Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 286/2015-T
Data da decisão: 2015-11-19  IVA  
Valor do pedido: € 126.333,23
Tema: IVA - taxa reduzida, implantes e pilares dentários destinados à implantologia dentária
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 286/201-T

Tema: IVA - taxa reduzida, implantes e pilares dentários destinados à implantologia dentária

 

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Susana Maria Afonso Claro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 05 de Maio de 2015, A…- …, Lda., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, n º …, … andar, sala …, … Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos, que perfazem um total a pagar de € 116 398,30, relativo a imposto, e de € 9 934,93, relativo a juros compensatórios:
  2. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 4.056,47 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  3. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 723,72 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  4. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de € 5.542,04 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  5. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €933,49 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  6. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 4.838,08 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  7. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 766,67 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  8. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 4.898,63 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  9. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 726,88 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  10. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 5.756,12 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  11. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 800,49 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  12. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 10.883,77 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  13. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 1.403,86 e cujo termo do prazo pata pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  14. Liquidação de NA n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 6.081,96 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  15. Liquidação de JC n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 723, 17 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 28 de Fevereiro de 2015;
  16. Liquidação de NA n.º …, referente ao período 201110 a 201112, com um valor de correcção no montante de € 3.407,11;
  17. Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201201 a 201203, com um valor de correcção no montante de € 2.221,38;
  18. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201204 a 201206, no montante total a pagar de € 8.420,56 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  19. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201204 a 201206, no montante total a pagar de € 748,39 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  20. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201207 a 201209, no montante total a pagar de € 16.002,50 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  21. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201207 a 201209, no montante total a pagar de € 1.262,66 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  22. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201210 a 201212, no montante total a pagar de € 8.398,95 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  23. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201210 a 201212, no montante total a pagar de € 578,03 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  24. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201301 a 201303, no montante total a pagar de € 84,72 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  25. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201304 a 201306, no montante total a pagar de € 13.156,67 e cujo termo do prazo pata pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  26. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201304 a 201306, no montante total a pagar de € 643,05 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  27. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201307 a 201309, no montante total a pagar de € 8.132,65 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  28. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201307 a 201309, no montante total a pagar de € 316,39 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  29. Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201.310 a 201312, no montante total a pagar de € 10.772,93 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015;
  30. Liquidação de JC n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201312, no montante total a pagar de € 308,13 e cujo termo do prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Fevereiro de 2015.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os actos de liquidação, para além de enfermarem de falta de fundamentação, baseiam-se numa incorrecta interpretação e aplicação do art.18º n.º 1 alínea a) do Código do IVA e da verba 2.6 da lista I anexa ao Código, porquanto, em suma:

                                                              i.      A “unidade única de implante” pura e simplesmente não existe;

                                                            ii.      A interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) faz da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA e por via da qual considera que a taxa reduzida do IVA apenas se aplica à “unidade única de implante” não tem qualquer apoio no elemento literal da norma;

                                                          iii.      A referida interpretação viola o princípio da neutralidade e o princípio da livre concorrência ou da não discriminação;

                                                          iv.      A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, não é de aplicação directa na ordem jurídica portuguesa e não se retira da mesma ou da Nomenclatura Combinada qualquer argumento em suporte da tese da AT.

 

  1. No dia 08-05-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 09-07-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-07-2015.

 

  1. No dia 29-09-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 421.º/1 do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º/1/e) do RJAT, deferiu-se o aproveitamento nos presentes autos da prova pericial produzida no processo 530/2014T do CAAD, pedido pela Requerente.

 

  1. Atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c), 19.º e 29.º/2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A coberto das ordens de inspecção externas n.º OI2014… e OI2014…, foram efectuadas correcções em sede de IVA, referentes aos anos de 2010 a 2013.

2-      No referido procedimento inspectivo, constatou-se que a Requerente efectuou transmissões internas de diversas tipologias de implantes dentários e material conexo, melhor descrito a fls. 78 a 784 do PA, que aqui se dão por reproduzidas[1], tendo aplicado a taxa reduzida de IVA.

3-      No âmbito daquele procedimento inspectivo foram, para além do mais, efectuadas correcções referentes à aplicação da taxa de IVA reduzida às referidas transmissões de bens.

4-      As referidas correcções perfazem o montante global de € 116.398,30, referentes a IVA em falta, dos períodos de tributação de 2010 a 2013, montante ao qual acrescem juros compensatórios.

5-      A requerente foi citada no âmbito dos respectivos processos executivos e solicitou tempestivamente a prestação de garantia.

6-      A Requerente pagou as liquidações de imposto referentes aos seguintes períodos: IVA e JC do período 1206T; IVA e JC do período 1209T; IVA e JC do período 1212T; IVA do período 1303T; IVA e JC do período 1306T; JC do período l309T, e JC do período 1312T, em montante de imposto e juros que ascendeu a €49.920,00,

7-      Em 03-09-2015, constava como valor em dívida do sujeito passivo, o montante de €68.757,04, e o valor garantido de €85.998,00, com respeito a 3 processos suspensos.

8-      A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio de material de prótese dentária, com especial incidência para os implantes e material acessório

9-      A Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e no Regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, tendo, no início de 2013, passado para o regime normal de periodicidade mensal.

10-  No exercício da sua actividade, nos períodos a que se reportam os actos tributários em questão no presente processo, a Requerente efectuou aquisições no mercado nacional e intracomunitário, sendo as suas vendas canalizadas, na sua quase totalidade, para o mercado interno.

11-  Os artigos comercializados pela Requerente eram essencialmente dispositivos médicos utilizados no sector da implantologia, entre outros, implantes dentários e outros dispositivos de prótese.

12-  Os clientes da Requerente eram médicos dentistas e técnicos de prótese dentária, que trabalhavam em implantologia e utilizavam os produtos da Requerente para a reabilitação oral dos respectivos pacientes.

13-  Cada dente é uma individualidade, tendo por comum ser constituído anatomicamente por coroa, raiz ou raízes e periodonto.

14-  Todas as partes constituintes do dente são indissociáveis, ou seja, uma parte não consegue existir sem a outra.

15-  A implantologia é uma área cirúrgica da Medicina Dentária que se dedica à colocação de implantes dentários, ou seja, destina-se a repor dentes perdidos através de implantes dentários em titânio e coroas.

16-  A prótese dentária por implante dentário é constituída por três elementos: implante, pilar e coroa.

17-  O implante é a estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, com vista a cumprir a função da raiz do dente.

18-  Os implantes dentários são estruturas em titânio puro, colocados na maxila ou na mandíbula, que substituem a raiz de um dente natural que, por qualquer motivo, foi extraído.

19-  Os implantes dentários oferecem uma solução segura e permanente para a substituição de um ou mais dentes, funcionando como pilares de suporte para coroas unitárias e pontes fixas ou removíveis, parciais ou totais.

20-  O pilar é uma estrutura cilíndrica inserida no implante.

21-  Sobre o pilar é colocada uma coroa, artefacto que permite substituir a parte visível do dente.

22-  A coroa é normalmente elaborada por laboratórios de prótese dentária e necessita de se ajustar às características da dentição do paciente, pelo que é especificamente produzida para cada caso.

23-  Enquanto que os implantes e pilares são produzidos em série.

24-  A natureza e qualidade dos implantes e pilares não se altera com a respectiva colocação.

25-  Os implantes e pilares  transaccionados pela Requerente só podiam ser utilizados no âmbito da implantologia, visando a substituição, no todo ou em parte, do dente do paciente, não podendo ter qualquer outra finalidade ou utilização.

26-  O procedimento cirúrgico de colocação de uma prótese dentária envolve, por regra, três etapas e pode ter mais do que um interveniente, dado que engloba trabalho de cirurgia, que tem de ser feito por um médico e trabalho de elaboração de prótese, que tem de ser feito por um técnico de prótese (protésico).

27-  A primeira etapa consiste no enterro cirúrgico do implante dentário nivelado com o osso, mas dentro da gengiva.

28-  Após a colocação do implante dentário tem inicio o processo de união do implante dentário ao osso, a chamada "osseointegração" ou "osteointegração”

29-  No final do processo de "osseointegração", o implante dentário precisa de ser exposto através da remoção da gengiva sobrejacente.

30-  Numa segunda etapa, o cirurgião verifica o implante para confirmar se a osseointegração foi bem sucedida e, em caso afirmativo, coloca o pilar de fixação que penetra na gengiva

31-  Numa terceira etapa, findo o processo de cicatrização que delimita o espaço a ocupar pelo implante, é fabricada e colocada a coroa dentária (dente artificial em porcelana o noutro material) sobre o implante dentário osseointegrado.

32-  A técnica médica aconselha a segmentação do processo em duas fases: colocação do implante dentário, numa fase inicial e colocação do pilar e da coroa.

33-  A reabilitação oral por implante dentário permite conferir ou optimizar a função mastigatória de um paciente parcial ou totalmente desdentado.

34-  As alternativas ao implante dentário são a reabilitação dos espaços edêntulos de forma fixa executando pontes sobre dentes, o que implica um procedimento invasivo de pelo menos dois dentes, ou, a utilização de próteses removíveis suportadas apenas pela mucosa.

35-  Os implantes dentários mantêm a estrutura óssea e estética facial que se perde com a ausência de dentes, e a integridade dos dentes vizinhos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, os factos dados como provados nos pontos 13 a 35 tiveram em conta o relatório pericial produzido no processo 530/2014T do CAAD, para lá da restante documentação constante do PA e junta pela Requerente.

Refira-se ainda que, não obstante nas suas alegações a Requerida afirmar que “os elementos probatórios juntos aos autos não permitem concluir com segurança que os materiais aqui em causa (...) Não possam ser utilizados para outro fim.”, o certo é que na sua resposta, a mesma Requerida reconheceu, aos mesmos materiais, “não terem outra aplicação que não seja em medicina dentária” por serem “peças (...) que contribuem para o resultado final da reabilitação oral.”.

B. DO DIREITO

 

i.                    da excepção

 

Começa a Requerida por alegar que não se insere no âmbito das competências dos Tribunais Arbitrais “a apreciação do pedido de reconhecimento de direitos implícito no alegado nos (...) pontos 3 a 12 e, portanto, abrangido no pedido de pronúncia arbitral, a final”, já que “que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.”, uma vez que “decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”, pelo que a “incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mesmo, conducente à absolvição da instância quanto á pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.

Considera-se, todavia, que não assiste, nesta matéria, razão à AT.

Com efeito, como a mesma Requerida reconhece[2], “No pedido, a Requerente cinge-se às competências próprias da presente jurisdição arbitral.”.

Ora, a competência do Tribunal afere-se em razão dos pedidos formulados, sendo certo que, caso aquele extravase o âmbito destes, a questão que se colocará será, não de competência, mas de excesso (ou não) de pronúncia.

Sendo, confessadamente, o Tribunal competente para a apreciação dos pedidos formulados, haverá, por isso, de improceder a arguida excepção da incompetência.

 

*

ii.                  do fundo da causa

            Em causa no presente processo está saber se será aceitável a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, e por via da qual considera que a taxa reduzida do IVA apenas se aplica ao que designa por “unidade única de implante”.

            Efectivamente, entende a AT que se deverá considerar que “os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não sejam abrangidos pela verba 2.6, dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função[3].

            Para a AT, “a verba 2.6 apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele, ou seja, “autonomamente ou unitariamente”[4].

            Na perspectiva da AT, “o implante de titânio e o pilar são apenas componentes, cada um desempenhando a função para a qual foram concebidos, de suporte e fixação da prótese, mas que, de per si, objectivamente considerados, não desempenham nem substituem a função do órgão dentário.[5].

            Mais considera a AT que “o legislador se refere a material de prótese e não a material para prótese (para aplicação numa prótese), o que indica excluir as peças de ligação ou fixação de próteses, como as transaccionadas pelo sujeito passivo.[6].

Assim, ainda na mesma perspectiva, a taxa reduzida de IVA que ora nos ocupa reportar-se-á unicamente a “«bens completos» como sendo aqueles que, por si mesmos, podem substituir um órgão ou membro do corpo humano e não quaisquer elementos que sejam utilizados individualmente no processo de substituição[7], “produtos especificamente concebidos para a correcção ou compensação de deficiências ou para a substituição, total ou parcial, de órgãos ou membros do corpo humano[8], pelo que “No caso em apreço, ora em discussão, a questão deve estar centrada no facto de se perceber se as diferentes peças que compõem uma prótese dentária fixa, na fase de comercialização, devem estar sujeitas à taxa de IVA reduzida.[9], sendo que, sempre na opinião da AT, “se estamos a falar da neutralidade sobre a tributação dos diferentes tipos de prótese temos de comparar a transmissão da prótese amovível com a da prótese fixa. E não com a da prótese fixa acrescida de peças de fixação e de ligação.[10].

 

*

            Diga-se, liminarmente, que não se subscreve, nos seus vários níveis, o entendimento porfiado pela AT.

            Com efeito, não se subscreve esse entendimento, desde logo, no que diz respeito a um sugerido condicionamento da aplicação da taxa reduzida à fase final da cadeia de transmissões dos bens em questão, excluindo do âmbito daquela, a “fase de comercialização”. Entende-se que a circunstância de a Requerente ser uma intermediária, e, como tal, vender tais bens, não ao seu destinatário final, mas a profissionais que, por sua vez, os venderão, aplicando-os, aos destinatários finais, não a exclui do âmbito de aplicação da taxa reduzida, uma vez que nada na lei permite sustentar tal restrição.

            Não se subscreve igualmente o entendimento da AT, segundo o qual os implantes dentários e os pilares serão “peças, partes e acessórios” das próteses, não sendo “aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função”, sendo “apenas componentes, cada um desempenhando a função para a qual foram concebidos, de suporte e fixação da prótese”.

            Efectivamente, afigura-se tal entendimento como contraditório nos seus próprios termos, não se alcançando como é que, considerando-se que é próprio da prótese “a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função”, se pode considerar, nos moldes em que o faz a AT, que os implantes e pilares são meros meios “de suporte e fixação da prótese”, uma vez que sem os implantes e os pilares, a parte restante do que seja – para a AT – a prótese, não será, igualmente, susceptível de assegurar individualmente “a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função”, pelo que no fundo... não existiria prótese. Ou seja: de acordo com a tese sustentada pela AT, não existiriam próteses dentárias fixas, uma vez que cada um dos elementos que a integram, considerados e aplicados individualmente (sendo certo que a sua aplicação conjunta, de uma só vez, será clinicamente proscrita), não será susceptível de assegurar a substituição da função corporal que visam, em conjunto, suprir.

Não se tratarão assim, julga-se, os implantes e pilares, de “acrescentos” de fixação e de ligação, na medida em que não acrescentam nada à prótese, desde logo porquanto sem eles a prótese não existe.

            Deste modo, considera-se que a prótese, enquanto objecto destinado a assegurar “a função de substituição de” um dente, por meio de um implante fixo, integra o implante, o pilar e a coroa artificial. É este conjunto, no seu todo, que assegura a “a função de substituição de” um dente, e não apenas um daqueles elementos, desligados dos restantes. Por outro lado, o que se apura é que os implantes e pilares asseguram a substituição de parte do dente – a raiz – pelo que, mesmo na leitura apresentada pela AT, segundo a qual “a verba 2.6 apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele” (sublinhado nosso), se deverá considerar aqueles como estando abrangidos pela referida verba 2.6. Não obsta a esta conclusão, a circunstância, referida no RIT, de que a raiz “não desempenha apenas a função de fixação do dente ao osso alveolar, antes assegurando múltiplas funções que, de modo manifesto, não são prosseguidas pelo implante”, já que se apenas fossem considerados próteses os artefactos que substituem integralmente todas as funções da parte do corpo humano substituída, praticamente não existiriam próteses, se é que existia alguma, dado que o normal será que, atento o seu carácter artificial, a prótese, por definição, não substitua exactamente, em todas as suas funções, a parte do corpo humano em falta.

            Também não se subscreve assim o entendimento, sugerido pela AT, de que o implante e o pilar serão, no fundo, meros materiais adquiridos para o fabrico da prótese. Considera-se, antes, que aqueles bens, são já partes acabadas da própria prótese, já que os mesmos não têm qualquer outro fim, aplicação ou utilidade que não a sua inserção no corpo humano, de modo a assegurar “a função de substituição de” um dente, e que, pela sua própria natureza, a prótese em questão não tem qualquer possibilidade de ser “completada” senão aquando da sua implantação no corpo humano, e no decurso de um processo que se prolonga, substancialmente, no tempo. De facto, não se vislumbra que se possa sustentar que, quer o implante, quer o pilar, devidamente acabados, se equiparem, por exemplo, ao titânio bruto que vai ser transformado no primeiro, ou a qualquer outro elemento, matéria-prima, ou componente que, por meio de um processo de transformação, ou mesmo de montagem, se vá tornar na prótese. Pelo contrário, considera-se que quer o implante, quer o pilar, devidamente acabados, são partes da prótese final, não sendo o processo da sua implantação no corpo humano, com vista à substituição do dente, um processo de transformação, ou mesmo de montagem, mas, verdadeiramente, um processo de aplicação da prótese naquele mesmo corpo, de acordo com os procedimentos medicamente necessários para o efeito.

            De resto, discorda-se, também, da leitura apresentada pela AT, relativa ao texto da norma que nos ocupa, quando refere que “o legislador se refere a material de prótese e não a material para prótese (para aplicação numa prótese), o que indica excluir as peças de ligação ou fixação de próteses, como as transaccionadas pelo sujeito passivo.”. Com efeito, entende-se que ao referir-se a “material de prótese”, e não, simplesmente, a “prótese”, está o legislador, precisamente, a dar a indicação oposta à apresentada pela AT, querendo, expressamente, não se cingir apenas à prótese, enquanto objecto singular (“bem completo”, na terminologia da AT).

            Este mesmo entendimento foi já unanimemente adoptado,             relativamente a questão em tudo idêntica à dos presentes autos, no processo 429/2014-T do CAAD[11], onde se considerou em suma que:

“Importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação declarativa (e não restritiva, ao contrário do que sustenta a AT).

Ora, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, estando nós perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.

Com efeito, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular.

Acresce que resulta dos factos dados como provados que tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim implantes constituídos pelas três peças de que ora tratamos – coroa, implante e pilar, que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante. Na realidade, estas três peças são incindíveis e inutilizáveis salvo para a composição de um implante enquanto prótese composta.

Não existindo tais “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública. Com efeito, a acolher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal. Tal facto é discriminatório, atentando, desde logo, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º, n.º 3 da LGT. Com efeito, de acordo com o previsto no primeiro normativo, de epígrafe, “Fins da tributação”, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º3, “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.

Mas estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege este imposto ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem este imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE a que aludimos.

Como é sabido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Por sua vez, no n.º3 do referido normativo determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Ora, o que o legislador comunitário, a Comissão europeia e a jurisprudência do TJUE determinam é que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.

Ou seja, a acolher-se o entendimento veiculado pela AT no caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal.

É certo que as normas de derrogação, como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto, devem ser aplicada restritivamente, mas não devemos confundir tal facto com uma aplicação selectiva, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.

Neste contexto, importa ainda salientar que a invocação, por parte da AT, do argumento da Nomenclatura Combinada não procede, porquanto esta Nomenclatura foi criada para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum e não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços para efeitos de IVA em Portugal.

O único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 8906 00 10 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro”, dispositivo este não aplicável na situação em apreço.

Sendo certo que, de acordo com o estatuído no artigo 98.º, n.º 3, da DIVA, os Estados membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, igualmente certo é que o legislador português não acolheu esta opção.

Ou seja, para efeitos de IVA é irrelevante a classificação que os implantes, as coroas e os pilares mereçam na Nomenclatura Combinada.

 Ora, neste contexto, importa uma vez mais salientar que, como ficou provado, as três “peças” ora em apreço – implante, coroa e pilar – não podem ser utilizados separadamente, sendo especialmente concebidos e fabricados para a produção de uma peça que se designa por implante. Com efeito, contrariamente ao que a AT alega, não existe a peça única implante no sentido fáctico que lhe quer conceder, mas apenas o implante constituído, enquanto tal, por implante, coroa e pilar, peças incindíveis tendo em vista esta realidade.

É por demais evidente que o facto de tais peças serem comercializadas separadamente, tal como no caso citado, o simples facto de ocorrer facturação segregada (com códigos separados) ou autónoma (em facturas separadas) não pode afectar o enquadramento e qualificação para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.

Na realidade, o que está em causa nos presentes autos e ficou provado subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, consubstanciando-se como um “… aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.

E, volte-se a salientar, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações – a protecção da saúde – é exactamente a mesma que nos leva a esta interpretação.

De notar, por último que, da jurisprudência vinda de citar, ainda que supostamente existissem, tal como a AT pretende, “bens completos” de implante, na acepção que pretende veicular, sempre teríamos que reconhecer que a coroa, o pilar e o implante se configurariam como uma peça única ou, em último caso, ainda que erroneamente assim não se entendesse, como peças acessórias, e como tal, deveriam ser tributadas à taxa reduzida, seguindo o tratamento da operação principal.

Isto é: quer apenas por recurso às regras comunitárias quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado é o mesmo – só poderá concluir-se que na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA se incluem quer os implantes constituídos por uma peça única quer os implantes compostos.

Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes, coroas e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente.

Em face do exposto, conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação desta verba 2.6 da Lista I ao CIVA.”

            Conclui-se, assim, que as liquidações objecto dos presentes autos enfermam de vício nos respectivos pressupostos de facto e de direito, conforme arguido pela Requerente, devendo, como tal, ser anuladas na íntegra, e ficando dessa forma prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

 

*

Cumula a Requerente com o pedido anulatório dos actos tributários objecto do presente processo, o pedido de que seja “reconhecido o direito da Requerente aos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento (indevido) de parte do imposto, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e, bem assim, 61.º do CPPT.”, e que seja  “reconhecido o direito à requerente à indemnização prevista nos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, ex vi artigo 13.º, n.º 5, do DL 10/2011, caso a garantia prestada venha a ser julgada indevida.”.

É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. artigo 43.º da LGT).

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos tributários objecto do presente processo, pelas razões que se apontaram anteriormente, há lugar a reembolso do imposto suportado pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

É também claro nos autos que a ilegalidade do acto de liquidação de imposto impugnado é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, quando o direito para o fazer havia já caducado.

Pelo exposto, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos à Requerentes desde data do pagamento, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

Quanto à indemnização por garantia indevida, constitui matéria que foi objecto já de várias decisões no âmbito da jurisdição arbitral, podendo ver-se, entre outras, a do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T[12], em termos que ora se transcrevem

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

              1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

              2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

              3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

              4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação consubstanciado nas liquidações praticadas ilegalmente, é, como se disse, imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem também direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que os Requerentes suportaram para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que os Requerentes têm direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular os actos de liquidação objecto do presente processo;

b)      Reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios contados desde a data dos pagamentos de imposto liquidado nas liquidações ora anuladas, até à respectiva restituição;

c)      Reconhecer o direito da Requerente à indemnização prevista nos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, por prestação de garantia indevida.

d)     Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 126.333,23, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

19 de Novembro de 2015

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Susana Maria Afonso Claro)

 

 

 



[1]              Devendo acompanhar todas as notificações obrigatórias da presente decisão, que não sejam dirigidas às partes, que têm conhecimento pessoal dos documentos em causa.

[2]              Ponto 14. da Resposta.

[3]              Cfr. ponto 44. da Resposta.

[4]              Cfr. ponto 52. da Resposta.

[5]              Cfr. ponto 97. da Resposta.

[6]              Cfr. ponto 81. da Resposta.

[7]              Cfr. ponto 90. da Resposta.

[8]              Cfr. ponto 92. da Resposta.

[9]              Cfr. p. 13 das Alegações da AT.

[10]             Cfr. ponto 114. da Resposta.

[12]             Disponível em www.caad.org.pt.