Acórdão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 23 de Fevereiro de 2015, A…, com o NIF … veio, nos termos dos artigos 1º, 2º, nº 1, alínea a), e 10º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e do art. 99º do CPPT aplicável ex vi artigo 10º, nº 2, alínea c) do RJAT, requerer a constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade da liquidação de IRS e respectivas compensações, referentes ao ano de 2011, no montante global de € 124.018,88 (cento e vinte e quatro mil e dezoito euros e oitenta e oito cêntimos), solicitando que seja anulada ou declarada nula a liquidação de IRS e respectivas compensações com as legais consequências. Com o Requerimento inicial foram juntos, para além das procurações e comprovativo de pagamento da taxa, quatro documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designados como árbitros para integrar o Tribunal Coletivo, o Sr Juiz José Poças Falcão, a Sra Dra Carla Castelo Trindade e a Sra. Dra Maria Manuela Roseiro, tendo todos aceite os encargos nos termos legais e regulamentares.
3. O tribunal arbitral ficou constituído em 30 de Abril de 2015.
4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 2 de Junho de 2015, a sua Resposta assim como o processo administrativo (PA).
5. Na sequência de despacho de notificação para responder a excepções suscitadas pela Requerida, a que a Requerente não respondeu, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT assim como a produção de prova testemunhal, e abrindo prazo para eventual apresentação de alegações. E indicou a data de 19 de Outubro de 2015 como dia para comunicação da decisão.
6. Requerente e Requerida apresentaram requerimentos, respectivamente em 10 de Setembro e 14 de Setembro de 2015, limitando-se a aderir à exposição e argumentação constantes das suas peças anteriores, quanto à matéria de facto e de direito.
7. O Pedido de Pronúncia
No Pedido inicial, a Requerente sustentou, em síntese que:
- Não se conformando com a liquidação de IRS relativa ao ano de 2011, no montante de € 124.018,88, que lhes foi notificada em 15 de Janeiro de 2014, a Requerente e seu marido interpuseram, sucessivamente, reclamação graciosa da liquidação (em 13 de Junho de 2014) e recurso hierárquico (em 24 de Setembro de 2014) do despacho de indeferimento da reclamação, proferido em 11 de Agosto de 2014.
- Não tendo obtido resposta ao recurso hierárquico, e presumindo o respectivo indeferimento, vem impugnar a liquidação, sendo que o acto de indeferimento – que confirma a liquidação reclamada – incumpriu os deveres fundamentais de fundamentação (art. 77º da LGT).
- Relativamente ao imóvel objecto de dação em cumprimento em 31 de Maio de 2011 por valor de € 607.500,00, a AT considerou como valor de aquisição o montante de € 31.110,02, valor patrimonial determinado à data da respectiva inscrição na matriz no ano de 2005[1], apesar de a Requerente ter apresentado os documentos que comprovam o valor de construção do imóvel, construído pela Requerente e marido.
- A AT desconsiderou os referidos documentos com base numa alegada falta de elementos essenciais, violando o artigo 46º, nº 3 do CIRS.
- Violou, quanto a fundamentação, o artigo 268º da CRP e art. 36º do CPPT; o acto de liquidação não contém quaisquer fundamentos de facto e de direito dos valores de liquidação em análise, contendo apenas expressões vagas, não tendo sido provada a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade do imposto em análise.
- Sustenta então o Requerente que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que a AT não poderia exigir as quantias independentemente da demonstração e verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos, sendo o acto nulo por ter criado impostos não permitidos por lei [artigos 133º,2º, alínea a) e d) do CPA e artigos 103º, nº2 e 165, nº 1, alínea i) da CRP].
- A quantificação do facto tributário suscita fundadas dúvidas pelo que sempre seria anulável (artigos 99º/1/a) e 100º do CPPT).
- Pelo que, no entender da Requerente, deve o Pedido ser considerado procedente, com anulação ou declaração de nulidade da liquidação de IRS.
8. A Resposta
A Requerida respondeu, em síntese, alegando que:
- O pedido é intempestivo, nos termos conjugados da alínea a) do nº1 do art.10º do RJAT e dos nºs 1 e 2 do art.102º do CPPT, porque a Requerente assaca o vício de falta de fundamentação ao acto de indeferimento proferido pelo Senhor Director de Finanças de ... não esclarecendo se se refere ao acto datado de 02.12.2013, que efectivamente fundamenta a liquidação ora sindicada, e cuja ilegalidade é, a final, pedida, ou ao acto de indeferimento da reclamação graciosa, de 11.08.2014; certo é que a impugnação arbitral de qualquer um destes actos é intempestiva (nºs 1 e 2 do art. 102º do CPPT), o que conduz à caducidade do direito à acção e absolvição da instância.
- Estando em causa a liquidação de IRS de 2011 da Requerente, casada com B…, e sendo sujeitos passivos ambos os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens (nº 2 e a alínea a) do nº 3 do art. 13º do CIRS), está-se perante uma situação de litisconsórcio necessário, de harmonia com o art. 34ºdo CPC, verificando-se ilegitimidade activa, que conduz também à absolvição da instância.
- Quanto à matéria de facto articulada no requerimento inicial como suporte da pretensão da requerente não corresponde à verdade, ou dela não podem ser retirados os efeitos jurídicos pretendidos.
- Em 2012, a Requerente entregou a declaração mod.3 de IRS (2011), omitindo rendimentos relativos à alienação de um imóvel urbano, artigo matricial … da extinta freguesia de …, em ....
- O referido imóvel foi inscrito na matriz em 1995 pelo valor de € 31.110,02, resultando da junção de dois lotes de terreno para construção, adquiridos pela Requerente por doação dos seus pais, e foi alienado mediante dação em cumprimento, por escritura de 31.05.2011, pelo montante de € 607.500,00
- Apuradas divergências entre a declaração de IRS e as declarações mod.11 emitidas pelos Cartórios Notariais, foram fiscalizados os elementos declarados e notificada a Requerente para exercer o direito de audição, vindo esta a indicar que o imóvel fora construído durante os anos de 1993 e 1994, anexando cópias de facturas relativas a essa construção, e outros elementos adicionais, que sendo objecto de cruzamento de dados levou à conclusão que careciam de veracidade.
- Elaborada declaração oficiosa de rendimentos respeitante ao ano de 2011 (quadro 4 do Anexo G) foi emitida a liquidação oficiosa de IRS n.º 2014…., com imposto a pagar no montante de € 123.796,18, incluindo juros compensatórios no montante de € 7.037,50.
- A reclamação graciosa apresentada pela Requerente para contestar os critérios utilizados para determinação do valor de aquisição do imóvel em causa veio a ser indeferida por despacho de 11.08.2014 do Director de Finanças de ..., seguindo-se apresentação de recurso hierárquico, em 24.09.2014.
- Nenhum dos actos proferidos pelo Director de Finanças de ... padece do vício de falta de fundamentação de acordo com a jurisprudência firmada e unânime dos tribunais administrativos e fiscais porque ao longo do processo administrativo, no âmbito do procedimento de fiscalização (apuramento das mais-valias), ou no decurso da reclamação graciosa apresentada, houve lugar ao exercício do direito de audição prévia pela Requerente e explicação das razões que fundamentam a decisão da AT, razões essas que foram amplamente compreendidas, referenciadas e atacadas pela Requerente que sempre mostrou ter exacta noção dos motivos que levaram à determinação do valor de aquisição do bem no montante de € 31.110,02.
- Todavia, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade, faculdade que não exerceu tendo o eventual vício ficado sanado.
- A Requerente, por via do presente pedido de pronúncia arbitral (tal como antes na reclamação graciosa) demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, mas ainda que o acto sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais, por aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, uma vez que as deficiências permitiam o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral.
- O acto de liquidação de imposto e de juros compensatórios, não padece de qualquer vício de fundamentação, ou de outro, estando conforme com a lei e conduzindo à absolvição do pedido.
9. Objecto do pedido
As questões a decidir neste processo são:
- Existência de excepções invocadas pela Requerida, de caducidade do direito à acção e legitimidade activa.
- Se o acto tributário padece do vício de falta de fundamentação de facto e de direito como é invocado pela Requerente.
10. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
11. Factos provados
11.1. Em 31 de Maio de 2011, a Requerente e marido procederam a dação em cumprimento de prédio urbano inscrito na matriz sob o nº … da freguesia …, …, em ..., pelo montante de € 607.500,00 (artigos 1º e 4º da Reclamação Graciosa – Doc. nº 2 junto com o Pedido e artigos 18º da Resposta).
11.2. Em 30 de Maio de 2012, a Requerente, A…, entregou, conjuntamente com seu marido B…, a declaração mod.3 de IRS relativa a 2011, apenas com anexos A, B e H, sem qualquer menção à transmissão referida no número anterior, com junção de anexo G (art. 16º da Resposta, PA, RG 6, fls. 152).
11.3. Em 21 de Agosto de 2013, foi efectuada uma acção inspectiva interna geral ao IRS 2011 da Requerente e marido (OI 2013 …), resultando um Relatório (proc. 233/2013) elaborado na Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de ... e despachado, em 2 de Outubro de 2013, pelo Director de Finanças, que: confirmou a existência de uma escritura de dação em cumprimento, por escritura de 31 de Maio de 2011, pelo montante de € 607.500,00 de um imóvel identificado sob o artigo matricial …, pertencente à extinta freguesia de …, em ... e considerou que os ganhos obtidos com a alienação do referido imóvel deveriam ter sido incluídos na declaração de IRS, em anexo G, como de “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”, apurando-se como mais-valia obtida 562.390,47, tributável em 50% (€ 281.195,24), valor a ser objecto de correcção em declaração de rendimentos, e dando origem a uma liquidação correctiva (PA, RG 6, fls. 160 e ss.).
11.4. O referido imóvel foi inscrito na matriz em 1995 pelo valor de € 31.110,02, resultando da junção de dois lotes de terreno para construção, adquiridos pela Requerente por doação dos seus pais em 21 de Agosto de 1991 (art. 17º da Resposta, RG 6, fls. 143 e RG7, fls. 179).
11.5. Na escritura de doação consta que esses dois terrenos foram doados pelo valor patrimonial de 2.360.600$00 e 3.180.000$00, no total de € 5.540.600$00, valor esse constante das matrizes respectivas (RG 6. fls. 143 a 149).
11.6. A Requerente foi notificada, em Outubro de 2013, através do ofício nº … da DF de ..., para exercer o direito de audição sobre as propostas de correcção dos valores indicados para constar na declaração modelo 3 de IRS referente a 2011 (art. 20º da Resposta e P.A., RG 6 fls. 136 e 137 e 140 a 141v).
11.7. Em 23 de Outubro de 2013, a Requerente apresentou resposta, indicando que o imóvel fora construído durante os anos de 1993 e 1994, e anexando cópias de facturas Z004568, Z002468 e Z001325, nos valores de € 6.927.757,00, € 23.934.895,00 e € 51.639.782,00, respectivamente (art. 21 da Resposta; PA, RG 6, fls. 136, 164 ss do processo de reclamação graciosa).
11.8. Em 1 de Novembro de 2013, através do ofício …, foram-lhe solicitados os originais das facturas nº Z004568, Z002468 e Z001325, orçamento da obra, recibos das facturas e autos de medição (art. 22º da Resposta e PA, RG7, informação a fls. 168).
11.9. Em 18 de Novembro de 2013, foram facultados originais das referidas nos números anteriores, e cópia dos cheques nºs …, … e …, emitidos pela contribuinte mulher a C… Lda. (PA, RG7, informação a fls. 168).
11.10. Informação da Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de ... de 29 de Novembro de 2013, analisa os elementos entregues, considerando-os insuficientes, e refere a consulta do processo da empresa C… Lda. com cruzamento de informação para apuramento da verdade material da documentação em causa, concluindo pela existência de elementos fortemente indiciadores da falta de veracidade daquelas facturas e convertendo em definitivo o projecto de decisão por se manterem válidas as razões de facto e de direito (informação de 29/11/2013, RG 6, fls. 136 e 137).
11.11. Em 2 de Dezembro de 2013, despacho do Director de Finanças de ... converte em definitivo o anterior projecto de decisão e manda proceder à alteração dos elementos declarados, (PA, RG fls. 137) a que se segue emissão, com data de 26 de Dezembro de 2013, de declaração oficiosa de rendimentos respeitante ao ano de 2011, constando do quadro 4 do Anexo G, os seguintes elementos: Valor e data de aquisição: € 31.110,02 em Dezembro de 1995;Valor e data de realização: € 607.500,00 em Maio de 2011 (PA, RG 6, fls. 129 a 132).
11.12. De acordo com nota de cobrança e de demonstração de acerto de contas da qual resultou a liquidação nº 2014 … de 08-08-2012, no montante de € 116.981,38, e a liquidação de juros compensatórios nº …, no montante de € 7.037,50, tudo no valor de € 124.018,88 (PA, RG6, fls. 134 e 149).
11.13. A liquidação foi notificada em 15 de Janeiro de 2014, para pagamento até 17 de Fevereiro de 2014 (Documentos 1 e 2 juntos com o Pedido e PA, RG 6, fls. 149).
11.14. Em 13 de Junho de 2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa da aludida liquidação e imposto, que deu origem ao Processo de Reclamação Graciosa nº … 2014 … (PA 7, fls. 151 e RH1).
11.15. Sobre informações de 17 de Junho de 2014 do Serviço de Finanças de ... (PA, RG 6, fls. 149) e da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ... de 10 de Julho, considerando de indeferir a reclamação graciosa, foi proferido despacho superior de concordância, mandando proceder a audição prévia, o que foi efectuado pelo ofício …, de 10.07.2014 (PA, RG 7, fls.181 a 183).
11.16. Passado o prazo sem exercício do direito de audição, a Reclamação graciosa foi indeferida por despacho, de 11 de Agosto de 2014, do Director de Finanças de ..., em substituição, com notificação à Requerente através do ofício n.º … recebido em 25 de Agosto de 2014 (Doc. nº 3 e PA, RG7, fls. 184 a 186), sendo o processo devolvido em 4 de Setembro de 2014 ao Serviço de Finanças de ... para arquivamento, pelo ofício … (PA, RG 7, última folha).
11.17. Em 24 de Setembro de 2014, a Requerente apresentou, na Direcção de Finanças de ..., Divisão de Justiça Tributária, dirigido ao Ministro das Finanças, recurso hierárquico do acto de indeferimento da reclamação graciosa, praticado pelo Director de Finanças de ... no processo nº … 2014 … (PA, RH, 1, fls. 1 e ss.).
11.18. Em 26 de Setembro de 2014, no ofício nº …, a Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ..., dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de ..., dava conta de que instaurara o processo de recurso no SICAT, conforme instrução nº 1 da DSJT de 30/11/2011, e solicitava ao Serviço de Finanças de ... o envio do processo gracioso de reclamação, assim como a devolução do recurso hierárquico (PA, RH 3, fls. 58).
11.19. Em 2 de Outubro de 2014, através do ofício nº …, o Chefe de Serviço de Finanças de ... enviou o processo de reclamação graciosa e devolveu à DF/DJT o processo de recurso hierárquico nº … 2014 … (PA, RH 3, fls. 59).
11.20. Por despacho de 12 de Novembro de 2014, proferido em informação da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de ..., o Director de Finanças, não revogou o acto, confirmou parecer no sentido de indeferimento do recurso hierárquico, e mandou-o subir nos termos do nº 3 do art. 66º do CPPT (PA, RH 3, fls. 64).
11.21. Em 12 de Novembro de 2014, o recurso hierárquico foi enviado, através do ofício nº …, para o Director de Serviços de IRS, sendo recebido neste serviço em 14 de Novembro de 2014 (PA, RH 3, fls. 67).
11.22. Foi instaurado o processo executivo nº … 2014 … para cobrança de € 124.018,88, encontrando-se o imóvel para venda aquando da informação de 10/7/2014 (PA, RG 6, fls. 149/150, e RG7, fls. 177 e ss).
11.23. O presente Pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 23 de Fevereiro de 2015.
12. Factos não provados
Não ficou provado em que período decorreram as obras de construção de imóvel realizadas nos terrenos doados à Requerente nem qual o montante do respectivo custo (cf. factos provados 11. 4 a 11.10).
13. Fundamentação dos factos provados e não provados
Os factos foram dados como provados e não provados com base na avaliação feita pelo tribunal das peças processuais entregues pelas Partes e na análise dos documentos juntos ao processo designadamente do processo administrativo, conforme referência feita relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.
Considera-se que a matéria dada como provada se revela suficiente para apreciação da questão de direito.
14. Aplicação do direito
14.1. Excepções
14.1.1. Caducidade do direito à acção
A Requerida parece defender que o Pedido de pronúncia não ataca o indeferimento do recurso hierárquico mas a ilegalidade (falta de fundamentação) do acto de liquidação e do acto de indeferimento da reclamação graciosa pelo que deve ser tido como impugnação de um desses actos há muito praticados, tendo pois caducado o direito à acção.
Estamos uma vez mais naquele caso em que parece confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT) e também e mais uma vez, se trata aqui da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos actos de segundo ou de terceiro graus. A problemática dos actos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um acto de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.
No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”
“(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”
Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação de IRS.
Questão diferente desta é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui entende o Tribunal que o legislador arbitral foi claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.
Assim é que quanto à competência ou âmbito material em que o objecto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação IRS.
Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação do indeferimento tácito. Esta resposta encontra-se, por seu turno, no artigo 10.º. Desta norma não se deve porém retirar a competência para apreciação directa dos actos de segundo grau. Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.
Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.
Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico” e está também, ao que se julga, o facto de o acto de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem.
Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral.
Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]:
“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.
66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.
67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.
68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.””
Subsumindo:
Segundo os factos provados (11.13), a Requerente foi notificada em 15 de Janeiro de 2014 da liquidação, datada de 4 de Janeiro, para pagamento até 17 de Fevereiro de 2014. Reclamou graciosamente, em 13 de Junho de 2014, portanto em prazo, segundo o artigo 70º do CPPT (11.14).
Do indeferimento da reclamação graciosa, notificado a 25 Agosto 2014, interpôs recurso hierárquico para o Ministro das Finanças, em 24 de Setembro 2015, portanto tempestivamente, apresentando o respectivo requerimento junto do Director de Finanças de ..., autoridade competente para o receber e que o deveria fazer subir em 15 dias, com processo ou extracto[2] (11.17.).
O processo foi objecto de despacho de 12 de Novembro de 2014, do Director de Finanças no sentido de não revogar a decisão[3] recorrida e mandado subir nos termos do artigo 66º, nº 3, do CPPT (11.19).
Tendo em conta o disposto no nº 5 do artigo 66º do CPPT, o recurso hierárquico deveria ter sido decidido em 60 dias.
Esta disposição é, precisamente, a indicada pela Requerente no Pedido de constituição do tribunal arbitral, quando invoca que o silêncio da administração e presunção de indeferimento tácito permite o acesso à via judicial para continuação da discussão da legalidade da liquidação (arts. 8º a 10º).
Ainda que exista alguma falta de rigor na articulação de alguns pontos do Pedido (cf. artigo 11º) o que é fundamental na apreciação do caso é ter em conta que a competência dos tribunais arbitrais do CAAD se estende aos actos que decidem reclamações graciosas e recursos hierárquicos (actos de segundo e terceiro graus) mas limita-se à apreciação da ilegalidade da liquidação pelo que apenas se incluirão nela os actos de indeferimento de reclamação ou recurso hierárquico que conheçam efectivamente dessa legalidade.[4]
Assim, embora o acesso à via judicial seja, no presente caso, efectuado com base no indeferimento tácito do recurso hierárquico, não é este o objecto do pedido de declaração de ilegalidade mas sim o acto de liquidação e o acto administrativo (2º grau) que indeferiu (tacitamente) a apreciação dessa ilegalidade.
E a Requerente não age incorrectamente ao atacar o acto de liquidação e o acto de indeferimento da reclamação graciosa, este último na medida em que se pronunciou implicitamente sobre a legalidade da liquidação, confirmando-a.
Quanto à questão de como se deve contar o prazo de 90 dias (sublinhado nosso) previsto no nº 5 do artigo 66º, a redacção deste dispositivo parece inculcar que inclui todo o tempo decorrido desde que iniciado o procedimento (sublinhado nosso) do recurso hierárquico que, segundo o conjunto do artigo 66º, inclui apresentação junto do autor do acto, análise por este de modo a poder revogar o acto e envio ao superior hierárquico para pronúncia.
O prazo para decisão do recurso hierárquico previsto no artigo 66º, nº 5 do CPPT (60 dias) é superior ao prazo regra, de 30 dias, previsto no art. 175º, nº 1, do CPPT.
A nível da Administração Tributária e atendendo à complexidade e conveniência de tratamento uniforme das questões tributárias, é normal os processos serem enviados para decisão superior através dos serviços centrais, que sobre os mesmos ainda se pronunciam. Terá sido o que aconteceu (factos provados 11.21.), não havendo notícia nos autos sobre o envio ao gabinete ministerial para decisão.
De qualquer forma, é de entender que decorreu o prazo para decisão do recurso hierárquico, permitindo-se o acesso à via judicial, ou em alternativa, a via da arbitragem tributária, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Entender de forma diversa como defende a Requerida, seria “frustrar o objectivo do instituto do indeferimento tácito, que é proteger os administrados contra a inacção da Administração, permitindo-lhes o recurso aos tribunais em certos casos em que esta se verifique. É que, entendido em termos puramente literais, o preceito permite que a administração possa protelar indefinidamente a presunção de indeferimento, bastando, por exemplo, que a autoridade ad quem, quando o recurso hierárquico lhe for apresentado, o não remeta à autoridade recorrida para pronúncia, ou que esta, quando o recurso lhe for apresentado, o não remeta à autoridade recorrida para pronúncia, ou que esta, quando o recurso lhe for apresentado a ela, não o remeta ao órgão competente para o decidir”[5].
Assim, considera-se que o presente pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado em 23 de Fevereiro de 2015 é tempestivo face ao disposto no art. 10º, nº 1, a), do RJAT, porque apresentado no prazo de noventa dias após o termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico (art. 102º, nº 1, alínea d), do CPPT).
14.1.2. Legitimidade activa
O n.º 5 do artigo 16.º da LGT, sob a epígrafe “Capacidade tributária”, estabelece que “qualquer dos cônjuges pode praticar todos os acto relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não lhes tenha expressamente oposto”. A este respeito, notam Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Lopes de Sousa que o ali preceituado poderá levantar algumas dúvidas na medida em que “é difícil distinguir quais são os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e os relativos aos bens ou interesses do outro cônjuge” e ainda “levanta objecções a possibilidade de qualquer dos cônjuges, mesmo quando não disponha de poderes de administração, poder praticar actos relativos aos bens e interesses do outro cônjuge” consubstanciando, assim, uma “interferência nos poderes de administração do outro cônjuge [que] violará o disposto no regime de bens, sem justificação suficiente”.
E, por sua vez, o artigo 9º do CPPT dispõe: “1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 2 - A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal. “
Será então legítimo questionar se no conceito de “actos relativos à situação tributária do agregado familiar” se deverão incluir impugnações judiciais ou acções arbitrais. A jurisprudência parece perfilhar o entendimento de que, por força do n.º 6 do artigo 16.º da LGT, segundo o qual “o conhecimento e a ausência de oposição expressa [do cônjuge] referidas no número anterior presumem-se, até prova em contrário”, na falta de oposição expressa do outro, um dos cônjuges terá capacidade tributária para, por si só, participar do procedimento tributário, sem necessidade de fazer intervir o outro.
Nos autos está em causa a aplicação do Imposto do Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS), cujo Código dispunha, ao tempo dos factos, que existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art.13°,n°2, do CIRS), sendo este agregado constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (alínea a) do nº 3 do art.13°do CIRS), e sendo que a direcção da família competia a ambos os cônjuges (art. 1671°, n°2, CCivil) e que, existindo agregado familiar, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges ou por um deles, se o outro for incapaz ou ausente (art.59° n°1 CIRS).
Numa situação destas, em que os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto que incide sobre os rendimentos do respectivo agregado familiar, responsabilidade que abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais, de acordo com os artigos 21.º, n.º 1, e 22º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), encontra-se justificada a capacidade judiciária de qualquer dos cônjuges e, consequentemente, não será questionável a legitimidade de qualquer um. [6]
Nestes termos também se considera improcedente a excepção de ilegitimidade activa.
14.2. Falta de fundamentação de facto e de direito
A Requerente considera que apesar de em sede de audição prévia ter prestado à administração fiscal todos os documentos referentes ao valor de realização, no montante de € 607.500,00, relativamente à dação em cumprimento do imóvel realizada em 31.05.2011, a AT entendeu considerar como valor de aquisição o valor patrimonial determinado à data da sua inscrição na matriz, no ano de 2005, no montante de € 31.110,02.
E que a Administração Tributária desconsiderou os documentos apresentados que comprovam o valor de construção do imóvel construído pela Requerente e marido não se compreendendo o raciocínio que levou a desconsiderar o teor dos documentos apresentados com base numa alegada falta de elementos essenciais, e a liquidar IRS com violação do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS.
O acto de liquidação enfermaria de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, em violação dos artigos 268º, nº 3, da CRP, 124º e 125º do CPA e o 77º da LGT, pelo que seria nulo.
Defende ainda que, existindo fundadas dúvidas sobre a quantificação do facto tributário, sempre o acto de liquidação in casu deveria ser anulado, ex vi artigos 99.º, nº 1, alínea a) e 100.º do CPPT.
Analisando o processo, verifica-se, com muita relevância para a decisão, designadamente que:
- A Requerente e marido, ouvidos em audição prévia sobre proposta de correcção à liquidação de IRS de 2011 efectuada por causa de transmissão de imóvel ocorrida nesse ano mas omitida na respectiva declaração de IRS, informaram que se tratava de imóvel construído durante os anos de 1993 e 1994 (em sede de reclamação, indicariam período entre 1991 e 1994) e juntaram cópias de facturas de fornecimentos, feitos em nome de C…, Ldª (de que a Requerente foi sócia gerente até 23/10/2009), de materiais de obras, e posteriormente, outros elementos adicionais pedidos pela AT.
- Através de procedimento de cruzamento de dados efectuado pela AT, surgiram indícios de falta de veracidade daquelas facturas assim como dúvidas acerca de cópias de cheques apresentados, o que levou à decisão do Director de Finanças de ... de confirmação das correcções propostas e emissão da liquidação.
- Contra esta liquidação a Requerente reagiu através de: reclamação graciosa, a que juntou mais documentos; recurso hierárquico, do indeferimento da reclamação, e Pedido de pronúncia arbitral, sempre invocando vícios de falta de fundamentação e obscuridade e desconsiderando o conteúdo da fundamentação do acto.
14.3. Legalidade da decisão - apreciação da fundamentação de facto e de direito
Deverá, desde logo, ser afastada a hipótese de existência de nulidade por falta de fundamentação, já que é bem patente a existência de um processo administrativo com junção de elementos probatórios, funcionamento do contraditório, fundamentação, conclusões [7].
Analisemos então a discordância da Requerente quanto a insuficiência de fundamentação, para aferir da existência de ilegalidade susceptível de conduzir à anulação do acto.
Acontece que, compulsados todos os documentos juntos pela Partes, designadamente o processo administrativo junto pela AT, reconhece-se que, tal como vem invocado pela Requerida:
- São evidentes as razões que fundamentam a tomada de posição da AT e que as mesmas foram sendo compreendidas, referenciadas e atacadas pela Requerente.
- No próprio requerimento de reclamação graciosa é patente que foi entendida a fundamentação quando se procede à contestação expressa dos elementos atendidos para efeitos de fixação do valor de aquisição do imóvel.
E, quanto às cópias de facturas enviadas pela Requerente no intuito de fazer considerar o valor do imóvel em montante superior àquele que a AT havia tido em consideração, confirma-se que o Director de Finanças de ... mandou corrigir os elementos da declaração de IRS e proceder a liquidação por despacho de 02.12.2013 proferido sobre a informação de 29.11.2013 que explicitava que “Da análise das referidas facturas constatou-se que as mesmas não foram emitidas em conformidade com o estipulado no nº5 do art.35º do CIVA, (…) designadamente por não conterem a discriminação da mão-de-obra e materiais aplicados, a indicação da sede do emitente e a menção de “processado por computador”. E que “(…) os documentos exibidos apresentam claros indícios de terem sido emitidos com a intenção de documentar um valor de aquisição para o imóvel alienado (…) porquanto: O seu logótipo não tem a mínima semelhança; O tipo de impressão é completamente divergente; A data é inconsistente (a factura nº Z.000177 registada na contabilidade, sendo cardinalmente anterior, apresenta uma data posterior à factura agora apresentada nº Z.001325 que exibe a data de 1993-03-21); O capital social indicado na factura nº Z.001325 é de 150.000.000$00 enquanto que na factura nº Z.000177 é de 450.000.000$00.(…)” e que “O valor patrimonial inicial atribuído ao imóvel de € 31.110,02, por avaliação, nunca foi contestado pela contribuinte.(…). Sendo assim, o valor de aquisição a considerar, nos termos do nº3 do art.46º do CIRS, é o valor patrimonial inicial ( € 31.110,02 ) atribuído ao imóvel aquando da sua inscrição na matriz. ”
E o despacho final de indeferimento da reclamação graciosa, proferido em 11.08.2014, pelo Director de Finanças de ..., é emitido atentas as informações da mesma data assim como da informação de 10.07.2014 da Divisão de Justiça Tributária, onde se acentua designadamente: “Em relação aos custos de construção agora apresentados em sede de reclamação graciosa, foram apresentadas as facturas/recibos/guias de remessa, constatando-se porém que estes respeitam a aquisições de materiais de construção emitidas em nome de C… Lda. NIPC ...entre os anos de 1991 e 1994.” E “Neste conspecto e dado que os documentos que a reclamante pretende que serviam de comprovativo como custos de produção, não foram emitidos em nome dos donos da obra /reclamantes, não podem ser considerados, pelo que o valor correcto e previsto no nº 3 do artº 46º do Código do IRS, será o valor patrimonial à data da inscrição, ou seja, 31.110,02€.”
Ou seja, todos os despachos decisórios que conduziram à liquidação contestada ou à confirmação da sua correcção, foram precedidos de informações dos serviços contendo todos os fundamentos, de facto e de direito, necessários à plena compreensão de como foi calculado o valor de aquisição do imóvel alienado e agora objecto de mais-valias.
Assim, verifica-se que o acto foi praticado num contexto procedimental susceptível de permitir ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a ... a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo, improcedendo o Pedido quanto à declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação com base em falta de fundamentação.
15. Decisão
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2011, e respectivas compensações, no montante global de € 124.018, 88 (cento e vinte e quatro mil e dezoito euros e oitenta e oito cêntimos).
b) Condenar a Requerente em custas.
16. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 124.018,88 (cento e vinte e quatro mil e dezoito euros e oitenta e oito cêntimos).
17. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060.00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
· Notifique-se.
Lisboa, 27 de Outubro de 2015.
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
Carla Castelo Trindade
(Vogal)
Maria Manuela Roseiro
(Vogal)
[1] Existem vários passos no processo onde se indica a data de 2005 como de inscrição na matriz, sendo que noutros se indica 1995.
[2] Segundo o artigo 66º do CPPT, “Os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do acto respectivo, perante o autor do acto recorrido” (nº 2) e “devem, salvo no caso de revogação total do acto previsto no número seguinte, subir no prazo de 15 dias, acompanhados do processo a que respeite o acto ou, quando tiverem efeitos meramente devolutivos, com um seu extracto” (nº 3).
[3] “No prazo referido no número anterior pode o autor do acto recorrido revogá-lo total ou parcialmente”.(nº 4 do art. 66º do CPPT).
[4] cf. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 123 a 125.
[5] cf. Acórdão do STA de 20 de Novembro de 2002, in proc. nº 046077. Este Acórdão foi proferido num caso de recurso de acto administrativo, não tributário, no âmbito do CPA, cujo artigo 169.º, n.º 3, previa que o recurso hierárquico seria interposto junto do autor do acto ou junto da autoridade a quem fosse dirigido fixando o prazo para decidir, quando a lei não fixar prazo diferente, de 30 dias, contado a partir da remessa do procedimento ao órgão competente para dele decidir (artigo 175.º, n.º 1 do CPA). Previa também o CPA o prazo de 15 dias, dentro do qual o autor do acto recorrido se deve pronunciar sobre o recurso e remetê-lo à entidade competente para dele conhecer (art. 172º). No caso então em análise, foi recordado que o prazo para a decisão do recurso hierárquico começara a correr 30 dias após o decurso do prazo de 15 dias para a entidade recorrida se pronunciar e remeter o recurso ao Ministro respectivo (cita outros acórdãos do STA, de 17/12/98, 13/1/2 000 e 18/2/2 000, proferidos nos recursos n.ºs 43 277, 44 624 e 41 245, respectivamente) e considera que esse prazo (no CPA) é um prazo autónomo que precede o prazo de 30 dias para a decisão do recurso hierárquico, começando este último a contar a partir do termo daquele ou da remessa do procedimento à autoridade ad quem, no caso desta se verificar antes do decurso desse prazo de 15 dias (cita Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 1.ª edição, Almedina, 1 995, pág. 321, para quem se chega a esta solução pondo a funcionar as regras das alíneas b) e c) do n.º 3 do CPA). E o Acórdão citado conclui que “é este, com efeito, o único entendimento racional que suporta o n.º 1 do artigo 175.º do CPA e que permite não frustrar o objectivo do instituto do indeferimento tácito, que é proteger os administrados contra a inacção da Administração, permitindo-lhes o recurso aos tribunais em certos casos em que esta se verifique” (sublinhado nosso).
[6] Cf Acórdão do STA 13 de Novembro de 2013 (proc. 215/12). Este acórdão, tendo em conta a possibilidade de cada um dos cônjuges se separados poder apresentar uma declaração autónoma, concluiu que o regime fiscal previsto no CIRS exclui a aplicação do regime da lei civil e torna irrelevante a elisão da presunção de comunicabilidade da dívida tributária, resultante da declaração subscrita pelo outro cônjuge (art. 1691° n°s 1 al.d) e 3 CCivil). Cf. ainda Acórdão do TCAS, de 19 de Janeiro de 2011 (proc. 04438/10) e Acórdão do TCAN de 20 de Outubro de 2011 (proc. 00342/05.9 BEPRT).
[7] Cf. por todos o Acórdão do STA de 14 de Maio de 2015, no processo nº 833/13: «Com efeito, sendo certo que deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão – cfr., entre muitos outros, os acs. do STA, de 4/3/2015, proc. 01939/13, de 7/1/2009, proc. nº 800/08 e de 10/5/73, BMJ 228, 259; e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131».