 da Lei das Comunicações Electrónicas e Lei n.º 35/2012, de 23 de Agosto, ambas nas respetivas redações atualizadas) (Trute/Spoerr/Bosch, Telekommunikationsgesetz mit FTEG: de Gruyter Kommentar, Walter de Gruyter, 2001, pp. 208; Richard Staudacher, Verfassungsrechtliche Zulässigkeit von Sonderabgaben, 20004, p. 217) e no sector bancário, com a contribuição sobre o sector bancário, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Na mesma linha, outra situação típica consiste em fazer recair sobre os operadores económicos alguns custos relativos à regulação social — que no caso do sector energético se reconduzem, maioritariamente, às medidas sociais de apoio à pobreza energética [referimo-nos ao sobrecusto das tarifas sociais da eletricidade (Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de Novembro) e das tarifas sociais do gás natural (Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de Setembro) e ao Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia (Decreto-Lei n.º 102/2011, de 30 de Setembro); em Espanha, o modo como o legislador concebeu a repercussão destes custos, o ‘bono social’, sobre os operadores do sector elétrico suscitou controvérsia, com uma primeira decisão do Tribunal Supremo a considerar que as diferenças de tratamento, porque não justificadas, eram arbitrárias, mas depois, já na vigência das modificações legislativas introduzidas pelo Real Decreto Ley 9/2013, o Tribunal Supremo não encontrou fundamentos para sustentar um juízo de inconstitucionalidade relativamente à cobrança daquelas quantias] — e custos relativos à regulação socio-ambiental, como sucede com as licenças de emissões, do regime europeu de comércio de licenças de emissões, suportadas por alguns produtores de energia elétrica (artigo 17.º/3a) e anexo IV do Decreto-Lei n.º 38/2013, de 15 de Março) (também sobre a não qualificação das “penalizações” por emissões excedentárias de dióxido de carbono como impostos, v. acórdão n.º 80/2014, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Março de 2014).
Neste novo contexto – o do Estado regulador – as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo.
Ora, a CESE ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador.
Assim, há-de reconduzir-se à categoria jurídico-dogmática das contribuições financeiras a favor de entidades públicas.
1.3. Entretanto, não se diga, contra a conclusão a que acabou de chegar-se, que ̶ consoante alega a Requerente ̶ «pelo menos para efeitos do Orçamento do Estado para 2014, a CESE constitui fundamentalmente uma medida de consolidação orçamental desenhada pelo Governo português ‘para cumprir o limite do défice de 4%’», o que vale por dizer, «uma receita destinada a financiar o Estado e o exercício das suas funções públicas em geral». Tratar-se-ia assim de um tributo «que serviu apenas como fonte de receita sobre um grupo particular de contribuintes para o esforço geral de consolidação orçamental do Estado português» ̶ o que deveria então (dir-se-á, consequentemente) levar a qualificá-la antes como um «imposto».
Um tal argumento não procede, desde logo porque a receita da CESE ficou consignada ab initio, já em 2014, e logo por força da Lei Orçamental para esse ano (veja-se o artigo 11.º do Regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º dessa Lei: a Lei nº 83-C/2013), ao «Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético» ̶ nos termos e para o cumprimento dos objetivos antes descritos. Ora, este «destino» ou esta «função» da receita, normativamente definidos, é que hão-de contar para a sua qualificação – sendo irrelevantes, face a eles, quaisquer considerações, de enquadramento mais geral da medida no contexto da necessidade de consolidação orçamental, que constem de textos oficiais, incluindo o preâmbulo de diplomas legais, relativas a esse contexto e à apresentação das medidas atinentes a esse genérico desiderato.
Mas depois, e em segundo lugar, o facto é que não há contradição necessária entre o destino ou destinos imediatos a que ficou afeta a CESE e esse objetivo mais amplo da consolidação orçamental – o que perfeitamente explica a referência a ambos (ou a articulação entre ambos) no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014. Não é, com efeito, pelo facto de as receitas da CESE serem consignadas ao Fundo, e de ser através deste que as mesmas vão ser alocadas à realização do objetivo central por elas visado (o financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sistema energético) – não é por isso (como bem se compreende) que elas deixam de contribuir menos para a consolidação das contas públicas portuguesas em geral.
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Do princípio da capacidade contributiva e outros
A Requerente fundamenta a ilegalidade e inconstitucionalidade da liquidação em apreço, maioritariamente, na qualificação do tributo como um imposto.
Ora, reconduzindo-se a CESE, como vimos pelas razões antes aduzidas, à categoria das contribuições financeiras, está o tribunal arbitral dispensado de apreciar os fundamentos apresentados pelas partes respeitantes à qualificação daquele tributo como um imposto, designadamente, a violação dos princípios da capacidade contributiva na sua vertente de igualdade material ou a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.
Consequentemente, o tribunal arbitral irá circunscrever a sua análise aos argumentos expendidos pela Requerente e pela Requerida quanto à qualificação da CESE como uma contribuição financeira, mormente, a respetiva conformidade, ou não, com os princípios da equidade e da proporcionalidade.
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Do respeito pelos princípios da equidade e da proporcionalidade
A Requerente põe em causa a proporcionalidade e a equidade do tributo, questionando a respetiva base de incidência subjetiva e objetiva.
3.1. No que respeita à base de incidência subjetiva, questiona logo a Requerente a ‘relação causal’ entre as contribuições das empresas do sector do gás natural e as das operadoras das infra-estruturas que integram a Rede Nacional de Transporte, Infra-estruturas de Armazenamento e Terminais de GNL (RNTIAT), como é o seu caso, e a finalidade da redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, bem como a existência de um extenso leque de isenções, previstas no artigo 4.º do Regime Jurídico da CESE, que abrangem, essencialmente, os operadores económicos da produção em regime especial (ou seja, com remunerações garantidas ao abrigo de regimes legais especiais) e os pequenos operadores económicos (excluem-se os sujeitos passivos cujo valor total do balanço seja inferior a € 1.500.000).
a) Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário.
Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».
Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.
Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice ̶ que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe ̶ não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição ̶ é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015).
E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. A propósito, diga-se que, a manter-se a atual política europeia de financiamento da eficiência energética, de que o European Energy Efficient Fund constitui um exemplo a par de outros instrumentos financeiros ainda em fase de estruturação, não será de excluir que o Fundo português venha futuramente a ajustar-se àquele modelo de gestão – prespetiva esta em que será expectável a não manutenção da CESE, tal qual como se acha concebida.
Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente – para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. Importa lembrar que foi também neste sentido a decisão do Tribunal Constitucional Espanhol (sentencia 183/2014, de 6 de noviembre de 2014), de admitir como proporcional e necessária, a medida fiscal de carácter extraordinário (neste caso um imposto, o Impuesto sobre el valor de la producción de la energía eléctrica, aprovado pela Ley 15/2012, de 27 de diciembre) adoptada em Espanha para fazer igualmente face ao stock da dívida tarifária que se acumulara naquele país, e que chegou quase aos 25 mil milhões de euros em 2012.
b) Ainda no plano da incidência subjectiva, e no que se refere, por sua vez, à circunstância de as isenções estabelecidas no artigo 4.º consubstanciarem uma violação do princípio da igual proporcionalidade, importa destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.
Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.
Se a estes dados somarmos o facto de a implementação da política de eficiência energética (PNAEE 2016) pressupor hoje, entre outras medidas, avultados investimentos em matéria de redes e contadores (transição para as redes e contadores inteligentes), em matéria de melhoria dos consumos energéticos na indústria e na mobilidade urbana, onde o gás natural tem um papel relevante como fonte energética primária, compreendemos que existem sinergias entre o Estado e os sujeitos passivos da CESE, incluído a A…, que se traduzem em contrapartidas a favor dos segundos, no contexto do desenvolvimento da respeciva atividade ajustada aos parâmetros das novas imposições europeias, e que a CESE é uma via adequada para a compensação dessas contrapartidas, uma vez que o preenchimento das metas europeias em matéria de eficiência energética não resulta apenas das melhorias que estes operadores, cada um por si, possam implementar nos respetivos processos de atividade, em execução do que a política europeia da eficiência energética designa como “eficiência no aprovisionamento de energia” (capítulo III, artigos 14.º e 15.º da Diretiva 2012/27/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE).
Em suma, concluímos que: i) os sujeitos passivos da CESE e os operadores económicos dela isentos nos termos do disposto no artigo 4.º do Regime Jurídico da CESE contribuem ambos, embora em medidas diferentes, para a finalidade principal da CESE – implementação de medidas sociais e ambientais em matéria de eficiência energética; ii) ambos contribuem também, em diferente medida e por diferentes vias, para a finalidade acessória da CESE – redução do défice e da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional – sendo neste caso o contributo imposto às entidades isentas de natureza permanente (para eliminar o défice), e o contributo imposto aos sujeitos passivos da CESE de natureza extraordinária e temporária (redução de uma parte do stock da dívida acumulada).
Assim, não é possível afirmar-se que a delimitação do âmbito de incidência subjetiva da CESE seja arbitrária ou que dela resulte uma violação do princípio da igual proporcionalidade, pois, tal como resulta do conteúdo deste princípio, os esforços dos contribuintes não têm de ser idênticos, bastando que a diferença entre esses esforços não seja arbitrária ou excessiva.
c) Entretanto, seja no Requerimento Inicial, seja nas Alegações, a Requerente invoca – embora sem desenvolver o ponto – uma outra «discriminação positiva», que diz «totalmente inexplicada», na incidência subjetiva da CESE, a saber: a de estarem dela excluídos «os agentes que atuem no sector energético em Portugal mas não tenham no país sede ou direção efetiva».
Impõe-se, por isso, não deixar de dizer, ainda, que também não se vê que essa outra circunstância (invocada, de resto, incompletamente, atento que o artigo 2.º inclui também a referência a «estabelecimento estável») seja de molde a traduzir-se em vício que afete a legitimidade constitucional da CESE.
Em definitivo, na verdade, o que no artigo 2.º do regime da CESE, no ponto em apreço, se exprime, não é mais, vendo bem, do que o limite «territorial» inerente a toda a tributação (e, por isso, recorrente na legislação tributária) – seja esta realizada através de impostos, seja, como no caso, através de uma contribuição financeira.
3.2. Já no que toca à base de incidência objetiva, questiona a Requerente a ‘relação causal’ entre o valor dos ativos e a finalidade pretendida, alegando que: i) se trata apenas de um critério que permite ao legislador obter receitas avultadas com a liquidação deste tributo, sendo desadequado para os objetivos comutativos que hão-de presidir a uma contribuição, e que ii) a circunstância de não ser possível sequer deduzir o respetivo valor em sede de IRC o transforma num tributo desproporcionado.
No caso em apreço, tratando-se de ativos regulados, a base tributável da CESE corresponde ao valor reconhecido pela ERSE para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos (ou seja, a remuneração permitida ao operador, que, por se tratar de um operador regulado, está submetido a critérios administrativos para o apuramento dos respetivos resultados económicos operacionais), com referência a 1 de Janeiro, no caso da liquidação em apreço, de 2014. Salvo se esse valor for inferior ao que resulte do critério geral estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do Regime Jurídico da CESE – valor dos elementos do ativo respeitantes, cumulativamente, a ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis (com exceção da propriedade industrial) e ativos financeiros afetos à concessão – caso em que este deve prevalecer. Sobre o valor da base tributável assim apurado incide uma taxa de 0,85% ex vi o disposto no artigo 6.º do Regime Jurídico da CESE.
Ora, quanto a este ponto não fica claro o critério seguido pelo legislador para delimitar a base de incidência objetiva da CESE, e não é imediata e diretamente visível uma relação causal entre o valor dos ativos e o contributo destes para as políticas e medidas de eficiência energética, pelo que haverá de concluir-se que se trata apenas de um critério objetivo relacionado com o sujeito passivo do tributo e com a sua capacidade (potencial) económica no contexto do sector em referência e, nessa medida, de capacidade (potencial) de impacto no contexto das políticas de eficiência energética relativamente às quais irão incidir as medidas a adotar.
Todavia, o que cabe ao tribunal neste contexto não é avaliar se o critério escolhido é o mais adequado, mas apenas o de saber se o critério é totalmente desligado da finalidade do tributo – se essa relação é inexistente ou de tal modo ténue que conduza a uma ‘interrupção’ do nexo causal, obstando à sua qualificação como contribuição financeira – ou se a ligação existente é bastante para que se possa ainda estabelecer uma relação de causalidade suficiente. Trata-se, portanto, de um mero juízo de razoabilidade e não de um controlo intenso da proporcionalidade da medida.
Ora, entende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.
Para além deste controlo de razoabilidade, importa ainda esclarecer, no contexto do controlo da proporcionalidade da medida, analisando agora a taxa (alíquota) aplicável, que o resultado a que se chega no cálculo do valor líquido da CESE – no caso em análise é de € 774.345,19€ referente ao ano de 2014 – está muito distante de se poder considerar manifestamente excessivo, desproporcionado ou confiscatório.
B - DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA A LIQUIDAÇÃO DA CESE
Alega a Requerente que, quer na data limite para a autoliquidação e pagamento da CESE em causa), quer na data da liquidação oficiosa, (...) não estavam verificados os pressupostos para que a liquidação acontecesse.
Isto porquanto entende que, sendo alvo de contas reguladas, estas teriam que ser previamente apreciadas e reconhecidas pela ERSE, o que só aconteceu em 15 de Junho de 2015, data em que esta entidade reconheceu o valor dos seus ativos para efeitos do apuramento dos proveitos permitidos naquele ano (2014), através de publicação em Diário da República.
Daí conclui a Requerente pela “impossibilidade de serem legitimamente cobrados quaisquer juros compensatórios ou coimas em consequência do alegado atraso na autoliquidação e pagamento da CESE” e que “tais encargos não só foram cobrados pela AT como já se encontravam pagos”.
No que concerne às atividades reguladas, a CESE apenas incidia sobre o valor reconhecido dos ativos regulados (i. e., o valor reconhecido pela ERSE para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos), quando este seja superior ao valor contabilístico dos ativos (n.º 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico da CESE, na redação original).
Ora, é evidente que muito antes de 15 de Novembro de 2014 (data limite para a autoliquidação), a Requerente teria aprovadas as suas contas relativas ao exercício de 2013 e, portanto, sabia qual o valor contabilístico dos ativos em questão, o mesmo é dizer que poderia ter procedido à autoliquidação da CESE com base em tais valores, Aliás, foi com base nos dados contabilísticos fornecidos pela Requerente que a AT procedeu à liquidação em causa nos presentes Autos, sendo certo que o montante assim apurado não é objeto de contestação.
Questão diferente é o que aconteceria caso os valores posteriormente aprovados e publicados pela ERSE implicassem a alteração da (auto)liquidação efetuada. Então teria que ser efetuada nova liquidação, havendo lugar, consoante o caso, ao reembolso do excesso pago (com juros indemnizatórios) ou ao pagamento do montante em falta (sem juros compensatórios, por não devidos).
Não existia, pois, qualquer impedimento, legal ou factual, a que a autoliquidação fosse efetuada dentro do prazo previsto na lei, pelo que foi a Requerente que deu causa ao atraso na liquidação, sendo, portanto, obrigada ao pagamento dos juros compensatórios que a lei prevê (art.º 35.º da LGT).
Do exposto fica prejudicada a apreciação do pedido da Requerente quanto ao reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios relativamente ao montante por ela pago em razão das liquidações impugnadas.
V - DECISÃO
Atenta a fundamentação que antecede, o Tribunal arbitral decide;
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Julgar improcedentes as exceções deduzidas pela Requerida
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Não considerar ilegais as liquidações impugnadas (a relativa à CESE e a relativa a juros compensatórios), julgando assim improcedente, na totalidade, o pedido da Requerente.
Fixa-se o valor do processo em 778.815,81 Euros.
Custas pela Requerente, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 7 de janeiro de 2016
Os Árbitros
Rui Duarte Morais
Suzana Tavares da Silva
José Manuel Cardoso da Costa