DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Catarina Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 18 de Fevereiro de 2015, A…, Fundo de Pensões constituído de acordo com o direito holandês, com sede em …, …, Holanda, contribuinte fiscal português …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de retenção na fonte de IRC, sobre dividendos recebidos em Portugal, respeitantes ao ano de 2011, no valor de €96.032,98.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o disposto no número 7 do artigo 16.º do EBF não é aplicável à situação sub judice, uma vez que a referida norma apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012 (data da entrada em vigor da lei de aprovou o orçamento do Estado para 2012) e os factos ora sindicados respeitam ao ano de 2011, pelo que Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC, os dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em Portugal aos Fundos de Pensões estabelecidos num Estado Membro da União Europeia (in casu a Holanda), ao mesmo tempo que isentava de tributação a distribuição de dividendos a Fundos de Pensões estabelecidos e domiciliados em Portugal, violaria frontalmente o disposto no artigo 8.º da CRP e nos artigos 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
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No dia 20-02-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 12-04-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 28-04-2015.
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No dia 03-06-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Atendendo aos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Após junção de documentação e disponibilização do contraditório, foi facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, o que fizeram, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A ora Requerente é, e era já em 2009, um fundo de pensões constituído de acordo com o direito holandês e nos termos da Diretiva n.º 2003/41/CE, com residência na Holanda.
2- Naquela data, o fundo gerido pela Requerente garantia exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte.
3- No ano de 2011, a Requerente detinha o seguinte portfólio de acções representativas do capital social das seguintes sociedades residentes em Portugal:
4- A Requerente efetuou, em Portugal, pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação ("ADT") celebrado entre Portugal e a Holanda (correspondente a 10%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI
5- Em virtude dos pedidos de reembolso efectuados junto da Administração Tributária Portuguesa, a Requerente apenas pretende a restituição do montante das retenções suportadas pela Requerente em Portugal no ano de 2011, correspondente à diferença entre o valor total retido na fonte e o valor objeto dos pedidos de reembolso efetuados ao abrigo do ADT (i.e. 10%).
6- No ano de 2011 a Requerente recebeu dividendos provindos de entidades residentes em Portugal e sobre os quais foram efectuadas as seguintes retenções na fonte:
7- Essas retenções foram efectuadas ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), artigo 3.º, n.º 1, alínea d), artigo 4.º, n.º 2 e 3, alínea c), subalínea 3), todos do CIRC, e decorrendo nos termos dos artigos 94.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea b) do CIRC, tendo sido aplicada a taxa de 21,5% para o ano de 2011.
8- A 26 de dezembro de 2012, a Requerente veio apresentar reclamação graciosa, com base no artigo 132.º do CPPT, sendo aí pedida a restituição da quantia de €110.392,93, acrescida de juros indemnizatórios.
9- No dia 13 de novembro de 2014, foi notificado à Requerente um projecto de decisão da reclamação graciosa, pela Divisão de Justiça Administrativa da DF Lisboa, no sentido de indeferir o pedido da Requerente por considerar que esta não provou a verificação dos requisitos de que depende a concessão da isenção.
10- A 28 de novembro de 2014, a Requerente exerceu o seu direito de audição, juntando documentação:
11- Por despacho de 19-12-2014, da Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, notificado por correio registado enviado a 23-12-2014, foi indeferida a reclamação graciosa, tendo-se entendido que:
“6- No entanto, a desconformidade entre os atos reclamados e o artigo 63.º do TFUE deve ser reconhecida "nos mesmos termos e limites" (fls. 66-v), ou seja, está dependente de prova da verificação dos requisitos necessários à obtenção do benefício do n.º 1 do artigo 16.º do EBF, em condições de igualdade com os Fundos de Pensões e equiparáveis constituídos e que operam em território nacional.
Conclui-se que a procedência do pedido está dependente da verificação cumulativa dos requisitos elencados no n.º 7 do artigo 16.º do EBF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos ... recai sobre quem os invoque", ou seja, impende sobre o reclamante provar o preenchimento de todos os requisitos legais para beneficiar da isenção do artigo 16.º do EBF.
No caso em apreço, o reclamante não comprova que, ao abrigo do n.º 7 do artigo 16.º do EBF, a sua residência num Estado-membro da União Europeia, a natureza do fundo (al. a), que são geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais ao abrigo da Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03 de junho (al. b) e que as partes sociais que originaram os rendimentos foram detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano (al. d).
Conclui-se, portanto, que, não se comprovando os requisitos de verificação cumulativa elencados no n.º 7 do artigo 16.º do EBF, a pretensão do reclamante de beneficiar da isenção do artigo 16.º do EBF é de indeferir.”
A.2. Factos dados como não provados
1- Que as participações sociais referidas no ponto 3 dos factos dados como provados estivessem, no momento em que geraram os respectivos rendimentos, na detenção da Requerente há mais de um ano.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial, o facto dado como provado no artigo 2.º, para além de ser suportado por uma declaração da entidade representante legal da Requerente, que enumera discriminadamente os tipos de cobertura assegurados por aquela, decorre dos estatutos da mesma, vigentes no ano de 2011, juntos aos autos, bem como da circunstância de a ela ser aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, o que implica, em razão do disposto no artigo 7.º desta, o cumprimento de tal limitação.
Não obstam ao juízo efectuado, as considerações aportadas pela AT, segundo a qual os estatutos apresentados seriam de data posterior (2014)[1], que os objectivos e princípios do fundo de pensões podem ser revistos periodicamente[2], e que devia ter sido emitida por entidade de direito público holandês com competências de supervisão. Com efeito, e no que diz respeito às duas primeiras objecções, a Requerente juntou aos autos cópia dos seus estatutos vigentes no ano de 2011, e no que diz respeito à última, carece, por completo, de suporte legal, uma vez que naquela data ainda não estava em vigor o n.º 8 do EBF, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12)[3], pelo que vigora nesta matéria o princípio de livre apreciação da prova pelo julgador.
O facto dado como não provado, deve-se à ausência de prova cabal a seu respeito, tendo em conta o grau de dificuldade de tal prova, para a parte com ela onerada.
Assim, e relativamente a esta matéria, a Requerente apenas disponibilizou um documento que, segundo a mesma, foi emitido pela entidade responsável pela custódia dos títulos.
Compulsado o referido documento, verifica-se que o mesmo é emitido por uma entidade gestora (H… NV), que declara que os rendimentos constantes da tabela anexa, foram decorrentes de participações detidas há mais de um ano.
Contudo, vista tal tabela, consta-se que na mesma não é indicada qualquer data relativa à aquisição de qualquer uma das participações, em concreto.
Ora, atenta a matéria em causa, e tendo em conta que o adquirente (ou quem, em seu nome actuou como tal), é quem se encontra na posição própria para demonstrar, cabalmente, os termos (maxime, e no caso, a data) da aquisição, será de considerar insuficiente uma declaração genérica, produzida sem contraditório, para, com a segurança necessária, ter por certo que tal corresponde ao que, na realidade ocorreu.
Não tendo sido, consequentemente, produzida prova que, para lá duma dúvida razoável, sustente o facto em questão, foi o mesmo dado por não provado.
B. DO DIREITO
Em causa no presente processo arbitral está aferir da legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC, sobre dividendos recebidos pela Requerente em Portugal, respeitantes ao ano de 2011, no valor de €96.032,98, acima identificados (objecto mediato), e de decisão da reclamação graciosa oportunamente apresentada pela Requerente (objecto imediato).
Conforme resulta claro deste último acto, a AT entendeu ser de indeferir a pretensão da Requerente, porquanto considerou “que a procedência do pedido está dependente da verificação cumulativa dos requisitos elencados no n.º 7 do artigo 16.º do EBF”.
Ou seja, afigura-se inquestionável que a decisão da reclamação graciosa tem como fundamento de direito, o disposto no artigo 16.º, n.º 7 do EBF.
Conforme tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”[4], pelo que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do acto em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele.
Ora, como pertinentemente assinala a Requerente, e a própria Requerida o reconhece[5], o disposto no número 7 do artigo 16.º do EBF não é aplicável à situação sub judice, uma vez que a referida norma apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012 (data da entrada em vigor da lei de aprovou o orçamento do Estado para 2012).
Ao proceder à aplicação retroactiva da norma em questão, incorreu a AT, no acto de decisão da reclamação graciosa, em violação do artigo 12.º/1 da LGT, e em erro nos pressupostos de direito, que é quanto baste para que seja determinada a sua anulação.
Não obstará à conclusão referida, o argumento, trazido ex novo pela AT em sede arbitral, de que “o então nº 11 do artigo 88º do CIRC, nos termos do qual os residentes não beneficiavam da isenção prevista no artigo 16º do EBF quando «as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na sua titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».”[6], por duas ordens de razões.
A primeira é a de que a norma do artigo 88.º/11 do CIRC aplicável, não integra os fundamentos da decisão da reclamação graciosa, pelo que tal acto sempre haveria de ser anulado.
A segunda é a de que a referida norma não dizia aquilo que ora afirma a AT, conforme se verá mais abaixo.
Deste modo, e pelo exposto, sempre seria de anular o acto decisório da reclamação graciosa.
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Todavia, da anulação daquele referido acto (objecto imediato do presente processo), não decorre a anulação dos actos de retenção na fonte (objecto mediato do presente processo) contra os quais a Requerente também se insurge.
Relativamente a estes é consensual, inclusive junto da Requerida, que a limitação vigente à data dos mesmos, constante do artigo 16.º/1 do EBF, que restringia o benefício aí consagrado aos fundos de pensões “que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, era desconforme ao Direito Comunitário, pelo que, reconhecidamente, não poderão os actos tributários objecto do presente processo ser mantidos na ordem jurídica, com fundamento na circunstância de a Requerente não ser um fundo de pensões constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, uma vez que tal é violador do disposto no artigo 8.º da CRP e nos artigos 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Consensual será, também, julga-se, que, assim sendo, os fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação de outro Estado membro teriam direito à isenção de IRC consagrada naquele referido artigo 16.º do EBF, nas mesmas condições em que os fundos constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, o teriam.
De acordo com o entendimento exposto pela AT, o qual se subscreve, tais condições passariam pelo preenchimento dos requisitos consagrados no DL n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que procedeu à transposição da Directiva n.º 2003/41/CE para o ordenamento jurídico português, ou seja, e designadamente, que os fundos:
a) Eram residentes num Estado membro da União Europeia;
b) Garantam exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte;
c) Sejam geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho.
Relativamente a estes requisitos, a AT considera não ter a Requerente provado “que as contingências asseguradas aos seus beneficiários garantiram exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e atribuição de subsídios por morte.”[7].
Todavia, conforme resulta dos factos dados como provados, verifica-se que não é esse o caso, e que, efectivamente, o Fundo Requerente garante exclusivamente aquele tipo de prestações, como não poderia deixar de ser, uma vez que lhe é aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE.
Para além disso, entende a AT que a Requerente estava obrigada “provar que deteve as participações sociais em causa, ininterruptamente, por período igual ou superior a um ano”[8].
Segundo a AT, os fundos nacionais “não beneficiavam da isenção prevista no artigo 16º do EBF quando «as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na sua titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».”.
Ressalvado o devido respeito, entende-se que não é correcta a leitura conjugada que a AT leva a cabo, das normas do artigo 16.º do EBF, e 88.º/11 do CIRC, nas redacções aplicáveis.
Com efeito, dispunha aquele artigo 88.º/11 (na sua íntegra) que:
“São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.”
Ora, como resulta de forma meridianamente clara desta norma, a mesma não é um requisito do benefício previsto no artigo 16.º do EBF, de cuja não prova decorre a sua não operatividade, mas, quando muito[9], uma excepção ao mesmo, de cuja prova decorre uma modificação ao âmbito do benefício em causa, consistente na tributação autónoma dos valores[10] ali previstos, mas não afectando, no mais, o benefício consagrado no referido artigo 16.º, que se constituiu com a prova dos requisitos nele próprio previstos.
Daqui resulta, desde logo, que o ónus da prova dos pressupostos do artigo 88.º/11 do CIRC, nos termos do artigo 74.º/1 da LGT, cabe à AT, que dela se pretende prevalecer, tributando autonomamente os lucros distribuídos a entidade isenta.
Por outro lado, a consequência do preenchimento dos pressupostos da excepção ao regime do artigo 16.º do EBF resultante do disposto no artigo 88.º/11 do CIRC, é, não a tributação desses rendimentos nos termos em que (confessadamente[11]) se deu, ou seja, “ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), artigo 3.º, n.º 1, alínea d), artigo 4.º, n.º 2 e 3, alínea c), subalínea 3), todos do CIRC, e decorrendo nos termos dos artigos 94.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea b) do CIRC, tendo sido aplicada a taxa de 21,5% para o ano de 2011 (cf. artigos 94.º, n.º 5 e artigo 87.º, n.º 4, alínea d) do CIRC).”, mas antes uma tributação autónoma à taxa de 20%, nos termos do referido artigo 88.º/1.
Daí que, por estas duas vias se haja de concluir pela ilegalidade dos actos de retenção na fonte, contra os quais a Requerente se insurge, ou seja:
- Na medida em que aqueles actos não procederam à aplicação de uma taxa de 20%, como decorreria do disposto na (agora) invocada norma do artigo 88.º/11 do CIRC, aplicável à data; e
- Em todo caso, sempre haveria de ser feita prova, pela positiva, dos requisitos desse mesmo artigo 88.º/11, já que, tratando-se de uma excepção ao regime do artigo 16.º do EBF, e de pressupostos de uma tributação autónoma que a AT pretenda levar a cabo, sempre caberia àquela o ónus da respectiva prova.
Não obstante este último fundamento ser, de per si, suficiente para a anulação total dos actos tributários objecto do presente processo arbitral, sempre se dirá que a mesma solução é imposta também pelo primeiro daqueles fundamentos, já que, conforme tem sido jurisprudência do STA[12], “o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável”, não sendo igualmente legal a manutenção da taxa a 21,5%, uma vez que, tal como decidido no Ac. do STA de 27-11-2013, proferido no processo 0654/13, confirmado pelo decidido no Ac. do mesmo tribunal de 18-12-2013, proferido no processo 0568/13, haverá “uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), (...) se essa restrição [for] consubstanciada em maior tributação de entidade não residente”, pelo que sempre seria discriminatória a manutenção dos actos tributários, já que entidade não residente (Requerente) seria tributada a 21,5%, enquanto que um residente seria tributado a 20%.
Note-se, por fim, que a situação poderia ser diferente se, na sequência desta última jurisprudência citada, a AT tivesse alegado e demonstrado, que o ADT com a Holanda “permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais”. Não tendo isso acontecido, todavia, não cumprirá ao Tribunal, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, averiguar tais factos.
Assim, e por todo o exposto, deverá o pedido arbitral proceder integralmente.
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Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência dos actos tributários ora anulados.
É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. artigo 43.º da LGT).
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos tributários objecto do presente processo, pelas razões que se apontaram anteriormente, há lugar a reembolso do imposto suportado pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
Nesta matéria, ambas as partes consideram, sustentadas em doutrina e jurisprudência que se subscreve, que «o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração tome posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos».
Considera, contudo, a AT, que não lhe será, nesta medida, imputável o erro, já que não terá “havido erro no indeferimento da reclamação”, e que “o pedido feito pela ora Requerente em sede de reclamação não é sequer igual ao que efectuou nos presentes autos”, uma vez que “Enquanto que ali reclamava de/e pedia a restituição do valor de €110.392,93, nos presentes autos impugna e pede a restituição de €96.032,98”.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Quanto ao primeiro daqueles argumentos, como se viu acima, a decisão da reclamação graciosa procedeu à aplicação de uma norma não aplicável, pelo que, sem mais, é ilegal.
Por outro lado, a diferença (para mais) no valor pedido, não era, por qualquer forma, obstativa a que a AT proferisse a decisão que, legalmente, cabia ao caso, restringida ao valor devido.
Pelo exposto, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são devidos à Requerentes desde data da decisão da reclamação graciosa, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos tributários objecto do presente processo;
b) Condenar a AT a restituir à Requerente o imposto indevidamente suportado, em função dos actos tributários ora anulados, no montante de €96.032,98, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde data da decisão da reclamação graciosa, até ao integral reembolso do montante pago;
c) Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €2.754,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 96.032,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
28 de Outubro de 2015
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Ricardo Jorge Rodrigues Pereira)
O Árbitro Vogal
(Catarina Gonçalves – vencida, conforme declaração)
Declaração de voto
Voto de vencido do árbitro Catarina Gonçalves.
O Tribunal Arbitral, por maioria, decidiu anular os atos tributários objeto do presente processo.
Voto vencido relativamente a esta decisão pelas razões que passo a enunciar.
De acordo com o normativo vigente à data dos factos (art.16 nº1 do EBF), verificava-se que os rendimentos dos Fundos de Pensões que se constituíssem e operassem de acordo com a legislação nacional estavam isentos de IRC.
Acrescentava ainda o artigo 88 n.º11 do CIRC que “São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.”
À data não se previa qualquer isenção para os rendimentos de Fundos de Pensões que não cumprissem tais requisitos, nomeadamente se residentes num Estado-Membro da União Europeia. Pelo que, no exercício em análise (2011), não sendo ativados quaisquer mecanismos que permitissem uma redução de taxa, os dividendos distribuídos a fundos de pensões não residentes por sociedades residentes em Portugal estariam sujeitos a retenção na fonte a uma taxa de 21,5%.
Deste modo, e em resumo:
1) os rendimentos obtidos por Fundos de Pensões devidamente regulados pela legislação nacional podiam beneficiar de uma isenção, desde que, quando relativos a dividendos, as partes sociais a que aqueles respeitassem tivessem permanecido na titularidade do beneficiário, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição;
2) os rendimentos obtidos por Fundos de Pensões não residentes (nomeadamente dividendos) estavam sujeitos a tributação em Portugal, mediante retenção na fonte.
Assim, e como foi reconhecido pelo TJEU no Acórdão de 6 de outubro de 2011 (Processo C-493/09), “há que concluir que, no que respeita à tributação dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em território português a título de partes sociais detidas por um fundo de pensões durante mais de um ano, a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.[13]”
Ou seja, para efeitos do Direito Comunitário, apenas se observava ao tempo um tratamento discriminatório, nas situações em que a participação tivesse sido detida por mais de um ano, mas já não se esta fosse detida por prazo inferior, pois nesse caso inexiste diferença face ao tratamento do investidor residente.
Assim, entendo que o que deve ser analisado por este tribunal é a existência ou não de uma discriminação, pelo facto de o diferente tratamento concedido aos dividendos impor uma restrição à liberdade fundamental, in casu a livre circulação de capitais (artigo 63.°, n.° 1, TFUE) e não encontrar uma norma de incidência (positiva ou negativa, ou uma isenção) que fundamente, ou não, a retenção efetuada.
E, uma vez analisada a existência ou não de discriminação, deveria o tribunal daí retirar as devidas conclusões para todos os efeitos legais.
Na minha opinião, a prova da detenção das participações pelo período de um ano torna-se pois necessária e fundamental, já que só se as participações tivessem sido detidas por esse período mínimo se verificaria uma potencial discriminação.
Não tendo sido efetuada prova dessa detenção, prova que competiria à Requerente, torna-se irrelevante avaliar de uma eventual discriminação efetiva e já não apenas em abstrato, confirme já analisado pelo STA num caso de contornos semelhantes[14].
Assim, há que concluir que não tendo sido provado o prazo de detenção, o ato deve manter-se na ordem jurídica por nenhum vício lhe dever ser imputado.
Catarina Gonçalves
[1] Artigo 98.º da Resposta.
[2] Artigo 101.º da Resposta.
[3] Cfr., neste sentido, num caso distinto mas transponível, o Ac. do STA de 07-12-2010, proferido no processo 01075/09 (disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência), onde se escreveu que “Só com a norma introduzida no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, se passou a exigir na legislação portuguesa a apresentação, para efeitos de aplicação daquela isenção, de certificado de residência composto por «declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos» para efeitos de obtenção da isenção», pelo que embora a Administração devesse exigir, durante o ano de 2000, prova da residência da entidade beneficiária dos rendimentos para efeitos de comprovação da isenção, não podia fazer depender essa prova de um único e específico meio de prova, maxime do documento referido nesse n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, dado que esse preceito só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, não estando, assim, em vigor durante o ano de 2000.”.
[4] Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11.
[5] Cfr. nota 3 da Resposta, na p. 11 da mesma.
[6] Cfr. artigo 45.º da resposta.
[7] Cfr. artigo 80.º, ponto 2, da resposta da AT nos autos.
[8] Cfr. artigo 80.º, ponto 1, da resposta da AT nos autos.
[9] Aceitando-se aqui, por benefício de raciocínio, o entendimento, que estará subjacente à posição da AT mas que estará longe de ser pacífico, de que a tributação autónoma a que se referia o artigo 88.º/11 do CIRC tem como sujeito passivo a entidade a quem são distribuídos os lucros, e não a entidade que os distribui.
[10] Por dispensável para a decisão da causa, não se enveredará aqui pela discussão, em voga, sobre a natureza e objecto de incidência das tributações autónomas, ou da que, em concreto, ora releva. Não obstante, sempre se dirá que, quer se considere que aquela incide sobre entidade distribuidora de lucros, sobre o rendimento desta ou sobre o rendimento da entidade a quem são distribuídos os lucros, as conclusões ora tiradas não se alterarão.
[11] Cfr. artigo 3.º da resposta da AT nos autos.
[12] Ac. de 09-07-2014, proferido no processo 01146/13.
[13] Porque não menos relevantes, recordam-se ainda os demais parágrafos que sustentam esta posição: “§29 Quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa constitui uma restrição aos movimentos de capitais, deve observar‑se que, para que o IRC não incida sobre os dividendos distribuídos a fundos de pensões por sociedades estabelecidas em território português, esses dividendos devem preencher dois requisitos. Por um lado, devem ser pagos a fundos de pensões que se constituam e operem em conformidade com o direito português. Por outro, esses dividendos devem ser distribuídos a título de partes sociais que tenham permanecido na titularidade do mesmo fundo de pensões, de modo ininterrupto, durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição ou que tenham sido mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.§30 Daqui decorre que, devido ao primeiro requisito previsto pela regulamentação nacional em causa, o investimento que pode ser efectuado numa sociedade portuguesa por um fundo de pensões não residente é menos atractivo do que o investimento que poderia ser realizado por um fundo de pensões residente. Com efeito, apenas no primeiro caso os dividendos distribuídos pela sociedade portuguesa são onerados a uma taxa correspondente a 20%, a título de IRC, mesmo que sejam provenientes de partes sociais que tenham permanecido na titularidade desses fundos durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões. §31 A referida diferença de tratamento não existe todavia quando os dividendos pagos por uma sociedade residente são provenientes de partes sociais que não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo durante o ano que precede a data da sua colocação à disposição. Com efeito, por força do artigo 88.°, n.° 11, do CIRC, a isenção prevista no artigo 16.°, n.° 1, do EBF não é aplicável nestas condições, de modo que o IRC incide sobre estes dividendos independentemente do local de residência do fundo de pensões ao qual são pagos.”
[14] STA Processo 0568/13, de 18/12/2013: ” Em suma, para que se pudesse concluir no sentido da restrição da livre circulação de capitais e do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes (no caso, holandesas), teria que ficar demonstrado que por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto holandês incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente resultou uma tributação mais gravosa para as entidades não residentes do que a aplicável às sociedades residentes”.