Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2015-T
Data da decisão: 2015-09-03  Selo  
Valor do pedido: € 6.455,02
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 185/2015-T

Tema: Imposto do Selo – verba 28.1 da TGIS (terrenos para construção)

 

 

I.                   Relatório

 

1.      “A…, Lda.” (doravante designada por «Requerente»), NIPC …, com sede na Avenida …, n.º …, …, em Lisboa, tendo sido notificada do indeferimento do recurso hierárquico (Recurso Hierárquico n.º …2014…) interposto nos termos do artigo 76.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2013…, que havia indeferido o pedido de anulação da liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2012, referente à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), efetuada em 07-11-2012, no montante de 5 425,15€ (cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e quinze cêntimos), apresentou, em 17 de março de 2015, pedido de constituição de tribunal arbitral singular e de pronúncia arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do referido ato de liquidação e à condenação da Requerida na indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 171.º do CPPT.

2.      A Requerente optou por não designar árbitro.

3.      O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 24 de março de 2015.

4.      O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5.      Em 08 de maio de 2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

6.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 25 de maio de 2015.

7.      A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 25 de maio de 2015, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

8.      Em 29 de junho de 2015, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo a improcedência dos pedidos.

9.      Contudo não remeteu cópia do processo administrativo em que se baseou o ato de liquidação.

10.  Na mesma data requereu a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

11.  Em 30 de junho de 2015, a Requerente vem manifestar a sua concordância com a dispensa da referida reunião bem como das alegações finais.  

12.  Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, além da que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia arbitral, nem foi invocada qualquer exceção, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 02 de julho de 2015, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a apresentação de alegações finais.

13.  Foi ainda designada a data de 03 de setembro de 2015 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

14.  As Partes foram notificadas desse despacho em 03 de julho de 2015.

15.  Em 09 de julho de 2015 a Requerente efetuou o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

           

 

II.                SANEAMENTO

 

1.      As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

2.      O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

3.      O processo não enferma de nulidades.

 

III – Matéria de Facto

         1. Fundamentação

1.1. No pedido arbitral, a Requerente vem alegar:

a)      “Os referidos atos de liquidação de imposto do selo padecem de vício de ilegalidade, na medida em que violam o disposto no artigo 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com os fundamentos que adiante se demonstrará” (artigo 6.º do pedido arbitral).

b)      “Não concorda a Requerente com a liquidação do Imposto do Selo sobre o imóvel supra identificado. Na verdade, no entendimento da Requerente, a verba 28.1 da TGIS não pode aplicar-se ao artigo 22966 na medida em que este se trata de um terreno para construção e não de um prédio com afetação habitacional, como exigia a letra da norma à data da liquidação ora contestada” (artigo 10.º).

c)      “A verba 28 da TGIS, na redação em vigor até 31 de dezembro de 2013, não tributa os terrenos para construção, mas apenas a:

«28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%” (artigo 11.º).

d)     “Ora, se é verdade que o referido artigo 22966 à data da liquidação tinha um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros também é verdade que não reunia o outro requisito essencial exigido pela verba 28.1 da TGIS para ser tributado em sede de Imposto do Selo, que é a afetação habitacional. Com efeito, o artigo em causa estava classificado como terreno para construção no ano em causa e não como um prédio urbano afeto à habitação” (artigo 12.º).

e)      “Como o artigo em apreço consiste num terreno para construção e não num prédio com afetação habitacional, não pode ser subsumido na Verba 28.1 da TGIS, na redação em vigor à data dos factos” (artigo 14.º).  

f)       “Os terrenos para construção apenas passam a subsumir-se na Verba 28 da TGIS a partir de 1 de janeiro de 2014, pelo que qualquer liquidação anterior a esta data é ilegal” (artigo 15.º).

g)      “O artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, contempla uma alteração à verba 28.1 da TGIS, com o intuito de passar a tributar os terrenos para construção, no entanto apenas entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014” (artigo 16.º).

h)      “ (…) E a nova redação é a seguinte:

«28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”» (artigo 17.º).

i)        “Ou seja, o próprio legislador reconhece, assim, que a norma de incidência não permitia, até 31 de dezembro de 2013, a tributação dos terrenos para construção ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, e altera a norma no sentido de passar a tributar também, a partir de 1 de janeiro de 2014, os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (artigo 18.º). 

j)        “Como é referido na sentença arbitral n.º 215/2013-T, de 21 de abril de 2014, “ e não se diga que tal alteração legislativa assume a natureza jurídica de uma norma interpretativa, e, como tal retroactiva. Com efeito, como afirma Oliveira Ascensão, para que uma lei seja interpretativa é necessário que (1) exista uma dúvida na doutrina e/ou jurisprudência quanto ao sentido da lei anterior; (2) que a lei posterior venha a optar por uma das interpretações em contenda, e que (3) a lei posterior tenha por fim interpretar a lei antiga, devendo esse fim resultar inequivocamente do seu texto (…). Nenhum dos requisitos se encontra preenchido no caso concreto. Desde logo, não se trata de uma norma interpretativa, que se possa integrar no sentido e âmbito da redacção anterior (em causa nos autos) da verba 28.1 da TGIS, porquanto, caso se estivesse perante lei interpretativa, tal teria de resultar de uma declaração expressa no texto ou no preâmbulo do diploma, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Declaração, essa, que o legislador não fez. Na falta de uma declaração expressa da própria lei, o carácter interpretativo poderá ainda resultar “do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente (…).

      Está-se, portanto, e no entendimento deste Tribunal, perante alteração inovadora à norma da verba 28.1 da TGIS, o que implica que tal alteração apenas produzirá os seus efeitos a partir do ano de 2014 em diante” (artigo 20.º).

k)      “Partilhamos inteiramente desta opinião. Da letra da lei em vigor à data dos factos não se retirava que a afetação habitacional compreendesse outros prédios para além dos que estão afetos à habitação na matriz predial. E se assim não fosse não sentiria o legislador a necessidade de alterar a letra da lei para fazer subsumir os terrenos para construção na Verba 28.1 da TGIS.

     Tratando-se de lei nova, nos termos do artigo 12.º do Código Civil, apenas se pode aplicar aos períodos de imposto que se iniciem em ou após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1 de janeiro de 2014” (artigo 22.º).

l)        “Assim, face a tal circunstância está a AT impedida de aplicar a nova redação da verba 28.1 da TGIS ao imposto liquidado em anos anteriores. O mesmo só poderá ser aplicado a factos tributários ocorridos em data anterior, por força do princípio da não retroatividade da lei fiscal, com assento no artigo 103, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa” (artigo 23.º).

m)    “Com efeito, dispõe o artigo 103.º, n.º 3 da Constituição que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei” (artigo 24.º).

n)      “Conforme já referido, atento o princípio da tipicidade específica, só os prédios urbanos do tipo «edifício com construção apta a servir de alojamento habitacional a pessoas» podem ser alvo de incidência da norma, ou seja, só após a entrega do Modelo 1 de IMI a comunicar a conclusão das obras o prédio passa a ser classificado como prédio urbano afeto à habitação” (artigo 47.º).

o)      “Assim, não definindo o CIMI o que seja “prédio com afetação habitacional”, parece à Requerente que o legislador se pretendia referir a prédios habitacionais, na aceção do artigo 6.º do CIMI e não a terrenos para construção” (artigo 48.º).

p)      “Ora, pela exposição de motivos da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, fica clara a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos para construção. O Governo, ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII terá dito, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013» (artigo 50.º).

q)      “Conclui a decisão arbitral no âmbito do Processo n.º 210/2014-T, de 30 de julho, com a qual se concorda inteiramente, « Este entendimento, de acordo com o qual o conceito de "terreno para construção", para efeitos fiscais, não pode ser considerado como "prédio com afectação habitacional", tem sido, aliás, consistentemente afirmado em múltiplas Decisões Arbitrais, para além das já aqui citadas (DA n.º 48/2013-T, de 9/10/2013; DA n.º 53/2013-T, de 2/10/2013; DA n.º 180/2013-T, de 7/3/2014; DA n.º 189/2013-T, de 20/3/2014; DA n.º 288/2013-T, de 30/4/2014), bem como em várias Decisões Judiciais como, p. ex., a seguinte: "Não tendo o legislador definido o conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre «prédios urbanos habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional." (Acórdão do STA de 23/4/2014, proc. 271/14)” (artigo 51.º).

r)       “Fica, assim, demonstrado, que os terrenos para construção não têm afetação habitacional, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, não sendo portanto suscetíveis de tributação em sede de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1, na redação em vigor até 31 de dezembro de 2013, pelo que a liquidação de Imposto do Selo ora contestada deverá ser anulada por ser ilegal e deverá ser reposta a situação anterior à emissão da mesma” (artigo 52.º).

s)       “A Requerente não procedeu ao pagamento do Imposto do Selo liquidado oficiosamente pela AT ao abrigo da norma transitória prevista no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, pelo que o Serviço de Finanças de Lisboa – …(Serviço competente à data da instauração do processo de execução fiscal) instaurou o competente processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do tributo” (artigo 54.º).

t)       “De modo, e com vista à suspensão do processo de execução fiscal (Processo de Execução Fiscal n.º …2013…) a ora Requerente prestou garantia idónea, conforme cópia que se junta como documento n.º 3” (artigo 55.º).

u)      “Refere o artigo 53.º da LGT que em caso de erro imputável aos serviços, a ora Requerente direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia apresentada para suspender processo de execução fiscal, sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida” (artigo 56.º).

v)      “Ora, dispõe o artigo 171.º do CPPT que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

      Refere o n.º 2 do mesmo artigo que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência» (artigo 57.º).

w)    “Pelo exposto, a Requerente tem direito a indemnização correspondente à totalidade dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros à taxa de juros legais calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que foram suportados até à data em que for autorizado o levantamento da garantia” (artigo 61.º).

 

      Conclui, pedindo que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação, com a consequente anulação, bem como seja determinada a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia.

    

1.2. Na sua resposta, a AT vem, em síntese, alegar:

a)      “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10” (artigo 10.º da Resposta).

b)      “Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28.º da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI" (artigo 11.º).

c)      “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação” (artigo 14.º).

d)     “Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI” (artigo 15.º).

e)      “Neste sentido veja-se o Acórdão n.º 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul: “O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. Art. 6.º, n.º 3 do CIMI), (artigo 16.º).

f)       “Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção” (artigo 17.º).

g)      “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma” (artigo 19.º).

 

h)      “Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional” - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI” (artigo 20.º).

i)        “A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno” (artigo 21.º).

j)        “Entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” (artigo 30.º).

k)      “A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel” (artigo 31.º).

l)        “A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais” (artigo 36.º).

m)    “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis” (artigo 37.º).

n)      “Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável” (artigo 39.º).

o)      “O que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00” (artigo 40.º).

Conclui, pugnando pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação, absolvendo-se a AT do pedido.

 

 

2. Factos provados

    Consideram-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente tem averbado em seu nome o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, concelho de Albufeira, sob o artigo … (anteriormente inscrito na freguesia de Albufeira sob o artigo …), cfr. doc. n.º 2.

b)      O prédio está inscrito na matriz com a seguinte descrição: “Tipo de Prédio: Terreno para Construção”.

c)      O prédio, à data, tinha o valor patrimonial tributário de 1 085 030,00€.

d)     Com base no disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a AT liquidou o imposto de selo de 2012, que está na origem da liquidação em causa, no montante de 5 425,15€, cfr. doc. n.º 1.

e)      Para suspender o processo de execução fiscal n.º …2013…, nos termos do artigo 169.º do CPPT, a Requerente prestou garantia bancária através do Banco Espírito Santo (Garantia Bancária N…), cfr. doc. n.º 3.

   

3. Factos não provados

    Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

4. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou o processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

           

 IV – Matéria de Direito

         Questões a decidir

         Da ilegalidade da liquidação impugnada

 

    Da não retroatividade da alteração à verba 28 da TGIS

    Da indemnização por garantia indevida

 

 

     Da ilegalidade da liquidação impugnada

 

Saber se "o conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, [pode, ou não] ser considerado prédio afeto a habitação, ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS e da mesma Verba 28".

Ainda que a AT afirme, no artigo 3.º da sua resposta, que "[a ora requerente] alega ainda que a interpretação subjacente às liquidações impugnadas, segundo a qual os terrenos para construção são prédios com afetação habitacional, padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da igualdade consignados na Constituição da República Portuguesa." Contudo, lendo a petição da Requerente verifica-se que a mesma não invoca, em momento algum, tal vício de inconstitucionalidade, pelo que a (alegada) questão não será aqui tratada.

 Vejamos, então.

 Na origem da questão controvertida (acima identificada) está a verba n.º 28 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que dispunha o seguinte (note-se que, entretanto, a redação do n.º 1 desta verba foi alterada com a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12):

 “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%. 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%."

 A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afectação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.

Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» parece remeter para o conceito de «prédio urbano» (vd. artigo 2.º e, maxime, artigo 4.º). 

Ora, entre as espécies de «prédios urbanos» (artigo 6.º), mencionam-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)] e os «terrenos para construção» [v. n.º 1, al. c)]. Os n.os 2 e 3 do referido artigo do CIMI especificam que os primeiros "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins", e que os segundos são "os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos."

      Contudo, da leitura das normas do CIMI (v. artigos 2.º, 4.º e 6.º), não se vislumbra, na classificação dos «prédios», o (específico) conceito de «prédio com afeação habitacional». Assim sendo, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afetação habitacional» com outro utilizado neste e noutros diplomas, apenas podem aventar-se hipóteses interpretativas, à luz do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil.

      Foi o que já se fez, por exemplo, na Decisão Arbitral n.º 231/2013-T, de 3/2/2014: "O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT".

      Neste contexto, as duas interpretações possíveis foram testadas: 1) a de que o conceito em causa («prédios com afectação habitacional») reporta-se aos "prédios habitacionais"; 2) a de que aquele conceito se reporta a conceito distinto do de "prédios habitacionais".

      Quanto à primeira das hipóteses, conclui-se aqui, tal como na referida Decisão, com a qual se concorda, que, "a entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o [conceito] de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais». Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção."

      Em síntese, daqui resulta que: ou os termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS são coincidentes com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI - e então as liquidações realizadas com essa justificação são ilegais pelas razões já acima mencionadas -, ou então os referidos termos não são coincidentes. Neste último caso, terá de concluir-se que se pretendia utilizar conceito diverso do de "prédios habitacionais".

      Mas que conceito seria esse?

      Esta é, pois, a investigação subjacente à segunda hipótese tratada na referida Decisão, a qual concluiu que, não existindo um sentido coerente na verba n.º 28.1, apenas restaria a via da interpretação do texto legal, enquadrada pelo artigo 9.º, n.º 3, do Cód. Civil: "A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional. [...]. Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."

      Ora, como bem prossegue a citada Decisão, "à face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados, designadamente em alvará de loteamento. Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. [...]. O texto da lei, ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na [...] «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação."

      O certo é que, no presente caso - tal como sucedia no caso subjacente à Decisão que tem sido amiúde citada -, "está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência. Por outro lado, como bem refere o Requerente [e a ora requerente, nos mesmos exactos termos], a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos para construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa. Por outro lado, não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção»."

      Com efeito, como também alega, com razão, a requerente, decorre "da apresentação da proposta de lei n.º 96-XII [que] o que foi proposto aos deputados e estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, no qual não se incluem os terrenos para construção ou, nas palavras mais esclarecedoras do SEAF, uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação e uma tributação especial que incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros, ou seja, uma tributação sobre os prédios habitacionais referidos no n.º 2 do art. 6.º do CIMI." 

 Note-se, por último, o que refere, com clareza e acerto, a Decisão Arbitral n.º 49/2013-T, de 18/9/2013: "Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno."

 Esta interpretação vem sendo defendida pela jurisprudência deste Tribunal Arbitral, de forma pacífica e consistente, conforme decisões proferidas em inúmeros processos[1], além dos referidos no artigo 53.º do pedido arbitral bem como em muitos outros.

 

 Bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo[2].

 

 Em nome dos princípios da economia e celeridade processuais e por uma questão de autenticidade e fidedignidade processuais, transcrevem-se aqui os argumentos ínsitos no acórdão do STA, de 23/04/2014, proferido no processo n.º 272/14, disponível em www.dgsi.pt:

 “4.3 A questão objecto do presente recurso consiste em saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29.10, nomeadamente saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a €1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional.”

 A sentença recorrida considerou que à face do teor literal da verba n.° 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais.

 Mais ponderou que os terrenos para construção que não tem utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido.

 Neste contexto concluiu que a liquidação sindicada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.° 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública alegando que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, já que, o legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão que considera diferente e mais ampla, integrando outras realidades para além das identificadas no art. 6.º n.º 1 al. a) do CIMI.

Concluindo que a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.

Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença que assim decidiu deve ser confirmada.

Com efeito a questão, nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo em data recente, por acórdãos de 09.04.2014, proferidos nos processos nos processos 1870/13 e 48/14, em que o presente relator teve intervenção como adjunto, nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação).

É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, tendo em conta a regra constante nº 3 do art. 8º do Cod.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, sendo que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme tal orientação jurisprudencial”.

 

 Da não retroatividade da alteração à verba 28 da TGIS

 

Como antes se referiu, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, com o intuito de passar a tributar os terrenos para construção em imposto do selo, alterou a redação da verba 28.1 da TGIS nos seguintes termos:

 

«28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI   — 1 %».

 

Tal alteração entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014, cfr. artigo 260.º da referida lei.

 

Assim, face ao princípio “tempus regit actus” ínsito no artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, segundo o qual “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos” bem como ao disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que proíbe a retroatividade na aplicação de impostos, a nova redação da referida norma aplica-se aos períodos de imposto que se iniciem em ou após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1 de janeiro de 2014. 

 

Por acompanharmos, nesta matéria, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 215/2013-T, de 21 de abril de 2014, passamos a transcrevê-la:

e não se diga que tal alteração legislativa assume a natureza jurídica de uma norma interpretativa, e, como tal retroactiva. Com efeito, como afirma Oliveira Ascensão, para que uma lei seja interpretativa é necessário que (1) exista uma dúvida na doutrina e/ou jurisprudência quanto ao sentido da lei anterior; (2) que a lei posterior venha a optar por uma das interpretações em contenda, e que (3) a lei posterior tenha por fim interpretar a lei antiga, devendo esse fim resultar inequivocamente do seu texto (…).Nenhum dos requisitos se encontra preenchido no caso concreto. Desde logo, não se trata de uma norma interpretativa, que se possa integrar no sentido e âmbito da redacção anterior (em causa nos autos) da verba 28.1 da TGIS, porquanto, caso se estivesse perante lei interpretativa, tal teria de resultar de uma declaração expressa no texto ou no preâmbulo do diploma, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Declaração, essa, que o legislador não fez. Na falta de uma declaração expressa da própria lei, o carácter interpretativo poderá ainda resultar “do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente (…).

 Está-se, portanto, e no entendimento deste Tribunal, perante alteração inovadora à norma da verba 28.1 da TGIS, o que implica que tal alteração apenas produzirá os seus efeitos a partir do ano de 2014 em diante”.

 

 

Da indemnização por garantia indevida

A Requerente peticiona ainda uma indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia bancária com vista a obter, nos termos do artigo 169.º do CPPT, a suspensão do processo de execução fiscal identificado pelo número …2013…, relativo à cobrança coerciva da dívida fiscal a que se refere a presente pronúncia arbitral.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

Conforme decorre do n.º 2 do citado artigo, são indemnizados, sem dependência do referido prazo, todos os prejuízos suportados com a prestação das garantias prestadas para suspender a execução no caso de vencimento total em ação em que se verifique ter havido erro imputável aos serviços na liquidação do tributo[3].

Todavia, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o montante da indemnização por garantia indevida está sujeito a um limite máximo equivalente ao montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista no artigo 43.º, n.º 4, daquela lei.

Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"

O processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do ato tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida.

Conforme reiterada jurisprudência arbitral, "O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida."[4]

No caso em apreço, o erro subjacente aos atos de liquidação de imposto do selo é exclusivamente imputável à Administração Tributária, assistindo à Requerente o direito à peticionada indemnização.

Não obstante a Requerente indicar, na petição inicial, que os custos suportados com a prestação das garantias em causa ascendiam, então, a 1 029,87€, não dispõe este Tribunal de elementos que permitam fixar o exato valor da indemnização peticionada.

Com efeito, o valor da indemnização devida ao abrigo das citadas normas deve ser calculado com base nos custos efetivamente suportados com as garantias prestadas desde a data em que foram constituídas até ao dia em que forem libertadas, com o limite máximo previsto no artigo 53.º, n.º 3, da LGT.

 Nestes termos, estando este Tribunal impossibilitado de quantificar os exatos custos das garantias prestadas, bem como de apurar aquele limite máximo, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigos 609.º do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil).

 

***

            

V – Decisão

             Em face do supra exposto, decide-se:

·         Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2012, referente à verba 28.1 da Tabela Geral do IS (TGIS), efetuada em 07-11-2012, no montante de 5 425,15€ e, em consequência, anular a liquidação impugnada;

·         Julgar procedente o pedido da Requerente quanto ao direito ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal n.º …2013…, e condenar a Autoridade tributária e aduaneira a pagar aos Requerentes a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 6 455,02.

 

 

Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 03-09-2015

     

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 

 



[1] Proc.s n.ºs 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 180/2013-T, 189/2013-T, 202/2014-T, 210/2014-T, 516/2014-T, 523/2014-T, 586/2014-T, 599/2014-T, 757/2014-T.

[2] Acórdãos de 09-04-2014 (P. 1870/13); 09-04-2014 (P. 48/14); 23-04-2014 (P. 270/14, 271/14 e 272/14); 14-05-2014 (P. 1871/13, 55/14 e 0317/14); 28-05-2014 (P. 395/14); 09-07-2014 (P. 0676/14); 10-09-2014 (P. 0707/14, 0708/14 e 0740/14); 24-09-2014 (P. 01533/13, 0739/14 e 0825/14); 08-10-2014 (P. 0805/14 e 0806/14); 05-11-2014 (P. 0530/14); 14-01-2015 (P. 0541/14); 22-04-2015 (P. 0279/15 e 0347/15) e 29-04-2015 (P. 021/15).

 

[3]O conceito de erro imputável aos serviços é esclarecido no n.º 2 do art. 43.º da LGT, a propósito dos juros indemnizatórios.

[4]Vd. entre outras, Decisões Arbitrais de 14.5.2013, Proc. 1/2013 e de 02.04.2014, Proc. 224/2013-T