Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2015-T
Data da decisão: 2015-11-02  IVA  
Valor do pedido: € 169.242,62
Tema: IVA – Transmissão Intracomunitária de bens, prova.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Forte Vaz e Manuel Vaz, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral no seguinte:

 

DESPACHO

 

            Nas suas alegações escritas[1], a Requerente pede o desentranhamento do documento junto pela AT na reunião de 10-07-2015, e nessa altura admitido.

            Notando-se desde já que, notificado no próprio acto da junção em causa, a Requerente nada opôs à junção, sempre se dirá que se entende não lhe assistir razão quando refere tratar-se de uma junção “extemporânea” e “fundamentação a posteriori”.

            Quanto a esta última questão, parece, desde logo, a Requerente confundir prova e fundamentação, sendo certo que uma e outra coisa são, evidentemente, distintas, sendo que na presente sede nos situamos no primeiro dos planos referidos, e que a eventual “fundamentação a posteriori” não constitui fundamento de desentranhamento de documentos, conforme se evidencia, para além do mais, pela falta de invocação de qualquer norma legal que sustente tal pretensão.

            No mais, o art.º 423.º do CPC dispõe que:

"2- Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior."

Não contendo o processo arbitral tributário a realização imperativa de uma audiência final, a esta há-de, naturalmente, equiparar-se a realização da última reunião do processo, havendo-a, ou o momento imediatamente anterior à notificação para a apresentação de alegações escritas, ou de fixação de prazo para a decisão final, sem realização daquelas.

            Neste contexto, nunca se poderia considerar “extemporânea” a junção do documento em questão.

            Assim, e quando muito, poderia considerar-se a hipótese de condenar a AT em multa, com base na referida norma do art.º 423.º/2 do CPC.

Todavia, o processo arbitral tributário - condensado no RJAT - não contém qualquer previsão relativa quer à aplicação de multas processuais, quer à aplicação de custas incidentais.

Tal omissão, pode ser encarada como uma lacuna, a preencher com recurso às normas processuais civis e tributárias, ou como uma omissão intencional visando a não aplicabilidade daquelas normas.

No caso, entende-se que será esta a última a opção legislativa.

Com efeito, o RJAT apenas comete ao Regulamento de Custas do CAAD, a fixação da taxa de arbitragem, e não de qualquer outro montante.

E, ainda que se admita que na taxa de arbitragem o CAAD pudesse integrar multas processuais e/ou custas incidentais arbitradas pelos Tribunais constituídos no seu seio, o certo é que não o fez.

Deste modo, entende-se que não é legalmente admissível em sede de processo arbitral tributário tal como este está, actualmente, configurado, a condenação das partes em multas processuais e/ou custas incidentais, o que a ocorrer, no actual contexto, suscitaria, de resto, significativas dificuldades operacionais, relacionadas, entre outras coisas, com a entidade beneficiária do correspondente pecúlio (o Estado? o CAAD? o Tribunal?), bem como com a correspondente forma de pagamento e, eventual, cobrança coerciva.

Assim, e pelo exposto, não seria possível a condenação da AT em multa, tal como não se condena a Requerente em pelas custas do presente incidente processual, de indeferimento da sua pretensão de desentranhamento do documento.

 

*

 

Posto isto, mais acordam os árbitros na seguinte:

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 2 de Março de 2015, A… - …, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa, integrada no Serviço de Finanças de Lisboa-…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do … sob o número único de matrícula de Pessoa Colectiva n.º …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA com os n.ºs …, …, 2012… e 2012…, dos períodos 09, 10, 11 e 12 do ano de 2011, e respectivas liquidações de juros compensatórios, com os n.ºs … e …, e imediatamente sobre o indeferimento dos recursos hierárquicos que foram interpostos dos actos de indeferimento das reclamações graciosas que os antecederam.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as liquidações referidas e, consequentemente, os actos de segundo grau que, tendo-as por objecto, as confirmaram, sofrem de erro nos respectivos pressupostos de direito e de facto.

 

  1. No dia 04-03-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 23-04-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-05-2015.

 

  1. No dia 18-06-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 10-07-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Foi pedido pela Requerente o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo 753/2014T do CAAD, o que foi deferido, tendo sido dispensada a produção da prova testemunhal arrolada.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      No âmbito das Ordens de Serviço Externas n.ºs OI2011…, OI2011…, OI2012… e OI2012… foram realizados quatro procedimentos de inspecção externa à Requerente, com sede declarada na Rua …, … - Apartamento …, no …, área do Serviço de Finanças de …-….

2-      Os procedimentos de inspecção resultaram da análise feita pela AT aos pedidos de reembolso de IVA efetuados pela Requerente, cuja origem assenta na realização de operações relacionadas com transações de relógios para os mercados comunitário e extracomunitário.

3-      O motivo das inspecções prendeu-se com:

                                                              i.            a necessidade de Informação do Pedido de Reembolso de IVA do período 2011/09 (DN 18-A/2010, de 30 de Junho), tendo o procedimento sido de âmbito parcial – IVA, incidindo temporalmente sobre o período 2011-09T (OI2011…);

                                                            ii.            a necessidade de Informação do Pedido de Reembolso de IVA do período 2011/10 (DN 18-A/2010, de 30 de Junho), tendo o procedimento sido de âmbito parcial – IVA, incidindo temporalmente sobre o período 2011-10T (OI2011…);

                                                          iii.            a necessidade de Informação do Pedido de Reembolso de IVA do período 2011/11 (DN 18-A/2010, de 30 de Junho), tendo o procedimento sido de âmbito parcial – IVA, incidindo temporalmente sobre o período 2011-11T (OI2012…);

                                                          iv.            a necessidade de Informação do Pedido de Reembolso de IVA do período 2011/12 (DN 18-A/2010, de 30 de Junho), tendo o procedimento sido de âmbito parcial – IVA, incidindo temporalmente sobre o período 2011-12T (OI2012…).

4-      Para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a Requerente encontrava-se enquadrada no regime geral de tributação e, para efeitos do IVA, no regime normal de periodicidade mensal desde 01.01.2011.

5-      A Requerente estava obrigada e possuía contabilidade regularmente organizada de acordo com a lei fiscal e comercial, em conformidade com o disposto no artigo 123.º do Código do IRC e tinha cumpridas as suas obrigações declarativas, em sede de IVA e IRC.

6-      Os Administradores da Requerente são comuns aos da empresa B…, LDA, nomeadamente C…, NIF …, D…, NIF … e E…, NIF ….

7-      Originariamente, a Requerente estava inscrita para o exercício da atividade de Compra e Venda de Bens Imobiliários, no entanto, em 01.07.2010, a actividade da empresa consistia essencialmente no comércio por grosso de relógios das marcas ROLEX, PATEK PHILIPPE, CHOPARD, CARTIER, CHANEL, AUDEMARS PIGUET e VACHERON CONSTANTIN, tendo como destino o mercado comunitário e extracomunitário.

8-      A Requerente veio complementar a sociedade B… no circuito económico de venda de relógios para o estrangeiro, porquanto, até 30.06.2010, era esta sociedade que formalmente procedia às aquisições (na sua maioria importações) dos referidos artigos e posterior venda para o mercado externo, sendo a partir dessa data que a Requerente, em virtude da alteração ao contrato de sociedade, passou também a efectuar exportações e transmissões intracomunitárias tendo como único fornecedor a sociedade B….

9-      Tendo presente que as transmissões de bens realizadas se destinam ao mercado externo, sendo operações isentas de IVA, a Requerente solicitou reembolsos do IVA, pois não liquidou imposto nas transmissões e beneficiou do direito à dedução do IVA suportado nas aquisições, no caso, efetuadas à sociedade B….

10-  A actividade da sociedade A… relacionada com o comércio de artigos de relojoaria no ano de 2011, que teve como destino o mercado externo, foi a seguinte:

11-  A facturação relativa a transmissões extracomunitárias de bens, da A…, distribui-se, no ano de 2011, pelos seguintes clientes:

12-  A facturação relativa a transmissões intracomunitárias de bens, da A…, distribui-se, no ano de 2011, pelos seguintes clientes:

13-  Os documentos disponibilizados pela Requerente para efeitos de comprovação dos pressupostos da isenção invocada nas operações referidas, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), justificativos do transporte dos bens em causa com destino a outro Estado membro respeitam a guias das transportadoras FedEx, EMS e registos dos CTT.

14-  Por considerar que, em resultado da análise dos documentos referidos, bem como da recolha de elementos quanto aos clientes Q… (Reino Unido), S… (Itália), Z… (Reino Unido), U… (França), AA… (Espanha), R… (Letónia), T… (Chipre) e X… (Itália), resultavam situações susceptíveis de indiciar que não se encontravam reunidas as condições exigidas para efeitos de aplicação da isenção em causa, foi solicitada a cooperação administrativa intracomunitária às autoridades fiscais dos Estados-membros identificados, ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) no 904/2010, no sentido de confirmarem as transações intracomunitárias em causa.

15-  Das respostas recebidas os SIT concluíram que em relação às transmissões para os clientes S… (Itália), Z… (Reino Unido) e U… (França), não foram reportados factos susceptíveis de pôr em causa a isenção aplicada pela A… nas transmissões intracomunitárias de bens respectivas.

16-  Em relação às transmissões com destino ao cliente R… (Letónia), os SIT apuraram que:

                                                              i.            Para comprovar o pressuposto da isenção da alínea a) do artigo 14.º do RITI relativo à expedição dos bens para outro Estado membro com destino ao adquirente, a A… exibiu guias de transporte da transportadora Fedex, verificando-se, por consulta ao respetivo sitio de Internet (www.fedex.com) que as guias em causa resultaram em entregas confirmadas;

                                                            ii.            Em relação a todas as transmissões efetuadas no período, documentadas pela respectivas facturas, a A… exibiu as guias da transportadora Fedex, constando nessas guias que o conteúdo da encomenda consistia em documentos (Docs);

17-  As autoridades fiscais da Letónia informaram que:

“B1-1) The taxpayer presented only invoices received from the Portuguese company for the total amount EUR 178772.00 (2011Q2 and 03) and payment documents (partial payment). No other documents confirming the collection of goods were presented.

(B1-7), (B1-11) R… did not declare the acquisition from your taxpayer, because transportation documents had not been received. R… was requested to declare acquisition from the Portuguese company.

(B1-8) It was not possible to establish the address of delivery, because transportation documents had not been presented.”

18-  O referido texto foi traduzido pela AT da seguinte forma:

“B1-1 o sujeito passivo apresentou apenas facturas da empresa portuguesa no montante total de 178772€ (2011T2 e T3) e documentos de pagamento (pagamento parcial). Não foram apresentados mais documentos comprovativos da recolha dos bens.

B1-7 B1-11

A R… não declarou a aquisição ao vosso sujeito passivo uma vez que os documentos de transporte não tinham sido recebidos. Foi pedido à R… que declarasse a aquisição à empresa portuguesa.

B1-8 Não foi possível identificar a morada de entrega, uma vez que não foram apresentados documentos de transporte.”

19-  Mais informaram as autoridades letãs que:

“(B2-4), (B2-5) It was not possible to establish the transporter and vehicles used, because transportation documents had not been presented.

(B2-7) The following invoices presented for transactions in 2011Q2 and 2011Q3: 2011/09/12 invoice Nr. … for EUR 29672.00; 2011/09/10 invoice Nr. … for EUR 17600.00; 2011/08/26 invoice Nr. … for EUR 16111.00; 2011/07/21 invoice Nr. … for EUR 17600.00; 2011/07/15 invoice Nr. … for EUR 11025.00; 2011/07/12 invoice Nr…. for EUR 23408.00; 2011/06/30 invoice Nr. … for EUR 28697.00; 2011/06/28 invoice Nr …. for EUR 15181.00; 2011/06/28 invoice Nr. … for EUR 19478.00.

(B2-8) According to the document presented, transactions were the supply of goods.

(B2-11), (B2-12), (B2-13) The payment made for the amount of EUR 178772.00 from R… bank account Nt. ….

( 82-15) No information.”

20-  O referido texto foi traduzido pela AT da seguinte forma:

“B2-4 B2-5 Não foi possível identificar o transportador nem os veículos usados, uma vez que não foram apresentados documentos de transporte.

B2-7 Foram apresentadas as seguintes facturas relativas a transacções em 2011 T2 e 2011T3:- ***

B2-8 De acordo com o documento apresentado, as transacções foram fornecimentos de bens.

BN2-11, B2-12, B2-13 O pagamento efectuado no montante de 178772 a partir da conta bancária da R… nº … .

B2 -15 Sem informação.”.

21-  A pergunta B2-15, a que se refere a resposta que antecede, pedia a indicação do nome da pessoa que efectuou a encomenda.

22-  Informaram, ainda, as mesmas autoridades, o seguinte:

“Copies of invoices and payment documents are enclosed. The further sale of goods was inspected at random. It was established that the goods were sold to the UK trader BB… (GB…). The company did not present the transport documentation and warehouse log-book. Therefore it was not possible to establish the address of delivery and storage, as well as the further movement of goods. Bookkeeping register, invoices issued by the Portuguese company, payment documents and documents for the random inspection of further sale are enclosed.”

23-  O referido texto foi traduzido pela AT da seguinte forma:

“As cópias das facturas e dos documentos de pagamento seguem em anexo. Foi feita uma investigação aleatória quanto à revenda dos bens. Verificou-se que os bens foram vendidos para o operador do Reino Unido BB… (GB…). A empresa não apresentou os documentos de transporte nem o registo do armazém, por isso não foi possível verificar a morada de entrega e armazenamento, nem outros movimentos dos bens. Os registos contabilísticos, facturas emitidas pela empresa portuguesa, documentos de pagamento e documentos para investigação aleatória de revenda dos bens seguem em anexo.”

24-  Da documentação junta ao pedido de informação, constataram, ainda, os SIT que:

                                                              i.            os relógios facturados pela R… à BB…, têm como entidade pagadora CC…, com morada em suite …, Block …, …, Gibraltar, verificando-se através dos extractos bancários da conta bancária …, R…, titulada no RIETUMU BANK com sede em Riga, na Letónia, a existência de transferências bancárias para esta conta provenientes da CC…;

                                                            ii.            dois dos quatro pagamentos parciais das facturas n.º …, de 12/09/11 no valor de €7.700,00 e €4.172,00 respectivamente, tem como ordenante das transferências bancárias, através da instituição de crédito LA BANQUE POSTALE – Paris, o cidadão israelita DD…, indíviduo que consta igualmente como cliente da A… em 2010, cujas operações foram tratadas como exportações com certificação da saída dos bens averbada pela Alfândega do Aeroporto do … e cujo transporte foi efectuado em bagagem pessoal do próprio em voo com destino a GENEVE;

                                                          iii.            O mesmo DD…, foi cliente da A… em 2010 e em 2011, com parte das vendas realizadas ao balcão da loja;

                                                          iv.            A R… encontra-se cessada no cadastro do VIES, à data de 2012/05/24, encontrando-se igualmente cessadas as transacções entre ela e a requerente.

25-  Face ao apurado, concluíram os SIT que “as transmissões para o operador R… no período em análise, encontram-se sujeitas à liquidação de IVA, de acordo com o previsto nos artigos 1º, 7º e 16º do Código do IVA e à taxa de IVA de acordo com o disposto no artigo 18º do referido código, à data dos factos, mostrando- se em falta a liquidação e pagamento do imposto” nos montantes seguidamente calculados e indicados, resultantes “da aplicação do IVA à totalidade das vendas da A… para o operador em causa”:

 

R…

 

 

R…

 

 

R…

 

 

R…

 

 

26-  A correcção em causa no procedimento inspectivo relativo à OI2011… deu origem à liquidação adicional de IVA nº … e respectiva liquidação de juros compensatórios nº …, relativa ao período de 09 do ano de 2011.

27-  A correcção em causa no procedimento inspectivo relativo à OI2011… deu origem à liquidação adicional de IVA nº … e respectiva liquidação de juros compensatórios nº …, relativa ao período de 10 do ano de 2011.

28-  A correcção em causa no procedimento inspectivo relativo à OI2012… deu origem à liquidação adicional de IVA nº … subjacente à demonstração de acerto de contas nº 2012…, relativa ao período de 11 do ano de 2011.

29-  A correcção em causa no procedimento inspectivo relativo à OI2012… deu origem à liquidação adicional de IVA nº … subjacente à demonstração de acerto de contas nº 2012…, relativa ao período de 12 do ano de 2011.

30-  Não tendo sido pagas as liquidações em causa, foram instaurados, respectivamente, os processos de execução fiscal nºs …2013…, …2013…, …2013… e …2013… que correram termos no Serviço de Finanças …-…, no âmbito dos quais foi requerida a sua suspensão mediante a apresentação de fiança.

31-  Simultaneamente, por não concordar com as correcções que deram origem às liquidações em apreço, a Requerente apresentou as Reclamações Graciosas:

                                                              i.            nº …2013… em 30.04.2013, contra a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa ao período de 2011-09 e respectivos juros compensatórios (liquidação n.º …);

                                                            ii.            n.º …2013… em 30.04.2013, contra a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa ao período de 2011-10 e respectivos juros compensatórios (liquidação n.º …);

                                                          iii.            n.º …2013… em 16.04.2013, contra a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa ao período 2011-11, subjacente à demonstração de acerto de contas n.º 2012…;

                                                          iv.            n.º …2013… em 16.04.2013, contra a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa ao período 2011-12, subjacente à demonstração de acerto de contas n.º 2012….

32-  As mencionadas Reclamações Graciosas vieram a ser indeferidas, facto que foi notificado à Requerente em 03-10-2013.

33-  Nessa sequência a Requerente apresentou, em 30-10-2013, os Recursos Hierárquicos:

                                                              i.            n.º …2013… (contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…);

                                                            ii.            n.º …2013… (contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…);

                                                          iii.            n.º …2013… (contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…);

                                                          iv.            n.º …2013… (contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…).

34-  O indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2013… foi notificado à Requerente pelo ofício n.º … de 01.12.2014.

35-  O indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2013… foi notificado à Requerente pelo ofício n.º … de 01.12.2014.

36-  O indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2013… foi notificado à Requerente pelo ofício n.º … de 01.12.2014

37-  O indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2013… foi notificado à Requerente pelo ofício n.º … de 01.12.2014.

38-  A Requerente procedeu ao pagamento voluntário das quantias exequendas nos processos executivos acima referidos, ao abrigo do DL 151-A/2013.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- A menção “Docs”, referida nos pontos 16/ii dos factos dados como provados, foi feita pela Requerente por estar vedada pela instituição seguradora a menção aos relógios.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se englobam nos mesmos os factos elencados nas alegações escritas da Requerente, mas não constantes do seu Requerimento inicial, uma vez que não foram objecto da prova contraditoriamente produzida, que foi delimitada pela matéria de facto constante do Requerimento inicial e indicada no Requerimento da Requerente apresentado a 15-06-2015.

O facto dado como não provado, deve-se à insuficiência de prova a seu respeito. Com efeito, o documento da corretora de Seguros (Acta), junto pela Requerente como documento 31, ainda que conjugada com o depoimento da testemunha EE…, não foi suficiente para convencer o Tribunal da motivação indicada, desde logo porquanto aquele documento está datado de 2012 (e a correspondente apólice (…), ao que tudo indica, será do mesmo ano), enquanto que os factos ora em causa se reportam a 2011. Por outro lado, a testemunha não era representante da seguradora, mas um mero mediador.

 

B. DO DIREITO

 

i. Do pedido de reenvio prejudicial

            Na sua Resposta, pede a AT “a submissão ao TJUE, a título de reenvio prejudicial (cfr. artigo 267º do TFUE), antes da pronúncia de mérito e mediante a suspensão da instância, das seguintes questões:

1) Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que, embora o adquirente esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

2) Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da segurança e da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de envio e/ou transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão?

            Vejamos.

 

*

            Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[2]:

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

            Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.                           já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.                         quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

            Naturalmente que se concorda com a AT quando, nas suas alegações, afirma que “as decisões proferidas pelo Tribunal arbitral não são susceptíveis de recurso ordinário”, pelo que, verificando-se os respectivos pressupostos, “reenvio prejudicial revela-se como obrigatório”, uma vez que “a vinculação a uma jurisdição arbitral não pode significar perda de direitos constitucionalmente garantidos para além dos que se consentiram com a vinculação a tal tipo de jurisdição”, sendo que o entendimento contrário – ou seja, que considere que a obrigatoriedade do reenvio não se aplica à jurisdição arbitral – será, para além do mais, e como afirma a AT, “uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito previsto no art. 20º da CRP”.

            Já não assim, todavia, quando o reenvio seja indeferido, com base, não na sua admissibilidade, mas na carência dos seus pressupostos e/ou na sua desnecessidade. Nestes casos, não haverá já – julga-se – qualquer violação dos normativos constitucionais apontados (ou outros), mas apenas uma situação de aplicação do direito aos factos, contida no juízo judicativo próprio do Tribunal, eventualmente eivado de erro, pelo que, como acaba por reconhecer a AT, “tais fundamentos têm a ver com vícios (...) inerentes à própria decisão”.

 

*

A primeira questão formulada pela AT prende-se, então, com saber se “Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens”.

O primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ou seja, apenas se a resposta à questão formulada for necessária para proferir decisão nas questões que se apresentam ao Tribunal para dirimir, é que que aquela deverá ser apresentada ao TJUE.

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.

Com efeito, quer a resposta à interrogação formulada seja positiva, quer seja negativa, não será aquela susceptível de condicionar o sentido da decisão a proferir.

Assim, caso a resposta fosse no sentido afirmativo, reconhecendo que pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando tenha a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, daí não decorreria, pela própria semântica da pergunta, condicionante da resposta, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que esteja preenchido o requisito da isenção.

Por outro lado, e simetricamente, também no caso de resposta em sentido oposto, reconhecendo aos Estados-Membros a possibilidade de considerar que está preenchido o requisito da isenção, nos casos em que tenham a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, não decorreria, nos mesmos termos, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que não esteja preenchido o requisito da isenção.

Ou seja, e em suma: uma resposta que diga que o Estado-Membro pode, ou pode não, considerar preenchidos os requisitos da isenção, não imporia um determinado sentido à decisão a proferir no presente caso, já que sempre haveria de apurar face à legislação nacional se o Estado Português usava o poder que lhe fosse reconhecido na resposta à questão colocada.

Para que fosse útil uma questão de âmbito análogo à formulada pela AT, e que ora nos ocupa, a mesma deveria, desde logo, revestir-se de um conteúdo imperativo, cuja resposta traduzisse uma imposição, e não uma mera possibilidade.

Não estando o Tribunal vinculado, nesta matéria, pelo pedido pela parte, e tendo o dever de, oficiosamente, apresentar para resolução ao TJUE as questões que se revelem necessárias à decisão da causa, e que sejam da competência daqueles, em tal quadro, poderiam ser formuladas duas questões, a saber:

-          Está obrigado um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isençăo das operaçơes previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperaçăo administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

-          Está vedado a um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

Contudo, e desde logo, também a resposta a estas questões não se revestiria de carácter decisivo no que ao caso sub iudice diz respeito.

Com efeito, no presente caso, depõem a favor e contra a consideração da verificação dos pressupostos da isenção discutida uma série de circunstâncias adicionais, cuja valoração sempre extravasaria o âmbito das questões sugeridas, e respectivas respostas possíveis, pelo que sempre se poderia considerar que estavam verificados os pressupostos da isenção, atendendo a outro elementos que não o carácter de sujeito passivo do adquirente e a ocorrência de pagamento, ou que não estavam verificados aqueles, atendendo a outros elementos que não a mera circunstância da não inclusão na declaração do IVA, da operação como aquisição intracomunitária de bens.

Por outro lado, e aqui chegamos ao fulcro da questão que verdadeiramente se discute no presente caso, o que está em causa é, essencialmente, um juízo de facto – que se traduz em saber se houve ou não remessa de bens para o destinatário da operação intracomunitária – e de aplicação de normas do direito interno, maxime, relativas ao ónus da prova.

Ou seja, estamos, crê-se, naquele domínio a que o TJUE se refere como de “aplicar (...) direito à situação de facto subjacente ao processo principal”. O que está em discussão nos autos não é apurar o sentido de uma norma de direito europeu, sendo esse sentido claro e assumido pelas partes, que compreendem qual o sentido norma e exteriorizam essa compreensão, mas verificar se essa norma é, ou não, aplicável “à situação de facto subjacente ao processo principal”, sendo certo que nesse juízo intervém as normas de direito nacional relativas ao ónus da prova, e que o TJUE não se debruça “sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Conforme o próprio TJUE afirmou no Ac. Mecsek-Gabona, "no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar nem apreciar as circunstâncias de facto relativas ao processo principal[3], e é aos tribunais nacionais que cumpre apreciar se o Contribuinte do seu Estado, "cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova e de diligência."[4], no que diz respeito aos pressupostos da isenção que reclama.

Por fim, e em todo caso, sempre se entende que o modo correcto de interpretar a regra jurídica comunitária em causa, na perspectiva das potenciais questões formuladas, se deverá ter por inequívoco, no sentido de a resposta ser negativa, a ambas. Ou seja, não estará um Estado-Membro nem obrigado a, nem proibido de, considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado, em parte ou na totalidade, o pagamento da transacção, voluntariamente não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens. Antes, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE, essencialmente orientada para a aplicação correcta e simples das isenções, independentemente daqueles factores (não declaração da aquisição intracomunitária pelo adquirente, registo deste para efeito de IVA no seu Estado, e pagamento efectivo da operação), poderá – sem dúvidas – o Estado Membro considerar preenchidos, ou não, os pressupostos da isenção, conforme os restantes elementos de facto recolhidos apontem num ou noutro sentido.

De resto, no Acórdão Teleos, citado pela própria AT, consignou-se ipsis verbis que “deve considerar-se que, com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens.[5], e que “mesmo que a apresentação pelo adquirente de uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária possa constituir um indício da transferência efectiva dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, essa declaração não assume, contudo, um significado determinante para efeitos de prova de uma entrega intracomunitária isenta.[6].

Mais se pode ler, no mesmo aresto, que “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.”.

Também no Acórdão do TJUE proferido no processo C-587/10[7], se pode ler que:

55      Quanto à circunstância de o fornecedor ter apresentado a declaração fiscal do adquirente relativa à sua aquisição intracomunitária, há que recordar que, como foi decidido no n.º 30 do presente acórdão, com exceção das condições relativas à qualidade dos sujeitos passivos, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode impor nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitária de bens. Assim, para beneficiar da isenção nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, não pode ser imposto ao fornecedor que faculte elementos de prova relativos à tributação da aquisição intracomunitária dos bens em causa.

56      Além disso, não se pode considerar que essa declaração constitui, só por si, uma prova determinante da qualidade de sujeito passivo do adquirente, podendo apenas representar um indício (v., por analogia, acórdãos Teleos e o., já referido, n.° 71, e de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, Colet., p. I-7897, n.º 37).

57      Por conseguinte, a circunstância de o fornecedor ter apresentado ou não esta declaração também não é suscetível de alterar a resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Daí que não se ofereçam dúvidas que, quer face ao enunciado normativo comunitário em questão, quer à leitura que dele é feita pela jurisprudência do TJUE, que a declaração de aquisição intracomunitária, ou falta dela, por parte do adquirente, numa transmissão intracomunitária de bens, possa constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram, ou não, efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Deste modo, e por todo o exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, quanto à primeira das questões formuladas pela AT pela na sua resposta, ou de qualquer outra com ela relacionada.

 

*

A segunda pergunta formulada pela AT, consiste em saber se: “Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da segurança e da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de envio e/ou transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão?”, pretendendo a sua apreciação, também no quadro de um reenvio prejudicial, pelo TJUE.

            Também esta questão, todavia, claudicará no teste da necessidade da resposta para a decisão a proferir, cuja superação é indispensável à viabilidade da opção pelo reenvio.

            Com efeito, mesmo que o TJUE possa considerar “que uma prática administrativa respeita o princípio da segurança e da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de envio e/ou transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão”, tal nada aportaria à decisão do caso, desde logo porquanto seria face ao direito nacional, cuja aplicação está vedada ao TJUE, que haveria que apurar se:

-          a pressuposta prática administrativa proporcional face ao direito comunitário se impõe, ou não, ao órgão judicial encarregado de decidir o caso; e

-          a mesma prática administrativa é, ou não, legal, face ao direito nacional.

Ora, como se referiu no Ac. do TCAN de 12-03-2015, proferido no processo 01560/05.5BEPRT[8], "É de admitir qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, de acordo com o disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Entendimento contrário, nomeadamente, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos na elisão daquela presunção é inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados – cf. art.º 20.º, da Lei Fundamental.".

Daí que, sendo as regras de distribuição do ónus da prova as que decorrem da lei, e não aquelas que a prática administrativa determine, a resposta à segunda questão formulada não se revestiria de utilidade para a decisão a proferir, na medida em que, por um lado, a prática administrativa a que se reporta, ainda que julgada, face ao direito comunitário, proporcional, não se imporia a este Tribunal, que está obrigado a julgar segundo o direito português constituído, e, por outro, face a este, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos para a demonstração do preenchimento dos pressupostos do direito à isenção que ora se discute será inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados, nos termos, para além do mais, do art.º 20.º, da Constituição.

Assim, e pelo exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, também quanto à segunda das questões formuladas pela AT pela na sua resposta.

 

*

ii. Do fundo da causa

            A questão jurídica que se coloca nos autos prende-se, essencialmente, com saber se, face à matéria de facto dada como provada, estão, ou não, preenchidos os pressupostos do artigo 14.º/a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), que dispõe que:

Estão isentas do imposto:

a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;

Não sendo controverso que os requisitos da aplicação da isenção em questão são que:

-          o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;

-          que o adquirente seja também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;

-          que os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente;

está unicamente em causa no presente processo aferir da verificação do último daqueles elencados requisitos, pelo que o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, com destino ao adquirente.

 

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            Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”         .

            Aplicando tal disposição ao presente caso, e tendo presente que está em causa um direito do contribuinte a uma isenção de imposto[9], será pacífico, crê-se, que o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre aquele.

            No entanto, dispõe o artigo 350.º/1 do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º/d) da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.

            No caso, e com interesse para a questão, dispõe o artigo 75.º/1 da LGT que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.

            A referida presunção poderá ser ultrapassada por duas vias, a saber:

-          afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo artigo 75.º da LGT;

-            ilidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.

Face ao disposto no supra-citado artigo 75.º/1 da LGT, haverá que presumir verdadeiras e de boa-fé, quer as declarações periódicas de IVA apresentadas, nos termos da lei, pela Requerente, onde apurou o reembolso indicado, quer os dados descritos na sua contabilidade, nas quais a não foram identificadas quaisquer divergências pela AT, como não poderia deixar de ser, já que não se compreenderia que tendo a Requerente apresentado a sua declaração periódica nos termos da lei, e dispondo da contabilidade regularmente organizada, fosse colocada no mesmo pé que um contribuinte relapso[10].

            A referida presunção, de resto expressamente invocada pela Requerente (cfr. artigo 87.º do requerimento inicial) poderá ser ultrapassada por duas vias, apontadas, respectivamente, pelo artigo 75.º/2 da LGT e pelo artigo 350.º/2 do Código Civil.

            Vejamos se tal ocorre[11].

 

*

            A presunção em questão não operará, caso se verifique alguma das circunstâncias (impeditivas) elencadas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, designadamente, e para o que ora importa que:

-          As declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

-          O contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária;

Como explica Como refere Elisabete Louro Martins[12]:

“O grau de prova exigível à Administração Fiscal para afastar a presunção de verdade prevista na LGT a favor do contribuinte, irá, na nossa opinião, depender da natureza dos vícios apurados. Os vícios formais (...) devem ser objecto de prova efectiva com base nos próprios documentos apresentados pelo Sujeito Passivo (...). Na verdade, ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.

Por outro lado, a mesma regra não poderá ser aplicada aos vícios materiais, uma vez que têm por base muitas vezes elementos externos à contabilidade, como o facto de as mesmas não titularem operações reais que possam conferir ao sujeito passivo o direito à dedução, que não permitam a obtenção de um grau de certeza razoável relativamente à existência do facto tributário. Conforme resulta da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, no caso de vícios materiais, bastará a Administração Fiscal apresentar factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.

Compulsado o elenco factual apurado no presente processo, verifica-se que não se evidencia qualquer facto relativo à segunda das circunstâncias impeditivas da operatividade da presunção em questão, que se vêm de elencar. Pelo contrário, e como se deslinda do facto dado como provado no ponto 13 da matéria de facto, a Requerente correspondeu, na medida do que lhe foi possível, às solicitações de cooperação formuladas pela AT, no sentido do esclarecimento da sua situação tributária. Assim, citando Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa[13], “uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspondência com a verdade, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes””.

Tendo, então, em conta a primeira daquelas mesmas circunstâncias, acima referidas, cumprirá, relativamente a cada grupo de situações em questão no presente processo, aferir se foram detectados omissões, erros, inexatidões das declarações ou da contabilidade, e/ou se foram reunidos indícios fundados de que aquelas não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo.

Se tal se verificar, dever-se-á, então, apurar se, claudicando a presunção de veracidade decorrente do artigo 75.º/1 da LGT, a Requerente logra, por outro meio de prova, cumprir o ónus probatório que, nos termos anteriormente delineados, lhe assiste.

            Caso isso não ocorra, cumprirá verificar se a AT logrou fazer prova em contrário dos factos que, nos termos antecedentes, se devem presumir, relativos à ocorrência da TIB em questão no presente processo, no exercício da faculdade que, nos termos do artigo 350.º/2 do Código Civil, lhe assistirá[14].

Vejamos, então.

 

*

Relativamente às operações em questão no presente processo, a AT apurou, com relevo e em suma, que:

i.                           Em relação a todas as transmissões efetuadas no período, documentadas pela respectivas facturas, foram exibidas guias da transportadora Fedex, constando nessas guias que o conteúdo da encomenda consistia em documentos (Docs);

ii.                         os relógios facturados pela R… à BB…, têm como entidade pagadora CC…, com morada em suite …, Block …, …, Gibraltar;

iii.                       dois dos quatro pagamentos parciais das facturas n.º …, de 12/09/11 no valor de €7.700,00 e €4.172,00 respectivamente, tem como ordenante das transferências bancárias, através da instituição de crédito LA BANQUE POSTALE – Paris, o cidadão israelita DD…;

iv.                       A RR… encontra-se cessada no cadastro do VIES, à data de 2012/05/24, encontrando-se igualmente cessadas as transacções entre ela e a requerente.

Conforme resulta quer do RIT, quer da decisão da reclamação graciosa, verifica-se que a AT teve como decisivo a informação prestada pela sua congénere letã, da qual resulta, em suma, que:

i.                            a adquirente não declarou, junto da sua autoridade fiscal, as operações com a Requerente, em causa no presente processo, como aquisição intracomunitária intracomunitária;

ii.                          A adquirente tinha nos seus arquivos contabilísticos as facturas emitidas pela ora Requerente, bem como os documentos referentes ao respectivo pagamento, mas não apresentou documentos relativos ao transporte nem ao armazenamento;

iii.                        Os bens transaccionados foram revendidos a um operador do Reino Unido.

Antes de prosseguir convém situar, devidamente, o valor probatório das informações prestadas pela congénere letã, da AT nacional, tendo em conta o alegado por esta, segundo a qual, “tal mecanismo de troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados membros, sendo necessário e indispensável em situações de dúvida, é também um meio de prova único e o mais adequado para efeitos de controle das, que são como tal declaradas pelos sujeitos passivos, transmissões intracomunitárias de bens.”.

            Se, tal frase, tem subjacente o entendimento de que as informações prestadas no âmbito do referido mecanismo, têm força probatória plena, tal carecerá, desde logo, de fundamento legal, já que o normativo fundamental para qualquer juízo a respeito do valor probatório das informações em questão radica nos n.ºs 1 e 4 do artigo 76.º da LGT, que dispõem que:

“1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.(...)

4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”.

            Relativamente à norma em causa, note-se, desde logo, que não consagra qualquer prova plena, ou seja, insusceptível de prova em contrário.

            Por outro lado, não se poderá deixar de considerar que o valor probatório conferido pela LGT às informações prestadas pela IT, ou pelas administrações tributárias estrangeiras, fora do que constitua matéria praticada ou directamente percepcionada pela autora da informação, excluindo-se, assim, os meros juízos pessoais do informante[15].

            Ora, a matéria que nos ocupa, dever-se-á considerar como directamente percepcionado pela autoridade fiscal letã a não declaração das aquisições à Requerente, bem como a não apresentação, pela adquirente, de documentos de transporte e armazém e a apresentação, por parte das mesmas das facturas e documentos de pagamento.

            Será este, salvo melhor opinião, o âmbito probatório a que se restringe a fé da informação obtida pela AT, junto da sua congénere letã, nos termos do artigo 76.º da LGT, sendo factos directamente percepcionados pela autoridade fiscal daquele país.

Para além disso, e em função documentação junta à resposta ao pedido de informação, verifica-se que:

                                                              i.            os relógios facturados pela Requerente à R…, foram, subsequentemente, facturados por esta à BB…, tendo esta operação como entidade pagadora a CC…;

                                                            ii.            dois dos quatro pagamentos parciais das facturas n.º …, de 12/09/11 no valor de €7.700,00 e €4.172,00 respectivamente, tem como ordenante das transferências bancárias, através da instituição de crédito LA BANQUE POSTALE – Paris, o cidadão israelita DD…;

                                                          iii.            A R… encontra-se cessada no cadastro do VIES, à data de 2012/05/24, encontrando-se igualmente cessadas as transacções entre ela e a requerente.

            É neste quadro, portanto, que haverá de operar-se o juízo probatório, no sentido de apurar se a acima accionada presunção de veracidade do artigo 75.º/1 da LGT se mantém, ou, num primeiro momento, é impedida, nos termos da al. a) do n.º 2 do  mesmo artigo, ou, num segundo momento, é elidida, nos termos do artigo 350.º do Código Civil.

Com efeito, conforme acima já exposto, cumpria, à Requerente demonstrar que:

-          o transmitente era sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;

-          que o adquirente era também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilizou o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;

-          que os bens foram efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente.

Não se verificando, no caso e como se viu, quaisquer dúvidas relativamente aos dois primeiros requisitos, e estando o terceiro, em primeira linha, presuntivamente provado, cumpriria então à AT demonstrar algum facto obstativo àquela presunção ou, simplesmente, elidi-la.

Cumprirá, assim, apurar se o quadro factual acima delineado, se pode qualificar como “indiciando fundadamente” que a contabilidade e declaração apresentadas pelo sujeito passivo não reflectiam a sua a matéria tributável real, ou se, por outro lado, demonstra, para lá de qualquer dúvida razoável, que, no caso, não se deu a remessa de bens para o exterior, que, se presumirá, no caso de não demonstração de qualquer dos pressupostos do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.

            Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que, no caso concreto, a resposta deverá ser, a ambas as questões, negativa.

            Com efeito, se será inegável que se detecta um ou outro indício de que alguma situação fora do regular processamento de relações comerciais poderá estar em curso – designadamente as circunstância de a aquisição intracomunitária não ter sido declarada, de serem particularmente escassos os registos documentais do percurso dos bens transaccionados, de o percurso que é possível percepcionar (Portugal-Letónia-Reino Unido) ser pouco “normal”, de haver a intervenção nesse circuito, ao nível dos pagamento, de entidades, de alguma forma, suspeitas (CC…; DD…) e, até, neste contexto, o próprio encerramento de actividade, subsequente, do adquirente – não se pode deixar de notar, por um lado, que todo este conjunto de situações se situa totalmente a jusante das operações sub iudice e, portanto, da intervenção da Requerente, e, por outro, que são contrariados por outros indícios, de igual ou superior intensidade, como sejam as circunstâncias de a Requerente ter declarado sempre, devidamente, as suas operações, o facto de todos os movimentos financeiros serem congruentes, e, ainda, a circunstância reconhecidamente indiciada de os bens em causa terem, ao que tudo indica, sido subsequentemente transaccionados, pelo adquirente, para o Reino Unido.

            A propósito desta última situação, e como refere Clotilde Celorico Palma[16], “Note-se que se o vendedor tem a obrigação de certificar-se que o adquirente dos bens é um sujeito passivo devidamente identificado para efeitos de IVA em outro EM e que os bens são expedidos ou transportados para fora do território nacional. Não lhe compete, contudo, controlar se os bens foram expedidos ou transportados para o EM a que corresponde o número de identificação fiscal que lhe foi comunicado pelo adquirente. Só será possível ao vendedor certificar-se de tal facto caso a expedição ou transporte dos bens seja efectuado por si ou por sua conta, sendo-lhe indicado como EM de destino um EM diferente daquele a que corresponde o número de identificação fiscal ao abrigo do qual a aquisição foi efectuada. Todavia, mesmo nesta situação, não se porá em causa a aplicação da isenção da transmissão intracomunitária dos bens em apreço. Estará em causa, sim a informação fornecida pelo sujeito passivo à respectiva administração fiscal, através do preenchimento da declaração recapitulativa das respectivas transmissões intracomunitárias de bens. Saliente-se a este propósito que foi precisamente tendo em consideração este tipo de situações que o legislador comunitário previu um dispositivo de segurança no âmbito das novas regras de localização. De acordo com estas regras, não obstante a chegada da expedição ou transporte dos bens ocorrer num outro EM (regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens), a aquisição intracomunitária de bens será tributável no EM que emitiu o número de identificação fiscal ao abrigo do qual o adquirente efectuou a operação”.

            Deste modo, a tónica importante para se estar perante uma transmissão intracomunitária (TIB) do ponto de vista do transmitente é, para além de se assegurar que o adquirente é um sujeito passivo de IVA que efectua operações intracomunitárias, assegurar-se que os bens saíram fisicamente do Estado Membro do sujeito passivo transmitente.

Este tem sido, inclusivamente, o entendimento do TJUE, que, no Ac. proferido no processo C-430/09[17], considerou que “a aplicação da isenção a uma entrega intracomunitária está sujeita à condição de o transporte dever ser concluído num Estado-Membro diferente do da entrega, sendo irrelevante, para o efeito, o endereço em que o transporte termina.”.

Assim, para elidir a presunção de veracidade da transmissão intracomunitária regularmente declarada, seria necessário demonstrar que os bens não saíram do território nacional, e não, apenas, que não seguiram para o Estado-membro onde se situa o adquirente, não havendo qualquer dúvida razoável, no caso, que os bens terão, efectivamente, deixado o território nacional.

Deve ser também objecto de menção especial, a circunstância de, nos documentos de transporte apresentados pela Requerente, o conteúdo ser descrito como “Documentos”.

A este respeito, note-se que, conforme resulta do ponto 13 dos factos dados como provados, a Requerente dispunha, para todas as exportações por si declaradas de guias das transportadoras FedEx, EMS e registos dos CTT, não se demonstrando que entre as situações que foram aceites pela AT, não existam outras em que a descrição constante daqueles documentos fosse precisamente a mesma (“Documentos”).

De resto, demonstrativo da não decisividade desta circunstância é o facto de, resultando ele, desde logo, da documentação apresentada à AT pela Requerente, esta – e bem – concluiu não ser tal suficiente para, desde logo, proceder à liquidação adicional de imposto.

Por outro lado, e não se tendo provado qual a concreta causa da aposição da menção em questão, não se dá a tal facto, desacompanhado de quaisquer outros que apontem no sentido de que a remessa em questão não haja, na realidade, ocorrido, relevância decisiva nesse sentido, tanto mais que, como aventa a Requerente[18], se o sentido da sua actuação fosse no sentido de criar uma encenação de remessa, teria, seguramente, feito constar da documentação em questão a menção “relógios”, e não “documentos”.

            Ora, na medida em que, no seguimento da fundamentação precedente, era a AT quem, no sentido de impedir o accionamento da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, estava onerada com o encargo de reunir “indícios fundados” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente, em questão no presente processo, não reflectiam a sua matéria tributável real, a dúvida em questão haveria imperativamente de ser resolvida em sentido desfavorável à posição daquela autoridade.

            Deste modo, e por todo o exposto, conclui-se pela vigência, no caso, da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, relativa à declaração periódica e inscrições contabilísticas apresentadas pela Requerente, respeitantes às transmissões intracomunitárias de bens em questão nos actos tributários objecto do presente processo, pelo que, nos termos do artigo 350.º/1 do Código Civil, está aquela dispensada de provar os pressupostos de facto daquela, que se presumem.

            Uma outra menção, por fim, para a circunstância, também – como se viu - apurada, e relativamente à qual a informação das autoridades fiscais letãs fará fé, segundo a qual a adquirente não terá declarado as operações declaradas pela Requerente, e ora em causa e que se entende, por si só ou conjugada com as restantes apuradas, nos termos acima já discriminados, insuficiente para infirmar as conclusões tiradas.

            Com efeito, e desde logo, a decisão de declarar ou não a aquisição intracomunitária é exclusivamente determinada pelo adquirente, sendo a Requerente de todo alheia à mesma, em termos de não a poder determinar ou controlar.

            Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, sempre se haveria que concluir que, no limite, tal circunstância seria unicamente susceptível de gerar uma situação de dúvida.

Efectivamente, e aplicando-se aqui a ratio da resposta do TJUE à quarta questão colocada no Acórdão Teleos[19], citado por ambas as partes, dever-se-á entender que o facto de o adquirente não ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está ora em causa, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens não saíram efectivamente do território do Estado-Membro de envio, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de não-isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Também, o já citado Acórdão do TJUE, proferido no processo C-587/10, se afirmou, como se viu, que a “com exceção das condições relativas à qualidade dos sujeitos passivos, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode impor nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitária de bens.”.

            Não é, assim e em suma, possível validar o juízo de que estamos perante factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário.

            Daí que, por todo o exposto, se haja de considerar que não cumpriu a AT o ónus de demonstrar factos impeditivos da presunção de veracidade da declaração da Requerente, consagrada no artigo 75.º/1 da LGT.

            Do mesmo modo, haverá que concluir que os elementos aportados pela AT são insuficientes para elidir a presunção de veracidade formada nos termos da referida norma, pelo que, na presente parte, haverá o pedido arbitral de ser julgado procedente.

 

*

A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por garantia indevida.

Esta matéria foi objecto já de várias decisões no âmbito da jurisdição arbitral, podendo ver-se, entre outros, o processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T[20], em termos que ora se transcrevem

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

              1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

              2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

              3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

              4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação consubstanciado nas liquidações praticadas sem suporte num facto tributário pressuposto do imposto, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular os actos de liquidação de IVA com os n.ºs …, …, 2012… e 2012…, dos períodos 09, 10, 11 e 12 do ano de 2011, e respectivas liquidações de juros compensatórios, com os n.ºs … e …, bem como o indeferimento dos recursos hierárquicos que foram interpostos dos actos de indeferimento das reclamações graciosas que os antecederam;

b)      Condenar a Autoridade Tributária a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença;

c)      Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 169 242,62, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

2 de Novembro de 2015

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Manuel Vaz)



[1] Cfr. ponto 69.

[3] Cfr. ponto 53.

[4] Cfr. ponto 45.

[5] Cfr. ponto 70.

[6] Cfr. ponto 71.

[9] Que não um benefício fiscal. Com efeito, de acordo com o número 1, do artigo 2.º do EBF os benefícios fiscais configuram “medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes”, quando, no caso vertente, a isenção da transmissão de bens efetuada pelo vendedor no EM de partida da expedição ou transporte é justificada pelo fim de se tributar a aquisição dos bens no EM de chegada e obviar a situações de dupla tributação. Assim, está em causa, não um beneficio fiscal, mas uma isenção técnica, que aparece inserida no paradigma da tributação no destino integrado na realização do Mercado Interno em 1993 a nivel da União Europeia e não na perspetiva de um beneficio fiscal, com natureza extrafiscal

[10] Conforme se escrevia já no preâmbulo do Decreto Lei 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o CPT, “A presunção da verdade dos actos do Fisco foi substituída pela presunção da verdade dos actos do cidadão-contribuinte”.

[11] Note-se que a não ilisão da presunção, e os efeitos daí retirados, não constituem uma alteração das regras de distribuição do ónus da prova, que, como se viu oneram a Requerente. Como refere Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa (“Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária : o art. 73.º da LGT”, p. 36, disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601), “A parte a quem incumbe a prova não deixa de ser a parte que originalmente teria esse ónus legal. O que acontece, como PIRES DE SOUSA sublinha, é que “a presunção legal proporciona à parte, que dela pode beneficiar, uma maior certeza sobre os resultados que alcançará com a prova do facto-base uma vez que este está fixado de uma forma concreta e determinada pela norma legal””, e, mais adiante (p. 37), “Enquanto que as presunções se aplicam na fase probatória, as regras de distribuição do ónus de prova actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador”.

[12]O Ónus da Prova em Direito Fiscal”, Wolter Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 129.

[13] Op, cit., pp. 175 e ss..

[14] Cfr. Elisabete Louro Martins, Op. cit., p. 125: “quando surjam dúvidas sobre os factos declarados pelo Sujeito Passivo na declaração de rendimentos, caso todas as questões suscitadas pela Administração Fiscal tenham ficado resolvidas em sede de inspecção tributária ou em sede do exercício do dever de prestação de esclarecimentos através da análise dos documentos apresentados pelo mesmo, não será legítimo à Administração Fiscal actuar através da prática do acto tributário, sem apresentar qualquer prova que indicie objectivamente o vício formal ou material verificado, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do CC, uma vez que às presunções legais é atribuída força probatória plena”.

[15] Por aplicação directa, ou analógica, do disposto no artigo 371.º/1 do Código Civil.

[16]  O IVA e o Mercado Interno-Reflexões sobre o Regime Transitório, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (178), Lisboa, 1998, págs. 251 e 252.

[18] Cfr. artigo 80.º do Requerimento Inicial.

[19] Ponto 72: “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

[20] Disponível em www.caad.org.pt.