Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 159/2015-T
Data da decisão: 2015-11-02  IUC  
Valor do pedido: € 14.284,22
Tema: IUC - Caducidade do direito de acção arbitral
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Decisão Arbitral

 

I.              RELATÓRIO

A… – …, S.A., sociedade com sede no Edifício …, Avenida …, lote …, …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor total de € 14.284,22, bem como a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida) no reembolso do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)             É uma instituição financeira de crédito que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel;

b)             No âmbito da sua actividade, procede à concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos e à celebração de contratos de locação financeira;

c)             Foi notificada de várias notas de liquidação de IUC sobre os veículos relacionados com a actividade supra mencionada;

d)            Os actos de liquidação de IUC impugnados respeitam a veículos já vendidos pela Requerente; a veículos cujo contrato de leasing se encontrava vigente e a imposto já previamente pago;

e)             As primeiras sessenta liquidações impugnadas correspondem a veículos que foram vendidos pela Requerente em data anterior à data de vencimento do IUC;

f)              Nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 4.º, todos do CIUC, o imposto considera-se exigível ao proprietário no primeiro dia do período de tributação do veículo, isto é, na data da atribuição da matrícula;

g)             Na data do vencimento do IUC em causa nos presentes autos, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo do imposto deverá ser o novo proprietário de cada veículo;

h)             Ainda que a transmissão da propriedade dos veículos não tenha sido registada pelos adquirentes dos veículos, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários dos veículos;

i)               Nos termos do artigo 3.º do CIUC, são sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados;

j)        O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção ilidível;

k)             As seguintes 46 liquidações impugnadas incidem sobre veículos que à data do facto gerador do imposto se encontravam em leasing;

l)               Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC “são equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”;

m)           No caso de o veículo ter sido objecto de leasing, o sujeito passivo do imposto é o locatário financeiro, não sendo o proprietário do veículo responsável subsidiário pelo pagamento do IUC;

n)             As duas últimas liquidações impugnadas respeitam a imposto que já havia sido pago pela Requerente, pelo que se verifica uma situação de duplicação de colecta;

o)             As liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral não devem ser imputadas à Requerente, sendo, como tal, ilegais.

 

A Requerente juntou 83 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 27 de Maio de 2015.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:

a)             A Requente não junta prova da data em que foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, não podendo a AT avaliar da tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral;

b)             O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que são sujeitos passivos do IUC os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados;

c)             O artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção de propriedade – o legislador não diz que se presumem proprietários, mas que se consideram proprietários;

d)            O IUC é devido pelas pessoas que constam no registo como proprietárias dos veículos;

e)             As facturas juntas pela Requerente não são aptas a comprovar a celebração do contrato de compra e venda;

f)              A Requerente não fez prova do recebimento do preço nem juntou cópias do modelo oficial para registo da propriedade automóvel;

g)             A Requerente não fez prova dos contratos de leasing que alega;

h)             Ainda que tivesse feito prova da existência desses contratos, não deu cumprimento ao disposto no artigo 19º do CIUC, pelo que é esta sujeito passivo do imposto;

i)               A falta de cumprimento da obrigação de actualização dos registos faz impender sobre a Requerente a responsabilidade pelas custas arbitrais;

j)               A Requerente não faz prova de que o imposto relativo aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-… já se encontrasse pago à data da liquidação respeitante a esses veículos impugnada nos presentes autos.

 

Termina peticionando a declaração de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral ou, caso assim se não entenda, a sua improcedência e consequente absolvição da Requerida do pedido e manutenção na ordem jurídica dos actos tributários impugnados.

A Requerida não juntou nenhum documento, juntou cópia do processo administrativo e não arrolou nenhuma testemunha.

Na sequência da notificação para o efeito efectuada, a Requerente juntou aos autos as liquidações de IUC impugnadas, nas quais consta o pagamento do respectivo  imposto.

A AT pronunciou-se sobre os documentos juntos, defendendo a inidoneidade dos mesmos para prova do invocado pela Requerente.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foi a mesma dispensada, tendo a Requerida apresentado alegações escritas, nas quais manteve a posição inicialmente defendida

 

II.              SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

III.              QUESTÕES A DECIDIR

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a.    Conhecer da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral:

b.     Apurar quem é sujeito passivo de IUC quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, os veículos automóveis tenham sido alienados ou objecto de locação financeira;

c.      Apreciar a invocada duplicação de colecta.

 

IV.              MATÉRIA DE FACTO

a.        Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.     A Requerente foi notificada das liquidações referentes aos exercícios e veículos identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à excepção das liquidações respeitantes aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-…;

2.     A data de pagamento do IUC e juros compensatórios das liquidações a que se alude em 1. ocorreu no mês de Dezembro de 2013;

3.     A Requerente apresentou reclamação graciosa de todas as liquidações referentes aos exercícios e veículos identificados na Tabela Anexa ao requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à qual foi atribuído o nº …2014…;

4.     Por ofício datado de 13/11/2014, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia, relativamente ao projecto de decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa nº …2014…;

5.     Por despacho datado de 10/12/2014 foi a reclamação graciosa parcialmente indeferida;

6.     O pedido de pronúncia arbitral e de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10/03/2015;

7.     Nenhum dos veículos referidos em 1. pertence às categorias F ou G, a que alude o artigo 4.º do CIUC;

8.     À data do facto gerador do imposto, a Requerente havia emitido facturas de venda dos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-… e …-…-…;

9.     A Requerente celebrou contratos de locação financeira relativamente aos veículos de matrícula …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-…; …-…-… e …-…-…;

10.  A Requerente pagou os impostos correspondentes às liquidações a que se alude em 1, no valor global de € 12.856,12.

 

b.        Factos não provados

Com relevância para a decisão não se provaram os seguintes factos.

1.      Ter a Requerente sido notificada e ter pago as liquidações referentes ao exercício de 2009 respeitantes aos veículos de matrícula …-…-…e …-…-…;

2.      Ter a Requerente pago os juros compensatórios liquidados;

3.      Que à data do facto gerador do imposto tivesse sido emitida pela Requerente uma factura de venda respeitante ao veículo de matrícula …-…-…;

4.      Que os veículos de matrícula …-…-…; …-…-…e …-…-… se encontrassem dados em locação financeira à data do facto gerador do imposto;

5.      Que o imposto respeitante ao ano de 2011 relativo aos veículos de matrícula …-…-… e …-…-…tenha sido pago em duplicado.

 

a)        Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, bem como a matéria alegada e não impugnada constante dos requerimentos juntos aos autos.

No que diz respeito à matéria de facto não provada, a mesma teve por base a total ausência de prova nesse sentido efectuada.

 

V.              DO DIREITO

a.         Questão prévia:

 

Previamente à análise de cada uma das questões a decidir, impõe-se verificar da eventual existência de excepções peremptórias de conhecimento oficioso.

E, analisados os autos, parece evidente a ocorrência da excepção peremptória da caducidade do direito de acção.

 

Senão vejamos:

Compulsado o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que a Requerente formula o seguinte pedido:

“Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 14.284,22 Euros, correspondente a 12.917,92 Euros de imposto pago indevidamente e 1.366,30 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT”.

 

Verifica-se, pois, que o objecto do pedido são os actos de liquidação de IUC, sendo estes os actos sindicados nos presentes autos.

Resulta dos factos provados – cfr. ponto 2 – que a data limite de pagamento do IUC e juros compensatórios ocorreu no mês de Dezembro de 2013.

Por seu turno, resulta também provado que o pedido de pronúncia arbitral e de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10/03/2015 – cfr. ponto 6.

Nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos no número 1 do artigo 102º do CPPT, entre os quais se compreende o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Por onde se verifica que, tendo a Requerente circunscrito o seu pedido à anulação dos actos tributários de liquidação de IUC e juros compensatórios, dispunha para o efeito do prazo de 90 dias contado da data limite de pagamento voluntário daquelas liquidações.

Prazo esse que, à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral já havia ultrapassado.

O prazo de 90 dias fixado na lei para impugnação das liquidações é um prazo peremptório, sendo que, conforme decorre do disposto no artigo 139º nº 3 do Código de Processo Civil, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto.

Assim, tendo à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral já decorrido o prazo de 90 dias a que aludem os artigos 10º nº 1 do RJAT e 102º nº 1 do CPPT, caducou o direito da Requerente de impugnar por via da apresentação do pedido de constituição arbitral as liquidações em causa.

Os poderes do tribunal estão circunscritos ao pedido formulado pela Requerente – in casu, anulação dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios – pelo que carece este tribunal de legitimidade para apreciar o que quer que seja para além do expresso pedido formulado.

Verificando-se a caducidade do direito de acção da Requerente, fica prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

VI.              DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção arbitral, absolvendo a Requerida do pedido.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 14.284,22, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

 

Lisboa, 02 de Novembro de 2015.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.