Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A… – …, S.A., sociedade com sede no Edifício …, Avenida …, lote …, …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor total de € 14.284,22, bem como a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida) no reembolso do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) É uma instituição financeira de crédito que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel;
b) No âmbito da sua actividade, procede à concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos e à celebração de contratos de locação financeira;
c) Foi notificada de várias notas de liquidação de IUC sobre os veículos relacionados com a actividade supra mencionada;
d) Os actos de liquidação de IUC impugnados respeitam a veículos já vendidos pela Requerente; a veículos cujo contrato de leasing se encontrava vigente e a imposto já previamente pago;
e) As primeiras sessenta liquidações impugnadas correspondem a veículos que foram vendidos pela Requerente em data anterior à data de vencimento do IUC;
f) Nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 4.º, todos do CIUC, o imposto considera-se exigível ao proprietário no primeiro dia do período de tributação do veículo, isto é, na data da atribuição da matrícula;
g) Na data do vencimento do IUC em causa nos presentes autos, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo do imposto deverá ser o novo proprietário de cada veículo;
h) Ainda que a transmissão da propriedade dos veículos não tenha sido registada pelos adquirentes dos veículos, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários dos veículos;
i) Nos termos do artigo 3.º do CIUC, são sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados;
j) O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção ilidível;
k) As seguintes 46 liquidações impugnadas incidem sobre veículos que à data do facto gerador do imposto se encontravam em leasing;
l) Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC “são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”;
m) No caso de o veículo ter sido objecto de leasing, o sujeito passivo do imposto é o locatário financeiro, não sendo o proprietário do veículo responsável subsidiário pelo pagamento do IUC;
n) As duas últimas liquidações impugnadas respeitam a imposto que já havia sido pago pela Requerente, pelo que se verifica uma situação de duplicação de colecta;
o) As liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral não devem ser imputadas à Requerente, sendo, como tal, ilegais.
A Requerente juntou 83 documentos, não tendo arrolado testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 27 de Maio de 2015.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
a) A Requente não junta prova da data em que foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, não podendo a AT avaliar da tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral;
b) O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que são sujeitos passivos do IUC os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados;
c) O artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção de propriedade – o legislador não diz que se presumem proprietários, mas que se consideram proprietários;
d) O IUC é devido pelas pessoas que constam no registo como proprietárias dos veículos;
e) As facturas juntas pela Requerente não são aptas a comprovar a celebração do contrato de compra e venda;
f) A Requerente não fez prova do recebimento do preço nem juntou cópias do modelo oficial para registo da propriedade automóvel;
g) A Requerente não fez prova dos contratos de leasing que alega;
h) Ainda que tivesse feito prova da existência desses contratos, não deu cumprimento ao disposto no artigo 19º do CIUC, pelo que é esta sujeito passivo do imposto;
i) A falta de cumprimento da obrigação de actualização dos registos faz impender sobre a Requerente a responsabilidade pelas custas arbitrais;
j) A Requerente não faz prova de que o imposto relativo aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-… já se encontrasse pago à data da liquidação respeitante a esses veículos impugnada nos presentes autos.
Termina peticionando a declaração de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral ou, caso assim se não entenda, a sua improcedência e consequente absolvição da Requerida do pedido e manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados.
A Requerida não juntou nenhum documento, juntou cópia do processo administrativo e não arrolou nenhuma testemunha.
Na sequência da notificação para o efeito efectuada, a Requerente juntou aos autos as liquidações de IUC impugnadas, nas quais consta o pagamento do respectivo imposto.
A AT pronunciou-se sobre os documentos juntos, defendendo a inidoneidade dos mesmos para prova do invocado pela Requerente.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foi a mesma dispensada, tendo a Requerida apresentado alegações escritas, nas quais manteve a posição inicialmente defendida
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
III. QUESTÕES A DECIDIR
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:
a. Conhecer da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral:
b. Apurar quem é sujeito passivo de IUC quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, os veículos automóveis tenham sido alienados ou objecto de locação financeira;
c. Apreciar a invocada duplicação de colecta.
IV. MATÉRIA DE FACTO
a. Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
1. A Requerente foi notificada das liquidações referentes aos exercícios e veículos identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à excepção das liquidações respeitantes aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-…;
2. A data de pagamento do IUC e juros compensatórios das liquidações a que se alude em 1. ocorreu no mês de Dezembro de 2013;
3. A Requerente apresentou reclamação graciosa de todas as liquidações referentes aos exercícios e veículos identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à qual foi atribuído o nº …2014…;
4. Por ofício datado de 13/11/2014, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia, relativamente ao projecto de decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa nº …2014…;
5. Por despacho datado de 10/12/2014 foi a reclamação graciosa parcialmente indeferida;
6. O pedido de pronúncia arbitral e de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10/03/2015;
7. Nenhum dos veículos referidos em 1. pertence às categorias F ou G, a que alude o artigo 4.º do CIUC;
8. À data do facto gerador do imposto, a Requerente havia emitido facturas de venda dos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-… e …-…-…;
9. A Requerente celebrou contratos de locação financeira relativamente aos veículos de matrícula …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-… e …-…-…;
10. A Requerente pagou os impostos correspondentes às liquidações a que se alude em 1, no valor global de € 12.856,12.
b. Factos não provados
Com relevância para a decisão não se provaram os seguintes factos.
1. Ter a Requerente sido notificada e ter pago as liquidações referentes ao exercício de 2009 respeitantes aos veículos de matrícula …-…-…e …-…-…;
2. Ter a Requerente pago os juros compensatórios liquidados;
3. Que à data do facto gerador do imposto tivesse sido emitida pela Requerente uma factura de venda respeitante ao veículo de matrícula …-…-…;
4. Que os veículos de matrícula …-…-…; …-…-…e …-…-… se encontrassem dados em locação financeira à data do facto gerador do imposto;
5. Que o imposto respeitante ao ano de 2011 relativo aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-…tenha sido pago em duplicado.
a) Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, bem como a matéria alegada e não impugnada constante dos requerimentos juntos aos autos.
No que diz respeito à matéria de facto não provada, a mesma teve por base a total ausência de prova nesse sentido efectuada.
V. DO DIREITO
a. Questão prévia:
Previamente à análise de cada uma das questões a decidir, impõe-se verificar da eventual existência de excepções peremptórias de conhecimento oficioso.
E, analisados os autos, parece evidente a ocorrência da excepção peremptória da caducidade do direito de acção.
Senão vejamos:
Compulsado o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que a Requerente formula o seguinte pedido:
“Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 14.284,22 Euros, correspondente a 12.917,92 Euros de imposto pago indevidamente e 1.366,30 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT”.
Verifica-se, pois, que o objecto do pedido são os actos de liquidação de IUC, sendo estes os actos sindicados nos presentes autos.
Resulta dos factos provados – cfr. ponto 2 – que a data limite de pagamento do IUC e juros compensatórios ocorreu no mês de Dezembro de 2013.
Por seu turno, resulta também provado que o pedido de pronúncia arbitral e de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10/03/2015 – cfr. ponto 6.
Nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos no número 1 do artigo 102º do CPPT, entre os quais se compreende o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
Por onde se verifica que, tendo a Requerente circunscrito o seu pedido à anulação dos actos tributários de liquidação de IUC e juros compensatórios, dispunha para o efeito do prazo de 90 dias contado da data limite de pagamento voluntário daquelas liquidações.
Prazo esse que, à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral já havia ultrapassado.
O prazo de 90 dias fixado na lei para impugnação das liquidações é um prazo peremptório, sendo que, conforme decorre do disposto no artigo 139º nº 3 do Código de Processo Civil, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto.
Assim, tendo à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral já decorrido o prazo de 90 dias a que aludem os artigos 10º nº 1 do RJAT e 102º nº 1 do CPPT, caducou o direito da Requerente de impugnar por via da apresentação do pedido de constituição arbitral as liquidações em causa.
Os poderes do tribunal estão circunscritos ao pedido formulado pela Requerente – in casu, anulação dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios – pelo que carece este tribunal de legitimidade para apreciar o que quer que seja para além do expresso pedido formulado.
Verificando-se a caducidade do direito de acção da Requerente, fica prejudicado o conhecimento da questão de mérito.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção arbitral, absolvendo a Requerida do pedido.
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Fixa-se o valor do processo em € 14.284,22, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.
***
Registe e notifique.
Lisboa, 02 de Novembro de 2015.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.