Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 177/2015-T
Data da decisão: 2015-11-18  Selo  
Valor do pedido: € 16.648,80
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A… – …, pessoa colectiva n.º …, apresentou em 16/03/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação dos actos de liquidação de imposto do selo praticados ao abrigo do regime transitório previsto no art. 6.º da  Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e os respeitantes ao ano de 2012.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 08/05/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 25/05/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 26/05/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.Em 24/06/2015 a Requerida apresentou a sua resposta e solicitou, perante a ausência de qualquer excepção que obstasse ao conhecimento do mérito, a dispensa da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, como a de apresentação de alegações.

 

1.6.O tribunal perante o pedido da Requerida de dispensa de realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e de apresentação de alegações, em 10/08/2015, determinou que se notificasse o Requerente para dizer se pretendia a realização de tal reunião.

 

1.7.O Requerente em 13/08/2015 veio aos autos peticionar a dispensa da referida reunião.

 

1.8.O tribunal, no dia 29/09/2015 decidiu, nomeadamente, dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, determinou que as partes, querendo, apresentassem alegações escritas e agendou data para a prolação da decisão final.

 

1.9.O Requerente apresentou as suas alegações no dia 06/10/2015.

 

 

2.      SANEAMENTO

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3.      OBJECTO DO LITÍGIO

 Preliminarmente, o Requerente alega, que: «Face à notificação das liquidações infra descritas, em 18 de Abril de 2013 e 28 de Novembro de 2013» apresentou reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Loulé, na qual peticionou a «anulação de todas as liquidações». Refere que a mesma foi indeferida por despacho de 15/01/2014.

Razão pela qual, apresentou em 14/02/2014 recurso hierárquico do acto de indeferimento da reclamação graciosa, sendo que aquele foi igualmente indeferido em 26/11/2014, o que conduziu à apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

No que tange ao enquadramento jurídico, advoga o Requerente que a aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) exige que: i) exista um direito de propriedade de um prédio urbano situado em território português; ii) O prédio urbano tenha um valor patrimonial tributário (constante da matriz) igual ou superior a € 1 000 000; iii) o prédio tenha uma afectação habitacional e iv) o prédio urbano, independentemente da afectação habitacional, seja propriedade de sujeitos passivos, que não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

Deste modo, defende o Requerente que o VPT dos andares (unidades autónomas), com afectação habitacional, oscila entre os € 60 000 e os € 77 000, pelo que, nenhuma das unidades independentes apresenta um valor patrimonial superior a € 1 000 000 e que não há uma única liquidação pelo VPT total do prédio.

Conclui o Requerente afirmando que a tributação levada a cabo pela Requerida viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, como também o princípio da verdade material. Em bom rigor, entende que o legislador não terá querido tributar em sede de imposto do selo andares ou partes de prédios susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional integrados em propriedade plena e deixar fracções autónomas com igual afectação fora da norma de incidência, pois tal equivaleria a querer tributar de forma diferente realidades económicas iguais.

Por seu turno, a Requerida sustenta a legalidade dos actos de liquidação. No seu juízo, se o Requerente é proprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, não possui fracções autónomas às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio. Pelo que, observa que aquele não é proprietário de 16 fracções autónomas, mas de um único prédio e, como tal, não se verifica o vício imputado aos actos em crise.

Para sustentar tal conclusão, acrescenta que o objectivo do Requerente em equiparar o regime da propriedade horizontal ao da propriedade vertical é ilegal, uma vez que: i) apesar de cada andar ou parte susceptível de utilização independente ser considerada separadamente na inscrição matricial, por força do art. 12.º, n.º 3 do CIMI, a verdade é que tal sucede na mesma matriz; ii) tal norma releva para efeitos da inscrição matricial, ou seja, a autonomia que dentro do mesmo prédio pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes; iii) a unidade do prédio urbano em propriedade vertical, composto por vários andares ou divisões, não é afectada pelo facto de todos ou parte deles serem susceptíveis de utilização económica independente e iv) se o prédio não deixa de ser apenas um, não podem as suas partes ser juridicamente equiparadas às fracções autónomas existentes no regime da propriedade horizontal.

Sustenta igualmente a Requerida que o facto do IMI ser apurado em função do VPT de cada parte de prédio com utilização independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto o elemento determinante desta é o valor patrimonial total e não separadamente cada uma das parcelas.

Finaliza afirmando que interpretação diversa violaria a letra e o espírito da verba 28.1 da TGIS e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP. Ou seja, aquela que defende que o valor patrimonial de que depende a incidência seja determinado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. O Requerente é proprietário do imóvel a que corresponde a inscrição matricial n.º …, urbano, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé.

4.1.2. Tal imóvel compreende 16 unidades de alojamento com utilização económica independente, inscritas do seguinte modo à data dos factos tributários:

a) A – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

b) B – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

c) C – …, com um VPT de € 64 730, 00, habitação;

d) D – …, com um VPT de € 82 610,00, habitação;

e) E – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

f) F – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

g) G – …, com um VPT de € 64 730,00, habitação;

h) H – …, com um VPT de € 82 610,00, habitação;

i) I – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

j) J – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

l) L – …, com um VPT de € 64 730,00, habitação;

m) M – …, com um VPT de € 82 610,00, habitação;

n) N – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

o) O – …, com um VPT de € 65 070,00, habitação;

p) P – …, com um VPT de € 64 730,00, habitação;

q) Q – …, com um VPT de € 82 610,00, habitação.

4.1.3. O Requerente foi notificado das liquidações de imposto do selo, datadas de 07/11/2012 e relativas ao regime transitório instituído pelo art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, com afectação habitacional, no montante global de € 5549,60 e que se decompõem do seguinte modo:

a) A – …, no montante de € 325,35;

b) B – …, no montante de € 325,35;

c) C – …, no montante de € 323,65;

d) D – …, no montante de € 413,05;

e) E – …, no montante de € 325,35;

f) F – …, no montante de € 325,35;

g) G – …, no montante de € 323,65;

h) H – …, no montante de € 413,05;

i) I – …, no montante de € 325,35;

j) J – …, no montante de € 325,35;

l) L – …, no montante de € 323,65;

m) M – …, no montante de € 413,05;

n) N – …, no montante de € 325,35;

o) O – …, no montante de € 325,35;

p) P – …, no montante de € 323,65;

q) Q – …, no montante de 413,05.

4.1.4. O Requerente foi notificado das liquidações de imposto do selo, datadas de 22/03/2013 e relativas ao ano de 2012, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, com afectação habitacional, no montante global de € 11 099,20 e que se decompõem do seguinte modo:

a) A – …, no montante de € 650,70;

b) B – …, no montante de € 650,70;

c) C – …, no montante de € 647,30;

d) D – …, no montante de € 826,10;

e) E – …, no montante de € 650,70;

f) F – …, no montante de € 650,70;

g) G – …, no montante de € 647,30;

h) H – …, no montante de € 826,10;

i) I – …, no montante de € 650,70;

j) J – …, no montante de € 650,70;

l) L – …, no montante de € 647,30;

m) M – …, no montante de € 826,10;

n) N – …, no montante de € 650,70;

o) O – …, no montante de € 650,70;

p) P …, no montante de € 647,30;

q) Q – …, no montante de € 826,10.

4.1.5. O Requerente apresentou reclamação graciosa no dia 18/04/2013.

4.1.6. Tal reclamação foi expressamente indeferida por despacho datado de 15/01/2014.

4.1.7. O Requerente apresentou recurso hierárquico de tal decisão no dia 17/02/2014.

4.1.8. O recurso referido em 4.1.7. foi expressamente indeferido por despacho datado de em 26/11/2014.

4.1.9. O Requerente procedeu aos seguintes pagamentos:

i) Art. 6 da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

a) A – …, no montante de € 325,35;

b) B – …, no montante de € 325,35;

c) C – …, no montante de € 323,65;

d) D – …, no montante de € 413,05;

e) E – …, no montante de € 325,35;

f) F – …, no montante de € 325,35

g) G – …, no montante de € 323,65;

h) H – …, no montante de € 413,05;

i) I – …, no montante de € 325,35;

j) J – …, no montante de € 325,35;

l) L – …, no montante de € 323,65;

m) M – …, no montante de € 413,05;

n) N – …, no montante de € 325,35;

o) O – …, no montante de € 325,35;

p) P – …, no montante de € 323,65;

q) Q – …, no montante de 413,05.

ii) Ano de 2012

a) A – …, no montante de € 650,70;

b) B – …, no montante de € 650,70;

c) C – …, no montante de € 647,30;

d) D – …, no montante de € 826,10;

e) E – …, no montante de € 650,70;

f) F – …, no montante de € 650,70;

g) G – …, no montante de € 647,30;

h) H – …, no montante de € 826,10;

i) I – …, no montante de € 650,70;

j) J – …, no montante de € 650,70;

l) L – …, no montante de € 647,30;

m) M – …, no montante de € 826,10;

n) N – …, no montante de € 650,70;

o) O – …, no montante de € 650,70;

p) P …, no montante de € 647,30;

q) Q – …, no montante de € 826,10.

4.1.10. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal até ao dia 31 de Dezembro de 2012.

 

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. DIREITO

 

5.1. Ilegalidade dos actos em crise

Em primeiro lugar, são duas as questões que o tribunal tem de decidir, apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes. E, em segundo lugar, determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de imposto do selo quando o VPT de cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.

Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %...»[1].

Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio com afectação habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».

            Ora, o conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo., Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio com afectação habitacional». Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma em propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[2].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2.º, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada parte, andar ou divisão objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 16 unidades de alojamento do imóvel com utilização habitacional independente que, à data dos factos tributários, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem de que as mesmas devem ser classificadas como prédios habitacionais de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A este respeito, como já se descreveu acima, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio com afectação habitacional» de partes, andares ou divisões com utilização independente.

Ora, se nenhuma das unidades de alojamento do Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que a parte, andar ou divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000 e ii) que a referida parte, andar ou divisão tenha uma afectação habitacional.

Defende a Requerida que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes, andares ou divisões com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. artigos 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.

 

5.2. Juros indemnizatórios

O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa apurada, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais, incluindo a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e o reembolso das quantias indevidamente pagas.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 16 648, 80 nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 1224, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Novembro de 2015

 

O árbitro,

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)



[1] Na redacção em vigor à data dos factos tributários.

[2] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.