Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 129/2015-T
Tema: IRS, mais-valias imobiliárias, encargos com a valorização dos bens
I - RELATÓRIO
1. A requereu, em 2 de Fevereiro de 2015, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária, 99.º, als. a) e c) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), 140.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), art. 2.º, n.º 1, al.a) e n.º 2 artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro, pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2014 …, de 8 de Fevereiro de 2014, referente ao ano de 2011, mais concretamente, no que respeita à liquidação de imposto sobre as mais-valias realizadas com a alienação de dois imóveis, formulando a final os seguintes pedidos:
a) declaração de ilegalidade do referido acto tributário por vício de falta de fundamentação com o consequente pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável à Requerida na prolacção da liquidação;
b) declaração, a título subsidiário, na medida da improcedência do pedido anterior, da ilegalidade (parcial) do acto tributário de liquidação.
2. O Requerente apresentou previamente reclamação graciosa tendo por objectivo a declaração de ilegalidade da liquidação referida.
3. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que nos termos do art. 6.º, n.º 2, al.a) e do art. 11.º, n.º 1, al.b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
4. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 30 de Abril de 2015.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, requerendo a sua absolvição da instância por caducidade do direito de acção arbitral e, caso assim não se entenda, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente.
6. A reunião prevista no art. 18.º do RJAT teve lugar no dia 9 de Julho de 2015, o Requerente respondeu à excepção invocada pela Requerida. Nessa data, as partes foram notificadas para apresentarem alegações.
7. O Requerente, em 7 de Setembro de 2015, apresentou alegações escritas e a Requerida fê-lo em 14 de Setembro de 2015.
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8. O Requerente, alega, em síntese o seguinte:
a) O acto de liquidação (adicional) de IRS n.º 2014 …, relativo ao exercício de 2011, é ilegal por falta de fundamentação e vício de violação de lei por erro imputável à administração tributária.
b) Alega que suportou despesas e encargos com a valorização do imóvel alienado (fracção “…” descrita sob o art. … da freguesia de ...) no montante de € 37.025,41, valor este que inscreveu na declaração de rendimento, Modelo n.º 3 de IRS.
c) Que, na sequência de uma análise à declaração apresentada, desencadeada por iniciativa da Administração Tributária, apresentou documentos demonstrativos daquelas despesas.
d) A análise de tais documentos leva a concluir que o imóvel adquirido e depois alienado sofreu obras profundas de remodelação e modernização, tendo apresentado facturas dos custos de tal valorização.
e) Juntou também os contratos de compra e venda de um outro imóvel, o qual foi declarado no Anexo B porquanto o Requerente e a sua Mulher estavam na altura colectados como actividade secundária na “compra para revenda de imóveis”, actividade essa que, devido à crise financeira entretanto surgida, foi encerrada.
f) Estando colectado pelo regime simplificado apenas se indicou o valor de aquisição e o valor de alienação, sendo desnecessária a apresentação de quaisquer despesas de valorização do mesmo.
g) Após notificado para audição prévia, foi notificado da decisão de 18-12-2012 que determinou correcções aos valores declarados e de que seria oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto.
h) Após ser notificado da liquidação de IRS, em causa nos presentes autos, apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida.
i) Invoca o vício de falta de fundamentação da decisão que deu azo à liquidação o que impediu o Requerente de tomar conhecimento das concretas razões que levaram a administração tributária ao acto tributário de liquidação, em particular, as concretas razões que levaram a desconsiderar os elementos de prova juntos.
j) Conclui, pois, que tal fundamentação, no momento em que o acto de liquidação foi tomado, não existia, o que viola o disposto nos art. 268.º, n.º 3 da CRP, 77.º da LGT e 125.º do CPA.
k) Apenas em sede de reclamação graciosa tomou conhecimento das razões que levaram à não aceitação das despesas de valorização.
l) Conclui, assim, que o acto impugnado padece do vício de falta de fundamentação devendo, por conseguinte, ser anulado.
m) Subsidiariamente, requer que a liquidação adicional sindicada seja corrigida quanto aos montantes de valorização do imóvel alienado.
n) Quanto à invocada excepção, alega que identifica o acto de liquidação em crise, como descreve o processo de reclamação de que foi alvo.
o) Pugna, assim, pela ilegalidade do acto de liquidação de IRS, do exercício de 2011, por falta de fundamentação e, a título subsidiário, por violação do disposto no art. 51.º do CIRS.
p) Por fim, pede que a administração tributária seja condenada a pagar juros indemnizatórios.
9. Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira, alega o seguinte:
a) Por excepção, invoca a caducidade do pedido de pronúncia arbitral, formulado pelo Requerente por entender que quando o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação de IRS n.º 2014 … já tinha precludido o prazo de 90 dias contado da data limite de pagamento daquela liquidação que ocorreu em 26-03-2014.
b) No mais, sustenta que o acto impugnado não enferma do vício de falta de fundamentação, nem de vício de violação de lei por erro da administração tributária.
c) Que, na sequência de uma análise interna à declaração de rendimentos, o Requerente foi notificado, nos termos do art. 128.º do CIRS para apresentar documentos comprovativos dos valores declarados com a transmissão dos imóveis, bem como a afectação deles à actividade do sujeito passivo B.
d) Face aos documentos apresentados e após notificação do Requerente para exercer o direito de audição prévia, foi decidido proceder a correcções dos elementos declarados.
e) Em consequência, o Serviço de Finanças de Lisboa procedeu à elaboração oficiosa do Modelo 3, referente a IRS de 2011, o que deu origem à liquidação n.º 2014 …, de 8-02-2014, com imposto adicional e correspondentes juros compensatórios no montante total de € 8.550,78.
f) Após procedimento de reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra aquela liquidação adicional, foi a mesma indeferida conforme consta do ofício n.º …, de 10-11-2014.
g) Sustenta que deve manter-se a liquidação em causa e, portanto, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade requerida do pedido.
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II. Factos provados
10. Com base nos factos alegados pelas partes, e não contestados pela Requerida, assim como da documentação junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 01-02-2010, o Requerente, juntamente com a sua mulher B, adquiriu, por compra, a fracção autónoma designada pela letra “…” (primeiro andar) do prédio sito na Rua … n.º …-…, freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo …, pelo preço de € 140.000,00;
b) Esta fracção foi vendida em 21-01-2011 pelo preço de € 185.000,00.
c) Em 22-10-2010, o Requerente, juntamente com a sua mulher B, adquiriu, por compra, a fracção autónoma designada pela letra “…” (quarto andar direito) do prédio sito na Rua …, n.º …, letras ………..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …, pelo valor de € 100.000,00.
d) Esta fracção foi vendida em 29-04-2011 pelo preço de € 187.500,00.
e) Em 04-03-2011, no Serviço de Finanças de Lisboa …, a mulher do Requerente, sujeito passivo B, cessou a sua actividade de rendimentos empresariais, referentes a outras prestações de serviços (1519) e de compra e venda de bens imobiliários (68100) com efeitos a partir de 30-04-2007.
f) O Requerente, na declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2011, fez constar as mais-valias obtidas com a alienação daquelas fracções autónomas nos seguintes termos:
i. A alienação da fracção … (artigo matricial … da freguesia da ...) foi declarada no Anexo G, indicando despesas e encargos no total de € 37.025,42;
ii. A alienação da fracção “…” (artigo matricial … da freguesia de ... foi declarada no Anexo B, como rendimento da Categoria B auferidos pelo sujeito passivo B.
g) Da declaração de IRS de 2011, processada com o n.º …, resultou imposto a pagar no montante de € 10.040,86.
h) Em 22-06-2012, o Requerente foi notificado pela Administração Tributária de que a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2011, com a identificação …/…, foi selecionada para análise por “te(rem) sido detectada(s) a(s) seguinte(s) situação (ões): Alienação de imóveis não declarada ou comprovação dos valores das despesas, do valor de alienação, da data de aquisição dos imóveis alienados ou afectação a actividade profissional”. Indicou-se na notificação, além do mais, o seguinte: “Face ao exposto, fica V. Ex.a por este meio notificado para, nos termos do disposto no art. 128.º do Código do IRS, no prazo de 15 dias (...), apresentar no Serviço de Finanças da área do seu domicilio fiscal, o duplicado da referida declaração e todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar, bem como dos elementos quantitativos associados às situações assinaladas.
Decorrido o prazo mencionado, sem a regularização da situação detectada, o procedimento seguirá para correção dos valores declarados.
No ato de apresentação dos documentos deverá fazer-se acompanhar desta notificação.
Direção de Serviços do IRS, 2012-06-18” (cf. doc. 2 anexo ao Documento n.º 2 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral).
i) Em 6-07-2012, o Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças de Lisboa … para obter esclarecimentos, no qual foi informado de que era necessário juntar os elementos relativos à aquisição e posterior venda dos imóveis, bem como os comprovativos das despesas referidas na declaração entregue.
j) Em 17-10-2012, o Requerente apresentou exposição consubstanciada no documento “Esclarecimento de divergências IRS 2011” no qual esclareceu os valores de aquisição e alienação dos imóveis.
k) Para comprovar as despesas imputadas à fracção “…” no valor total declarado de € 37.025,41, o Requerente apresentou os documentos n.ºs 5 a 23 (anexos ao Documento n.º 3 do pedido de constituição do tribunal arbitral), no valor total de € 37.954,82, correspondentes a:
i. Imposto de selo no valor de € 1.120,00 (doc. 5);
ii. IMT no valor de € 2.442,00 (doc. 6);
iii. Escritura no valor de € 290,00 (doc. 7);
iv. Material para obra de remodelação no valor de € 16.851,82 (doc. 8 e docs. 10 a 22);
v. Mão de obra no valor de € 12.720,00 (doc. 9);
vi. Comissão à Imobiliária … no valor de € 4.551,00 (doc. 23)
(cf. Documentos n.º 3 e respectivos documentos anexos identificados como documentos n.ºs 1 a 23).
l) Em 12-04-2013, o Requerente foi notificado pela administração tributária para exercício do direito de audição prévia da existência, após análise aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2011, das seguintes incorreções:
“A alienação do imóvel U-…-…, freguesia …, deve ser inscrita no anexo G.
Os montantes de despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel U-…-…, freguesia …, são considerados até ao montante de € 8.857,41 (inclui despesas fiscais, de escritura e registos e de mediação imobiliária).
Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o art. 60.º da Lei Geral Tributária (...)”.
m) A 30-04-2013, o Requerente através da plataforma das declarações electrónicas, formulou um requerimento a solicitar esclarecimentos, ao qual a administração tributária respondeu, em 08-05-2013, que o pedido formulado pelo requerente deveria ser formalizado em requerimento assinado pelo sujeito passivo ou em representação. Foi o Requerente ainda advertido de que a formulação do pedido não suspendia o prazo de 15 dias para exercício do direito de audição prévia a que se referia o art. 60.º da LGT.
n) Por oficio com data de 24-05-2013, o Requerente foi notificado pela administração tributária de que “não tendo sido comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2012-12-18 for determinada a efectivação da seguinte correcção:
a) Correcção do montante mencionado a título de despesas e encargos;
b) Menção da alienação do imóvel identificado sob a letra … do art. … da matriz predial urbana de ….”
o) Subsequentemente, o Serviço de Finanças de Lisboa … procedeu à elaboração de uma declaração oficiosa modelo 3, referente a IRS de 2011, considerando despesas e encargos suportados com o imóvel U-…-… no montante de € 8.857,41 (despesas fiscais, de escritura, registos e mediação imobiliária) e considerando a mais-valia obtida com a alienação do imóvel U-…-… no anexo G daquela declaração.
p) Em 08-02-2014, a administração tributária, com fundamento naquelas correcções relativas à alienação das fracções “…” e “…”, liquidou adicionalmente ao Requerente IRS, no montante de € 18.591,64 (liquidação n.º 2014 …).
q) Consta da nota de liquidação os seguintes dizeres: “Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos art. 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
r) Em 17-02-2014, a administração tributária emitiu a Demonstração de Acerto de Contas, da qual foi apurado um saldo de € 8.550,78 a favor da administração tributária e na mesma data liquidou ao Requerente € 321,93 de juros compensatórios;
s) O Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação (adicional) n.º 2014 ….
t) Por ofício com data de 15-10-2014, o Requerente é notificado, para efeitos de exercício de audiência prévia, do projecto de decisão anexo da intensão de indeferir a reclamação apresentada.
u) Na proposta de decisão refere-se, além do mais, o seguinte:
“2. Por terem sido detectadas divergências, o reclamante foi notificado no sentido de comprovar os valores das despesas do prédio alienado, o valor de alienação, a data de aquisição do mesmo ou da afectação a actividade profissional.
3. Assim, não tendo sido apresentados os elementos solicitados dentro do prazo para o efeito e após notificação para o exercício de audição prévia, o Serviço de Finanças de Lisboa …, procedeu à elaboração de uma declaração oficiosa, tendo sido inscrito no Anexo G a alienação do imóvel U-…-…, freguesia … e os montantes de despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel U-…-…, freguesia …, no montante de 3 8.857,41 (inclui despesas fiscais, de escritura e registos e de mediação imobiliária).
4. É desta liquidação, que originou imposto a pagar no valor de € 8.550,78, de acordo com a demonstração de acerto de contas de 17-02-2014, que o ora reclamante vem reclamar (...).
5. Após análise dos documentos apresentados, verifica-se que a inscrição do imóvel U-…-…I, freguesia …, no anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3, e não no anexo B referente ao sujeito passivo B, resulta do facto de este ter cessado actividade desde 30-04-2007, tendo sido instaurado Processo de Redução de Coima com o n.º …, que se encontra extinto por pagamento, conforme se pode alcançar de fls. 93 e seguintes dos presentes autos.
6. Relativamente aos documentos apresentados com a numeração 8 a 12, referentes a mão-de-obra e a material para obras de remodelação verifica-se que os mesmos não podem ser aceites por não respeitarem os requisitos previstos no art. 36.º, n.º 5 do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado, conjugado com o ofício Circulado n.º 181044/91, de 6 de Dezembro, por falta de identificação fiscal do destinatário ou adquirente, a facturação da prestação de serviços deverá sempre quantificar e especificar as operações, não podendo aceitar-se a mera indicação “restauração de apartamento”, devem mencionar as taxas aplicáveis e o montante do imposto devido, alguns não indicam o local onde as obras foram efectuadas ou o local a que os bens se destinam e ainda, alguns documentos apresentam datas posteriores à alienação do imóvel em causa sem estarem acompanhadas dos respectivos recibos – ex. Doc. 12 e 13.
Nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 75.º do CPPT, informo que:
1 – O processo é o meio próprio, a reclamação é tempestiva (cf. n.º 1 do art. 70.º) e o reclamante tem legitimidade para o acto (cf. art. 65.º da LGT e art. 9.º do CPPT).
2 – Os documentos juntos aos autos confirmam o alegado.”
v) O Requerente, respondeu em 01/11/2014, em que sustenta: (i) existir uma contradição entre as conclusões que propõe o indeferimento e proposta que conclui que “os documentos juntos aos autos confirmam o alegado.”; (ii) que não é aflorado o vício de falta de fundamentação, o que invalida o processado posteriormente; (iii) pugna pela aceitação das despesas de valorização.
w) A reclamação veio a ser indeferida constando da informação sucinta elaborada, anexa à mesma, o seguinte: “Reitera-se que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, sendo que, estes têm de ter suporte documental e reunir os requisitos enunciados no art. 36.º, n.º 5 do CIVA, conjugados com o Ofício Circulado n.º 181044/91 de 6 de Dezembro.”.
III – SANEAMENTO
11. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2, e 6.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
12. As questões a decidir nos presentes autos são as seguintes:
1. Caducidade do pedido de pronúncia arbitral;
2. Falta de fundamentação da liquidação (adicional) de IRS referente ao exercício de 2011;
E, a título subsidiário, na medida da improcedência dos pedidos anteriores,
3. Vício de violação de lei relativa aos encargos com a valorização do bem.
Caducidade do pedido de pronúncia arbitral
O Requerente impugna o acto de liquidação adicional de IRS com o n.º 2004 …, de 8 de Fevereiro de 2008, referente a 2011, no montante de € 8.550,76, a qual teve como data limite de pagamento 26-03-2014.
Na perspectiva da Requerida, na data em que deu entrada o pedido de pronúncia arbitral (29-02-2014) já tinha precludido o prazo de 90 dias para o direito de acção. Verificando-se, assim, a caducidade do direito de acção, excepção dilatória que determina a absolvição da Requerida da instância ao abrigo da al.h) do n.º 1 do art. 89.º do CPTA e al.e), do n.º 1 do art. 287.º do CPC, aplicável ex viart. 29.º do RJAT. Em abono da sua tese invoca as decisões tomadas nos processos n.ºs 261/2013-T e 763/2014-T.
Na resposta à excepção apresentada em sede de reunião arbitral e nas alegações, invoca o Requerente que aquilo que está em causa, a título principal, é o acto de liquidação, o qual se encontra identificado, tendo sido descrito o processo de reclamação graciosa de que foi alvo.
É pacífico, como vem sendo frisado nas decisões do CAAD, que apesar do art. 2.º, n.º 1, al.a) do RJAT fazer referência expressa à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação (acto primário), essa competência abrange a declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, de que são exemplo os actos de indeferimento de reclamações graciosas.
Tanto o processo de arbitragem, como o processo de impugnação, que lhe serve de paradigma, têm por objecto actos tributários. A diferença está em que, no caso de impugnação directa do acto de liquidação, este será o objecto imediato da impugnação judicial, enquanto que na impugnação da reclamação tal acto será o objecto mediato. Em ambos os casos o acto de liquidação é o objecto da impugnação judicial.
Nos presentes autos, o Requerente reclamou graciosamente da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2011, com n.º 2004 …, com fundamento em vícios do acto, cuja anulação peticiona agora, conforme resulta do pedido formulado a final. A reclamação veio a ser indeferida e, portanto, essa reclamação absorve também os vícios apontados àquele acto. Subsequentemente, veio o Requerente impugnar judicialmente o acto de liquidação, que constitui o objecto imediato da precedente reclamação graciosa, que foi expressamente mantido na ordem jurídica por força do seu indeferimento.
Se o objecto imediato apreciado pela decisão da reclamação é o acto tributário, a impugnação deste acto, subsequente àquela decisão pode ainda ter lugar com fundamento em vícios do acto tributário de liquidação.
Ora, o procedimento de reclamação graciosa, tal como o processo judicial de impugnação e tal como o processo arbitral tributário, têm idêntico objecto e podem ser deduzidos por iguais fundamentos – cf. art. 68.º, 70.º, 99.º e seg. do CPPT – cabendo, do indeferimento daquele, além do recurso hierárquico facultativo, impugnação judicial.
Prevê-se no contencioso tributário o prazo de 3 meses para impugnar o acto e de 120 dias para reclamar graciosamente e seguidamente um novo prazo de 3 meses para impugnar o acto tributário, caso a decisão seja de indeferimento.
No RJAT prevê-se, igualmente, o prazo de 90 dias para impugnar imediatamente o acto, e seguidamente um prazo de 90 dias, subsequente à decisão proferida em procedimento de reclamação graciosa, para impugnar o acto, caso a decisão seja de indeferimento – cf. art. 10.º, n.º 1, al.a) do RJAT e art. 102.º, n.º 2 do CPPT.
Ter-se-á de atender, também, ao facto de não poder ser deduzida reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral com o mesmo fundamento, pretendendo-se assim evitar decisões contraditórias – cf. art. 111.º do CPPT e art. 13.º, n.º 4 do RJAT.
No pedido de pronuncia arbitral e na reclamação graciosa que antecedeu, o Requerente invoca vícios e erros cometidos no procedimento tributário de liquidação que são fundamento de impugnação à luz do art. 99.º do CPPT, susceptíveis de levar à anulação do acto de liquidação adicional, com o qual o contribuinte não se conformou e do qual reclamou graciosamente.
Note-se que, ao ser notificado da liquidação adicional, o Requerente é informado que pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos art. 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, “em relação aos actos de liquidação, que são os actos lesivos típicos e mais numerosos do contencioso tributário, além de haver sempre a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, há meios reforçados de impugnação que se traduzem na possibilidade de ser deduzida facultativamente reclamação graciosa e interposto recurso hierárquico da respectiva decisão com possibilidade de impugnação contenciosa das decisões proferidas em qualquer desses meios procedimentais (cf. art. 76.º, n.º 2 e 102.º, n.º 2 do CPTT).[1]”. Acrescenta, ainda o Autor: “Não se trata, em qualquer dos casos, de suspensão do prazo de impugnação judicial, mas sim de prazos autónomos de impugnação das decisões proferidas em reclamação graciosa ou recurso hierárquico.”.
A impugnação contenciosa imediata do acto de impugnação e a impugnação desse acto, quando precedido de uma decisão proferida no âmbito de um procedimento de reclamação graciosa, têm prazos de impugnação contenciosa distintos e autónomos. O mesmo sucedendo relativamente ao pedido de pronúncia arbitral imediato do acto de liquidação ou do pedido de pronúncia arbitral do acto de liquidação, oportunamente precedido de um procedimento de reclamação graciosa.
A discussão sobre a legalidade do acto de liquidação (objecto do pedido de pronúncia arbitral) pode, assim, ocorrer tanto com a impugnação contenciosa ou pedido de pronúncia arbitral imediato, como com a impugnação contenciosa ou pedido de pronúncia arbitral subsequente a uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa, posto que em ambos os casos o objecto do processo e o pedido de anulação são dirigidos à discussão da legalidade do acto tributário sindicado.
Como se salienta no Acórdão do STA de 12-10-2011, em que foi relatora Dulce Neto, afirma-se “quanto à questão do prazo para impugnar judicialmente um acto de liquidação, é inquestionável que tendo o contribuinte optado por deduzir reclamação graciosa contra o acto tributário de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação.” E, mais à frente, acrescenta: “se for proferida decisão da reclamação, o reclamante dispõe de 15 dias, contados da notificação dessa decisão para deduzir impugnação – n.º 2 do art. 102.º do CPPT.[2]”
Também no Acórdão do STA, de 1-10-2003 (recurso n.º 8093/03), em que foi relator Baeta de Queiroz, se afirma que “Optando o contribuinte por deduzir reclamação graciosa contra o acto tributário de liquidação, o prazo para impugnar judicialmente deixa de contar-se a partir da data limite de pagamento voluntário, relevando, antes, a data de indeferimento da reclamação, ou a da presunção de tal indeferimento.”. Neste arresto, em que se discutia a caducidade do direito do contribuinte impugnar a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, afirma-se que “se não tivesse havido tal reclamação, a impugnação judicial, fundada em vício gerador de anulabilidade do acto, estaria fora de tempo, porque decorridos estavam (...) mais do que 90 dias (...) – cf. ala), do n.º 1, do art. 102.º do CPPT. Porém, e como deduzira reclamação graciosa, a contribuinte passou a dispor de um prazo de impugnação mais alargado, pois, neste caso, o seu termo inicial delonga-se”.[3]
Por fim, refira-se que, ainda que o Requerente tivesse indicado no petitório final que o pedido de impugnação tinha como objecto o despacho de indeferimento do acto de reclamação tal não obstava a que o tribunal conhecesse dos vícios do acto de liquidação.
Conforme se vem salientando, nos casos em que a impugnação judicial tem por objecto imediato a decisão de indeferimento, a liquidação reclamada, constitui o seu objecto mediato, desta forma, ambos constituem objecto de tal impugnação – cf. Ac. do TCAS de 16-04-2013, proferido no processo 5603/12 e Ac. STA de 12-10-2011 e de 16-11-2011, recursos nºs 463/11 e 723/11.
Invoca a Requerida que o objecto dos presentes autos é fixado pelo pedido e causa de pedir, não sendo irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no pedido de pronúncia arbitral e, de seguida acrescenta que, o pedido formulado respeita à liquidação adicional de imposto.
Porém, com a pronúncia (negativa) efectuada em procedimento de reclamação graciosa abre-se novo prazo impugnatório do acto de liquidação. É, aliás, sempre em face do acto de liquidação (objecto do processo de impugnação/pedido de pronúncia arbitral), que são aferidos os vícios do acto e, se for o caso, determinada a sua anulação.
O acto de liquidação adicional assume-se, nestas situações, como objecto da reclamação graciosa e do subsequente pedido de impugnação. Esse acto pode ainda ser impugnado, na sequência do indeferimento da reclamação, posto que os vícios que o contribuinte invocou são os mesmos, e que a decisão de indeferimento, operada em sede de procedimento de reclamação graciosa, entendeu não se verificarem e, portanto, manteve o acto reclamado na ordem jurídica.
Subsequentemente, esse acto, com o qual o Requerente não se conformou, pode ainda ser anulado se forem julgados verificados os vícios (causa de pedir) invocados no pedido de pronúncia arbitral. A tal não obsta o facto do Requerente entender que a génese (causa) de anulação reside nos vícios de procedimento, os quais, no seu entender, inquinam todo o processo de liquidação e não num vício autónomo da decisão proferida em reclamação graciosa, a qual pode também constituir objecto de impugnação judicial ou do pedido de pronúncia arbitral.
É que o indeferimento da reclamação consubstancia, além do mais, a manutenção do acto tributário de liquidação que, nestes casos, integra o objecto da impugnação judicial – cf. Ac. do STA de 07-06-2000, processo 21556.
Ora, embora o Requerente, como salienta a Requerida, tenha identificado no pedido formulado “pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade da liquidação de IRS n.º 2014 …, de 8 de Fevereiro de 2014, referente ao ano de 2011”, esse pedido tem implícito, e a justificar o prazo autónomo fixado na lei, o indeferimento da reclamação graciosa (cf. art. 28.º e 29.º do pedido de pronuncia arbitral, como a própria Requerida reconhece no art. 8.º da resposta apresentada). Pode, assim, o Tribunal conhecer da legalidade do acto impugnado.
Veja-se que aquilo que é sindicado nos presentes autos é o acto de liquidação, o qual foi objecto de atempada reclamação graciosa. O Requerente reclamou graciosamente da liquidação adicional, colocada em crise nos presentes autos, pelo que pode ainda o Requerente aproveitar o prazo de 90 dias que lhe é conferido pelo art. 10.º, n.º 1 do RJAT, por referência ao art. 102.º, n.º 2 do CPPT para pedir a sua invalidade no âmbito dos presentes autos.
A invocada excepção dilatória consequente da intempestividade do pedido arbitral, com o fundamento de que já o prazo de impugnação do acto tributário sindicado já estava ultrapassado, não tem suporte legal.
Assim, o acto de liquidação (adicional) da liquidação de IRS referente a 2011 (que, na perspectiva do Requerente se acha inquinado de vícios e erros cometidos ao longo do procedimento tributário, já invocados em sede de reclamação graciosa) pode ser objecto de pedido de pronúncia arbitral e deduzido depois da decisão do procedimento de reclamação graciosa, aplicando-se o prazo de 90 dias fixado no art. 10.º, n.º 1 al.a) do RJAT, por referência ao art. 102.º, n.º 2 do CPPT, entretanto revogado.
Face ao exposto julga-se improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, invocada pela Requerida.
Do vício da falta de fundamentação do acto impugnado
O Requerente alega que o acto impugnado padece de vício de falta de fundamentação, o que provoca a sua invalidade.
Do pedido de constituição do tribunal arbitral, resulta que o Requerente imputa vício de falta de fundamentação, à decisão constante do ofício com data de 25-05-2013 (cf. ponto n) da matéria de facto) e, consequentemente, à liquidação adicional da liquidação de IRS do exercício de 2011.
A dignidade constitucional do direito à fundamentação dos actos tributários tem como finalidade a racionalidade da decisão e de criação de condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa dos contribuintes. No domínio tributário os requisitos gerais de fundamentação dos actos estão expressos no art. 77.º da Lei Geral Tributária.
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto mas que a fundamentação só é suficiente quando permita a um destinatário normal extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-12-2007, recurso 615/04 “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”. E, mais à frente acrescenta, “não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”.
No caso subiudice está em causa um acto de liquidação (adicional) de IRS, acto final do procedimento administrativo tributário tendente a determinar o IRS a pagar pelo Requerente no exercício de 2011 para o qual a lei não exige senão o cumprimento pela Administração de forma padronizada, atenta a natureza de “processo de massas” da liquidação anual do imposto.
O procedimento que culminou no acto de liquidação (adicional) impugnado, teve na sua origem uma análise interna desencadeada pela administração tributária, sendo que no desenrolar do procedimento, a administração foi cumprindo os seus deveres de informação, chamando o contribuinte à participação no procedimento nos momentos decisivos em que foram praticados actos potencialmente lesivos.
Com efeito, no ofício da Direcção de Serviços de IRS com data de 18-06-2012, é dado conhecimento ao Requerente de que deve comprovar, nos termos do art. 128.º do Código do IRS, os elementos declarados na declaração de rendimento de 2011, relativamente aos seguintes pontos: “Alienação de imóveis não declarada ou comprovação dos valores das despesas, do valor de alienação, da data de aquisição dos imóveis alienados ou afectação a actividade profissional.”
Posteriormente, em 6-07-2012, o Requerente ter-se-á deslocado ao Serviço de Finanças onde lhe foram dadas as explicações solicitadas sobre o teor daquele ofício e os documentos que deveria apresentar.
Embora de uma forma sucinta, o Requerente ficou ciente dos documentos que deveria apresentar para comprovação dos elementos declarados na sua declaração de IRS.
E, tanto assim é que – embora tardiamente e apenas em 17-10-2012, muito para além do prazo de 15 dias que lhe havia sido concedido –, o Requerente apresentou a documentação referente à aquisição e alienação das fracções, bem como das despesas que imputou à fracção “…” (art. 800).
Posteriormente, em sede de audiência prévia, foi o Requerente notificado do ofício de 12-04-2013, para exercício do direito de audição prévia, a respeito das incorrecções referentes à declaração de rendimentos, nos seguintes termos: “A alienação do imóvel U-…-…, freguesia …, deve ser inscrita no anexo G. Os montantes de despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel U-…-…, freguesia …, são considerados até ao montante de € 8.857,41 (inclui despesas fiscais, de escritura e registos e de mediação imobiliária).
Antes da liquidação adicional de IRS, o Requerente foi notificado de que iriam ser efectivadas correcções nos seguintes termos:
a) Correcção do montante mencionado a título de despesas e encargos, até ao limite de € 8.857,41 (conforme resulta dos ofícios com data de 12-04-2013) e
b) Menção da alienação do imóvel identificado sob a letra … do art. 323 da matriz, o qual deveria ser inscrito no Anexo G.
Dos ofícios de 22-06-2012, 12-04-2013 e 25-05-2013 (cf. pontos h), l) e n) da matéria de facto provada), conjugados com o facto de que, a mulher do Requerente cessou, por sua iniciativa, a sua actividade de outras prestações de serviços (1519) e de compra e venda de bens imobiliários em 4-03-2011 (cf. ponto e) dos factos provados) e, por outro lado, que não foi apresentada prova da “afectação dos imóveis a actividade profissional”, podemos concluir que, ainda que de uma forma sintética, foram dados a conhecer ao Requerente os fundamentos de onde resultou a liquidação adicional de IRS do exercício de 2011 e de que a mesma é contemporânea do acto.
Não está em causa, para avaliar a correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos mas apenas a sua existência.
Já depois da liquidação, o contribuinte apresentou reclamação graciosa daquele acto, tendo nesse contexto, sido explicitados de forma mais corporizada os fundamentos da liquidação e das correcções efectuadas, podendo estabelecer-se um fio condutor entre as razões sucintamente expostas nos ofícios antecedentes e os fundamentos que iriam conduzir à manutenção do acto constantes da proposta de decisão de 15-10-2014 e posterior decisão de indeferimento (cf. pontos l), n), u) e p) dos factos provados).
É certo que o momento mais vulnerável reside no relatado no ponto l), ou seja, a desconsideração das despesas de valorização que o contribuinte apresentou.
Não obstante reconhecer-se algumas “deficiências”, o certo é que foi atingida a finalidade pretendida com tal fundamentação, ou seja, a compreensão do conteúdo do acto pelos destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem. Ou seja, a correcção do montante mencionado a título de despesas e encargos que foi considerado até ao limite de € 8.857,41 (inclui despesas fiscais, de escritura e registos e de mediação imobiliária).
Com efeito, tais circunstâncias não impediram o ora Requerente de fazer valer as suas razões por via do procedimento de reclamação graciosa, onde se insurge contra a não consideração das despesas de valorização no montante declarado de € 37.025,41 e a decisão da administração apenas ter atendido a € 8.857,41, solicitando que a liquidação impugnada seja corrigida em conformidade com os valores declarados e que, na sua óptica, estão corroborados nos documentos juntos.
Em sede de procedimento da reclamação graciosa foi dado a conhecer ao Requerente – de uma forma mais desenvolvida e clara, e em sintonia com os anteriores ofícios, podendo estabelecer-se um fio condutor com os fundamentos antes invocados pela administração tributária e os desenvolvidos em sede de reclamação – os fundamentos que estiveram na origem do acto de liquidação adicional de IRS, do exercício de 2011, conforme se depreende da seguinte passagem que transcrevemos:
“5. Após análise dos documentos apresentados, verifica-se que a inscrição do imóvel U-…-…, freguesia …, no anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3, e não no anexo B referente ao sujeito passivo B, resulta do facto de este ter cessado actividade desde 30-04-2007, tendo sido instaurado Processo de Redução de Coima com o n.º …, que se encontra extinto por pagamento, conforme se pode alcançar de fls. 93 e seguintes dos presentes autos.
6. Relativamente aos documentos apresentados com a numeração 8 a 12, referentes a mão-de-obra e a material para obras de remodelação verifica-se que os mesmos não podem ser aceites por não respeitarem os requisitos previstos no art. 36.º, n.º 5 do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado, conjugado com o ofício Circulado n.º 181044/91, de 6 de Dezembro, por falta de identificação fiscal do destinatário ou adquirente, a facturação da prestação de serviços deverá sempre quantificar e especificar as operações, não podendo aceitar-se a mera indicação “restauração de apartamento”, devem mencionar as taxas aplicáveis e o montante do imposto devido, alguns não indicam o local onde as obras foram efectuadas ou o local a que os bens se destinam e ainda, alguns documentos apresentam datas posteriores à alienação do imóvel em causa sem estarem acompanhadas dos respectivos recibos – ex. Doc. 12 e 13.”
Não pode, pois, dizer-se que da fundamentação da liquidação impugnada tenha resultado prejuízo para a sua defesa, cumprindo-se assim uma das finalidades principais do dever de fundamentação, sendo contemporânea do acto.
Improcede, assim, o alegado vício de falta de fundamentação da liquidação adicional de IRS do exercício de 2011.
Violação da lei relativa à determinação das despesas de valorização
O Requerente alega, a título subsidiário, que o acto tributário é ilegal por violação do art. 10.º e art. 51.º do Código do IRS, dado que não se admitem os fundamentos invocados da administração tributária para não aceitar as despesas de valorização do imóvel. Especificamente, considera que deveriam ter sido incluídos todas as despesas da venda da fracção “…”, a saber:
a) as despesas constante no documento 10 (diverso material de construção) – (cf. art. 63.º do pedido)
b) gasto em mão de obra com a restauração do apartamento constante do documento 9 – (cf. art. 64.º do pedido);
c) Diverso material incluído na obra como resulta das despesas apresentadas nos documentos 8 a 22 – (cf. art. 65.º do pedido).
E, consequentemente, pede que a liquidação impugnada seja corrigida.
A ala) do art. 51.º do Código do IRS estabelece que na determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição, acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.
Os encargos com a valorização dos bens são as despesas que são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são simples despesas de manutenção mas visam aumentar o valor do bem[4]. Conforme se salientou na decisão n.º 86/2012-T do CAAD, o art. 51.º do Código do IRS ao fazer referência a “despesas de valorização” de imóveis reportar-se-á a obras que beneficiem o imóvel, como por exemplo, beneficiação do telhado, melhoria da cozinha, introdução do sistema de climatização, etc.[5].
Relativamente às despesas constantes do documento 10 (diverso material de construção) verifica-se que a factura n.º 14217 com data de 1-02-2011, não pode ser aceite como encargo com a valorização do imóvel, posto que a mesma é posterior à data de alienação do imóvel (21-01-2011), não podendo ser aceites despesas incorridas após a alienação. Ora, nos termos do art. 51.º apenas são aceitas os encargos nos cinco anos que antecedem a alienação.
O mesmo sucedendo com os encargos constantes dos documentos 11 (factura 1208768 de 08-04-2011, documento 12 (factura 23784/N de 1.02.2011) e 15 (recibo de 28/01/20011), que foram suportados em data posterior à alienação da fracção, e como tal, não cabem dentre do limite temporal fixado no art. 51.º do Código do IRS.
No que respeita à factura n.º 0087, com data de 24 de Setembro de 2010, apresentada como documento n.º 9 (anexo ao Documento 3 do pedido) gasto com mão-de-obra com a “restauração do apartamento” a mesma não permite documentar a relação entre esse encargo e a valorização do imóvel porque a mesma não indica o imóvel objecto de restauro, carecendo ainda da descrição dos serviços prestados. Não obstante constar dos autos um documento intitulado “orçamento”, o certo é que, como frisou a Requerida esse documento não está assinado. Falta, pois, a conexão entre o encargo constante do documento em causa e a valorização da fracção “…”.
Quanto aos supostos encargos suportados pelos documentos nos 8, 9, 11 e 22 (cf. art. 67.º do pedido) os mesmos também não podem ser aceites porquanto não é possível estabelecer uma conexão entre os custos constantes daquelas facturas e as obras de beneficiação ou valorização do imóvel em causa.
Acresce que, quanto aos encargos constantes das facturas juntas como documentos 4, 20 e 21 (cf. art. 67.º da petição) também não revelam uma conexão com o imóvel que nos permita concluir que as mesmas constituem encargos com a valorização da fracção em causa. Por outro lado, os encargos invocados configuram aquisições de bens que não cabem no conceito de “encargos com a valorização dos bens”, nem podem ser enquadrados nas despesas inerentes à alienação. Com efeito, os custos incorridos com electrodomésticos (documento 4), embelezamento de varanda (doc. 20) ou a aquisição de lâmpadas (doc. 21) não podem ser tidos como encargos com a valorização dos bens ou mesmo como despesas inerentes à alienação porque estamos perante bens que são autónomos e separáveis da fracção, não contribuindo para a sua valorização, sendo alguns meros elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel alienado.
Improcede, pois, o vício de violação de lei imputado ao acto tributário sindicado nos presentes autos.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito à acção invocada pela Requerida;
b) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS relativo ao exercício de 2011, bem como o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária do pedido.
c) Condenar o Requerente nas custas do presente processo.
Valor do processo:
Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, conjugado com a al. a), do n.º 1, do art. 97.º-A do CPPT e n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 8.550,78.
Custas:
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º e no n.º 4 do art. 22.º do RJAT e do n.º 4, do art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar pelo Requerente.
Lisboa, 30 de Setembro de 2015
O Árbitro
(Alexandra Gonçalves Marques)
[1]Cf. Jorge Manuel Lopes de Sousa (2005), Reflexões sobre a reforma do contencioso tributário, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 54, pag. 62.
[4]Cf. José Guilherme Xavier de Bastos (2007), IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, pp. 461-462.