Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 107/2015-T
Tema: IRS, mais-valia imobiliária, presunção
Requerente: A
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I. RELATÓRIO
1. Em 18 de fevereiro de 2015, A, contribuinte n.º …, doravante identificado por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
2. No referido pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:
a) a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, no montante de € 6 589, 24, referente ao ano de 2013;
b) a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014…;
c) a restituição do montante pago e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até sua efetiva entrega ao Requerente.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 20 de fevereiro de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).
4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
5. Em 13 de julho de 2015, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT e ouvida a testemunha B.
6. Na sequência de notificação para o efeito, o Requerente e a Entidade Requerida apresentaram as suas alegações.
7. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que na determinação do valor da mais-valia deve ser considerado como valor de aquisição originário, o valor patrimonial tributário do imóvel, o qual apenas não foi considerado atenta a natureza do alienante, o Estado.
8. Assim não se entendendo, considera o Requerente que deve ser efetuada uma interpretação atualista da norma, permitindo-se a ilisão da presunção, sob pena de violação do princípio da tributação pela capacidade contributiva e violação do princípio da tributação pelo rendimento real.
9. Sustenta, assim, o Requerente que lhe deve ser permitido demonstrar que o efetivo valor de venda do imóvel não corresponde ao valor patrimonial tributário, ou seja, que lhe deve ser permitido ilidir a presunção prevista no número 2, do artigo 44.º do Código do IRS, ao abrigo do artigo 73.º da Lei Geral Tributária que determina que as “presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
10. Em suporte deste seu entendimento, o Requerente invoca ainda o princípio da igualdade uma vez que às pessoas coletivas, que procedam à alienação de imóveis – pese embora o artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC ter uma previsão materialmente igual à do número 2, do artigo 44.º do Código do IRS - sempre lhes foi facultada a possibilidade demonstrarem que o valor real de transmissão do bem imóvel foi inferior ao do valor patrimonial tributário do imóvel.
11. Finalmente, o Requerente invoca a circunstância do artigo 44.º do Código do IRS ter passado a admitir, expressamente, nos seus números 5 e 6 a possibilidade de se ilidir a presunção do legislador e se demonstrar o efetivo e real valor de realização.
12. Na sua Resposta, a Entidade Requerida nega a possibilidade do valor de aquisição originária ser igual ao valor de realização porquanto de acordo com a forma de determinação da taxa de IMT, constante do número 3 do artigo 17.º do Código do IMT, o valor atendível na liquidação não seria o valor de € 103 000,00, mas sim o que se obteria pela divisão do mesmo em duas partes, desconsiderando-se o montante de € 92 407, 00 e, aplicando-se a taxa de IMT unicamente ao valor que excedesse o montante da isenção.
13. A Entidade Requerida recusa também a possibilidade de se proceder a uma interpretação atualista da norma. Para esta Entidade o princípio emblemático da reforma da tributação do património consiste na consagração de um sistema de determinação do valor patrimonial tributário assente em fatores objetivos e que se aplica a todos os impostos, sempre que as normas dos respetivos Códigos apelem ao valor dos prédios.
14. Para se demonstrar que o valor tributário se encontra distorcido relativamente ao valor normal de mercado, o legislador consagrou um mecanismo legal específico – consagrado no artigo 76.º do Código do IMI, que permite a realização de uma nova avaliação de acordo com as regras constantes do número 2, do artigo 46.º ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado.
15. Para a Entidade Requerida em situações como a presente, o número 2, do artigo 44.º do Código do IRS só comporta o sentido de se considerar o valor patrimonial para cálculo da mais-valia, sustentando não existir qualquer violação do princípio da capacidade contributiva nomeadamente porque “para além da forte presunção de fraude fiscal que existe na declaração de um preço de alienação abaixo do valor patrimonial tributável do prédio, a verdade é que o contribuinte não deixa de evidenciar possuir a capacidade contributiva correspondente ao valor patrimonial objetivamente fixado quando efectua a alienação do prédio, efectuando apenas uma renúncia à obtenção do rendimento correspondente”.
16. Mais invoca, que mesmo que se admitisse a possibilidade de se demonstrar o efetivo valor de venda, não bastaria invocar a realização da escritura de compra e venda, pois para afastar a presunção teria que efetuar a prova em contrário, designadamente, provar a existência de condições anormais de mercado que justifiquem a sua opção por realizar a transação por valores inferiores ao valor de venda mínimo.
17. Finalmente, considera não existir violação do princípio da igualdade uma vez que a desigualdade de tratamento fiscal das pessoas singulares e coletivas é inerente à sua diferente natureza.
II. SANEADOR
O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.
III. OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL
Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:
i. a consideração do valor patrimonial tributário do imóvel, como valor de aquisição, no apuramento da mais-valia;
ii. a possibilidade de se demonstrar que o valor de venda foi inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel na determinação do valor de realização;
iii. o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
IV. MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
18. Em janeiro de 2013, o Requerente adquiriu a fração autónoma designada pelas letras “…”, correspondente ao quinto andar, porta …, destinada a habitação, com direito a parque auto na subcave do lote …, com o número … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, designado por lote …, Edifício …, na freguesia de Armação de Pêra, concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o número … da referida freguesia e inscrito na matriz sob o artigo … (cf. Docs. 3 e 4 juntos com a petição);
19. O referido imóvel foi adquirido pelo valor de €52 000,00 num leilão realizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (cf. Doc. 3 junto com a petição);
20. Conforme a respetiva caderneta predial, o valor patrimonial tributário do imóvel foi determinado no ano de 2012, no valor de € 103 040,00 (cf. Doc. 4 junto com a petição);
21. Em 5 de setembro de 2013, o Requerente transmitiu o imóvel em causa para C e D pelo valor de € 71 000,00 conforme respetiva escritura pública de compra e venda (cf. Doc. 6, junto com a petição);
22. O pagamento do montante de € 71 000,00 foi feito em duas prestações:
i) € 14 200,00, a título de sinal e princípio de pagamento, realizado por transferência bancária, em 9 de julho de 2013, de C para a conta bancária no BPI de E, padrasto do Requerente (cf. Doc. 7, junto com a petição);
ii) € 56 800,00, a título de remanescente do pagamento do preço, pago pelo cheque n.º …, depositado na conta bancária n.º … em 9 de setembro de 2013 (cf. Doc. 8 e 9, juntos com a petição);
23. O Requerente apresentou a declaração de rendimentos relativos a 2013, tendo declarado no Anexo G, a título de valor de aquisição, o valor de € 52 000,00, e a título de valor de realização, o valor de € 71 000,00 (cf. fls. 8 do processo administrativo).
24. Em 24 de setembro de 2014, foi emitida a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, no montante de € 6 589, 24, referente ao ano de 2013.
25. A referida liquidação resulta da consideração por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira do valor patrimonial tributário, no montante de € 103 040,00, a título de valor de realização (cf. fls. 7 do processo administrativo).
26. Na sequência da referida notificação, o Requerente deduziu reclamação graciosa solicitando a anulação da liquidação de IRS, do ano de 2013, e sustentando que na determinação da mais-valia deve ser considerado como valor de realização o valor pelo qual o imóvel foi transmitido - € 71 000 – e, não o respetivo valor patrimonial tributário - € 103 040,00.
27. Por Ofício n.º …, de 16 de novembro de 2014 emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa …, o Requerente foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa proferido no procedimento n.º …2014… (cf. Doc. 2, junto com a petição).
28. Em 13 de janeiro de 2015, o Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 6 731,63, em que € 6 507,24 foram pagos a título de imposto, € 55,96 a título de juros de mora e € 82 a título de juros compensatórios (cf. Doc. 10, junto com a petição e Documento Único de Cobrança junto com o Processo Administrativo).
A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental e testemunhal produzida.
Factos não provados
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
V. DO DIREITO
29. A primeira questão suscitada pelo Requerente prende-se com a consideração no apuramento da mais-valia, como valor de aquisição, do valor patrimonial tributário do imóvel, o qual apenas não foi considerado atenta a natureza do alienante, o Estado.
30. No caso vertente, considerando-se como valor de aquisição o valor patrimonial tributário, como invocado pelo Requerente, não existiria qualquer mais-valia.
31. Sucede, porém, que quanto a esta questão, o entendimento do Requerente não pode proceder.
32. De acordo, com os números 1 e 2, do artigo 46.º do Código do IRS, no caso da aquisição a título oneroso de bens imóveis considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT) e, não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
33. Ora, quando – como se verifica no caso vertente – esteja em causa a aquisição de um imóvel ao Estado, o IMT incide sobre o preço constante do ato ou contrato, conforme dispõe, expressamente, a regra 16.º, do número 4, do artigo 12.º do Código do IMT.
34. Não se vislumbra assim fundamento legal para a consideração como valor de aquisição do valor patrimonial tributário, pretendida pelo Requerente.
35. A segunda questão em discussão nos presentes autos prende-se com a determinação do valor de realização a considerar no apuramento da mais-valia realizada na transmissão, em 5 de Setembro de 2013, de um imóvel propriedade do Requerente.
36. Para a Entidade Requerida o número 2, do artigo 44.º do Código do IRS impõe que se considere o valor patrimonial tributário como valor de realização quando aquele valor seja superior ao da respetiva contraprestação, enquanto o Requerente invoca que lhe deve ser permitido demonstrar que o efetivo valor de venda do imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel.
37. À data dos factos, em 2013, resultava do disposto no artigo 44.º do Código do IRS que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, se considerava como valor de realização o valor da respetiva contraprestação.
38. Porém, de acordo com o número 2 da mesma disposição legal, no caso de direitos reais sobre imóveis, prevalecia, quando superior, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis, ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. Ou seja, ao abrigo deste normativo prevalecia o valor patrimonial do prédio transmitido sobre o valor declarado na escritura pública de compra e venda.
39. Com a reforma do IRS, aprovada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, foi introduzida expressamente a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efetivo, dispondo-se no número 5, do artigo 44.º do Código do IRS que ”O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. Determinando-se, por sua vez, no número 6 da mesma disposição legal que “A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações”.
40. Importa, portanto, ponderar se em data anterior à introdução dos atuais números 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS, se admitia o afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efetivo, mesmo não estando expressamente consagrada essa possibilidade.
41. Na construção do conceito de rendimento tributário, o Código do IRS adota a conceção de rendimento-acréscimo. Nesta conceção o rendimento de um período é o somatório de todos os incrementos patrimoniais líquidos verificados no período, quer os que provém da participação na atividade produtiva – e que constituem rendimento-produto – quer os que não são imputáveis à produção. Há, assim, um alargamento “da base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos”(cf. Preâmbulo do Código do IRS).
42. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo um dos princípios gerais da sua tributação o princípio da realização. Do princípio da realização resulta, para além do mais, que só são tributados “os acréscimos patrimoniais realizados – os que se traduzem num aumento líquido dos meios monetários do seu titular (cash basis)” (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 32).
43. A tributação independente deste aumento líquido de meios monetários do seu titular não só não resultaria na tributação de rendimentos efetivos, como poderia levar à liquidação de imposto superior ao efetivo acréscimo de rendimento do ano, na medida em que o valor efetivamente recebido não fosse suficiente para cobrir os respetivos encargos fiscais.
44. Deste modo, e conforme sustentado em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, da globalidade das normas do IRS decorre que ele deve incidir apenas sobre o rendimento efetivo (in. www.dgsi.pt).
45. Neste contexto, o número 2 do artigo 44° do Código do IRS na medida em que determina o valor submetido a imposto deve ser interpretado como uma mera presunção sobre o valor de realização que admite a prova do efetivo valor de transmissão.
46. No sentido propugnado de que o número 2 do artigo 44° do Código do IRS deve ser interpretado como uma mera presunção, suscetível de prova em contrário, pronunciou-se já quer a doutrina, quer a jurisprudência.
47. Em Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 6052/12, de 9 de Abril de 2013, este Tribunal conclui que “O valor de realização para efeitos de tributação das mais-valias em sede de IRS, quando o preço de venda declarado de prédio urbano seja inferior ao valor patrimonial tributário, este encontrado pelas regras do CIMI, é este valor o considerado como valor de realização” (…) Neste caso, se tal valor de realização foi inferior ao assim declarado, é sobre o sujeito passivo que impende o ónus dessa alegação e prova, no sentido de ilidir a presunção resultante dessa declaração” (in www.dgsi.pt).
48. Ou seja, admite-se que nas situações em que o preço de venda declarado de prédio urbano seja inferior ao valor patrimonial tributário, o sujeito passivo possa ilidir a presunção em apreciação.
49. A propósito da disposição em análise também Xavier de Basto afirma expressamente que “(…)deve ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efetivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT”, pois, caso contrário “acabaríamos por tributar não o rendimento real operado pela transmissão, mas um rendimento normal (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pág. 446).
50. Acrescentando que posto que a norma “se inclui na sistemática do CIRS, no capítulo da determinação da matéria tributável e não no capítulo da incidência, é materialmente uma norma de incidência, porque determina afinal, em última análise, o valor que há-se ser submetido a imposto. Diríamos pois que neste n.º 4 o que se estabeleceu foi uma presunção sobre o valor de realização, que pode ser afastada por prova em contrário” (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pág. 447).
51. Sendo o número 2 do artigo 44° do Código do IRS uma norma de incidência, não podia em qualquer caso deixar de lhe ser aplicável a regra geral de acordo com a qual as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário (cf. número 1, do artigo 73.º da Lei Geral Tributária).
52. Nem podia ser de outro modo, uma vez que as presunções a que o legislador fiscal recorre, nomeadamente para prevenir a fraude e evasão fiscal, têm de se compatibilizar com o princípio da capacidade contributiva “ o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta. Ou por outras palavras, como refere a Corte Constitucional Italiana em diversas sentenças, as presunções devem apoiar-se em elementos concretamente positivos que as justifiquem racionalmente e admitir prova em contrário, de modo a que o imposto se ligue a um pressuposto económico certo, provado e não apenas provável. Do princípio da capacidade contributiva resulta neste domínio um direito do contribuinte a provar a (in)efectividade do facto tributário, sendo pois inconstitucionais as leis que excluam toda e qualquer prova a tal respeito. (NABAIS, José Casalta, Contratos Fiscais – Reflexões acerca da sua admissibilidade, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 5, Coimbra, 1994, pág. 279).
53. Mas mais, como refere o Requerente, esta interpretação segundo a qual o número 2 do artigo 44° do Código do IRS consagra uma presunção, suscetível de prova em contrário é também imposta pela existência de regimes paralelos em sede de IRS e de IRC.
54. Tanto o artigo 31.º- A do Código do IRS, como o artigo 58.º- A do Código do IRC admitem no caso de alienação de bens imóveis a possibilidade de se demonstrar que o valor de alienação foi inferior ao respetivo valor patrimonial tributário.
55. Aliás, a introdução dos atuais números 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS resultam do reconhecimento que a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efetivo devia estar também expressamente consagrada com referência ao número 2 da mesma disposição legal.
56. No Ponto 5.1.11.11 do Projeto de Reforma do IRS (Setembro de 2014) esclarece-se que “Ao nível das mais-valias imobiliárias – e, diferentemente do que sucede em sede de IRC e, também, de IRS, neste caso quando tais mais-valias são tributadas no âmbito da categoria B – a tributação e, sede da categoria G não prevê a possibilidade de afastamento da regra que determina que o valor de realização corresponde ao valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT sempre que este seja superior ao declarado. Não se vislumbrando motivos que impeçam a ilisão da referida presunção no âmbito da categoria G e podendo esse impedimento ter consequências gravosas e injustificadas para os contribuintes, propõe-se a consagração expressa de que, também neste caso, existe tal possibilidade”.
57. Quanto a este problema já Xavier de Bastos alertava que não é de aceitar um regime diferenciado para as mais-valias prediais por comparação ao rendimentos empresariais e profissionais pois “Haveria então, para rendimentos iguais tratamentos diferenciados, sem qualquer justificação válida, a dano do princípio de igualdade. Tem, pois, a nosso ver de considerar-se que o n.º 4, do artigo 44.º contém uma presunção, que pode ser afastada, provando que o valor da realização foi afinal inferior ao “valor tributário” para efeitos de um imposto patrimonial como é o IMT”. (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pág. 448).
58. Em suma, importa concluir que assiste no caso vertente ao Requerente a possibilidade de demonstrar que o valor pelo qual transmitiu o imóvel em análise é efetivamente inferior ao respetivo valor patrimonial tributário.
59. Entende, porém, a Entidade Requerida que a aceitar-se a demonstração em contrário, a prova a efetuar envolve necessariamente a demonstração de circunstâncias anormais ou extraordinárias que levaram à concretização da transação do imóvel por montante inferior ao seu valor patrimonial objetivamente fixado.
60. Não se acompanha este entendimento. Para apuramento do valor da realização deverá atender-se ao valor efetivo da contraprestação, em conformidade com o disposto na alínea f), do número 1, do artigo 44.º do Código, pois só o apuramento deste valor permite determinar o efetivo acréscimo patrimonial.
61. Sustenta, ainda, a Entidade Requerida que os documentos juntos aos autos não são prova bastante de que o valor da transação foi inferior ao respetivo valor patrimonial, indiciando que seria necessário ter sido respeitado o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC.
62. Recorde-se, que à data dos factos em apreciação não se previa ainda a aplicação do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, às situações em que fosse aplicado o número 2, do artigo 44.º do Código do IRS, pelo que não era exigível, nem legalmente possível à Requerente desencadear o referido procedimento no caso em apreço.
63. O artigo 64.º do Código do Procedimento e Processo Tributário prevê um procedimento contraditório próprio a que os interessados podem recorrer quando pretendam ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária.
64. O referido procedimento é um meio alternativo para ilisão de tais presunções, podendo o interessado ilidi-las em reclamação graciosa, impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral (cf. CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamin Silva, e SOUSA, Jorge Lopes de - Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Lisboa, 2012, pág. 653 e Decisão Arbitral CAAD 26/2013-T, de 19 de Julho de 2013).
65. No presente caso, o presente pedido de decisão arbitral é assim o meio próprio para ilidir a presunção de incidência ínsita no número 2, do artigo 44.º do Código do IRS.
66. Para prova do efetivo preço de venda o Requerente juntou cópia da escritura de compra e venda da qual resulta que o imóvel foi transmitido pelo valor de € 71 000,00 cópia de extrato bancário do qual resulta ter sido pago o valor de € 14 200,00, por transferência de C, cópia de cheque no valor de € 56 800,00 e cópia de extrato bancário do qual resulta o depósito desse mesma quantia.
67. Da prova testemunhal produzida resultou ainda que o imóvel foi posto à venda por € 75 000,00 mas que o valor final, após negociações, foi fixado em cerca de € 71 000, 00 e foi confirmado ter sido paga uma entrada inicial por transferência bancária e o remanescente por cheque.
68. O depoimento da testemunha coincide com os documentos juntos aos autos, quer quanto aos meios de pagamento utilizados, quer quanto ao valor pelo qual o imóvel foi efetivamente transmitido, resultando, assim, demonstrado que o imóvel em apreciação foi efetivamente transmitido pelo valor de € 71 000,00.
69. Em face do exposto julga-se procedente o pedido de anulação do ato de liquidação cuja legalidade se contesta.
70. A terceira questão prende-se com o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios peticionados pelo Requerente.
71. O Requerente peticiona a condenação da Entidade Requerida no reembolso do imposto pago e no reconhecimento do direito a juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até à sua integral devolução, previstos no artigo 43º, da Lei Geral Tributária.
72. São devidos juros indemnizatórios quando se verifique a existência de erro imputável aos Serviços.
73. O “erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação ou a impugnação dessa mesma liquidação” (CAMPOS Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamin Silva e SOUSA, Jorge Lopes de - Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3ª Edição, 2003, pág. 199).
74. À semelhança da reclamação e da impugnação, na sequência da apresentação de pedido de pronúncia arbitral é conhecida a legalidade da liquidação, tendo vindo a ser reconhecido que o direito a juros indemnizatório pode ser conhecido pelos tribunais arbitrais.
75. Assim, tendo sido determinada a anulação da liquidação contestada e comprovado o pagamento do montante anulado em 13 de Janeiro de 2013 reconhece-se o direito do Requente a juros indemnizatórios, sobre o montante pago, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, nº1 da Lei Geral Tributária e 61º, n.º 5 do Código do Procedimento e Processo Tributário.
VI. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a:
i) anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, no montante de € 6 589, 24, referente ao ano de 2013;
ii) anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014…;
iii) restituição do montante de € 6 731,62 e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até sua efetiva entrega ao Requerente.
Fixa-se o valor do processo em € 6 559, 24 (seis mil e quinhentos e cinquenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 306,00 € (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 23 de outubro de 2015
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].
A Árbitra
(Ana Moutinho Nascimento)