Decisão Arbitral
I – DO PEDIDO
A…, residente na Alemanha, com o NIF …, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a anulação de despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa relativa a IRS/2006 a qual enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo o ato tributário respetivo ser anulado com as devidas consequências legais.
Para além do referido, o Requerente invoca ainda no seu pedido a existência de caducidade da liquidação em causa, por ter sido efetuada para além dos quatro anos que a Lei permite.
Finalmente, põe ainda em causa a legalidade da liquidação, por as normas de incidência que ao tempo existiam para tributação deste tipo de rendimentos obtidos por não residentes, não terem suporte válido, por alegadamente violarem o preceituado nos art.ºs 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma
DOS FACTOS CONSTANTES DOS AUTOS
O Requerente não invocou quaisquer factos na sua PI, a não ser a existência de uma Reclamação Graciosa, cujo indeferimento constitui o objeto do Recurso Arbitral, para além da caducidade da liquidação de IRS de 2006 e da violação do Tratado de Roma.
Dos autos conhece-se, no entanto, a existência dos seguintes factos:
1. O Requerente é (e foi em 2006) um cidadão residente na Alemanha, tendo, nesse ano, obtido entre outros rendimentos, mais-valias resultantes da anulação onerosa do direito de propriedade sobre um bem imóvel situado em Portugal, o que originou a liquidação n.º 2007…., no valor de € 4.924,54.
2. Esta liquidação resultou da submissão eletrónica de uma declaração de rendimentos modelo 3 para o ano de 2006, pelo Requerente, em 21-05-2007, registada com o n.º …-2006-…-…, de que resultou a referida liquidação de IRS.
3. O Requerente foi notificado desta liquidação, tendo a AT informado o Requerente de que poderia reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
4. O ora Requerente apresentou impugnação judicial contra o referido ato de liquidação, (cfr. Proc. n.º .../07....BEPRT, do TAF do Porto), de que resultou uma decisão favorável, determinando-se a anulação total da liquidação impugnada, a restituição do imposto pago, bem como o pagamento de respetivos juros indemnizatórios, cuja decisão de 18-03-2014, transitou em julgado em 09-05-2014.
5. A decisão do TAF do PORTO fundamentou-se, em resumo, no facto de o tratamento fiscal dado ao ora Requerente ser desigual (aplicação de taxa especial de 25% do artigo 72.º do CIRS sobre 100% da mais-valia) em relação à dada aos residentes, em que a tributação da mais-valia destes é de apenas 50%, à qual é aplicável a taxa geral, o que viola o disposto no art.º 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, citando a Jurisprudência constante do Acórdão do STA, de 16.01.2008, Rec. N.º 0439/06.
6. Em cumprimento da referida decisão judicial proferida pelo TAF do Porto, a AT procedeu à anulação da liquidação em causa e ao reembolso do imposto liquidado ao ora Recorrente.
7. Posteriormente procedeu oficiosamente a uma nova liquidação de IRS com vista a tributar o Requerente pela mais-valia em causa, pelas regras aplicáveis aos residentes, para evitar a discriminação negativa invocada junto do TAF do Porto e por este confirmada, de que resultou uma nova liquidação de IRS n.º 2014 …, no valor de € 1.264,87, de que foi notificado para reclamar ou impugnar em 22-08-2014.
8. O Requerente apresentou petição de reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS antes identificado, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, por ter sido efetuada para além dos quatro anos que a Lei permite.
9. Mais refere o Requerente na sua petição de reclamação que, sendo residente fora do território português, na Alemanha, e tendo obtido mais-valias resultantes da alienação onerosa de um imóvel localizado neste território, não existia norma válida de incidência que permitisse a tributação deste tipo de rendimento, face ao preceituado no Tratado de Roma, do que resultou que a liquidação de IRS efetuada, em seu entender enferme de ilegalidade.
10. Conforme consta da Informação dos Serviços relativa à apreciação da Reclamação Graciosa, estes estenderam que a AT se limitou a cumprir a decisão do TAF do Porto, eliminando a discriminação negativa, procedendo a uma liquidação de IRS segundo as regras aplicáveis aos residentes, considerando não se ter verificado a caducidade do imposto, pelo que a Reclamação foi indeferida por despacho de 2014-11-06.
11. Esta decisão foi notificada ao Requerente através do ofício n.º …/…-…, por carta sob registo de 07-11-2014.
12. O Requerente apresentou em 29-12-2015 petição de Recurso Arbitral, visando a anulação de despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa relativa a IRS/2006 a qual enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo também o ato tributário respetivo ser anulado com as devidas consequências legais.
DO DIREITO INVOCADO
A – Pelo Requerente
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Este fundamenta o pedido de anulação do ato de liquidação com base no facto de as normas que ao tempo existiam relativamente à tributação deste tipo de rendimento, obtido por não residentes, não tinham suporte válido, porquanto violavam o preceituado nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma.
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Outro fundamento invocado é o de que, a liquidação objeto do presente recurso, foi efetuada para além dos quatros anos que a Lei permite, ou seja, ocorreu a caducidade.
II – DA RESPOSTA DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Questão prévia – Da ineptidão da Petição inicial
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Alega a Requerida que, face à ausência de requisitos da PI da Requerente, designadamente fundamentos de facto e normas do direito invocável, o seu pedido e causa de pedir é ininteligível, à luz do artigo 552.º do CPC e da Jurisprudência e também em conformidade com o artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC.
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E em justificação realça que se não são alegados na PI os factos (essenciais) com relevância jurídica para sustentarem a sua pretensão, ou se a alegação destes é ininteligível, há falta de causa de pedir, o que no entender da Requerida conduz à ineptidão do pedido.
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Segundo a Requerida a Petição limita-se a alegar “vícios”, imperfeições, ilegalidades do acto em causa, sem que em momento algum se vislumbre qualquer articulação que sustente a sua causa de pedir.
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E que a mera indicação da causa, remetendo em singelo para o indeferimento da reclamação graciosa, não impede que a petição de recurso não se possa considerar inepta, porquanto foi de todo omitida qualquer indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão aduzida no pedido.
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E que, como decorre do número 1 do artigo 5.º do CPC (anterior artigo 264.º do CPC), é à Requerente que, ao invocar a titularidade de um direito, incumbe fazer a alegação dos factos cuja prova seja possível de concluir pela existência desse mesmo direito.
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Por todo o exposto e nos termos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 186.º CPC, deve a petição, diz a Requerida, considerar-se inepta, acarretando, em consequência, a nulidade do processo, e, por consequência deve ser declarada a nulidade da lide e absolvida a Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 98.º do CPPT e do já referido 186.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
II.1 – DOS FACTOS
A Requerida apresenta os factos constantes dos autos, já supra referidos.
II.3 – DO DIREITO
A Requerida apresenta os seguintes fundamentos de direito:
II.3.1 – DA ALEGADA CADUCIDADE
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Realça a Requerida que o Requerente alegou a existência de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, sem que tenha feito qualquer menção factual que sustente essa inferência.
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Lembra ainda que a primeira liquidação efetuada pela AT, relativa a 2006, no valor de € 4.924,54, face à declaração mod. 3 apresentada pelo Requerente, foi-lhe notificada a 22-08-2007.
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O prazo limite de pagamento voluntário do IRS resultante desta liquidação ocorreu a 21-09-2007.
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A Requerente interpôs impugnação judicial desta liquidação para o TAF do Porto em 20-12-2007 e em 18-03-2014 foi proferida a decisão de indeferimento pelo TAF do Porto, tendo a respetiva sentença transitado em julgado em 09-05-2014.
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Daqui decorre que, nos termos do artigo 45.º, conjugado com o artigo 46.º, alíneas a) e d) do n.º 2, ambos da LGT, o prazo de caducidade da liquidação do IRS relativamente aos ganhos de mais-valias obtidos em Portugal em 2006 pelo Requerente, pela alienação de um imóvel aqui situado, suspende-se.
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E a Requerida transcreve, para melhor demonstração e fundamentação da suspensão, as alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT:
“2 – O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
(…)
d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.”
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A Requerida remete ainda para o decidido, sobre esta matéria, pelo STA no Proc. n.º 0133/07, de 09-05-2007, para demonstrar o direito do Estado (via AT), por ausência de caducidade, quando procede a uma liquidação corretiva em benefício do contribuinte, mesmo para além dos cinco anos, porque, segundo o STA, ela há-de considerar-se como efetuada logo aquando da primeira liquidação, e não à data da liquidação que corrigiu aquela.
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Realça, assim, a Requerida que a liquidação (corretiva) de IRS n.º 2014…., no valor de € 1.264,87, não é mais do que uma correção da liquidação inicial n.º 2007…., no valor de € 4.924,54, a qual foi corrigida em benefício da ora Recorrente.
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E, em consequência, retira a Requerida a conclusão de que é totalmente desprovido de teor entender-se pela procedência do instituto da caducidade.
II.3.2 – DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NORMA DE INCIDÊNCIA
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A Requerida traz à colação, a este respeito, os princípios de Direito Internacional sobre as normas de conflito, quando existem relações tributárias que envolvem mais do que um ordenamento.
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E realça que o faz não porque seja esse o caso dos autos, mas por uma questão didática e de melhor compreensão.
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Remete, por isso, para o Manual de Direito Internacional, de Alberto Xavier, pp 195 e 259, na parte relativa aos elementos de conexão da previsão normativa, quer de natureza subjetiva, que se reportam às pessoas (como a nacionalidade ou residência), ou subjetivos, que se reportam às coisas e aos factos (como fonte de produção (…) o lugar de situação dos bens (…).
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Mais refere que subsumindo-se o caso em apreço a uma mais-valia decorrente da alienação de imóvel, é evidente a necessidade de, entre os elementos de conexão objetivos, recorrer aos elementos de conexão reais de onde emana a regra intuitiva, inquestionável e transversal a qualquer ramo de Direito do “Locus Rei Sitae” ou “Lex loci rei sitae”, por serem os elementos de conexão reais que definem o âmbito de aplicação dos tributos direta ou indiretamente relacionados com imóveis, em função da sua localização.
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Donde, ao contrário do que pretende o Requerente, existiam e continuam a existir, normas quer nacionais quer internacionais que impõem a tributação de mais-valias de alienação de imóveis pelo país de localização dos bens.
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Remete também para o Capítulo III da Convenção Modelo da OCDE, adiante CMOCDE, respeitante à tributação do rendimento e capital, em que se estipula que são os estados contratantes a determinar os direitos de tributação do Estado da fonte (onde o rendimento é produzido e no qual é pago), ou do “Lex loci rei sitae” (Estado onde se encontra localizado o imóvel) e do Estado de residência (onde o beneficiário efetivo do rendimento está sujeito a tributação de acordo com a legislação doméstica).
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Mais precisa, remetendo para o n.º 1 do art.º 13.º da CMOCDE (ex-vi art.º 6.º do CMOCDE) no qual se estabelece uma regra de competência cumulativa ilimitada de tributação de rendimento procedente da alienação de bens imobiliários ao Estado da situação/localização do mesmo, ou seja, no caso em apreço, Portugal.
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E ainda sobre a mesma problemática, remete a Requerida para própria Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Estado Alemão, que confere, nos termos do mesmo artigo antes citado, a competência para tributar as mais-valias da alienação de bens imobiliários situados em território nacional (art.º 13.º da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República Federal Alemã ex-vi art.º 6.º da mesma).
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Para além disso, a Requerida cita e transcreve os art.ºs 15.º, n.º 2, 10,º, n.º 1, alínea a) e 18.º, n.º 1, alínea h), a saber:
“Artigo 15.º - Âmbito de sujeição
(…)
2 – Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
“Artigo 10.º - Mais- Valias
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário, ...”
“Artigo 18.º - Rendimentos obtidos em território português
(…)
h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão;”
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Donde, conclui a Requerida, “é manifesto e pertence ao plano das evidências, que, no caso em apreço, existiam e existem normas de incidência que obrigam a Requerida, ao abrigo do princípio da legalidade e indisponibilidade dos créditos fiscais, a tributar aquele facto. i.e., a mais-valias realizada por um não residente sobre a alienação de um prédio sito em território nacional”.
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Carecendo, portanto de fundamentação as pretensões aduzidas pela Requerente, tanto mais que foi o próprio Requerente a entregar voluntariamente a declaração mod. 3 de IRS do ano de 2006, voluntariamente e que nele indicou, no Anexo G, respeitante a Mais-Valias, a alienação de do imóvel que possuía, inscrito na matriz sob o artigo …, sito no concelho de Faro.
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Ora, realça a Requerida, se não houvesse norma de incidência – o que, frisa, não ser verdade – inexistia obrigação declarativa.
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Aliás, o próprio declarante sabia que havia lugar a tributação, pois que aquilo que ele não queria era ser tributado de forma diferente de um residente, com discriminação negativa, por violação do Tratado de Roma, fundamento esse da sua petição de impugnação para o TAF do Porto.
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Por isso, face à decisão favorável do TAF do Porto, o que a AT fez foi corrigir a liquidação que foi tida como incorreta e proceder a uma nova liquidação, corretiva, com tributação das mais-valias de forma idêntica à dos residentes, eliminando a discriminação negativa, como pretendia o Requerente.
III – DAS ALEGAÇÕES
III.1 – DA REQUERENTE
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Diz manter toda a fundamentação anteriormente produzida, mas pretende produzir algumas considerações relativamente à Resposta da AT.
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Refere também não concordar com a alegada ineptidão da PI e realça também que os Acórdãos invocados não têm que ver diretamente com o objeto dos autos.
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Por outro lado, quanto à alegação de que o ato de liquidação é divisível e suscetível de anulação parcial, realça que tal anulação só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial (…)
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Mais refere que “pelo contrário, se o ato de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial”.
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E mais refe que, “nos casos, como o da violação de uma norma tributária, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o ato deve ser integralmente anulado (e com ele todos os efeitos produzidos), com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação da lei), já que a ilegalidade é total”.
III.2 – DA REQUERIDA
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Alega que as doutas alegações do Requerente nada de novo acrescentam à tese que vem defendendo, nem obstam à procedência da argumentação desenvolvida pela AT em sede de Resposta, que reiteram.
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Pelo que entende que os argumentos do Requerente não podem de todo proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente erradas.
IV – SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O pedido é tempestivo e o processo não enferma de nulidades, tendo sido invocada como questão prévia – A ineptidão da Petição inicial
V – FIXAÇÃO DOS FACTOS RELEVANTES
1. O Requerente é (e foi em 2006) um cidadão residente na Alemanha, tendo, nesse ano, obtido entre outros rendimentos, mais-valias resultantes da anulação onerosa do direito de propriedade sobre um bem imóvel situado em Portugal, o que originou a liquidação n.º 2007…., no valor de € 4.924,54.
2. Esta liquidação resultou da submissão eletrónica de uma declaração de rendimentos modelo 3 para o ano de 2006, pelo Requerente, em 21-05-2007, registada com o n.º …-2006-…-…, de que resultou a referida liquidação de IRS.
3. O Requerente foi notificado desta liquidação, tendo a AT informado o Requerente de que poderia reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
4. O ora Requerente apresentou impugnação judicial contra o referido ato de liquidação, (cfr. Proc. n.º .../07....BEPRT, do TAF do Porto), de que resultou uma decisão favorável, determinando-se a anulação total da liquidação impugnada, a restituição do imposto pago, bem como o pagamento de respetivos juros indemnizatórios.
5. A decisão do TAF do PORTO fundamentou-se, em resumo, no facto de o tratamento fiscal dado ao ora Requerente ser desigual (aplicação de taxa especial de 25% do artigo 72.º do CIRS sobre 100% da mais-valia) em relação à dada aos residentes, em que a tributação da mais-valia destes é de apenas 50%, à qual é aplicável a taxa geral, o que viola o disposto no art.º 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, citando a Jurisprudência constante do Acórdão do STA, de 16.01.2008, Rec. N.º 0439/06.
6. Em cumprimento da decisão judicial proferida pelo TAF do Porto em 18-03-2014, com trânsito em julgado em 9-05-2015, a AT procedeu à anulação da liquidação em causa e ao reembolso do imposto liquidado ao ora Recorrente.
7. A AT procedeu oficiosamente a uma nova liquidação de IRS com vista a tributar o Requerente pela mais-valia em causa, pelas regras aplicáveis aos residentes, para evitar a discriminação negativa invocada junto do TAF do Porto, de que resultou uma nova liquidação de IRS n.º 2014 …, no valor de € 1.264,87, de que foi notificado para reclamar ou impugnar em 22-08-2014.
8. O Requerente apresentou petição de reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS antes identificado, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, por ter sido efetuada para além dos quatro anos que a Lei permite.
9. O Requerente invoca na sua petição de reclamação que, sendo residente fora do território português, na Alemanha e tendo obtido mais-valias resultantes da alienação onerosa de um imóvel localizado neste território, não existia norma válida de incidência que permitisse a tributação deste tipo de rendimento, pelo preceituado no Tratado de Roma, do que resultou que a liquidação de IRS efetuada, enferma de ilegalidade.
10. Da Informação dos Serviços relativa à apreciação da Reclamação Graciosa, estes entenderam que a AT se limitou a cumprir a decisão do TAF do Porto, eliminando a discriminação negativa, procedendo a uma liquidação de IRS segundo as regras aplicáveis aos residentes, considerando não se ter verificado a caducidade do imposto, pelo que a Reclamação foi indeferida por despacho de 2014-11-06.
11. Esta decisão foi notificada ao Requerente através do ofício n.º …/…-…, por carta sob registo, de 07-11-2014.
12. O Requerente apresentou em 29-12-2015 petição de Recurso Arbitral, visando a anulação de despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa relativa a IRS/2006 a qual enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo também o ato tributário respetivo ser anulado com as devidas consequências legais
VI – FACTOS DADOS COMO PROVADOS
1. Todos os factos referidos no ponto anterior.
V – FACTOS NÃO PROVADOS
1. Não há factos dados como não provados.
VI – DO DIREITO EM GERAL
Está em causa, em primeiro lugar, conhecer da questão prévia suscitada pela Requerida, relativa à alegada:
VI.1 - “Ineptidão da Petição Inicial”.
Defende a Requerida que sendo a petição inicial o acto processual em que a Requerente desencadeia o exercício do direito de ação, traduzindo-se no acto constitutivo da relação processual, é o único articulado absolutamente indispensável à existência do processo.
E que, face ao que dispõe o “artigo 552.º do Código de Processo Civil (“CPC”), entre os requisitos da petição inicial constam a exposição dos fundamentos de facto e de direito e a formulação do pedido, aos quais subjazem os critérios legais da inteligibilidade do pedido e da causa de pedir em conformidade com o artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC”.
Pelo que, continua a Requerida, “os factos essenciais integradores da causa de pedir bem como os factos instrumentais que a parte considere relevantes deverão ser deduzidos tendo em vista o exercício esclarecido do contraditório, pela Requerida”.
Donde, tem de haver um discurso e uma linguagem claros, concisos e ordenados, que permitam compreender as questões fundamentais suscitadas, já que a causa de pedir é o facto jurídico de onde emerge o direito do autor e fundamenta, portanto, a sua pretensão, pelo que terá de ser constituída, no mínimo, pelos elementos de facto e de direito que permitam a Requerida contestar.
E remete para o Acórdão da Relação de Lisboa, no processo 4579/2007-6, que refere: “O que conta para a correção da petição inicial é a inteligibilidade do pedido e da causa de pedir invocada e a existência de um nexo lógico entre ambos.”
Mais alega a Requerida que o Requerente se limita a alegar que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa enferma de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sem que invoque, especificadamente os factos que possam consubstanciar essa alegação.
E realça que o Requerente não alega os factos essenciais com relevância jurídica, nem ensaia qualquer descrição factual de onde possa emergir a sua pretensão, pois que se limita a alegar “vícios”, “imperfeições”, ilegalidades do acto em causa, sem que em momento algum se vislumbre qualquer articulação que sustente a sua causa de pedir.
Mais refere que no caso sub judice o Requerente ataca o indeferimento da reclamação de IRS de 2006, mas esquece por completo a articulação dos factos concretos, objetivos e individualizados que constituem a causa de pedir e não sustenta juridicamente, em termos lógicos, suficientes e adequados o pedido que formula na ação.
Mesmo tendo em conta os princípios da celeridade e simplicidade processual congénitos da instância arbitral, a Requerida realça que “não se pode pedir a veleidade do Requerente apresentar todo e qualquer documento que autoproclame de “pedido” de pronúncia sem que estejam verificados os pressupostos e formalismos essenciais à boa condução do processo”.
E a Requerida reforça a sua tese, remetendo para o n.º 1 do artigo 5.º do CPC (anterior 264.º do CPC), que prescreve que “é à Requerente que, ao invocar a titularidade de um direito, incumbe fazer a alegação dos factos cuja prova seja possível de concluir pela existência desse mesmo direito”.
E reforça com uma passagem de um Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31.01.2013, proferido no âmbito do processo n.º 500/08 4TBMNC.G1, onde se conclui:
“III – A causa de pedir tem de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas; não poderão apresentar-se como manifestamente irrelevante ou contraditória com o pedido.
IV – É sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos cuja prova seja possível concluir pela existência do direito – art.º 264.º, n.º 1 do CPC”.
Pelo que, conclui, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 186.º do CPC, deve a petição considerar-se inepta, acarretando, em consequência, a nulidade do processo e declarada a nulidade da presente lide e absolvida a Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 98.º do CPPT e 186.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Veja-se, então, antes de mais, o que se refere no pedido de pronúncia arbitral do Requerente:
De início, no introito:
“…vem requerer a constituição do Tribunal Arbitral, visando a anulação do despacho de indeferimento da decisão da Reclamação Graciosa relativa a IRS/2006, a qual enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo o acto tributário respetivo ser anulado, com as devidas consequências legais”.
De seguida, sobre o título “Caducidade da Liquidação” refere:
“1 – Não podia ter lugar a liquidação efetuada, relativa a IRS/06, porquanto o foi para além dos quatro anos que a lei permite, devendo ser anulado o acto tributário respetivo, por caducidade”.
Seguidamente refere, “Sem prescindir:”
“2 – O ora Requerente é (e foi no ano de 2006), residente na Alemanha tendo, nesse ano, obtido entre o mais, mais-valias resultantes da alienação onerosa do direito de propriedade sobre um bem imóvel sito em Portugal…o que terá ocasionado a presente liquidação, (Doc.s 1 e 2).
“3 – Ora, as normas que, ao tempo, existiam que estatuíssem a tributação deste tipo de rendimento, (a não residentes) não tinham válido suporte, porquanto violavam o preceituado nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma”.
“4 – Não havia, pois, ao tempo, qualquer norma válida de incidência, que permitisse a liquidação de imposto respeitante a mais valias de imóveis a não residentes.
“5 – Assim sendo, não havendo base de incidência, ressalta a ilegalidade do ato praticado”.
E a final: “Acresce que”:
“6 – A Administração Tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a Lei, (art.ºs 288.º, n.º 1 da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, será imputável a culpa dos próprios serviços…sendo devidos juros indemnizatórios”.
Termina por referir “FACE AO EXPOSTO,
“ Deve o requerido ser considerado procedente, anulado o ato tributário respetivo, restituindo ao Requerente o montante do imposto pago, acrescido dos juros respectivos”.
Conhecido o teor do pedido de pronúncia, o Tribunal está em condições de decidir se a questão prévia da “Inpetidão da Petição Inicial” suscitada pela Requerida tem fundamento legal.
Assim,
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A P.I. do Requerente é, de facto, muito sucinta, mas conhece-se que a causa de pedir consiste na anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa relativa ao IRS/2006, bem como, em consequência, a anulação do ato tributário respetivo.
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Mais se invoca que o fundamento da pretendida anulação do acto tributário em causa é o da caducidade da liquidação, por ter sido praticado para além dos 4 anos que a lei permite.
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Para além disso, é referido que as normas que ao tempo da liquidação existiam para tributação dos não residentes não tinham suporte válido por violação do preceituado nos art.ºs 12.º, 18.º, 39.º, 43,º e 56.º do Tratado de Roma.
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E realça também que a AT está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a Lei, citando os art.ºs 266.º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT, pelo que não procedendo assim, haverá culpa dos funcionários ou dos serviços e, portanto, são devidos juros indemnizatórios.
Saliente-se que na petição de Reclamação Graciosa apresentada oportunamente ao Diretor de Finanças do Porto, cuja decisão de indeferimento se contesta na Petição de Recurso Arbitral, o objeto de reclamação visava o acto tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2006, com fundamento na caducidade da mesma liquidação e que à data, as normas que permitiam a tributação das mais-valias de imóveis obtidas por não residentes não tinham suporte válido, por violação do preceituado nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma.
Donde se conclui que a Petição de Recurso é uma repetição da Reclamação Graciosa e dos fundamentos nela invocados e que foi objeto de apreciação, com decisão de indeferimento.
Nestes termos, CONSIDERANDO:
a) O que dispõe o artigo 5.º do CPC (art.º 264.º/664.º CPC de 1961), em que se refere:
“1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas;
2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 (…)”.
b) Dispõe também sobre a matéria o artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário:
“1 – São nulidade insanáveis em processo judicial tributário:
a) A ineptidão da petição inicial;
b) (…)
c) (…)
2 – As nulidades referidas no número anterior podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final.
3 – As nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
4 – (…)
5 – (…) “.
c) A Jurisprudência do Acórdão do STA de 24-03-2010, no P.º 0956/09 e no TCA Norte, de 27-11-2014, no P.º 00228/07.2BEMDL, de que se destaca:
No Acórdão do STA:
“I – A ineptidão da petição inicial é, na verdade, nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 98.º do CPPT, que só ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art.º 193.º CPC)[1].
II – Se na petição inicial de oposição à execução fiscal se formulam causas de pedir substancialmente incompatíveis para apreciação no âmbito do meio processual utilizado (preterição de formalidades legais no processo de contra-ordenação e nulidade da decisão administrativa e ilegitimidade do responsável subsidiário) e se o oponente termina essa petição inicial pedindo que se julgue “procedente por provada a oposição e, consequentemente, se declare extinta a execução fiscal revertida”, há na petição indicação de pedido e fundamentos de oposição admissíveis, pelo que o processo pode prosseguir para a sua apreciação[2]”.
No Acórdão do TCA Norte:
“INEPTIDÃO DA PETIÇÃO
I – Da interpretação do art.º 186.º do CPC a ineptidão da petição inicial pode ocorrer de duas formas:
a) Falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir;
b) Formulação obscura do pedido e/ou da causa de pedir.
II – Se o réu apesar de arguir a ineptidão contestou e após ouvido o autor, se verificar que interpretou corretamente a petição inicial, a mesma não é julgada inepta”.
O Tribunal entende, face às normas legais aplicáveis e transcritas, à Jurisprudência invocada e atendendo a que:
d) A petição inicial do Requerente, embora sintética e com linguagem pouco aperfeiçoada e processualmente não habitual em petições judiciais ou arbitrais, é, no entanto, articulada e minimamente entendível.
e) Não é também perfeita, mormente quanto aos fundamentos de direito, por ausência praticamente total de normas que fundamentem o invocado vício de violação de lei quanto ao acto tributário de liquidação contestado, mas é inteligível;
f) Não pode afirmar-se, porém, face à Jurisprudência citada, que se trata de uma petição inepta, no entender do Tribunal, porquanto:
1. Não se apresenta com uma falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir, apesar da quase total ausência das normas jurídicas violadas;
2. Não tem uma formulação obscura e ininteligível;
3. Não está em contradição com a causa de pedir;
4. Não existem nulidades insanáveis, a referida na alínea a) do n.º 1 do art.º 98.º do CPPT;
5. Não se verifica o disposto no artigo 186.º do CPC,
6. E apresenta fundamentos admissíveis.
Pelo que, por todo o exposto e pese embora a fundamentação da Requerida, este Tribunal decide que a invocada questão prévia suscitada não merece provimento legal.
VI.2 – DO DIREITO APLICÁVEL À CAUSA DE PEDIR
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De recordar que as mais-valias obtidas pelo Requerente não residente em território português em 2006, em consequência da alienação de um imóvel situado neste território, foram declaradas no Anexo G da Declaração mod. 3 de IRS entregue oportunamente pelo Requerente.
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Que dela resultou uma primeira liquidação de IRS com o n.º 2007…., no valor de € 4.924,54, efetuada com base nas regras legais aplicáveis a não residentes, (taxa especial de 25% sobre a totalidade da mais-valia), diferentes das aplicáveis a residentes (taxas gerais resultantes do englobamento, aplicáveis a 50% da mais-valia apurada, juntamente com outros eventuais rendimentos).
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O Requerente foi notificado desta liquidação, tendo sido esclarecido de que poderia reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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O ora Requerente apresentou impugnação judicial contra o referido ato de liquidação, (cfr. Proc. n.º .../07....BEPRT, do TAF do Porto), de que resultou uma decisão favorável, determinando-se a anulação total da liquidação impugnada, a restituição do imposto pagos, bem como o pagamento de respetivos juros indemnizatórios.
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A decisão do TAF do PORTO fundamentou-se, em resumo, no facto de o tratamento fiscal dado ao ora Requerente ser desigual (aplicação de taxa especial de 25% do artigo 72.º do CIRS sobre 100% da mais-valia) em relação à dada aos residentes, em que a tributação da mais-valia destes é de apenas 50%, à qual é aplicável a taxa geral, o que viola o disposto no art.º 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, citando a Jurisprudência constante do Acórdão do STA, de 16.01.2008, Rec. N.º 0439/06.
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Em cumprimento da decisão judicial proferida pelo TAF do Porto em 18-03-2014, com trânsito em julgado em 9-05-2014, a AT procedeu à anulação da liquidação em causa e ao reembolso do imposto liquidado ao ora Recorrente.
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De seguida, a AT procedeu oficiosamente a uma nova liquidação de IRS com vista a tributar o Requerente pela mais-valia em causa, pelas regras aplicáveis aos residentes, para evitar a discriminação negativa invocada junto do TAF do Porto e aceite por este, de que resultou uma nova liquidação, corretiva, de IRS n.º 2014 …, em 6-08-2014, no valor de € 1.264,87, de que foi notificado para reclamar ou impugnar em 22-08-2014.
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O Requerente apresentou petição de reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS antes identificado, em 29-09-2014, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, por ter sido efetuada para além dos quatro anos que a Lei permite.
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Mais refere o Requerente na sua petição de reclamação que, sendo residente fora do território português, na Alemanha, e tendo obtido mais-valias resultantes da alienação onerosa de um imóvel localizado neste território, não existia norma válida de incidência que permitisse a tributação deste tipo de rendimento por violação do preceituado nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma.
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Conforme consta da Informação dos Serviços relativa à apreciação da Reclamação Graciosa, estes estenderam que a AT se limitou a cumprir a decisão do TAF do Porto, eliminando a discriminação negativa, procedendo a uma liquidação corretiva de IRS segundo as regras aplicáveis aos residentes, considerando não se ter verificado a caducidade do imposto, pelo que a Reclamação foi indeferida por despacho de 2014-11-06.
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Esta decisão foi notificada ao Requerente através do ofício n.º …/…-…, datado de 07-11-2014, por carta sob registo, dando-lhe conhecimentos dos fundamentos do indeferimento através da Informação dos Serviços que foi junta ao referido ofício e também dos meios de defesa.
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O Requerente apresentou em 29-12-2015 petição de Recurso Arbitral, visando a anulação de despacho de indeferimento de Reclamação Graciosa relativa a IRS/2006 a qual enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo também o ato tributário respetivo ser anulado com as devidas consequências legais
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Mais invoca o Requerente na sua PI que se verificou a caducidade desta última liquidação de IRS n.º 2014 …, de 6-08-2014, no valor de € 1.264,87, por ter sido efetuada para além dos quatro anos que a Lei permite.
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Para além disso, alega também que as normas que ao tempo existiam que estatuíssem a tributação desse tipo de rendimento (a não residentes) não tinham suporte válido, porquanto violavam o preceituado nos art.ºs 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado de Roma.
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E reforça esta sua tese repetindo que não havia, ao tempo, qualquer norma válida de incidência que permitisse a liquidação de imposto respeitante a mais-valias de imóveis a não residentes, donde, conclui pela ilegalidade do ato praticado.
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E termina por pedir a anulação do ato tributário e o pagamento de juros indemnizatórios, por ter havido culpa de qualquer das pessoas ou entidades que integram a Administração Tributária, quando está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a Lei (art.ºs 266.º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT).
APRECIANDO:
I – A ALEGADA CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO
17. Antes de mais, veja-se o que dispõem, a este respeito, os artigos 45.º e 46.º da LGT:
“45.º - Caducidade do direito à liquidação
1 – O direito de liquidar impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
(…)
4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…)”
“46.º - Suspensão do prazo de caducidade
1 – (…)
2 – O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
(…)
c) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão”.
Donde,
18. Tratando-se de uma mais-valia obtida pelo Requerente em 2006, residente na Alemanha, que deu origem a uma primeira liquidação de IRS com o n.º 2007…., no valor de € 4.924,54, efetuada em 04-08-2007, com base nas regras legais aplicáveis a não residentes,
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De que o Requerente foi notificado em 22-08-2007, tendo apresentado impugnação judicial contra o referido ato tributário, em 2007, (cfr. Proc. n.º .../07....BEPRT, do TAF do Porto), resultando uma decisão favorável de 18-03-2014, transitada em julgado em 09-05-2014, determinando-se a anulação total da liquidação impugnada, a restituição do imposto pago, bem como o pagamento de respetivos juros indemnizatórios.
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Verificou-se, por isso, uma suspensão da caducidade entre a data da apresentação da impugnação judicial no TAF do Porto em 20-12-2007 e a data do trânsito em julgado, em 09-05-2014, ou seja, pelo menos de 6 anos de 2007 a 2013, mais 5 meses e 9 dias, de janeiro a abril de 2014.
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Donde se conclui, face ao disposto no artigo 45.º da LGT, conjugado com o artigo 46.º, alíneas a) e d) do n.º 2, a contagem do prazo de caducidade será feita do seguinte modo:
- Data do facto tributário – ano de 2006.
- Início do prazo de contagem da caducidade de 4 anos – 31-12-2006
- Ano de 2007 - De 1/1/2007 a 19-12-2007 (data apresentação da impugnação judicial………………………………………………………… 11 meses e 19 dias
- Anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 – 2014 até 09-05-2014 (data do trânsito em julgado da decisão judicial) – suspensão da caducidade.
- Ano de 2014 – reinício da contagem – de 9/5/2014 à data da notificação da liquidação ora contestada – 22-08-2014 – 162 dias.
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Resumindo, quanto ao prazo utilizado pela AT, para verificação da existência ou não da invocada caducidade da liquidação corretiva do IRS em causa:
- Ano de 2007 - 11 meses + 19 dias
- Ano de 2014 – 5 meses + 12 dias (162 dias)
16 meses + 31 dias = 17 meses + 1 dia =
1 ano+5meses+1dia
Prazo limite para proceder à liquidação corretiva: até 09-05-02017.
- Ano de 2007 - 11 meses + 19 dias
- Ano de 2014 - 5 meses e 12 dias
- Ano de 2015 – 12 meses
- Ano de 2016 – 12 meses
-Ano de 2017 – 4 meses + 29 dias
Soma:………. 44 meses + 60 dias = 48 meses = 4 anos
23. Donde, sem mais, a liquidação corretiva de IRS n.º 2014 …, efetuada em 6-08-2014, no valor de € 1.264,87, devidamente notificada em 22-08-2014, foi efetuada dentro do período de caducidade de 4 anos, conforme antes se demonstra, sem qualquer margem para dúvidas, pelo que não tem qualquer fundamento legal a invocada caducidade pelo Requerente.
II – A ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NORMA DE INCIDÊNCIA
Importa, em primeiro lugar, conhecer se Portugal tem competência para tributar este tipo de rendimentos (mais-valias de imóveis) obtidos em território português por não residentes.
E conhecer também se a liquidação em causa se mostra efetuada no cumprimento de normas legais aplicáveis.
DA COMPETÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO
24. Conforme bem refere a Requerida, a questão configura um conflito de normas, dada a sua conexão com dois Estados, o da residência do Requerente e o da localização do bem alienado, para além do respeito devido ao Tratado de Roma, na parte em que não permite a discriminação negativa entre cidadãos da União Europeia.
25. Tem-se, assim, que em termos de hierarquia das normas aplicáveis à questão em análise, temos:
a) – A CRP
b) – O Direito Comunitário
c) – O Direito Internacional
d) – O Direito interno português
26. Para se conhecer, assim, da competência para tributação destes rendimentos, importa analisar o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, bem com o que se dispõe nos artigos 1.º da LGT e do CPPT.
27. Relativamente à CRP, transcreve-se a parte relevante do art.º 8.º que importa aos autos:
“ Art.º 8.º - (Direito Internacional)
…
2.As normas de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
….
4.As disposições dos Tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”
28. Quanto ao Tratado de Roma, na sua versão consolidada, e às invocadas normas sobre a discriminação negativa entre residentes e não residentes, não importa agora apreciar, por não estar em causa nos autos, dado que essa questão já foi apreciada e decida pelo TAF do Porto.
29. Importa, isso sim, trazer à colação a Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho e em vigor.
30. E dela se colhe que nos termos do artigo 13.º - Mais-Valias, o seguinte:
“1 – Os ganhos que um residente de um Estado contratante[3] aufira da alienação de bens imobiliários considerados no artigo 6.º e situados noutro Estado contratante[4] podem[5] ser tributados nesse outro Estado[6].
(…)”.
31. Como facilmente se deduz, os elementos de conexão em causa são os seguintes, como extrai do Manual de Direito Internacional, de Alberto Xavier, oportunamente citado pela Requerida:
“Subjetivos – que se reportam às pessoas (como a nacionalidade ou residência)” – neste caso ao Requerente, com residência na Alemanha.
“Objetivos – que se reportam às coisas e aos factos (como fonte de produção (…) o lugar de situação dos bens (…) – neste caso em Portugal.
32. Clarificado o enquadramento da questão em análise e conhecida a norma Convencional aplicável, que permite a tributação dos ganhos em casos a Portugal, dado que a referida norma do artigo 13.º da Convenção se sobrepõe ao direito interno, por força do disposto no artigo 1.º da Lei Geral Tributária (LGT) e também no artigo 1.º do Código de Procedimento e de Procedimento Tributário (CPPT),
33. Não restam dúvidas que o Estado da localização do bem imóvel alienado (lex loci rei sitae) tem competência para aplicar a sua lei e, portanto, proceder à tributação das mais-valias em causa, desde que respeite o princípio da não discriminação, tal como se encontra plasmado no art.º 12.º do Tratado de Roma, versão consolidada, pelo que não tem fundamento a argumentação do Requerente.
DA INEXISTÊNCIA DE NORMAS VÁLIDAS PARA A TRIBUTAÇÃO
34. Também aqui, como se verá, esta argumentação não tem qualquer sustentação legal.
35. E assim é porque a lei aplicável, em sentido amplo, é a que consta do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por força do que anteriormente foi demonstrado, cujas normas aplicáveis à situação em análise, são as seguintes, como bem refere a Requerida:
“Artigo 15.º - Âmbito de sujeição
(…)
2 – Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
“Artigo 10.º - Mais-Valias
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;…”
“Artigo 18.º - Rendimentos obtidos em território português
1 – Consideram-se obtidos em território português:
(…)
h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão”.
36. Assim, face às citadas normas e à competência já reconhecida a Portugal para a tributação dos ganhos em causa, não restam dúvidas de que a sua aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira aos ganhos em causa, determinaram a existência da liquidação em causa, que não sofre de qualquer ilegalidade como o Requerente pretende, pelo que também aqui não tem procede a alegada inexistência de normas para a AT proceder à sua tributação.
DA LIQUIDAÇÃO DO IRS AO REQUERENTE PELAS REGRAS APLICÁVEIS AOS RESIDENTES
37. O Requerente, que recorreu ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para pôr em crise a 1.ª liquidação de IRS por violação do Tratado de Roma, com a alegação de ter havido discriminação negativa na sua 1.ª liquidação de IRS já identificados nos autos, vem agora pôr de novo em crise a liquidação corretiva, que elimina a invocada discriminação negativa.
38. Ora, o que a AT mais não fez foi proceder a uma liquidação corretiva de IRS relativamente aos ganhos em causa, cumprindo a decisão judicial referida, ou seja, tributando o Requerente segundo as regras aplicáveis a residentes, previstas no Código do IRS, eliminando, assim, a discriminação censurada.
39. Ou seja, mostrando-se já provado que a competência para a tributação dos ganhos em causa pertence ao Estado Português e mostrando-se provado que existem normas, no ordenamento jurídico português, que permitem a tributação dos mesmos ganhos,
40. E eliminada que foi a discriminação negativa na tributação do Requerente em IRS com cumprimento integral das respetivas normas aplicáveis do Tratado de Roma,
41. Todos os argumentos constantes da PI do Requerente deixam de ter qualquer fundamento legal.
DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
42. Resolvidas todas as questões suscitadas pelo Requerente, resta referir a da contestação ao indeferimento da reclamação graciosa também objeto da PI.
43. Ora, atendendo às conclusões sobre as anteriores questões ou causas de pedir suscitadas pelo Requerente, que não têm fundamento legal, como se demonstrou, deduz-se, como corolário dessas conclusões, que também não há fundamento legal para pôr em crise o indeferimento da reclamação graciosa, que tomou uma decisão correta, fundamentada e devidamente notificada ao Requerente.
VII. – Da exigência de juros compensatórios
1. Ao contrário do que afirma a Requerente, não padecendo a liquidação corretiva em causa de qualquer ilegalidade, não podem ser exigidos juros indemnizatórios.
2. É esta conclusão que decorre do artigo 43,º, n.º 1 da LGT:
“ são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido.”
3. E porque, comprovadamente, como se demonstrou não foi, nesta liquidação corretiva que agora está em causa, liquidado imposto superior ao devido, nem houve erro dos serviços, não pode haver obrigação de indemnizar.
VI - DECISÃO
Por todo o exposto e devidamente fundamentado, este Tribunal Singular decide:
-
Negar provimento ao presente Recurso, por, em consequência, se mostrar corretamente efetuada a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2006, n.º 2014 …, de 06/08/2014, no valor de € 1.264,87
-
Não ser devido o pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, pelos fundamentos expressos, que levam à conclusão da correta liquidação corretiva de IRS.
VI – DO VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da ação em € 1.264,87, conforme resulta dos autos e dos documentos anexos, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n,º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
VII – DAS CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT e artigo 4.º da Tabela I do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em € 306,00, a pagar pela Requerente, visto que a Requerida obteve vencimento integral do pedido.
Notifique-se as Partes.
Lisboa, 14 de outubro de 2015.
O Árbitro,
(José Rodrigo de Castro)
[1] Em itálico e sublinhado pelo Tribunal.
[2] Igualmente em itálico e sublinhado pelo Tribunal.
[3] A Alemanha, neste caso.
[4] Neste caso, Portugal.
[5] O que quer significar, nos termos da Convenção Modelo da OCDE, que tais ganhso podem ser tributados em ambos os Estados em causa.
[6] Neste caso, Portugal.