Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2015-T
Data da decisão: 2015-10-26  IVA  
Valor do pedido: € 242.963,13
Tema: IVA - Transmissão intracomunitária de bens; Prova
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Decisão Arbitral

 

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Júlio Tormenta e Ana Moutinho Nascimento, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 10 de Fevereiro de 2015, A… - …, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa, integrada no Serviço de Finanças de Lisboa-…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número único de matrícula de Pessoa Colectiva n.º …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos:
  2. de liquidação de IVA … e …, referente a IVA dos períodos 09 e 12 do ano de 2010, no total de € 227.499,99;
  3. de liquidação de juros compensatórios n.º … e …, no total de € 15.463,14;
  4. de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente àqueles; e
  5. de indeferimento do recurso hierárquico apresentado relativamente à decisão daquela reclamação.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as liquidações referidas e, consequentemente, os actos de segundo grau que, tendo-as por objecto, as confirmaram, sofrem de erro nos respectivos pressupostos de direito e de facto.

 

  1. No dia 11-02-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 02-04-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-04-2015.

 

  1. No dia 01-06-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 10-07-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Foi pedido pela Requerente o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo 753/2014T do CAAD, o que foi deferido, tendo sido dispensada a produção da prova testemunhal arrolada.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      No âmbito da Ordem de Serviço Interna n.º OI2012… deu-se início a um procedimento de inspecção interna à Requerente, com sede na Rua …, … - …, no Porto, área do Serviço de Finanças de Porto-….

2-      O motivo da inspecção prendeu-se com a necessidade de análise interna às respostas obtidas aos pedidos de cooperação administrativa intracomunitária, tendo o procedimento sido de âmbito parcial – IVA, incidindo temporalmente sobre os períodos 2010-09T e 2010-12T.

3-      Para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a Requerente encontrava-se enquadrada no regime geral de tributação e, para efeitos do IVA, no regime normal de periodicidade mensal desde 01.01.2011.

4-      A Requerente estava obrigada e possuía contabilidade regularmente organizada de acordo com a lei fiscal e comercial, em conformidade com o disposto no artigo 123.º do Código do IRC e tinha cumpridas as suas obrigações declarativas, em sede de IVA e IRC.

5-      Os Administradores da Requerente são comuns aos da empresa B…, LDA, nomeadamente C, NIF …, D, NIF … e E, NIF ….

6-      Originariamente, a Requerente estava inscrita para o exercício da atividade de Compra e Venda de Bens Imobiliários, no entanto, em 01.07.2010, a actividade da empresa consistia essencialmente no comércio por grosso de relógios das marcas ROLEX, PATEK PHILIPPE, CHOPARD, CARTIER, CHANEL, AUDEMARS PIGUET e VACHERON CONSTANTIN, tendo como destino o mercado comunitário e extracomunitário.

7-      A Requerente veio complementar a sociedade B… no circuito económico de venda de relógios para o estrangeiro, porquanto, até 30.06.2010, era esta sociedade que formalmente procedia às aquisições (na sua maioria importações) dos referidos artigos e posterior venda para o mercado externo, sendo a partir dessa data que a Requerente, em virtude da alteração ao contrato de sociedade, passou também a efectuar exportações e transmissões intracomunitárias tendo como único fornecedor a sociedade B….

8-      Tendo presente que as transmissões de bens realizadas se destinam ao mercado externo, sendo operações isentas de IVA, a Requerente solicitou reembolsos do IVA, pois não liquidou imposto nas transmissões e beneficiou do direito à dedução do IVA suportado nas aquisições, no caso, efetuadas à sociedade B….

9-      A actividade da sociedade A… relacionada com o comércio de artigos de relojoaria no ano de 2010 teve como destino o mercado externo, assim discriminada:

 

10-  A facturação relativa a transmissões extracomunitárias de bens, da A…, distribui-se, no ano de 2010, pelos seguintes clientes:

 

 

11-  A facturação relativa a transmissões intracomunitárias de bens, da A…, distribui-se, no ano de 2010, pelos seguintes clientes:

 

 

12-  Em relação ao 3.º a 4.º trimestres do ano de 2010, as transmissões intracomunitárias de bens declaradas distribuem-se pelos seguintes clientes:

 

13-  Os documentos disponibilizados pela Requerente para efeitos de comprovação dos pressupostos da isenção invocada, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), justificativos do transporte dos bens em causa com destino a outro Estado membro respeitam a guias das transportadoras FedEx, EMS e registos dos CTT.

14-  Por considerar que, em resultado da análise dos documentos referidos, bem como da recolha de elementos quanto aos clientes F… (Reino Unido), G… (Itália), H… (Reino Unido), I… (França), J… (Espanha), K… (Letónia), L… (Chipre) e M… (Itália), resultavam situações susceptíveis de indiciar que não se encontravam reunidas as condições exigidas para efeitos de aplicação da isenção em causa, foi solicitada a cooperação administrativa intracomunitária às autoridades fiscais dos Estados-membros identificados, ao abrigo dos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) no 904/2010, no sentido de confirmarem as transações intracomunitárias em causa.

15-  Das respostas recebidas os SIT concluíram que em relação às transmissões para os clientes G… (Itália), H… (Reino Unido) e I… (França), não foram reportados factos susceptíveis de pôr em causa a isenção aplicada pela A… nas transmissões intracomunitárias de bens respectivas.

16-  Em relação às transmissões com destino ao cliente F… (Reino Unido), os SIT apuraram que:

                                                              i.            cerca de 75% das vendas de relógio da A… para a F… são da marca ROLEX, os quais têm a sua origem em importações da Suíça efectuadas pela sociedade B…;

                                                            ii.            para efeitos de comprovação dos pressupostos da isenção invocada, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), justificativos do transporte dos bens em causa com destino a outro Estado membro, a Requerente exibiu documentos comprovativos de transporte por correio;

                                                          iii.            da base de dados dos CTT, consta que as respectivas encomendas foram entregues no destino.

17-  As autoridades fiscais do Reino Unido informaram que:

“Goods were transported to the customer through N… from Portugal to the relevant customer.

The goods were not transferred to UK at any time. CMR for the movement of goods have been attached.

A list of the purchase invoices and sale invoices for the year 2010 has been attached. Both lists also include a column for the payment date and date of receipt for sales invoices issued.

The bank statement showing payment for goods supplied and income received from goods sold has also been attached.

The initial capital for the business was introduced by shareholders to set up the business, followed by advance or deposits received from customer for goods ordered. The company has had its director changed numerous times.

The current director is P.... Orders are now being placed by O”

18-  O referido texto foi traduzido pela AT da seguinte forma:

“Os bens foram transportados para o cliente através pela N…, de Portugal para o cliente em questão.

Os bens nunca chegaram a entrar no Reino Unido. O CMR relacionado com o movimento dos bens encontra-se em anexo.

Uma lista de facturas de compras e facturas de vendas para o ano de 2010, encontram-se em anexo. Ambas as listas incluem uma coluna para a data de pagamento e data de recepção das facturas de venda emitidas.

O extracto bancário mostra o pagamento de bens fornecidos e os rendimentos obtidos a partir da venda dos produtos, que também foi anexado.

O capital inicial para montar o negócio foi introduzido pelos accionistas, bem como pelas avenças ou depósitos recebidos de clientes pela encomenda de mercadorias. A empresa viu o seu director alterar várias vezes.

O director actual é P…. Algumas encomendas estão a ser agora feitas por O.”

19-  Da documentação junta ao pedido de informação, constataram, ainda, os SIT que:

                                                              i.            A P… tem como gerentes O, de nacionalidade italiana e que tem a profissão de contabilista (occupation: chartered account), e Q, de nacionalidade irlandesa e que tem a profissão de secretária (occupation: secretary);

                                                            ii.            Os relógios foram facturados pela F… à R… SA, empresa sediada no Panamá;

                                                          iii.            Os relógios foram transportados para o cliente pela N…, de …/Como, em Itália, onde foi processado um documento de exportação para Genebra, Suíça.

                                                          iv.            A F…, no ano de 2010, registou aquisições no montante total de €3.440.101,27, das quais €3.269.471,31 (95,04%) tiveram origem em Portugal, sendo que as empresas B…  e A… representam respectivamente €587.692,04 e €540.281,27 desse montante;

                                                            v.            As facturas 20100004, de 23-07-2010 (€26.858,00), 20100005 de  23-07-2010 (€13.587,00), 20100006 de 23-07-2010 (€45.000,00) , 20100013 de 06-08-2010 (€67.291,00) e 20100052 de 04-08-2010 (€66.354,00) emitidas pela A…, não foram registadas pela F…;

                                                          vi.            Relativamente às vendas registadas em 2010, a F… facturou um total de €2.435.439,00, dos quais €2.341.616 (96,14%) tiveram como destinatários as empresas a S… (Panamá), R… SA (Panamá), T… LTD (Hong Kong) e U… SA (Costa Rica), que, declaradamente, pertenciam a V;

                                                        vii.            Os primeiros pagamentos das facturas de 2010, da A… à F…, apenas começaram em Fevereiro de 2011, e de forma parcial e faseada;

                                                      viii.            Dos extractos bancários da F…, referentes a uma conta bancária na Suíça, resulta a evidência de diversas transferências bancárias para contas tituladas pela A…, no Banco Espírito Santo.

20-  Em relação às transmissões com destino ao cliente J… (Espanha), os SIT apuraram que:

                                                              i.            para efeitos de comprovação dos pressupostos da isenção invocada, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), justificativos do transporte dos bens em causa com destino a outro Estado membro, a Requerente exibiu documentos comprovativos de transporte por correio;

                                                            ii.            relativamente às facturas n.º 20100026, de 20-09-2010 (€96.790,00) e n.º 20100046, de 27-10-2010 (€108.780,00), o justificativo de transporte é um registo dos Correios de Portugal (CTT);

                                                          iii.            da base de dados dos CTT, consta que as respectivas encomendas foram devolvidas para a cidade do Porto;

                                                          iv.            a A… não efectuou, na sua contabilidade, nenhum registo dessas devoluções;

                                                            v.            em relação a essas facturas estava registado na contabilidade o seu pagamento efectuado em 16-09-2010 e 26-10-2010, respectivamente, por transferência bancária da instituição de crédito italiana Cassa Cent. B. Cred Coop. Del Norte, Trento para a conta da A… no BES (Conta n.º …);

                                                          vi.            o justificativo para a factura 201000040, de18-10-2010, no valor de €111.948,00, é a guia n.º … da transportadora FedEx, tendo resultado da consulta à página electrónica da transportadora que a guia em causa estava registada  como uma entrega confirmada em Roma – Itália, na pessoa de X;

                                                        vii.            Na referida guia, o conteúdo da encomenda foi descrito como documentos (“Docs.”);

                                                      viii.            O pagamento foi efectuado por transferência bancária de uma conta titulada pela J… na instituição de crédito italiana Cassa Rurale di Lizzana,  para a conta da A… no BES (Conta n.º …).

                                                          ix.            De acordo com os elementos conhecidos, a sociedade J… encontrava-se registada em IVA em Espanha desde 06-06-2008 e dedicava-se ao comércio de todo o tipo de metais, como aço, ferro, cobre,  alumínio e seus derivados, bem como à sua distribuição, comercialização, exportação e importação.

21-  As autoridades fiscais do Reino de Espanha informaram que:

“Se comunica que tanto la sociedad como sus representantes legales han resultado ilocalizables en sus respectivos domicilios fiscales”.

22-  O referido texto foi traduzido pela AT da seguinte forma:

“Informamos que não se conseguiu localizar tanto a empresa como os seus representantes legais, nos respectivos domicílios fiscais”.

23-  Em relação às transmissões com destino ao cliente M… (Itália), os SIT apuraram que:

                                                              i.            No. 4.º trimestre de 2010, para o cliente referido, a A… apenas emitiu a factura n.º 20100066, de 28-12-2010, no valor de € 6.444,00;

                                                            ii.            para efeitos de comprovação dos pressupostos da isenção invocada, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), justificativos do transporte dos bens em causa com destino a outro Estado membro, a Requerente exibiu documentos comprovativos de transporte pelos Correios de Portugal (CTT), através do registo …PT.

                                                          iii.            da base de dados dos CTT, consta que a respectiva encomenda foi devolvida para a cidade do Porto, onde chegou em 23-02-2011;

                                                          iv.            da base de dados dos correios italianos (Poste), consta que a respectiva encomenda foi reenviada para a cidade do Porto, em 16-02-2011;

                                                            v.            a A… não efectuou na sua contabilidade nenhum registo dessas devoluções;

                                                          vi.            foi recebido pela Requerente o pagamento efectuado em 29-12-2010 por transferência bancária ordenada por M… através da Caixa D’Estal. Pens. (La Caixa) em Barcelona, para a conta da A… no BES (Conta n.º …).

24-  As autoridades fiscais italianas, no âmbito da troca de informações ao abrigo dos artigos 7.º e 15.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010 solicitaram informações por suspeita de fraude nas transacções entre a A… e o operador italiano M…, baseando-se no facto do operador italiano não ter declarado quaisquer aquisição intracomunitária efectuada à A…, relativamente às operações tituladas pelas seguintes facturas:

 

25-  Face ao apurado, concluíram os SIT que “as transmissões para os operadores F…, J… e M… nos períodos em análise, encontram-se sujeitas à liquidação de IVA, de acordo com o previsto nos artigos 1º, 7º e 16º do Código do IVA e à taxa de IVA de acordo com o disposto no artigo 18º do referido código, à data dos factos, mostrando-se em falta a liquidação e pagamento do imposto no montante total de € 227.499,00, resultante da aplicação do IVA à totalidade das vendas da A… para os operadores atrás mencionados, assim discriminado por períodos de imposto” (cfr. págs. 22-23 do RIT):

 

26-  As correcções em causa deram origem às liquidações adicionais de IVA n.ºs … e … e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs … e …, relativas aos períodos de 09 e 12 do ano de 2010.

27-  Não tendo sido pagas as liquidações em causa, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2013… que corre termos no Serviço de Finanças Porto-…, no âmbito do qual foi requerida a sua suspensão mediante a apresentação de fiança.

28-  A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do processo em 2013/12/18, ao abrigo do DL 151-A/2013.

29-  A garantia prestada no processo, sob a forma de fiança, foi devolvida ao contribuinte por ofício no …/…- …, de 2014/06/12.

30-  A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 30-04-2013.

31-  A mencionada Reclamação Graciosa foi indeferida, facto que foi notificado à Requerente em 03-10-2013.

32-  A Requerente apresentou Recurso Hierárquico em 30-10-2013.

33-  O indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificado à Requerente pelo ofício n.º … de 11-11-2014.

34-  A Requerente apresentou uma declaração, em papel com o timbre da “F…”, redigida em língua inglesa, datada de 05-04-2013, com um assinatura aposta por Z, na qualidade de gerente, com a autenticidade da assinatura e da qualidade em que a mesma foi aposta reconhecida nos termos da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, e com o seguinte teor:

“F…, …, …, LONDON …, UNITED KINGDOM, VAT number …, hereby confirm that made the following intracomunity purchases to A…, SA, VAT number …:

35-  A Requerente apresentou um declaração, datada de 17/01/2011, com uma assinatura ilegível sob um carimbo com os dizeres “J….”, com o seguinte teor:

“J…., AV …, …, …, …, … BARCELONA, ESPANA, VAT number …, hereby confirm that made the following purchase to A…, SA and it was declare as intracomunity purchase:

Invoice number                     Date                            Value

20100026                   20-09-2010                 96.790,00”

36-  A Requerente apresentou um declaração, datada de 16/02/2011, com uma assinatura ilegível sob um carimbo com os dizeres “J…”, com o seguinte teor:

“J…., AV …, …, …, …, … BARCELONA, ESPANA, VAT number …, hereby confirm that made the following purchase to A…, SA and it was declare as intracomunity purchase:

Date                Invoice number                     Value

18.10.2010      201000240                 111.948,00 €

27.10.2010      201000246                 108.780,00 €”

37-  A Requerente apresentou um declaração em papel com o timbre da “M…”, datada de 16/02/2011, com uma assinatura ilegível sob um carimbo com os dizeres “M…”, seguidos de uma morada, números de telefone e fax, e email, com o seguinte teor:

“M…, …, …, … MANOPELLO (PE) ITÀLIA contribuinte número IT…, declara que a mercadoria referente às seguintes facturas da A…, SA foi transportada em mão pelos nossos colaboradores do Porto a Manopello (Itália):

Data                Factura                       Valor

28 12 2010      20100066        6 444,00”

 

A.2. Factos dados como não provados

1- A menção “Docs”, referida no ponto 20/vii dos factos dados como provados, foi feita pela Requerente por estar vedada pela instituição seguradora a menção aos relógios.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se englobam nos mesmos os factos elencados nas alegações escritas da Requerente, mas não constantes do seu Requerimento inicial, uma vez que não foram objecto da prova contraditoriamente produzida, que foi delimitada pela matéria de facto constante do Requerimento inicial e indicada no Requerimento da Requerente apresentado a 15-06-2015.

O facto dado como não provado, deve-se à insuficiência de prova a seu respeito. Com efeito, o documento da corretora de Seguros (Acta), junto pela Requerente como documento 22, ainda que conjugada com o depoimento da testemunha AA, não foi suficiente para convencer o Tribunal da motivação indicada, desde logo porquanto aquele documento está datado de 2012 (e a correspondente apólice (…), ao que tudo indica, será do mesmo ano), enquanto que os factos ora em causa se reportam a 2010. Por outro lado, a testemunha não era representante da seguradora, mas um mero mediador.

 

B. DO DIREITO

 

i. Do pedido de reenvio prejudicial

            Na sua Resposta, pede a AT “a submissão ao TJUE, a título de reenvio prejudicial (cfr. artigo 267º do TFUE), antes da pronúncia de mérito e mediante a suspensão da instância, das seguintes questões:

1) Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que, embora o adquirente esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, tenha declarado a operação como aquisição intracomunitária e tenha efectuado o pagamento da transacção, os bens não chegaram a entrar no país de destino e terão sido facturados pelo adquirente a terceiro, não residente em qualquer Estado membro?

2) Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

3) Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de envio e/ou transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão ou quando o vendedor apenas exibe uma declaração em como os bens foram transportados em mão?

            Vejamos.

 

*

            Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[1]:

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

            Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.                           já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.                         quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

            Naturalmente que se concorda com a AT quando, nas suas alegações, afirma que “as decisões proferidas pelo Tribunal arbitral não são susceptíveis de recurso ordinário”, pelo que, verificando-se os respectivos pressupostos, “reenvio prejudicial revela-se como obrigatório”, uma vez que “a vinculação a uma jurisdição arbitral não pode significar perda de direitos constitucionalmente garantidos para além dos que se consentiram com a vinculação a tal tipo de jurisdição”, sendo que o entendimento contrário – ou seja, que considere que a obrigatoriedade do reenvio não se aplica à jurisdição arbitral – será, para além do mais, e como afirma a AT, “uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito previsto no art. 20º da CRP”.

            Já não é assim, todavia, quando o reenvio seja indeferido, com base, não na sua admissibilidade, mas na carência dos seus pressupostos e/ou na sua desnecessidade. Nestes casos, não haverá já – julga-se – qualquer violação dos normativos constitucionais apontados (ou outros), mas apenas uma situação de aplicação do direito aos factos, contida no juízo judicativo próprio do Tribunal, eventualmente eivado de erro, pelo que, como acaba por reconhecer a AT, “tais fundamentos têm a ver com vícios (...) inerentes à própria decisão”.

 

*

A primeira questão formulada pela AT prende-se, então, com saber se “Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que, embora o adquirente esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, tenha declarado a operação como aquisição intracomunitária e tenha efectuado o pagamento da transacção, os bens não chegaram a entrar no país de destino e terão sido facturados pelo adquirente a terceiro, não residente em qualquer Estado membro?”.

O primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ou seja, apenas se a resposta à questão formulada for necessária para proferir decisão nas questões que se apresentam ao Tribunal para dirimir, é que aquela deverá ser apresentada ao TJUE.

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.

Com efeito, e desde logo, a questão em causa assenta em factos que não estão devidamente provados no processo, designadamente que “os bens não chegaram a entrar no país de destino e terão sido facturados pelo adquirente a terceiro, não residente em qualquer Estado membro”. Efectivamente, compulsada a matéria de facto acima assente, não se apura que tal corresponda a qualquer das situações em causa nos presentes autos, o que, sem mais, retira qualquer utilidade processual à pergunta formulada.

A pergunta formulada direciona-se à situação relativa às correcções que dizem respeito às remessas para a F…. Ora, o certo é que, como se verá adiante, não está demonstrado nos autos que os bens não tenham chegado a entrar no país de destino.

Deste modo, e pelo exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, quanto à primeira das questões formuladas pela AT na sua resposta, ou de qualquer outra com ela relacionada.

 

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A segunda pergunta formulada pela AT, consiste em saber se:

Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens”.

Como se disse, já primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ora, e desde logo, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.

Com efeito, quer a resposta à interrogação formulada seja positiva, quer seja negativa, não será aquela susceptível de condicionar o sentido da decisão a proferir.

Assim, caso a resposta fosse no sentido afirmativo, reconhecendo que pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando tenha a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, daí não decorreria, pela própria semântica da pergunta, condicionante da resposta, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que esteja preenchido o requisito da isenção.

Por outro lado, e simetricamente, também no caso de resposta em sentido oposto, reconhecendo aos Estados-Membros a possibilidade de considerar que está preenchido o requisito da isenção, nos casos em que tenham a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, não decorreria, nos mesmos termos, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que não esteja preenchido o requisito da isenção.

Ou seja, e em suma: uma resposta que diga que o Estado-Membro pode, ou pode não, considerar preenchidos os requisitos da isenção, não imporia um determinado sentido à decisão a proferir no presente caso, já que sempre haveria de apurar face à legislação nacional se o Estado Português usava o poder que lhe fosse reconhecido na resposta à questão colocada.

Para que fosse útil uma questão de âmbito análogo à formulada pela AT, e que ora nos ocupa, a mesma deveria, desde logo, revestir-se de um conteúdo imperativo, cuja resposta traduzisse uma  imposição, e não uma mera possibilidade.

Não estando o Tribunal vinculado, nesta matéria, pelo pedido pela parte, e tendo o dever de, oficiosamente, apresentar para resolução ao TJUE as questões que se revelem necessárias à decisão da causa, e que sejam da competência daqueles, em tal quadro, poderiam ser formuladas duas questões, a saber:

-          Está obrigado um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

-          Está vedado a um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?

Contudo, e desde logo, também a resposta a estas questões não se revestiria de carácter decisivo no que ao caso sub iudice diz respeito.

Com efeito, no presente caso, depõem a favor e contra a consideração da verificação dos pressupostos da isenção discutida uma série de circunstâncias adicionais, cuja valoração sempre extravasaria o âmbito das questões sugeridas, e respectivas respostas possíveis, pelo que sempre se poderia considerar que estavam verificados os pressupostos da isenção, atendendo a outro elementos que não o carácter de sujeito passivo do adquirente e a ocorrência de pagamento, ou que não estavam verificados aqueles, atendendo a outros elementos que não a mera circunstância da não inclusão na declaração do IVA, da operação como aquisição intracomunitária de bens.

Por outro lado, e aqui chegamos ao fulcro da questão que verdadeiramente se discute no presente caso, o que está em causa é, essencialmente, um juízo de facto – que se traduz em saber se houve ou não remessa de bens para o destinatário da operação intracomunitária – e de aplicação de normas do direito interno, maxime, relativas ao ónus da prova.

Ou seja, estamos, crê-se, naquele domínio a que o TJUE se refere como de “aplicar (...) direito à situação de facto subjacente ao processo principal”. O que está em discussão nos autos não é apurar o sentido de uma norma de direito europeu, sendo esse sentido claro e assumido pelas partes, que compreendem qual o sentido norma e exteriorizam essa compreensão, mas verificar se essa norma é, ou não, aplicável “à situação de facto subjacente ao processo principal”, sendo certo que nesse juízo intervém as normas de direito nacional relativas ao ónus da prova, e que o TJUE não se debruça “sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Conforme o próprio TJUE afirmou no Ac. Mecsek-Gabona, "no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar nem apreciar as circunstâncias de facto relativas ao processo principal[2], e é aos tribunais nacionais que cumpre apreciar se o Contribuinte do seu Estado, "cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova e de diligência."[3], no que diz respeito aos pressupostos da isenção que reclama.

Por fim, e em todo caso, sempre se entende que o modo correcto de interpretar a regra jurídica comunitária em causa, na perspectiva das potenciais questões formuladas, se deverá ter por inequívoco, no sentido de a resposta ser negativa, a ambas. Ou seja, não estará um Estado-Membro nem obrigado a, nem proibido de, considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens. Antes, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE, essencialmente orientada para a aplicação correcta e simples das isenções, independentemente daqueles factores (não declaração da aquisição intracomunitária pelo adquirente, registo deste para efeito de IVA no seu Estado, e pagamento efectivo da operação), poderá – sem dúvidas – o Estado Membro considerar preenchidos, ou não, os pressupostos da isenção, conforme os restantes elementos de facto recolhidos apontem num ou noutro sentido.

De resto, no Acórdão Teleos, citado pela própria AT, consignou-se ipsis verbis que “deve considerar-se que, com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens.[4], e que “mesmo que a apresentação pelo adquirente de uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária possa constituir um indício da transferência efectiva dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, essa declaração não assume, contudo, um significado determinante para efeitos de prova de uma entrega intracomunitária isenta.[5].

Mais se pode ler, no mesmo aresto, que “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.”.

Também no Acórdão do TJUE proferido no processo C-587/10[6], se pode ler que:

55     Quanto à circunstância de o fornecedor ter apresentado a declaração fiscal do adquirente relativa à sua aquisição intracomunitária, há que recordar que, como foi decidido no n.º 30 do presente acórdão, com exceção das condições relativas à qualidade dos sujeitos passivos, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode impor nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitária de bens. Assim, para beneficiar da isenção nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, não pode ser imposto ao fornecedor que faculte elementos de prova relativos à tributação da aquisição intracomunitária dos bens em causa.

56      Além disso, não se pode considerar que essa declaração constitui, só por si, uma prova determinante da qualidade de sujeito passivo do adquirente, podendo apenas representar um indício (v., por analogia, acórdãos Teleos e o., já referido, n.° 71, e de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, Colet., p. I-7897, n.º 37).

57      Por conseguinte, a circunstância de o fornecedor ter apresentado ou não esta declaração também não é suscetível de alterar a resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Daí que não se ofereçam dúvidas que, quer face ao enunciado normativo comunitário em questão, quer à leitura que dele é feita pela jurisprudência do TJUE, que a declaração de aquisição intracomunitária, ou falta dela, por parte do adquirente, numa transmissão intracomunitária de bens, possa constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram, ou não, efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Deste modo, e por todo o exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, quanto à segunda das questões formuladas pela AT na sua resposta, ou de qualquer outra com ela relacionada.

 

*

            Formula, por fim, a AT a questão de saber se “Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão, nem o destinatário?”, pretendendo a sua apreciação, também no quadro de um reenvio prejudicial, pelo TJUE.

            Também esta questão, todavia, claudicará no teste da necessidade da resposta para a decisão a proferir, cuja superação é indispensável à viabilidade da opção pelo reenvio.

            Com efeito, mesmo que o TJUE possa considerar “que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão, nem o destinatário”, tal nada aportaria à decisão do caso, desde logo porquanto seria face ao direito nacional, cuja aplicação está vedada ao TJUE, que haveria que apurar se:

-          a pressuposta prática administrativa proporcional face ao direito comunitário se impõe, ou não, ao órgão judicial encarregado de decidir o caso; e

-          a mesma prática administrativa é, ou não, legal, face ao direito nacional.

Ora, como se referiu no Ac. do TCAN de 12-03-2015, proferido no processo 01560/05.5BEPRT[7], "É de admitir qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, de acordo com o disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Entendimento contrário, nomeadamente, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos na elisão daquela presunção é inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados – cf. art.º 20.º, da Lei Fundamental.".

Daí que, sendo as regras de distribuição do ónus da prova as que decorrem da lei, e não aquelas que a prática administrativa determine, a resposta à terceira questão formulada não se revestiria de utilidade para a decisão a proferir, na medida em que, por um lado, a prática administrativa a que se reporta, ainda que julgada, face ao direito comunitário, proporcional, não se imporia a este Tribunal, que está obrigado a julgar segundo o direito português constituído, e, por outro, face a este, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos para a demonstração do preenchimento dos pressupostos do direito à isenção que ora se discute será inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados,  nos termos, para além do mais, do art.º 20.º, da Constituição.

Assim, e pelo exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, também quanto à terceira das questões formuladas pela AT na sua resposta.

 

*

ii. Do fundo da causa

            A questão jurídica que se coloca nos autos prende-se, essencialmente, com saber se, face à matéria de facto dada como provada, estão, ou não, relativamente aos três grupos de situações em causa, preenchidos os pressupostos do artigo 14.º/a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), que dispõe que:

Estão isentas do imposto:

a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;

Não sendo controverso que os requisitos da aplicação da isenção em questão são que:

-          o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;

-          que o adquirente seja também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;

-          que os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente;

está unicamente em causa no presente processo aferir da verificação do último daqueles elencados requisitos, pelo que o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, com destino ao adquirente.

 

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            Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”         .

            Aplicando tal disposição ao presente caso, e tendo presente que está em causa um direito do contribuinte a uma isenção de imposto[8], será pacífico, crê-se, que o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre aquele.

            No entanto, dispõe o artigo 350.º/1 do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º/d) da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.

            No caso, e com interesse para a questão, dispõe o artigo 75.º/1 da LGT que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.

            A referida presunção poderá ser ultrapassada por duas vias, a saber:

-          afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo artigo 75.º da LGT;

-            ilidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.

Face ao disposto no supra-citado artigo 75.º/1 da LGT, haverá que presumir verdadeiras e de boa-fé, quer as declarações periódicas de IVA apresentadas, nos termos da lei, pela Requerente, onde apurou o reembolso indicado, quer os dados descritos na sua contabilidade, nas quais a não foram identificadas quaisquer divergências pela AT, como não poderia deixar de ser, já que não se compreenderia que tendo a Requerente apresentado a sua declaração periódica nos termos da lei, e dispondo da contabilidade regularmente organizada, fosse colocada no mesmo pé que um contribuinte relapso[9].

            A referida presunção, de resto expressamente invocada pela Requerente (cfr. artigo 87.º do requerimento inicial) poderá ser ultrapassada por duas vias, apontadas, respectivamente, pelo artigo 75.º/2 da LGT e pelo artigo 350.º/2 do Código Civil.

            Vejamos se tal ocorre[10].

 

*

            A presunção em questão não operará, caso se verifique alguma das circunstâncias (impeditivas) elencadas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, designadamente, e para o que ora importa que:

-          As declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

-          O contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária;

Como explica Como refere Elisabete Louro Martins[11]:

“O grau de prova exigível à Administração Fiscal para afastar a presunção de verdade prevista na LGT a favor do contribuinte, irá, na nossa opinião, depender da natureza dos vícios apurados. Os vícios formais (...) devem ser objecto de prova efectiva com base nos próprios documentos apresentados pelo Sujeito Passivo (...). Na verdade, ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.

Por outro lado, a mesma regra não poderá ser aplicada aos vícios materiais, uma vez que têm por base muitas vezes elementos externos à contabilidade, como o facto de as mesmas não titularem operações reais que possam conferir ao sujeito passivo o direito à dedução, que  não permitam a obtenção de um grau de certeza razoável relativamente à existência do facto tributário. Conforme resulta da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, no caso de vícios materiais, bastará a Administração Fiscal apresentar factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.

Compulsado o elenco factual apurado no presente processo, verifica-se que não se evidencia qualquer facto relativo à segunda das circunstâncias impeditivas da operatividade da presunção em questão, que se vêm de elencar. Pelo contrário, e como se deslinda do facto dado como provado no ponto 13 da matéria de facto, a Requerente correspondeu, na medida do que lhe foi possível, às solicitações de cooperação formuladas pela AT, no sentido do esclarecimento da sua situação tributária. Assim, citando Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa[12], “uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspondência com a verdade, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes””.

Tendo, então, em conta a primeira daquelas mesmas circunstâncias, acima referidas, cumprirá, relativamente a cada grupo de situações em questão no presente processo, aferir se foram detectados omissões, erros, inexatidões das declarações ou da contabilidade, e/ou se foram reunidos indícios fundados de que aquelas não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo.

Se tal se verificar, dever-se-á, então, apurar se, claudicando a presunção de veracidade decorrente do artigo 75.º/1 da LGT, a Requerente logra, por outro meio de prova, cumprir o ónus probatório que, nos termos anteriormente delineados, lhe assiste.

            Caso isso não ocorra, cumprirá verificar se a AT logrou fazer prova em contrário dos factos que, nos termos antecedentes, se devem presumir, relativos à ocorrência da TIB em questão no presente processo, no exercício da faculdade que, nos termos do artigo 350.º/2 do Código Civil, lhe assistirá[13].

Vejamos, então.

 

*

Relativamente às operações com a F…, a AT apurou, com relevo e em suma, que:

i.                    A Requerente exibiu documentos comprovativos de transporte por correio, constando da base de dados dos CTT que as respectivas encomendas foram entregues no destino;

ii.                  As autoridades fiscais do Reino Unido informaram o que consta dos pontos 17 e 18 dos factos dados como provados;

iii.                Os relógios foram facturados pela F… à R…, empresa sediada no Panamá;

iv.                Os relógios foram transportados para o cliente pela N…, de …/Como, em Itália, onde foi processado um documento de exportação para Genebra, Suíça;

v.                  As facturas 20100004, de 23-07-2010 (€26.858,00), 20100005 de  23-07-2010 (€13.587,00), 20100006 de 23-07-2010 (€45.000,00) , 20100013 de 06-08-2010 (€67.291,00) e 20100052 de 04-08-2010 (€66.354,00) emitidas pela A…, não foram registadas pela F…;

vi.                Os montantes facturados pela Requerente à F… foram pagos, tendo os pagamentos começado em Fevereiro de 2011, e de forma parcial e faseada.

Conforme resulta quer do RIT, quer da decisão da reclamação graciosa, verifica-se que a AT teve como decisivo a informação prestada pela sua congénere britânica, que refere que “Os bens nunca chegaram a entrar no Reino Unido”.

Salvo o devido respeito, tal circunstância não se pode, contudo, ter por provada.

Assim, e desde logo, carece de fundamento legal o alegado pela Requerida, em sede arbitral, no sentido de que “tal mecanismo de troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados membros, sendo necessário e indispensável em situações de dúvida, é também um meio de prova único e o mais adequado para efeitos de controle das, que são como tal declaradas pelos sujeitos passivos, transmissões intracomunitárias de bens.” e de que a tal mecanismo se terá de atribuir “força probatória plena[14].

            O único fundamento legal para qualquer juízo a respeito do valor probatório das informações em questão, radica no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, que dispõem que:

“1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.(...)

4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”.

            Relativamente ao normativo em causa, note-se, desde logo, que não consagra qualquer prova plena, ou seja, insusceptível de prova em contrário.

            Por outro lado, não se poderá deixar de considerar que o valor probatório conferido pela LGT às informações prestadas pela IT, ou pelas administrações tributárias estrangeiras, fora do que constitua matéria praticada ou directamente percepcionada pela autora da informação, excluindo-se, assim, os meros juízos pessoais do informante[15].

            Ora, a matéria que nos ocupa, inclui-se neste último âmbito, ou seja, a entrada, ou não, no Reino Unido, dos bens em questão, não é facto directamente percepcionado pela autoridade fiscal daquele país, mas um mero juízo que a mesmo retirou, dos documentos que examinou e que transmitiu, pelo que não poderá a tal juízo ser conferida fé, nos termos do artigo 76.º da LGT.

            Ora, no que diz respeito à situação com a F…, aquilo que se verifica é que a Requerente facturou, inscreveu na sua contabilidade e declarou a remessa dos relógios para aquele adquirente, apresentou prova do pagamento da transacção em questão, bem como documentos relativos à remessa dos bens.

            Complementarmente, a Requerente apresentou ainda uma declaração, em papel com o timbre da “F…”, redigida em língua inglesa, datada de 05-04-2013, com um assinatura aposta por Z, na qualidade de gerente, com a autenticidade da assinatura e da qualidade em que a mesma foi aposta reconhecida nos termos da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, onde se atesta, em nome da F…, que, efectivamente, os bens transaccionados foram por ela adquiridos.

            Da documentação apresentada pela AT, apenas resulta que os mesmos artigos terão sido revendidos pela adquirente a uma entidade extra-comunitária, e que terão sido enviados de Itália, para a Suíça.

            Não resulta, de forma alguma, demonstrado qual o trajecto que os artigos em questão fizeram de Portugal para a Itália e, consequentemente, não se vislumbra qualquer indício de que a documentação comprovativa da remessa pela Requerente, dos bens vendidos à F…, não corresponda à realidade.

            Por outro lado, a circunstância, também apurada, e relativamente à qual, aí sim, a informação das autoridades fiscais britânicas fará fé, segundo a qual a adquirente F…, não terá declarado as operações tituladas pelas facturas 20100004, de 23-07-2010 (€26.858,00), 20100005 de  23-07-2010 (€13.587,00), 20100006 de 23-07-2010 (€45.000,00) , 20100013 de 06-08-2010 (€67.291,00) e 20100052 de 04-08-2010 (€66.354,00), não será, julga-se, suficiente, para abalar a presunção de veracidade das declarações da Requerente neste processo, consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, por não poder ser entendida como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas por aquela, em questão no presente processo, não reflectem a sua matéria tributável real. Com efeito, a decisão de declarar ou não a aquisição intracomunitária é exclusivamente determinada pelo adquirente, sendo a Requerente de todo alheia à mesma, em termos de não a poder determinar ou controlar.

            No entanto, mesmo que assim não se entendesse, sempre se haveria que concluir que, no limite, tal circunstância seria unicamente susceptível de gerar uma situação dúvida. Efectivamente, e aplicando-se aqui a ratio da resposta do TJUE à quarta questão colocada no Acórdão Teleos[16], citado por ambas as partes, dever-se-á entender que o facto de o adquirente não ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está ora em causa, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens não saíram efectivamente do território do Estado-Membro de envio, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de não-isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

Também, o já citado Acórdão do TJUE, proferido no processo C-587/10, se afirmou, como se viu, que a “com exceção das condições relativas à qualidade dos sujeitos passivos, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode impor nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitária de bens.”.

            Não é, assim e em suma, possível validar o juízo de que estamos perante factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário.

            Daí que, por todo o exposto, se haja de considerar que, nesta parte, não cumpriu a AT o ónus de demonstrar factos impeditivos da presunção de veracidade da declaração da Requerente, consagrada no artigo 75.º/1 da LGT.

            Do mesmo modo, haverá que concluir que os elementos aportados pela AT são insuficientes para infirmar a presunção de veracidade formada nos termos da referida norma, pelo que, na presente parte, haverá o pedido arbitral de ser julgado procedente.

 

*

Em relação às operações com a J… (Espanha), a AT apurou, com relevo e em suma, que:

i.                    relativamente às facturas n.º 20100026, de 20-09-2010 (€96.790,00) e n.º 20100046, de 27-10-2010 (€108.780,00), o justificativo de transporte é um registo dos Correios de Portugal (CTT), constando da base de dados dos CTT, que as respectivas encomendas foram devolvidas para a cidade do Porto;

ii.                  A Requerente não efectuou, na sua contabilidade, nenhum registo dessas devoluções;

iii.                Em relação a essas facturas estava registado na contabilidade o seu pagamento efectuado em 16-09-2010 e 26-10-2010, respectivamente, por transferência bancária da instituição de crédito italiana Cassa Cent. B. Cred Coop. Del Norte, Trento para a conta da A… no BES (Conta n.º …);

iv.                Relativamente à factura 201000040, de 18-10-2010, no valor de €111.948,00, é a guia n.º … da transportadora FedEx, tendo resultado da consulta à página electrónica da transportadora que a guia em causa estava registada  como uma entrega confirmada em Roma – Itália, na pessoa de X;

v.                  Na referida guia, o conteúdo da encomenda foi descrito como documentos (“Docs.”);

vi.                O pagamento foi efectuado por transferência bancária de uma conta titulada pela J… na instituição de crédito italiana Cassa Rurale di Lizzana,  para a conta da A… no BES (Conta n.º …);

vii.              De acordo com os elementos conhecidos, a sociedade encontrava-se registada em IVA em Espanha desde 06-06-2008 e dedicava-se ao comércio de todo o tipo de metais, como aço, ferro, cobre,  alumínio e seus derivados, bem como à sua distribuição, comercialização, exportação e importação;

viii.            As autoridades fiscais do Reino de Espanha informaram o que consta dos pontos 21 e 22 dos factos dados como provados.

No que diz respeito às remessas para o cliente J…, entende-se, à luz dos critérios já enunciados, terem sido reunidos pela AT, indícios de que, nesta parte, a contabilidade da Requerente enferma de omissões, erros, e inexatidões.

De facto, demonstra-se[17] que as encomendas a que se referem as facturas n.º 20100026, de 20-09-2010, e n.º 20100046, de 27-10-2010, indicadas pela Requerente como tendo sido destinadas ao transporte dos bens por si vendidos para o Estado-membro do adquirente, foram devolvidas a Portugal, facto que não está reflectido na contabilidade da Requerente.

No que diz respeito à factura 201000040, de 18-10-2010, verifica-se que, embora contenha uma morada espanhola, e mencione como local de descarga as “instalações do cliente”, o documento de transporte, que resultou numa entrega confirmada, está endereçado a uma morada italiana.

Considera-se, assim, que, nesta parte, e nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, foram reunidos “indícios fundados” de que a contabilidade da Requerente não reflecte, nesta parte, a matéria tributável real do sujeito passivo, pelo que se deverá ter por cessada a presunção a que alude o n.º 1 daquele mesmo artigo 75.º.

Posto isto haverá, então que apurar se, por outros meios, a Requerente logra reunir prova da efectiva ocorrência das TIB’s em questão.

Ressalvado o respeito devido a opinião contrária, entende-se, no que diz respeito às  facturas n.º 20100026, de 20-09-2010, e n.º 20100046, de 27-10-2010, isso não ocorre.

Com efeito, conforme acima já exposto, cumpria, à Requerente demonstrar que:

-          o transmitente era sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;

-          que o adquirente era também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilizou o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;

-          que os bens foram efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro com destino ao adquirente.

Relativamente ao primeiro requisito, não se verificam quaisquer dúvidas.

Relativamente ao segundo, embora a AT espanhola tenha informado que não conseguiu contactar o seu sujeito passivo, o certo é que o mesmo era sujeito passivo de IVA, nada obstando ao preenchimento de tal requisito a circunstância de o sujeito passivo adquirente se dedicar “ao comércio de todo o tipo de metais, como aço, ferro, cobre,  alumínio e seus derivados, bem como à sua distribuição, comercialização, exportação e importação

Já no que diz respeito à expedição da mercadoria a que se referem as facturas ora em apreço para o estrangeiro, verifica-se, todavia, que da documentação apresentada pela Requerente resulta que a mesma foi devolvida para território nacional, pelo que não se poderá considerar preenchido o requisito em causa, necessário para que ocorra uma TIB.

Não obstará à conclusão tirada, a circunstância de a Requerente ter apresentado uma declaração, em nome da J…, onde consta que os bens em questão foram por ela adquiridos.

É que, compulsada a referida declaração, verifica-se que a mesma não só contém uma assinatura ilegível, como não está autenticada ou certificada por qualquer forma, em termos de, minimamente, se poder apurar uma pessoa concreta que seja possível de responsabilizar, inequivocamente, pelo que ali é declarado.

Daí que não possa ser atribuído qualquer valor probatório ao documento em questão.

            Face ao exposto, e no que diz respeito às facturas n.º 20100026, de 20-09-2010, e n.º 20100046, de 27-10-2010, deverá o pedido arbitral improceder.

            Já no que diz respeito à factura 201000040, de 18-10-2010, estando, nos mesmos termos das anteriores, demonstrados os dois primeiros dos requisitos elencados como necessários para a verificação de uma TIB, cumpre unicamente verificar a ocorrência do último daqueles.

            Como refere Clotilde Celorico Palma, Clotilde[18], “Note-se que se o vendedor tem a obrigação de certificar-se que o adquirente dos bens é um sujeito passivo devidamente identificado para efeitos de IVA em outro EM e que os bens são expedidos ou transportados para fora do território nacional. Não lhe compete, contudo, controlar se os bens foram expedidos ou transportados para o EM a que corresponde o número de identificação fiscal que lhe foi comunicado pelo adquirente. Só será possível ao vendedor certificar-se de tal facto caso a expedição ou transporte dos bens seja efectuado por si ou por sua conta, sendo-lhe indicado como EM de destino um EM diferente daquele a que corresponde o número de identificação fiscal ao abrigo do qual a aquisição foi efectuada. Todavia, mesmo nesta situação, não se porá em causa a aplicação da isenção da transmissão intracomunitária dos bens em apreço. Estará em causa, sim a informação fornecida pelo sujeito passivo à respectiva administração fiscal, através do preenchimento da declaração recapitulativa das respectivas transmissões intracomunitárias de bens. Saliente-se a este propósito que foi precisamente tendo em consideração este tipo de situações que o legislador comunitário previu um dispositivo de segurança no âmbito das novas regras de localização. De acordo com estas regras, não obstante a chegada da expedição ou transporte dos bens ocorrer num outro EM (regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens), a aquisição intracomunitária de bens será tributável no EM que emitiu o número de identificação fiscal ao abrigo do qual o adquirente efectuou a operação”.

O adquirente tem que declarar a aquisição intracomunitária através do cumprimento de obrigações acessórias especificas, uma vez que a aquisição intracomunitária é uma operação tributada em sede de IVA, como corolário do principio do destino.

            Deste modo, a tónica importante para se estar perante uma transmissão intracomunitária (TIB) do ponto de vista do transmitente é, para além de se assegurar que o adquirente é um sujeito passivo de IVA que efectua operações intracomunitárias, assegurar-se que os bens saíram fisicamente do Estado Membro do sujeito passivo transmitente. Se os bens entraram fisicamente no Estado Membro do adquirente (ou no endereço fornecido pelo adquirente), essa prova já não competirá ao transmitente, desde logo porque não resulta da letra do artigo 14.º, n.º1, alínea a), do RITI.

Assim, estamos perante uma TIB desde que os requisitos do artigo 14.º n.º1 alínea a) do RITI estejam verificados. Os bens não saíram do Mercado Interno da UE, fazendo o transmitente prova que os bens saíram fisicamente de Portugal, cabendo ao adquirente provar que reúne os requisitos para que seja aplicado o regime das AIB (Aquisições Intracomunitárias de Bens) litigando, se for caso disso,  com as respetivas autoridades fiscais a questão do IVA.

Este tem sido, inclusivamente, o entendimento do TJUE, que, no Ac. proferido no processo C-430/09[19], considerou que “a aplicação da isenção a uma entrega intracomunitária está sujeita à condição de o transporte dever ser concluído num Estado-Membro diferente do da entrega, sendo irrelevante, para o efeito, o endereço em que o transporte termina.”.

            De resto, apura-se que a transacção em questão foi efectivamente paga, a partir de uma conta bancária domiciliada em Itália, em nome do adquirente, o que corrobora a circunstância de o destinatário declarado da TIB estar estabelecido lá.

Não obsta, à conclusão que se vem de tirar, a circunstância de no documento de transporte apresentado pela Requerente, o conteúdo ser descrito como “Documentos”.

Com efeito, e não se tendo provado qual a concreta causa da aposição da menção em questão, não se dá a tal facto, desacompanhado de quaisquer outros que apontem no sentido de que a remessa em questão não haja, na realidade, ocorrido, relevância decisiva nesse sentido, tanto mais que, como aventa a Requerente[20], se o sentido da sua actuação fosse no sentido de criar uma encenação de remessa, teria, seguramente, feito constar da documentação em questão a menção “relógios”, e não “documentos”.

Face a todo o exposto, no que diz respeito ao operador J…, entende-se que deverá o pedido arbitral improceder, no que diz respeito ao IVA devido pelas operações tituladas pelas facturas n.º 20100026, de 20-09-2010, e n.º 20100046, de 27-10-2010, e proceder no que diz respeito à factura 201000040, de 18-10-2010.

 

*

Por fim, em relação à operação titulada pela factura n.º 20100066, de 28-12-2010, no valor de € 6.444,00, emitida a M…, a AT apurou, com relevo e em suma, que:

i.                    o justificativo de transporte é um registo dos Correios de Portugal (registo …PT), constando da base de dados daqueles, que as respectivas encomendas foram devolvidas para a cidade do Porto, onde chegou em 23-02-2011, vinda de Itália, onde foi expedida em 16-02-2011;

ii.                  a A… não efectuou na sua contabilidade nenhum registo dessas devoluções;

iii.                foi recebido pela Requerente o pagamento efectuado em 29-12-2010 por transferência bancária ordenada por M… através da Caixa D’Estal. Pens. (La Caixa) em Barcelona, para a conta da A… no BES (Conta n.º …);

iv.                as autoridades fiscais italianas, no âmbito da troca de informações ao abrigo dos artigos 7.º e 15.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010 solicitaram informações por suspeita de fraude nas transacções entre a A… e o operador italiano M…, baseando-se no facto do operador italiano não ter declarado qualquer aquisição intracomunitária efectuada à A…, relativamente, para além do mais, à operação titulada pela factura em causa.

Serão aqui aplicadas, mutatis mutandis as considerações anteriormente feitas a propósito das relações da Requerente com os outros dois operadores em questão neste processo.

      Assim, e desde logo, na senda do acima exposto a propósito da transacção com o operado F…, tem-se por irrelevante a circunstância de o adquirente M… não ter declarado perante a respectiva AT a aquisição intracomunitária de bens.

Por outro lado, e entroncando já no exposto a propósito das operações com o operador J…, considera-se que, estando demonstrado que a remessa efectuada pela Requerente foi devolvida a território nacional, e não estando demonstrada nova expedição, ficou impedida a formação da presunção de veracidade da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, e claudicará a demonstração de um dos pressupostos essenciais para a verificação de uma TIB que confira direito à isenção de IVA, nos termos do artigo 14.º/1/a) do RITI.

            Com efeito, e tal como aconteceu na situação relativa ao operador espanhol, o documento apresentado pela Requerente não está reconhecido ou certificado, e não é perceptível quem, assinando-o, assume a responsabilidade pelo declarado, pelo que ao mesmo não poderá ser reconhecida qualquer utilidade em termos de prova.

            Deverá, assim, nesta parte, o pedido arbitral improceder.

 

*

A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por garantia indevida.

Esta matéria foi objecto já de várias decisões no âmbito da jurisdição arbitral, podendo ver-se, entre outros, o processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T[21], em termos que ora se transcrevem

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

              1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

              2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

              3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

              4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação consubstanciado nas liquidações praticadas sem suporte num facto tributário pressuposto do imposto, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular parcialmente, pelo fundamentos acima expostos, os seguintes actos:

                                                                          i.      de liquidação de IVA … e …, referente a IVA dos períodos 09 e 12 do ano de 2010, na medida em que integram IVA calculado sobre as facturas emitidas ao operador F…, e à factura n.º  201000040, de 18-10-2010;

                                                                        ii.      de liquidação de juros compensatórios, na medida em que integram juros sobre IVA calculados sobre as referidas facturas; e

                                                                      iii.      indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente àqueles actos, na medida em que mantiveram naquelas liquidações o IVA calculado sobre as referidas facturas, e correspondentes juros compensatórios;

b)      Manter os referidos actos tributários, na parte não afectada pelo decidido no ponto anterior;

c)      Condenar a Autoridade Tributária a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, com referência ao valor cuja anulação foi determinada no montante que se vier a liquidar em execução de sentença;

d)     Condenar as partes nas custas do processo, na medida do respectivo decaimento, fixando-se em €838,38, a parte a cargo da Requerente, e em €3.445,62, a parte a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 242.963,13, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na medida do respectivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

26 de Outubro de 2015

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Júlio Tormenta)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Ana Moutinho Nascimento)



[2] Cfr. ponto 53.

[3] Cfr. ponto 45.

[4] Cfr. ponto 70.

[5] Cfr. ponto 71.

[8] Que não um benefício fiscal. Com efeito, de acordo com o número 1, do artigo 2.º do EBF os benefícios fiscais configuram “medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes”, quando, no caso vertente, a isenção da transmissão de bens efetuada pelo vendedor no EM de partida da expedição ou transporte é justificada pelo fim de se tributar a aquisição dos bens no EM de chegada e obviar a situações de dupla tributação. Assim, está em causa, não um beneficio fiscal, mas uma isenção técnica, que aparece inserida no paradigma da tributação no destino integrado na realização do Mercado Interno em 1993 a nivel da União Europeia e não na perspetiva de um beneficio fiscal, com natureza extrafiscal

[9] Conforme se escrevia já no preâmbulo do Decreto Lei 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o CPT, “A presunção da verdade dos actos do Fisco foi substituída pela presunção da verdade dos actos do cidadão-contribuinte”.

[10] Note-se que a não ilisão da presunção, e os efeitos daí retirados, não constituem uma alteração das regras de distribuição do ónus da prova, que, como se viu oneram a Requerente. Como refere Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa (“Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária : o art. 73.º da LGT”, p. 36, disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601), “A parte a quem incumbe a prova não deixa de ser a parte que originalmente teria esse ónus legal. O que acontece, como PIRES DE SOUSA sublinha, é que “a presunção legal proporciona à parte, que dela pode beneficiar, uma maior certeza sobre os resultados que alcançará com a prova do facto-base uma vez que este está fixado de uma forma concreta e determinada pela norma legal””, e, mais adiante (p. 37), “Enquanto que as presunções se aplicam na fase probatória, as regras de distribuição do ónus de prova actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador”.

[11]O Ónus da Prova em Direito Fiscal”, Wolter Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 129.

[12] Op, cit., pp. 175 e ss..

[13] Cfr. Elisabete Louro Martins, Op. cit., p. 125: “quando surjam dúvidas sobre os factos declarados pelo Sujeito Passivo na declaração de rendimentos, caso todas as questões suscitadas pela Administração Fiscal tenham ficado resolvidas em sede de inspecção tributária ou em sede do exercício do dever de prestação de esclarecimentos através da análise dos documentos apresentados pelo mesmo, não será legítimo à Administração Fiscal actuar através da prática do acto tributário, sem apresentar qualquer prova que indicie objectivamente o vício formal ou material verificado, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do CC, uma vez que às presunções legais é atribuída força probatória plena”.

[14] Cfr. artigos 11.º e 12.º da Resposta.

[15] Por aplicação directa, ou analógica, do disposto no artigo 371.º/1 do Código Civil.

[16] Ponto 72: “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado- -Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.

[17] Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

[18]  O IVA e o Mercado Interno-Reflexões sobre o Regime Transitório, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (178), Lisboa, 1998, págs. 251 e 252.

[20] Cfr. artigo 80.º do Requerimento Inicial.

[21] Disponível em www.caad.org.pt.