Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 114/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  IUC  
Valor do pedido: € 7.432,35
Tema: IUC – Liquidação do imposto único de circulação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. - RELATÓRIO

 

A - PARTES

 

A…, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede no …, Avenida …, Lote …, 2.º andar - Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B - PEDIDO

 

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23 de Fevereiro de 2015 e, na mesma data, notificado à AT.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 15-04-2015, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 15-04-2015, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 05-05-2015.

5 - No dia 21 de Setembro de 2015, o Tribunal Arbitral considerou dispensada a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, tendo em conta, quer os despachos a este propósito exarados no SGP, quer a circunstância do litígio respeitar, fundamentalmente, a matéria de direito, quer a vontade das partes em dispensar a dita reunião.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

a) - Declare a ilegalidade e consequente anulação, quer dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), quer dos actos de liquidação dos juros compensatórios (JC) que lhe estão associados, consubstanciados nas liquidações de que foi notificada, que estão referenciadas no processo, referentes aos anos de 2013 e 2014 e respeitantes aos veículos identificados nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

b) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do montante de € 7. 423,35, que indica como valor do pedido.

c) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento dos montantes indevidamente liquidados e pagos.

 

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que é uma instituição financeira de crédito que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.

9 - Que foi destinatária de diversas notas de liquidação de IUC, tal como identificadas no processo, referentes ao ano 2013 e 2014, respeitantes aos veículos identificados nos autos, das quais reclamou graciosamente sob o n.º…, reclamação que foi indeferida.

10 - Que procedeu ao pagamento de todas as importâncias referentes às liquidações de IUC identificadas no presente processo.

11 - Que não é sujeito passivo do IUC relativo aos veículos, identificados no processo, sobre os quais incidiram as liquidações de que foi notificada.

12 - Que em todos os casos referenciados no presente processo, o imposto liquidado respeita a veículos vendidos, em momento anterior à data da exigibilidade do IUC, ou a veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente na data a que esse imposto se refere.

13 - Que a venda dos veículos em momento anterior à data da exigibilidade do imposto consubstancia um motivo de exclusão de incidência subjectiva.

14 - Que o imposto é exigível no primeiro dia do período de tributação do veículo, o qual tem lugar na data em que a matrícula é atribuída.

15 - Que na data da exigibilidade do imposto já não era proprietária dos veículos identificados nos autos, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada um desses veículos.

16 - Que a propriedade dos veículos não foi inscrita a favor dos novos proprietários, no entanto, mesmo que não se tenha dado publicidade às transmissões da propriedade dos veículos em questão, tal não impede que o IUC incida sobre os reais proprietários desses veículos, uma vez demonstrada a respectiva transmissão.

17 - Que a expressão “considerando-se” inscrita no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal ilidível, sendo que qualquer interpretação em contrário chocaria frontalmente com o principio da equivalência, por possibilitar que o novo proprietário e consequente causador dos custos ambientais e viários ficasse dispensado do pagamento do IUC, continuando a ser onerado com esse imposto o proprietário que vendeu o veículo.

18 - Que, face ao estabelecido no artigo 3.º, n.º 2 do CIUC, caso o veículo tenha sido objecto de leasing, o sujeito passivo do IUC é o locatário financeiro, não podendo o proprietário desse veículo ser responsável subsidiário pelo pagamento do referido imposto, hipótese que violaria o princípio da equivalência.

19 - Que os veículos em causa foram, nuns casos, vendidos previamente à verificação do facto gerador e consequente exigibilidade do imposto, sendo que, noutros casos, eram objecto de contrato de leasing vigente à data a que se refere o IUC, pelo que, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 3.º do CIUC, não era sujeito passivo do imposto em causa.

20 - Que relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… não dispõe de factura demonstrativa da sua alienação, decorrendo, no entanto, do respectivo contrato de leasing que, na data de vencimento do imposto, já não era proprietária do referido veículo.

 

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

21 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou, em 16-06-2015, a sua Resposta.

22 - Na referida Resposta, a AT entende, relativamente aos veículos objecto de locação financeira, quais sejam os identificados com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-…que, para efeitos do art.º 3.º do CIUC, é forçoso que os locadores financeiros, como é o caso da Requerente, cumpram a obrigação estabelecida no art.º 19.º do referido Código, para que possam exonerar-se da obrigação de pagamento do imposto, pelo que, não tendo sido cumprida tal obrigação, forçoso é concluir que a Requerente é sujeito passivo do imposto.

23 - Salienta que para os veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…e …-…-…não foram apresentados quaisquer documentos, nomeadamente facturas relativas às suas alegadas vendas, pelo que as 33 situações (liquidações) a que a Requerente alude no seu pedido são reconduzidas a 27, referindo também que, para o veículo com a matrícula …-…-…, foram apresentadas facturas referentes à alienação do referido veículo à mesma pessoa, por dois diferentes valores. (Cfr. art.ºs 26.º, 125º e 126.º da Resposta)

24 - Na sua Resposta, a AT entende que as alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso, notoriamente errada, na medida em que,

25 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIUC. (Cfr. art.º 27.º e 28.º da Resposta)

26 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (Cfr. art.º 50.º da Resposta)

27 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 51.º da Resposta)

28 - Considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem no registo.(Cfr. art.º 62.º da Resposta)

29 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº …/13.OBEPNF. (Cfr. art.ºs 63.º e 64.º da Resposta)

30 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (Cfr. art.º 66.º da Resposta)

31 - Sobre a “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente, no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.ºs 89.º e 90.º da Resposta)

32 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 96.º da Resposta)

33 - Neste sentido, refere ser este o entendimento inscrito, nomeadamente, na recomendação n.º 6-B/2012 de 22-06-2012, do Senhor Provedor de Justiça dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

34 - A interpretação veiculada pela Requerente mostra-se, também, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, designadamente porque, entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário, que tem dignidade constitucional, violação que se traduziria num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente, quer a Requerida fazem parte. (Cfr. art.º 144.º da Resposta)

35 - Acrescenta que as facturas juntas aos autos, não constituem prova suficiente para “abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no art.º 3.º do CIUC”, na medida em que lhes falta carácter sinalagmático, falta essa que “[…] poderia ser suprida mediante a prova do recebimento do preço  […]” que nelas consta, por parte da Requerente. (Cfr. art.ºs 106.º e 118.º da Resposta)

36 - Relativamente às facturas apresentadas pela Requerente, considera que as mesmas apresentam, no seu descritivo, menções diferentes, dado que nuns casos, se refere valor residual e noutros casos, rescisão ou perda total.

37 - Refere, ainda, não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, referindo, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito a juros compensatórios.

38 - A propósito dos juros indemnizatórios, acrescenta não se compreender a pretensão da Requerente quando, excepção feita ao veículo com a matrícula …-…-…, não prova o pagamento do imposto de que derivariam os aludidos juros.

39 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação exposta, os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos, não tendo os serviços cometido qualquer erro, tanto mais que a “[…] Requerente nunca apresentou qualquer reclamação graciosa ou exposição, que permitisse à Requerida pronunciar-se acerca das liquidações ora impugnadas e respectivos documentos.”

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

 

40 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

41 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as questões a decidir são, particularmente, as de saber:

a) Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.

c) Se, na data da exigibilidade do imposto, vigorar um contrato de locação financeira que tem por objecto um automóvel, o sujeito passivo do IUC, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2 do CIUC, é o locatário ou a entidade locadora, proprietária do veículo, em nome da qual o direito de propriedade se encontra registado.

d) Se, no caso de se concluir pelo estabelecimento duma presunção no n.º 1 do art.º 3 do CIUC, os documentos apresentados (facturas e contratos de locação financeira) como prova do direito invocado, são meios idóneos para ilidir a mencionada presunção.

 

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

42 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

43 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

44 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

45 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi junta aos autos pela AT, e a prova documental integrante do processo, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

46 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

47 - A Requerente é uma instituição financeira de crédito que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.

48 - A Requerente foi destinatária de diversas notas de liquidação de IUC, tal como identificadas no processo, referentes ao ano 2013 e 2014, respeitantes aos veículos identificados nos autos, das quais reclamou graciosamente sob o n.º … 2015 …, reclamação que foi indeferida.

49 - A Requerente procedeu ao pagamento de todas as importâncias referentes às liquidações de IUC identificadas no presente processo.

50 - A Requerente não é sujeito passivo do IUC, relativamente a quatro dos veículos, identificados no processo, relativamente aos quais existiam contratos de leasing.

51 - Relativamente aos quatro veículos referidos no ponto anterior, cujo contrato de leasing estava vigente na data a que se refere o imposto, as respectivas liquidações perfazem um montante total de imposto, que se situa em € 673,69.

52 - No que respeita aos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-… não foram apresentadas facturas, sendo que para o veículo com a matrícula …-…-… foram apresentadas duas facturas, relativas à sua alienação, em diversas datas, para a mesma pessoa, por dois diferentes valores, e para os restantes dezasseis veículos foram juntas facturas relativas às suas alegadas vendas.

53 - As facturas apresentadas pela Requerente apresentam, no seu descritivo, menções diferentes, dado que nuns casos, se refere valor residual e noutros casos, rescisão ou perda total.

 

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

54 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados, relativamente a cada um deles, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

55 - Em matéria de facto, com relevância para a decisão, o presente tribunal considera como não provada a venda, antes da exigibilidade do imposto, dos vinte e um veículos referenciados no n.º 52.

 

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

56 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 41.

57 - A questão essencial e decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

58 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, a expressão “considerando-se” inscrita no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

59 - A Requerida, por seu lado, considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem no registo.

 

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

60 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se pode indicar a Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 69/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, quando nele expressamente se refe que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.

Trata-se de um entendimento que, de todo, se acompanha e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros argumentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão.

 

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

 

61 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

62 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

63 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

64 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

65 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

66 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

67 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

68 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

69 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

70 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, verem-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

71 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

72 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que os vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova das referidas vendas, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

 

L - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

 

73 - Importa, antes de mais, notar que o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, com a última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Janeiro, dispõe no seu art.º 9.º que são, nomeadamente, obrigações do locador as de conceder o gozo do bem para os fins a que se destina e o de vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato, conforme, respectivamente, as alíneas b) e c) do seu n.º 1.

74 - Por outro lado, face ao estabelecido no art.º 10 º do referido diploma legal, nomeadamente nas alíneas a) dos seus n.ºs 1 e 2, ficamos a saber que são obrigações do locatário pagar as rendas e usar e fruir o bem locado, o que significa que, na vigência de um contrato de locação financeira que tenha por objecto um veículo, só o locatário tem o seu gozo exclusivo.

75 - As obrigações do locatário, à luz das referidas normas, apontam, claramente, no sentido de que é esse sujeito contratual que tem o exclusivo gozo do veículo objecto do contrato de locação financeira, sendo ele que o usa como se fora o verdadeiro proprietário desse bem.

76 - O locador é o proprietário formal do veículo, não tendo, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. O locatário, sendo equiparado a proprietário no sentido de ser sujeito passivo do imposto (art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC), tem o pleno uso e fruição do veículo, conforme legalmente estabelecido, pelo que é o seu verdadeiro utilizador e efectivo gerador dos danos ambientais, devendo, assim, responder pelo correspondente imposto, sendo este o entendimento que se deve colher do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, o que, a nosso ver, faz todo o sentido. Trata-se de concretizar e dar sentido útil ao princípio da equivalência, que informa e enforma o actual CIEC, princípio que concretiza a ideia, subjacente ao princípio do poluidor - pagador, de que quem polui deve, por isso, pagar.

77 - Assim, a interpretação do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC só permitirá perspectivar o locatário como o responsável pelo pagamento do IUC, importando, a este propósito, notar o disposto no art.º 19.º do CIUC, quando, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3.º do referido Código, ou seja, para efeitos da incidência subjectiva, vem impor às entidades que procedem à locação financeira a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, o que revela, nomeadamente, que, para efeitos da referida incidência subjectiva, se pretendeu conhecer quem são, afinal, os reais utilizadores dos veículos locados, para que sejam eles, e não outros, a suportar o imposto único de circulação.

78 - Face ao que vem de referir-se, é nosso entendimento que, se vigorar um contrato de locação financeira na data da exigibilidade do imposto, que tenha como objecto um veículo automóvel, o sujeito passivo desse imposto é, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 3º do CIUC, o locatário, e não o locador.

79 - Aqui chegados, importa sublinhar o seguinte: para os veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…e …-…-…foram apresentados contratos de locação financeira; para os veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…e …-…-…não foram apresentadas facturas; para o veículo com a matrícula …-…-…foi concretizada uma dupla venda à mesma pessoa, por dois diferentes valores, o que gera uma dúvida insanável relativamente à verdade do negócio, e para os demais veículos, em número de dezasseis, foram apresentadas facturas referentes às suas alegadas vendas.

80 - Quanto aos quatro veículos referenciados no n.º anterior, ou seja, os veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…e …-…-…, cabe sublinhar que a data da exigibilidade do correspondente imposto ocorreu na vigência dos respectivos contratos de locação financeira, dado que, quanto ao veículo com a matrícula …-…-…a vigência do contrato iniciou-se em 01-08-2010 e teve o seu termo em 01-08-2014, reportando-se a exigibilidade do IUC a Julho de 2013 e de 2014; quanto ao veículo …-…-…a vigência do contrato iniciou-se em 01-09-2010 e teve o seu termo em 01-09-2015, reportando-se a exigibilidade do IUC a Julho de 2013 e de 2014; quanto ao veículo com a matrícula …-…-… a vigência do contrato iniciou-se em 24-01-2009 e teve o seu termo em 24-01-2014, reportando-se a exigibilidade do IUC a Julho de 2013 e quanto ao veículo com a matrícula …-…-…a vigência do contrato iniciou-se em 24-07-2009 e teve o seu termo em 24-08-2015, reportando-se a exigibilidade do IUC a Julho de 2013.

81 - Neste quadro, importa notar, por um lado, que os contratos relativos aos quatro referenciados veículos estavam vigentes às datas da exigibilidade do IUC, não sendo o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, dado que, face ao que já se referiu, a mesma não era, então, sujeito passivo do imposto e, por outro, que o correspondente imposto liquidado e pago, quer a título de IUC quer de JC, totaliza a quantia de € 673,73.

 

M - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

 

SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

 

82 - Relativamente aos contratos de locação financeira vigentes à data da exigibilidade do imposto, em número de quatro, deve entender-se que tais contratos são meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade dos locatários, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, ou seja, para efeitos da sua vinculação ao pagamento do imposto em causa. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.

 

 

SOBRE AS FACTURAS

 

83 - Tendo sempre em conta a natureza verbal de que se podem revestir os contratos de compra e venda de veículos automóveis, a prova da venda desse bem poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via de facturas - recibo, relativas às vendas dos veículos.

84 - A propósito das referidas facturas-recibo, importa considerar o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, quando refere que “[…] A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada (surgindo) na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador [   ] não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação) [   ]”.

85 - A Requerente, excepção feita aos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-… e …-…-…, relativamente aos quais foram apresentadas cópias dos contratos de locação financeira e aos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…e …-…-… para os quais não foram apresentadas facturas, bem como para o veículo com a matrícula …-…-…, em que se verifica uma dupla venda à mesma pessoa, por dois diferentes valores, apresentou para todos os demais veículos, em número de dezasseis, facturas referentes às suas alegadas vendas.

86 - Tendo em conta, particularmente, o que se refere no anterior n.º 84, o tribunal, considerando, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do art.º 99.º da LGT e visando conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, providenciou que tais facturas, apresentadas como provas das vendas em causa, fossem complementadas com outras informações, tendo, designadamente, em vista a comprovação do efectivo recebimento dos valores referentes às vendas dos dezasseis veículos em questão.

87 - A Requerente, todavia, não logrou, dentro do prazo concedido para o efeito, complementar o conteúdo das ditas facturas com outras provas, designadamente com os correlativos extractos contabilísticos, capazes de revelar que os valores das vendas dos ditos veículos foram, por si, efectivamente, recebidos, não podendo o Tribunal considerar que, mediante a junção, sem mais, das facturas relativas à alegada venda dos veículos em questão, ficou demonstrada a real transferência da sua propriedade.

88 - Nestas circunstâncias, relativamente às liquidações referentes aos veículos objecto dos contratos de locação financeira e tendo em conta, por um lado, o disposto no art.º 3.º, n.º 2 do CIUC e, por outro, a vigência dos referidos contratos, referentes aos quatro veículos supra identificados, à data da exigibilidade do imposto, ou seja, ao momento em que a Administração Tributária pode exigir a prestação tributária, não se pode deixar de considerar que, aquando da exigibilidade do correspondente imposto, a Requerente não era o seu sujeito passivo, mas sim os respectivos locatários.

89 - A AT, quando entende que, no caso, a Requerente é o sujeito passivo do IUC, sem considerar devidamente o disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, nem ter em conta a vigência do contrato de locação financeira, à data da exigibilidade do IUC, está a proceder à liquidação ilegal desse imposto, assente na errada interpretação e aplicação da referida norma de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que conduz à anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

90 - Em suma, dir-se-á, em consonância com o que atrás se deixa exposto, que as liquidações relativas aos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-…; …-…-…e …-…-…, para os quais foram apresentadas cópias dos contratos de locação financeira, não se mostram legalmente efectuadas, sendo que, no respeitante aos demais veículos, em número de vinte e um, tal como referenciados no n.º 52, não se tendo feito prova capaz quanto à real transferência da sua propriedade, antes da data da exigibilidade do IUC, as correspondentes liquidações foram legalmente efectuadas, devendo, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

Note-se que o montante de IUC e de JC liquidados, com referência aos quatro mencionados veículos, perfaz o total de € 673,69.

 

 

 

N - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

91 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

92 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)

93 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, e do pagamento da quantia de € 7.432,35, como consta do documento/mapa assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6, integrante do PA -1.ª parte, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, montantes esses que, no caso dos autos, tendo em atenção, por um lado, o pagamento da referida quantia e, por outro, a legalidade das liquidações que perfazem o montante de € 6.758,66, se reconduzem ao total € 673,69, tal como se refere no n.º 90.

94 - Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 673,69.

 

CONCLUSÃO

95 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, nº.2, do CIUC não é aplicável ao caso dos autos, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

96 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, não atendeu à vigência dos contratos de locação financeira, relativamente aos quatro veículos que atrás se deixam referenciados, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto, o vício de violação de lei.

 

III - DECISÃO

97 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar parcialmente procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que se refere à anulação dos actos de liquidação de IUC, respeitantes aos quatro veículos referenciados, referentes aos anos de 2013 e 2014;

- Anular, consequentemente, os actos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2013 e de 2014, respeitantes a tais veículos, tal como atrás se deixam mencionados;

- Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento da quantia de € 673,69, referente às liquidações associadas a esses veículos, até ao seu integral reembolso.

- Condenar a Requerente e a Requerida em custas, que se fixam, para cada uma, na proporção de 91% para a Requerente e de 9% para a Requerida.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 7.432,35.

 

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de Outubro de 2015

 

O Árbitro

António Correia Valente