Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 160/2015-T
Data da decisão: 2015-11-16  IUC  
Valor do pedido: € 1.527,93
Tema: IUC – Incidência subjetiva; presunções legais
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 160/2015- T

Requerente: a…, Lda

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IUC

 

       I.             RELATÓRIO

 

1.      Em 10 de março de 2015, a sociedade a…, Lda, contribuinte n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

2.       No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:

 

a)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de Outubro de 2013, referente ao mês de fevereiro de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454,00, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 83,93, num total de € 537,93.

 

b)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de Outubro de 2013, referente ao mês de maio de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 386,00, e de Juros Compensatórios n.º … no valor de € 67,51, num total de € 453,51.

c)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de março de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454,00, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 82,49, num total de € 536,49.

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 11 de março de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).

 

4.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      Em 19 de outubro de 2015 teve lugar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

6.      A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que no ano de 2009, mais precisamente na data de aniversário das respetivas matrículas já não era proprietária dos veículos em questão, não podendo em consequência ser considerada sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto no número 3 do artigo 6.º, conjugado com o número 2, do artigo 2.º do Código do Imposto Único de Circulação pelo que as liquidações contestadas são ilegais, devendo ser anuladas em conformidade.

 

7.       Já a Entidade Requerida sustenta a sua ilegitimidade passiva para estar em juízo uma vez que em seu entender a Requerente deduziu pedido de condenação da Administração Tributária na anulação das notas de apuramento de Imposto Único de Circulação dos anos de 2009, fundando o referido pedido no facto de ter requerido junto do IMT o cancelamento das matrículas dos veículos em causa, com base nas certidões passadas pela Alfândega de Lisboa, que certificam a exportação dos mesmos para Angola, tendo, no entanto, as matrículas sido canceladas pelo IMT, não com as datas de exportação, mas reportadas a datas posteriores.

 

8.      Para a Entidade Requerida não lhe é imputável tal omissão de procedimento, por ser estranha ao mesmo, pelo que tal facto, a confirmar-se, será de imputar ao proprietário ou ao IMT, pelo que em face da relação jurídica assim configurada é manifesta a sua ilegitimidade para se encontrar em juízo.

 

9.      Não obstante, a  Entidade Requerida sustenta a manutenção dos atos contestados na medida em que a Requerente não juntou prova da realização de diligências junto do IMT, no sentido de contrariar o disposto no número 1 do artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, nomeadamente no que se refere à eventual correção das datas de cancelamento das matrículas.

 

10.  E, finalmente, requer a condenação da Requerente nas custas arbitrais por não ter procedido à atualização do registo automóvel.

 

 

 

 

    II.              SANEADOR

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.

 

 III.            OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

                                i.            da ilegitimidade passiva da Entidade Requerida;

                              ii.            da legalidade dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação e de Juros Compensatórios contestados em virtude dos veículos terem sido transmitidos em data anterior ao do aniversário da respetiva matrícula;

                            iii.            da responsabilidade pelas custas do processo arbitral.

 

 IV.            MATÉRIA DE FACTO

 

 Factos provados

 

11.  Em 21 de janeiro de 2009, a Requerente vendeu à sociedade “B…, Lda” o veículo com a matrícula …-…-…, conforme fatura n.º 0011, junta com Doc. 3, com o pedido de pronúncia arbitral.

 

12.  Conforme certidão emitida pela Senhora Diretora da Alfândega Marítima de Lisboa, é certificado que “foi processado na Alfândega Marítima de Lisboa o DAU de Exportação n.º …, 2009-01-26, em nome de A…, LDA, contribuinte n.º …, morador na R. … n.º …, …, …-… …, para uma viatura, matrícula …-…-….” (cf. Doc. 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

13.  A matrícula …-…-… – cujo aniversário se verifica em 23 de fevereiro - foi cancelada em 7 de abril de 2009 (Cf. pág. 3/6 do documento junto como Doc. 2, com o pedido de pronúncia arbitral).

14.  Em 13 de março de 2009, a Requerente vendeu à sociedade “B…, Lda” o veículo com a matrícula …-…-…, conforme fatura n.º 0018, junta com Doc. 5, com o pedido de pronúncia arbitral.

 

15.  Conforme certidão emitida pela Senhora Diretora da Alfândega Marítima de Lisboa, é certificado que “foi processado na Alfândega Marítima de Lisboa o DAU de Exportação n.º …, 2009-03-20, em nome de A…, LDA, contribuinte n.º …, morador na R. … n.º …, …, …-… …, para uma viatura, matrícula …-…-….” (cf. Doc. 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

16.  A matrícula …-…-… – cujo aniversário se verifica em 15 de maio - foi cancelada em 24 de junho de 2009 (Cf. pág. 3/6 do documento junto como Doc. 2, com o pedido de pronúncia arbitral).

17.  Em 21 de janeiro de 2009, a Requerente vendeu à sociedade “B…, Lda” o veículo com a matrícula …-…-…, conforme fatura n.º 0013, junta com Doc. 7, com o pedido de pronúncia arbitral.

 

18.  Conforme certidão emitida pela Senhora Diretora da Alfândega Marítima de Lisboa, é certificado que “foi processado na Alfândega Marítima de Lisboa o DAU de Exportação n.º …, 2009-01-26, em nome de A…, LDA, contribuinte n.º …, morador na R. … n.º …, …, …-… …, para uma viatura, matrícula …-…-….” (cf. Doc. 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

19.  A matrícula …-…-… – cujo aniversário se verifica em 7 de março - foi cancelada em 7 de abril de 2009 (Cf. pág. 3/6 do documento junto como Doc. 2, com o pedido de pronúncia arbitral).

 

20.  Com referência às acima identificadas viaturas e ao ano de 2009, a Requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação:

 

d)     ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de fevereiro de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 83,93, num total de € 537,93.

 

e)      ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de Outubro de 2013, referente ao mês de maio de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 386, e de Juros Compensatórios n.º … no valor de € 67,51, num total de € 453,51.

 

f)       ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de março de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 82,49, num total de € 536,49.

 

 

21.  Em 10 de março de 2014, a ora Requerente deduziu reclamação graciosa contra as referidas liquidações de Imposto Único de Circulação e de Juros Compensatórios, indeferida por despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Leiria …, de 4 de junho de 2014, no âmbito do procedimento n.º … 2014 … (cf. pág. 37 do instrutor).

 

22.  Em 18 de junho de 2014, a ora Requerente deduziu recurso hierárquico contra a decisão notificada, indeferido por despacho de 25 de novembro de 2014, da Senhora Diretora de Serviços de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contr. Especiais, no âmbito do procedimento n.º … 2014 … (cf. Doc. 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental produzida.

 

Factos não provados

 

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

    V.            DO DIREITO

 

23.  A primeira questão em apreciação nos presentes autos prende-se com a alegada ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pelo seu dirigente máximo, para estar em juízo.

 

O interesse relevante é o critério aferidor do conceito de legitimidade.

 

Nos termos do artigo 30.º do Código do Processo Civil o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, revelado pela utilidade derivada da procedência da ação e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, revelado pelo prejuízo que lhe advenha da procedência da ação. Em regra, são considerados titulares do interesse relevante os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

 

A Entidade Requerida sustenta a sua ilegitimidade na circunstância da Requerente ter deduzido “pedido de condenação da AT na anulação das notas de apuramento de Imposto Único de Circulação dos anos de 2009, fundando o referido pedido no facto de ter requerido junto do IMT o cancelamento das matrículas dos veículos ora em causa, com base nas certidões passadas pela Alfândega Marítima de Lisboa, e que certificam a exportação dos mesmos para Angola. Mas que as matrículas foram canceladas pelo IMT, não com as datas de exportação, mas reportadas às datas de 07/04/2009 e 24/06/2009.” (cf. artigos 10.º e 11.º da resposta da Entidade Requerida).

 

Sucede que, ao contrário do alegado pela Entidade Requerida, a Requerente não sustenta o seu pedido de anulação dos atos de liquidação contestados com base nas datas a que o IMT fez reportar o cancelamento das matrículas mas no facto de à data da verificação dos respetivos factos tributários não ser sujeito passivo de imposto, por não ser proprietária dos respetivo veículos (cf. artigos 14.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

Estando em causa nos presentes autos a anulação de atos de liquidação emitidos pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira resulta manifesto o interesse da Entidade Requerida em contradizer e, consequentemente a sua legitimidade (números 1 e 3, do artigo 9.º do Código do Procedimento e Processo Tributário e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no Processo n.º 015123, em 23-07-1981, in www.dgsi.pt) e, bem assim a competência deste tribunal para a apreciar a legalidade desses mesmos atos (cf. artigo 2º e 4.º do RJAT).

 

Já não se vislumbra o alegado interesse do IMT em intervir no presente processo uma vez que, ao contrário do sustentado pela Entidade Requerida, o IMT não tem interesse pessoal e direto no resultado do litígio, já que nenhum prejuízo lhe advirá da anulação dos atos de liquidação contestados.

 

Em face do exposto, julga-se improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela Entidade Requerida.

24.  A segunda questão em apreciação no presente processo prende-se em determinar se a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória pode demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não obstante tal facto, não é proprietário do veículo no período a que o imposto respeita e afastar assim a obrigação de imposto que sobre ela recai.

 

Determina o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”. De acordo com esta disposição legal são, assim, sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos.

 

Com efeito, nos termos do Código do IUC, o imposto é devido pelo proprietário do veículo até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei (cf. artigo 4.º, n.º 3 do Código do IUC), sendo tributada a propriedade dos veículos, independentemente do respetivo uso ou fruição.

 

Para efeitos de concretização da incidência subjetiva consideram-se como proprietários as pessoas singulares ou coletivas, em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

Neste contexto, a Administração Tributária liquida o imposto de acordo com os elementos que constituem a base de dados do IUC, cuja atualização é efetuada com base nos elementos fornecidos pela IRN – I.P. e pelo IMT.

 

O artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC consagra assim uma presunção legal de acordo com a qual a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo é considerada como sujeito passivo de imposto.

 

A utilização da expressão “considerando-se”, em vez da expressão “presumindo-se” não afasta esta conclusão.

 

Como melhor desenvolvido na Decisão Arbitral proferida no Processo nº 14/2013-T “Examinando o ordenamento jurídico português, encontramos imensas normas que consagram presunções utilizando o verbo considerar, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”). São disso exemplos as normas a seguir enumeradas: No Código Civil, entre outras, os artigos 314º, 369º nº 2, 374º nº1, 376º nº 2, 1629º. No Código da Propriedade Industrial, referimos a título de exemplo, o artigo 98º onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo. Também no ordenamento jurídico tributário se pode encontrar o verbo “considerar”, nomeadamente o termo “considera-se” com um sentido presuntivo. Como explicam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação nº 3 ao artigo 73º da LGT “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real” (sublinhado nosso), dando de seguida alguns exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” como no nº 2 do artigo 21º do CIRC acontece, ao estabelecer que “para efeitos de determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo”. (sublinhados nossos). (…).Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, acompanhados da doutrina e jurisprudência indicadas, por apelo ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), autorizam a conclusão que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões podem servir de base a presunções, nomeadamente o termo “considera-se”, mostrando-se desta forma cumprida a condição estabelecida no nº 2 do artigo 9º do CC, o qual exige que o pensamento legislativo tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (in www.caad.pt).

 

Como também apontado na citada Decisão arbitral, a ratio legis do IUC aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários ou os utilizadores dos veículos, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade (cf. artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Código do IUC).

 

Com efeito o IUC procura onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, conforme expresso no seu artigo 1.º.

 

Não se vislumbra que a tributação de anteriores proprietários possa contribuir para este objetivo, que só será cumprido se a tributação visar o efetivo proprietário ou utilizador.

 

Acresce que, o registo não tem no nosso ordenamento jurídico eficácia constitutiva, tendo antes uma função meramente declarativa (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 00A217, de 20-06-2000 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 087725, de 13-02-1996, in www.dgsi.pt).

 

O “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Mas, como bem afirma a recorrente, esta presunção registral é ilidível – embora não por contraprova, mas sim através da prova do contrário – pois o registo, ainda que definitivo, constitui mera presunção juris tantum.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo n.º 07B4528, de 29-01-2008, in www.dgsi.pt), o que significa que também a natureza do registo no nosso ordenamento não afasta a conclusão a que se chegou de estarmos perante no caso vertente perante uma presunção.

 

Ora, consagrando o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC uma presunção, esta presunção é uma presunção ilidível por contender com uma norma de incidência (subjectiva) do imposto.

 

As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, uma vez que o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis.

 

A “proibição de presunções inilidíveis que emana do art. 73.º da LGT limita-se às normas de incidência tributária, mas abrangendo tanto as de incidência subjectiva como as de incidência objectiva ou real. São normas de incidência, em sentido lato, as que “definem o plano de incidência ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação. Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais” (cf. SOUSA, Jorge Lopes de - Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, vol. I, pág. 586).

 

Assim, consagrando o artigo 3º, nº 1 do CIUC uma presunção, ilidível, a entidade que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela ATA como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

E ao contrário do alegado pela Entidade Requerida a eventual não realização de diligências junto do IMT para correção das datas de cancelamento das matrículas, não afasta o carácter ilidível da presunção em apreciação, em conformidade com o invocado do art. 73.º da LGT.

O IUC é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo o período de tributação ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E (cf. artigo 4.º, n.º 1 e 2 do Código do IUC).

 

No caso vertente, ficou provado que a Requerente alienou os veículos em questão em datas anteriores às dos aniversários das respetivas matrículas, no ano a que respeitam as liquidações em apreço, conforme Faturas e DAU de Exportação juntas aos autos.

 

E, tendo essas transmissões ocorrido em datas anteriores às dos aniversários das matrículas, no ano a que respeitam as liquidações em apreço, a Requerente não era já sujeito passivo de imposto com referência às liquidações em questão, cuja anulação, consequentemente, se determina.

 

25.  A terceira questão colocada prende-se com a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais que no entender da Entidade Requerida não lhe pode ser imputada, uma vez que o registo automóvel é a pedra angular de todo o edifício em que assenta o Imposto Único de Circulação, mas a competência para o registo automóvel não se encontra na sua esfera e, bem assim porque inexiste qualquer obrigação declarativa que permita à Entidade Requerida ter conhecimento da transmissão de automóveis. Mais sustenta, que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível na atualização do registo automóvel.

 

Para sustentar este seu entendimento, a Entidade Requerida invoca o decidido no Processo n.º 26/2013-T em que foi recusado o direito a juros indemnizatórios pois “ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar o factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do art. 350.º do C. Civil.

 

No caso vertente, a Requerente demonstrou junto da Entidade Requerida em momento anterior ao da apresentação do pedido arbitral - quer em sede de procedimento de reclamação graciosa, quer no âmbito do recurso hierárquico - que não era proprietária dos veículos à data da verificação dos factos tributários.

 

Em face do exposto, conclui-se que a Entidade Requerida deu causa ao presente processo nos termos e para os efeitos do número 1, do artigo 527.º do Código do Processo Civil, sendo consequentemente condenada em custas.

 

 VI.            DECISÃO

Em face do supra exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a:

i)                    anulação do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de fevereiro de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 83,93, num total de € 537,93.

 

ii)                  anulação do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de maio de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 386, e de Juros Compensatórios n.º … no valor de € 67,51, num total de € 453,51.

 

iii)                anulação do ato de liquidação de Imposto Único de Circulação n.º 2009 …, de 14 de outubro de 2013, referente ao mês de março de 2009, e ao veículo com a matrícula …-…-…, no valor de € 454, e de Juros Compensatórios n.º …, no valor de € 82,49, num total de € 536,49.

 

Fixa-se o valor do processo em € 1 527,93 (mil quinhentos e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 306 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 16 de novembro de 2015

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].

 

 

A Árbitra

 

(Ana Moutinho Nascimento)