Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 155/2015-T
Data da decisão: 2015-06-24  Selo  
Valor do pedido: € 10.505,74
Tema: IS - Verbas 28 e 28.1 da TGIS; Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 155/2015-T

Tema: Imposto do selo, verbas 28 e 28.1 da TGIS, terreno para construção

 

Partes

 

Requerente – A…, NIPC PT …, representado por B… – …, SA, NIPC PT …, ambos com sede no Largo …, nº … – … … Lisboa.

Requerida – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

I.         RELATÓRIO

 

a)         Em 04-03-2015, o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

b)         O pedido está assinado por advogado em representação do Requerente.

 

O PEDIDO

 

c)         O Requerente pede a anulação de uma liquidação de IS da verba 28 da TGIS, com data de 2012-11-07, relativa ao regime transitório do artigo 6º nº 1 alínea f) subalínea i) da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com as consequências legais, porque a AT lhe indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e o sequente recurso hierárquico que em tempo interpôs, da aludida liquidação, no valor de 9 931.38 euros.

d)        A liquidação é relativa ao artigo matricial …º - ... – Lisboa.

e)         Requer, além da anulação da liquidação, “as necessárias consequências legais” e a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia bancária em processo de execução fiscal, no valor que desde já liquida em 574,36 euros, relativos a gastos comprovados com a sua prestação.

f)         Invoca, em resumo, que o acto de liquidação é ilegal por violação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, uma vez que na sua leitura esta não abrange a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção”.

g)         Aduz em defesa do seu entendimento várias decisões adoptadas no CAAD noutros processos idênticos e quanto à mesma espécie de bens imobiliários (terrenos para construção) e ao mesmo imposto.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

h)         O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 05.03.2015.

i)          Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 23.04.2015. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

j)          Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 11.05.2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

k)         Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 11.05.2015 que aqui se dá por reproduzida.

l)          Logo em 11.05.2015 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 16.06.2015.

m)        Juntamente com a resposta a AT propugnou pela não realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e implicitamente de alegações. Por requerimento de 17.06.2015 o Requerente veio dar o seu assentimento a esta tramitação processual, sugerida pelo TAS.

n)         Uma vez que se colocam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS por despacho de 17.06.2015 dispensou-se do agendamento da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e de marcação de prazo para alegações.

o)         Pelo que, tendo ambas as partes prescindido, expressamente, da realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e da produção de alegações, não se realizaram estes actos processuais.

p)         Após convite do TAS dirigido ao Requerente, foram por este juntos ao processo, em 13.05.2015, quer a notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quer a notificação do despacho de indeferimento do sequente recurso hierárquico.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

q)                    Legitimidade, capacidade e representação - As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

r)                     Contraditório - A AT foi notificada nos termos do inciso l). Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD.

s)                     Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito,

O Requerente entregou o presente pedido de pronúncia no CAAD no dia 04-03-2015 e o ofício de notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico tem a data de 02.02.2015 (conforme documentos juntos ao processo em 13.05.2015, pelo Requerente). 

 

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE

Quanto à eventual ilegalidade dos actos de liquidação por desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS

t)         O Requerente, em resumo, propugna no sentido de que o acto de liquidação é ilegal por violação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS na medida em que se trata de um mero terreno para construção, ainda que destinado a nele serem construídos edifícios habitacionais.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

Quanto à eventual ilegalidade dos actos de liquidação por desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

u)         AT propugna no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

v)         “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.

w)        E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.

x)         Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.

y)         Resumindo o seu raciocínio acaba por expressar que “A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI.”

z)         Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.

aa)                   Conclui pela legalidade dos actos de liquidação face ao CIS e à CRP, pelo que devem manter-se na ordem jurídica por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

 

As questões que se colocam ao TAS são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma e bem assim o próprio STA, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão e uma estatuição, a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

1)         O Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano da espécie "terreno para construção", inscrito à data da liquidação, na matriz predial urbana U-…º da freguesia de ..., concelho de Lisboa - Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

2)         A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção” – Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

3)         Na caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia, em “dados de avaliação” refere-se: “tipo de coeficiente de localização: habitação" e contém uma quadrícula indicando: “Ca – 1,00”.

4)         O prédio urbano em causa tinha à data da liquidação um valor patrimonial (CIMI): de 1 986 275.96 - Conforme nota de cobrança junta com o pedido de pronúncia.

5)         O Requerente foi notificado em dia não determinado de Dezembro de 2012 da liquidação de Imposto do Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, identificação de documento 2012 … (prestação única), geradora de uma colecta no valor de 9 931,38 euros - conforme nota de liquidação junta com o pedido de pronúncia.

6)         Imposto este liquidado apenas com o seguinte fundamento: “A liquidação efectuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do nº 1do artigo 6º da Lei 55ª/2012, de 29 de Outubro” - conforme nota de liquidação junta com o pedido de pronúncia.

7)         O Requerente não procedeu ao pagamento do imposto liquidado e foi-lhe instaurado processo de execução fiscal onde prestou garantia bancária tendo em vista obter a suspensão da execução, tendo gasto até à data da entrega do pedido de pronúncia no CAAD o montante de 574,36 euros – Conforme documentos 4 e 5 juntos pelo Requerente e ausência de contestação da AT quanto ao valor probatório dos documentos – acordo das partes.

8)         O Requerente deduziu contra a liquidação um procedimento de reclamação graciosa (nº …2013…) e um sequente procedimento de recurso hierárquico (nº …2013…), ambos indeferidos com fundamento diferente da intempestividade, tendo-lhe sido notificado o despacho que recaíu sobre este último, por ofício com data de 02.02.2015 – Conforme documentos juntos pelo Requerente com o requerimento de 13.05.2015.

9)         O Requerente entregou o presente pedido de pronúncia no CAAD no dia 04-03-2015 - Registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

***

 

A matéria factual assente resulta dos documentos juntos pelo Requerente, cuja autenticidade face aos seus originais, conteúdos e valorações probatórias, não mereceram dissonância da AT. A AT não juntou o PA, certamente porque a sua apresentação revelar-se-ia redundante (e, por isso, seria um acto materialmente inútil) face aos documentos juntos pelo contribuinte, na medida em que estes não enfermam, na leitura implícita que deles a Requerida fez, de qualquer adulteração formal ou substancial. Daí que o facto do inciso 7) tenha sido considerado assente por acordo, implícito, da AT, como acima se anotou.

           

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afectação habitacional”.

 

O conceito mais aproximado do teor literal da expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

 

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS (“prédio com afectação habitacional”) com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI (“prédios habitacionais”), aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

Acresce que, no mesmo artigo, se distingue claramente entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

 

Seguindo de perto outras decisões do CAAD proferidas sobre a mesma matéria, entende-se que a palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, deve significar «acção de destinar alguma coisa a determinado uso».

 

Assim, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios urbanos que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção.

 

Acresce que, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, foi a verba 28.1 TGIS expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os terrenos para construção, o que reforça a convicção de que tais prédios não eram abrangidos pela redacção vigente até 31.12.2013.

 

Citamos a este propósito parte da decisão adoptada no Processo CAAD 6/2015-T, sobre a mesma temática, a que aderimos:

***

“Hipóteses de interpretação do conceito de «prédio com afectação habitacional»

 No CIMI não é utilizado, na classificação dos prédios, o conceito de «prédio com afectação habitacional». Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.

O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 

Conceito de «prédio com afectação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais

O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida será ilegal, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

Conceito de «prédio com afectação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»

A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». (   )

«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento». (   )

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª (   ), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados.

Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional, pois nele se dá tal classificação aos «edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. (   )

De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.

No caso em apreço, está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência.

Por outro lado, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:

«Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». (   )

A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa.

Por outro lado não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção».

No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”

 

 

INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA

 

Relativamente ao pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para se formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por prestação de garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por prestação de garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

 

O regime do direito a indemnização por prestação de garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT.

 

No caso em apreço, o erro de liquidação é imputável à AT, pois efectuou-a por sua iniciativa e o Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado, por isso, tem direito a indemnização pela garantia prestada.

 

Os documentos juntos ao processo pelo Requerente permitem determinar desde já o montante da indemnização, pelo que a condenação não carece de ser efectuada com referência ao que viesse a ser liquidado em execução da presente decisão (artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013 e artigo 565.º do Código Civil), nem tal, aliás, foi promovido pelo contribuinte.

 

É que o Requerente em ii) do pedido final (um pouco à margem do que afirma no artigo 59º do pedido de pronúncia) peticiona apenas e concretamente a condenação da AT no valor de 574,36 euros, quantitativo este que a Requerida não colocou em crise, aceitando o valor probatório dos documentos que o evidenciam, juntos com a designação de Documentos nº 4 e 5 em anexo ao pedido de pronúncia.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se:

•                      Procedente o pedido do Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28 da TGIS, com data de 2012-11-07, relativa ao regime transitório do artigo 6º nº 1 alínea f) subalínea i) da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro e quanto ao artigo matricial …º - ... – Lisboa, com a identificação de documento 2012 … (prestação única), geradora de uma colecta no valor de 9 931,38 euros, anulando-se o acto tributário expresso neste documento, por estar em desconformidade com norma de incidência de IS constante das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

•          Condena-se a AT a proceder à devolução do que lhe tenha sido pago no âmbito do acto tributário anulado.

•          Julga-se ainda procedente o pedido de condenação da AT no pagamento ao Requerente de 574,36 euros dos a título de indemnização por prestação de garantia bancária indevida (artigo 171º CPPT e artigo 53º da LGT), condenando-se a Requerida no seu pagamento.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 10 505,74 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de Junho de 2015

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.