Decisão Arbitral
RELATÓRIO
1. Em 6 de fevereiro de 2015, A…, Lda, NIPC n.º …, adiante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª C e Dr.ª D.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 9 de fevereiro de 2015.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos seguintes atos de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2012, no valor total de € 13.428,70 (treze mil, quatrocentos e vinte e oito euros e setenta cêntimos), que incidiram sobre o prédio inscrito sob o artigo … da freguesia de ..., concelho e distrito de Lisboa, em propriedade vertical, respeitante aos andares ou divisões com utilização independente correspondentes ao R/C D, R/C E, 1.º D, 1.ª E, 2.º D, 2.º E, 3.º D, 3.º E e 4.º andar.
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.
6. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 17 de abril de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. Tendo sido invocada uma excepção por parte da Requerida, na sua resposta, o tribunal considerou que apenas a deveria apreciar na decisão final, pelo que notificou, por despacho de 09.07.2015, as partes, desta decisão preliminar, bem como, para as mesmas se pronunciarem quanto a eventual dispensa de realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e eventual dispensa de apresentação de alegações. Face ao silêncio de ambas as partes, entendeu, assim, o tribunal arbitral ser de dispensar a aludida reunião, bem como as mencionadas alegações, uma vez que não existe necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis.
8. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 16 de outubro de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente, através do despacho de 15 de setembro de 2015, de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de imposto do selo a que foi sujeita, relativamente aos andares ou partes suscetíveis de utilização independente, afetos a habitação, do prédio inscrito sob o artigo … na respetiva matriz, sito na Rua …, n.º … a …, Tornejando para a Rua …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, que se encontra em propriedade vertical, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:
a) Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, “na medida em que, quer o prédio esteja inscrito na matriz predial em propriedade horizontal, quer em propriedade vertical, a base tributável sujeita a IMI foi e é sempre o valor patrimonial de cada uma das divisões susceptíveis de arrendamento em separado, tal como aconteceu já em sede de Contribuição Predial e da Contribuição Autárquica. Logo, se foi e é assim em relação ao cálculo do IMI (…), a requerente não vê razão para que o mesmo não aconteça ao imposto de Selo, fazendo-o incidir, também ele, sobre o valor patrimonial de cada uma das ditas divisões. (…) Aliás, o legislador, com esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional de elevado valor (de luxo), considerando de elevado valor os prédios com valor patrimonial mínimo de 1.000.000,00 €”.;
b) Acrescenta, ainda, que: “se o legislador nada disse em relação à forma de tributação de tais prédios em sede do imposto de selo à taxa de 1% e se não fez qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e prédios em propriedade horizontal, afectos a habitação e com valores patrimoniais tributários inferiores aos tais € 1.000.000,00, por andar ou divisão susceptível de arrendamento em separado, como no caso concreto aconteceu e acontece, é consabido que lhes pretendeu dar o mesmo tratamento a nível de tributação em imposto de selo, à semelhança do que se passou e passa ao nível da tributação em IMI e antes, na CA e na Contribuição Predial.”
c) Defende, ainda, que: “a Autoridade Tributária, desconsiderando o valor patrimonial tributário relativo a cada uma das habitações autónomas do prédio na liquidação do selo da verba 28 da Tabela Geral, desrespeitou claramente a “ratio juris” do preceito, o qual só pode prever a incidência do imposto relativamente aos “Fogos de luxo” com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00”.
d) Vício de violação de Lei constitucional, mormente do princípio da igualdade, da prevalência da verdade material, da boa-fé da confiança e da segurança jurídica, porquanto, por um lado, “a AT, actuando como actuou, usou e usa de «dois pesos e de duas medidas», (…) a AT, com tal actuação acabou por dar, com ou sem intenção, relevância à forma, descorando a substância, quando (…) devia ter acontecido o contrário, ou seja, devia ter valorizado a substância, desinteressando-se da forma, à semelhança do caminho que trilhou em muitas outras alturas e noutras circunstâncias.”; “Porque sujeitar tais habitações a Imposto do Selo, somente pela inexistência do instrumento jurídico que formalizasse a propriedade horizontal, é negar totalmente o princípio que vigora em Direito Fiscal da “Prevalência da Substância sobre a Forma”;
e) Defende, ainda, que: “não é crível que conhecendo o legislador a realidade das inscrições matriciais, a Lei apareça de supetão e se vá aplicar aos contribuintes em tais circunstâncias (como no casos dos impugnantes), ferindo de forma clara, entre outros tantos, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé que deve existir na autuação entre a Administração e particulares, consagrados, principalmente, nos artigo 59.º da LGT, 7.º do Código de Procedimento Administrativo, disposições estas que tiveram a sua origem nos artigos 22.º, 266.º e 267.º da Constituição da República.”
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se, por exceção e por impugnação:
a) Por exceção, alega, a Requerida, que: “é com base na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, notificada com A/R, através de ofício datado de 25.01.2015, proveniente do SF Lisboa, que o requerente pede a constituição do presente tribunal arbitral. Ora, o pedido de constituição do tribunal também se rege por prazos e com fundamentos legais. Assim, no disposto no art.º 10.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto, e bem assim da notificação da decisão do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.”, assim sendo, e uma vez que, “a ora requerente não apresentou recurso hierárquico (ele cabia da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação, conforme notificação), pelo que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação não é fundamento para requerer a constituição do tribunal arbitral, nos termos da parte final da referida alínea a) do art.º 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.”
b) Ainda, a título de excepção, e agora concretizando, menciona a Requerida que: “ se for analisado o pedido da ora requerente com fundamento na primeira parte da referida alínea a), isto é com fundamento constante do artigo 102.º, n.º 1 alínea a) do CPPT, (…) o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificados ao contribuinte, o pedido de constituição arbitral é extemporâneo, porquanto, as liquidações em causa tinham como prazo voluntário de pagamento 30 de Abril de 2013, e o presente pedido foi apresentado pela requerente em 6 de Fevereiro de 2015, portanto muito para além do prazo de 90 dias.”
c) Por impugnação e no que toca ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “a ora requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. Logo, encontrando-se o prédio de que é proprietário, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio. Assim, a ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redacção da referida verba [verba 28.1 da TGIS], não é proprietário de 11 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.”
d) Acrescenta, ainda que, “A propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil (…). Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal”, porquanto, por um lado, “estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referido pelo artigo 2.º do CIMI. E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes dois regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito (…).”
e) Com efeito, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípio gerais da interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da Lei. Ora, a lei fiscal não comporta qualquer lacuna” Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são parte susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.”
f) Referindo, em consequência que “Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º de consequentemente, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.”
g) Expõe mais, que: “ A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suceptíveis de utilização económica independente.”
h) Acrescenta, ainda, que: “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral.”
i) No que toca ao alegado vício de violação de lei constitucional – por violação do princípio da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva, defende-se a Requerida referindo, quanto à alegada violação do princípio da igualdade, que inexiste qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, porque “são institutos jurídicos diferenciados.”
j) Mais entende que as ”normas, procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime de propriedade vertical, isto, porque (…) estes regime jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os.”
k) E, conclui no sentido de que “aos actos tributários em causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos.”
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
- Questões prévias -
A Requerida na sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente, apresenta a sua defesa por excepção e por impugnação. Ora, considerando que, no que à excepção diz respeito, e uma vez que a mesma, procedendo obsta ao conhecimento do mérito do pedido, importa antecipadamente conhecê-la, o que nos propormos fazer de imediato.
Assim,
Sustenta a Requerida, por um lado, que “é com base na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, notificada com A/R, através de ofício datado de 25.01.2015, proveniente do SF Lisboa, que o requerente pede a constituição do presente tribunal arbitral, (…) o qual “não é fundamento para requerer a constituição do tribunal arbitral, nos termos da parte final da referida alínea a) do art.º 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.”, - o que poderemos considerar como sendo uma excepção de “inidoneidade do meio”.
E, por outro lado, manifesta o seu entendimento, no sentido de que “se for analisado o pedido da ora requerente com fundamento na primeira parte da referida alínea a) , isto é com fundamento constante do artigo 102.º, n.º 1 alínea a) do CPPT, (…)o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificados ao contribuinte, o pedido de constituição arbitral é extemporâneo, porquanto, as liquidações em causa tinham como prazo voluntário de pagamento 30 de Abril de 2013, e o presente pedido foi apresentado pela requerente em 6 de Fevereiro de 2015, portanto muito para além do prazo de 90 dias.” ( (in)tempestividade do pedido)
Vejamos,
I - (In)idoneidade do meio
A Requerida considera que o meio processual adequado a reagir à decisão do indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações controvertidas era o recurso hierárquico, e não o pedido de constituição do tribunal arbitral.
Vejamos se assiste razão quanto a este aspecto à Requerida, devendo, para já indicar os factos considerados como assentes para a apreciação desta matéria.
Como matéria de facto dada como assente com interesse para apreciar a excepção em causa, temos que:
A. No dia 3 de julho de 2014, a Requerente, através do seu mandatário, efetuou um pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012, com referência às notas de cobrança 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 … e 2013 …, requerendo a sua anulação. (cfr. Doc. N.º1 junto com a petição inicial);
B. Em dezembro de 2014, a Requerente foi notificada do projeto de decisão no sentido indeferimento da revisão oficiosa referente à anulação de liquidações de IS (verba 28.1 da TGIS) que apresentou, e para querendo, exercer o direito de audição que lhe assistia, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária. (cfr. Doc. N.º 1 junto com a petição inicial);
C. E em janeiro de 2015, foi, a Requerente, notificada da decisão definitiva respeitante à revisão, no sentido do seu indeferimento. (cfr. Doc. N.º 1 junto com a petição inicial).
Ora, considerando os factos dados como assentes acima descritos, e que o acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de acto tributário é um acto administrativo em matéria tributária, embora não tenha como objecto mediato um acto de liquidação, …
Será pacífico, que no caso sub judice, este acto administrativo – indeferimento do pedido de revisão - comportou a apreciação da legalidade do acto de liquidação – cfr. Doc n.º 1 junto com a petição inicial – é enquadrável na alínea d) do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim sendo, e na sequência deste enquadramento não será demais referir Jorge Lopes de Sousa[1] quando menciona que “Há actos em matéria tributária que são impugnados através de acção administrativa especial, como resulta da alínea p) e do n.º 2 do art. 97.º CPPT.
Destas normas resulta que a acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou de outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos administrativos relativos a questões tributária que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
Deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que a aprecie ou acto de apreciação de pedido de revisão oficiosa nos termos do art. 78.º da LGT) o meio adequado é o processo de impugnação.”
Significa isto, que tendo o despacho que proferiu a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto do selo, aqui impugnadas, apreciado a legalidade do acto tributário de liquidação, o meio que o contribuinte dispunha para reagir contra essa mesma decisão era através da impugnação judicial, nos termos do disposto no artigo 102.º alínea e) conjugada com a alínea e) do artigo 97.º, ambos do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT.
Sendo, igualmente, este o sentido do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00558/12.1BECBR, de 30.04.2015 que o presente tribunal acompanha e adere, segundo o qual:
“I. Da interpretação da alínea a) do art.º 102.º do CPPT o prazo de impugnação é de 90 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
II. Decorre do n.º 1 do art.º 78º da LGT que o contribuinte pode requerer à administração a revisão dos atos tributários, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade.
III. É jurisprudência reiterada e pacífica do STA, tal como a administração tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art.º 78º da Lei Geral Tributária) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aqueles fundamentos.
IV. Decorre do n.º 1 do art.º 78.º da LGT que face ao indeferimento expresso ou tácito, do pedido de revisão oficiosa, que lese os direitos e interesses legalmente protegidos, abre via contenciosa nos termos da alínea d) do n.º1 e 2 do art.º 95.º da LGT.”
Assim sendo, aderindo a esta jurisprudência, aplicável ao caso dos autos, concluímos que não assiste razão à requerida quanto à invocada “inidoneidade do meio”, pelo que, é a mesma improcedente.
II – Intempestividade do pedido
Entende a Requerida que o pedido de constituição do presente tribunal arbitral é extemporâneo, porquanto, “as liquidações em causa tinham como prazo voluntário de pagamento 30 de Abril de 2013, e o presente pedido foi apresentado pela requerente em 6 de Fevereiro de 2015, portanto muito para além do prazo de 90 dias.”
Vejamos se assiste razão à Requerida,
O artigo 10.º do RJAT prevê que: “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.”
Este preceito legal remete claramente para o disposto no artigo 102.º do CPPT, o qual prevê na alínea e) do seu n.º 1 que: “A impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir dos factos seguintes: e) notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.”
Ora, conjugando aqueles preceitos com os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa[2], quanto a esta matéria, no sentido de que: “No que concerne aos actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (como as decisões de recursos hierárquicos interpostos de decisões de reclamações graciosas e as decisões que conheçam o mérito de pedidos de revisão do acto tributário), o meio processual adequado é o processo de impugnação judicial [art. 97.º, n.º1, alínea d) do CPPT], pelo que será aplicável o prazo de 90 dias [art. 102.º, n.º 1 alínea e) do CPPT].”, somos de crer que também aqui não assistirá razão à Requerida quanto à excepção da intempestividade do pedido.
Na verdade, e atendendo que é nesta alínea e) do artigo 102.º do CPPT que se poderá enquadrar o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o prazo de 90 dias para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral, por respeito ao disposto no artigo 10.º do RJAT e artigo 102.º do CPPT, deve contar-se a partir da notificação do acto de indeferimento do pedido de revisão e, não a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações.
Deste modo, tendo em consideração que a Requerente foi notificada do acto de indeferimento do pedido de revisão no dia 25 de Janeiro de 2015 e que apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral a 6 de Fevereiro de 2015, passando apenas 12 dias, não é o mesmo extemporâneo, por não ultrapassar o prazo de 90 dias legalmente previsto, improcedendo também esta excepção invocada pela Requerida.
Assim, conclui-se pela improcedência das excepções invocadas pela Requerida, pelo que em consequência, se apreciará o mérito do pedido.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é proprietária do prédio sito na Rua …, n.º … a … , tornejando para a Rua …, freguesia de ..., concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. (cfr. Doc. n.º 11 junto com a petição inicial);
B. O prédio compreende um total de seis andares e onze divisões com utilização independente, sendo que apenas nove se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 64.870,00 e € 165.180,00. (cfr. Doc. n.º 11 junto com a petição inicial);
C. O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total. (Doc. n.º 11 junto com a petição inicial);
D. O somatório dos VPT das mencionadas frações autónomas afetas a habitação ascende a € 1.295.270,00 (um milhão, duzentos e noventa e cinco mil, duzentos e setenta euros), tendo cada uma delas individualmente, um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (Doc. n.º 11 junto com a petição inicial);
E. A inscrição matricial n.º … identifica separadamente cada uma das unidades autónomas de utilização independente, encontrando-se também discriminado o respetivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. Doc. N.º 11 junto com a petição inicial);
F. A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2012, efetuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre os andares e divisões com utilização independente afetas a habitação, no valor global de € 12.952,70 (cfr. Docs. n.º 2 a 10 juntos com a petição inicial);
G. No dia 30 de abril de 2014, a Requerente procedeu ao pagamento, em fase de cobrança coerciva, das notas de cobrança 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 … e 2013 …, no montante global de € 13.428,70 (cfr. Docs. N.º 12 a 19 juntos com a petição inicial).
H. No dia 3 de julho de 2014, a Requerente, através do seu mandatário, efetuou um pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012, com referência às notas de cobrança 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 … e 2013 …, requerendo a sua anulação. (cfr. Doc. N.º1 junto com a petição inicial);
I. Em dezembro de 2014, a Requerente foi notificada do projeto de decisão no sentido do indeferimento da revisão oficiosa referente à anulação de liquidações de IS (verba 28.1 da TGIS) que apresentou, e para querendo, exercer o direito de audição que lhe assistia, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária. (cfr. Doc. N.º 1 junto com a petição inicial);
J. E em janeiro de 2015, foi, a Requerente, notificada da decisão definitiva respeitante à revisão, no sentido do seu indeferimento. (cfr. Doc. N.º 1 junto com a petição inicial).
VI. Motivação da matéria de facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
VII. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VIII. Fundamentos de direito
- Das questões controvertidas –
No presente caso, são três as questões de direito controvertidas:
1) saber se a sujeição a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2012, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afetação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem - Incidência da verba 28.1 da TGIS;
2) saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, na interpretação que dele faz a AT.
3) saber se a Requerente, caso procedam as anteriores questões, tem direito a juros indemnizatórios.
Vejamos,
I – Da incidência da verba 28.1 da TGIS
1. A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.
2. A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%
28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”
3. Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:
a) “prédios urbanos,
b) com afectação habitacional,
c) E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)
4. A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.
5. Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.
6. E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.
7. Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
8. Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
9. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
10. Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa ou fracção autónoma) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
11. Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.
12. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.
13. Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou frações for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.
14. Não parece sensato que se possa enquadrar na previsão normativa, prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.
15. Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, a riqueza.
16. Ora, o prédio em questão pertence à Requerente, e é composto por 6 andares e 9 divisões com utilização independente, todas com afetação habitacional.
17. É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a essas 9 divisões com utilização independente que têm afectação habitacional, perfazendo um VPT global de € 1.295.270,00 (um milhão, duzentos e noventa e cinco mil, duzentos e setenta euros), no ano de 2012, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual, entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.
18. Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões mesmo que com utilização independente, destinadas a habitação.
19. Vejamos, se a tese da AT convence,
20. A Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de outubro de 2012.
21. No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afetação habitacional.”, que aqui nos interessa.
22. No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
23. Assim, temos que, a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
24. Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
25. Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico- formal da situação concreta do prédio, mas sim, a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.
26. Mais, aferimos que, para o legislador, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
27. Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de três factos, a saber:
a) estarmos perante um prédio urbano;
b) a afectação habitacional e
c) o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.
28. Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada dos andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.
29. Deste modo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias fracções ou divisões com utilização independente afectas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!
30. Assim sendo, não havendo, desta forma, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar a Requerente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2012, que ora se impugna, por ser o mesmo ilegal, e por isso inaceitável e desconforme, entre outros, com o princípio da legalidade fiscal, bem como com o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
II – Da violação de Lei constitucional
31. Em conformidade com outas decisões arbitrais proferidas no âmbito da matéria que aqui nos ocupa, e às quais aderimos, por com as mesma concordarmos, temos que o princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º, da CRP), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério - a regra da uniformidade dos impostos.
32. Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente, e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade.
33. O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.
34. Por isso mesmo, é que o artigo 12.º, nº3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”
35. Em consequência, a discriminação que se verifica, e que está a ser operada pela AT no caso concreto, traduz uma discriminação arbitrária e ilegal. Nada na lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal.
36. Por outro lado, é sabido que muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, fatores que necessariamente devem ser tidos em conta. E, certamente, tendo em conta toda essa realidade social e económica, o próprio legislador fiscal no CIMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.
37. Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade, segurança e certeza jurídica e proporcionalidade fiscal.
38. No entanto, cumpre referir que, os princípios constitucionais são aqui invocados apenas como suporte para uma interpretação segundo a CRP, posto que, a operação de liquidação de IS levada a cabo pela AT, na situação dos autos, não está conforme a verba 28 da TGIS e o nº 7 do artigo 23º do CIS.
39. Seguindo este raciocínio, e transcrevendo o que já foi sufragado no Acórdão do CAAD no processo n.º 30/2014 T que aderimos na íntegra:
“A questão não carece, em nosso entender, de ser colocada ao nível da violação da CRP, bastando, no cumprimento do referido no nº 7 do artigo 23º do CIS que se leve a efeito uma leitura, “com as necessárias adaptações das regras do CIMI” que será considerar que a expressão “cada prédio urbano” comporta não só os andares em propriedade horizontal (que são prédios urbanos ope legis) como também “os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente” (nº 3 do artigo 12º do CIMI).
Ou seja, ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
Ora, se v.g. para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos) não se adicionam os VPT para determinar o limiar do VPT elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios em propriedade vertical tal deve ocorrer?
Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis).Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas.
As verbas 28 e 28-1 da TGIS, enquanto normas de incidência de IS, na leitura que se propugna nesta decisão, não padecem desta feita de qualquer desconformidade com o texto da lei fundamental.(…)
Na verdade é a referida norma, na sua literalidade, mormente a parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, que permite concluir, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveria a AT adicionar os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para encontrar um novo VPT relativo àqueles que são afectos a fins habitacionais, cindido do VPT dos que estão afectos a outros fins.»
40. Posto isto, a tributação desigual da ora requerente, comparativamente com uma situação em que o prédio se encontre em propriedade horizontal de idênticas características, é manifestamente ilegal por considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, porque se trata de uma nítida violação, entre outros, do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, nada legitimando a interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis.
41. Finalmente, não pode deixar de se referir a jurisprudência do CAAD, proferida sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, nos processos n.º 428/2014-T, n.º 206/2014-T, n.º 30/2014-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T do CAAD, entre outros, cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra, no que à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS diz respeito.
42. Face ao exposto, não havendo, deste modo, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, são os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2012, no montante de € 12. 952,70 anulados, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS e no artigo 13.º da CRP.
III – Dos juros indemnizatórios
43. A Requerente peticiona, a final, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.
44. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
45. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
46. Ora, resultando dos actos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
47. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos actos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
48. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
49. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
50. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 13.428,70, que pagou, em fase de cobrança coerciva, contados desde o dia 30.04.2014, até ao integral reembolso do referido montante.
DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
1. Considerar improcedente a excepção de “intempestividade do pedido” invocada pela Requerida.
2. Anular todos os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente, relativos ao ano de 2012.
3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou, acrescida de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o dia 30.04.2014 até ao integral reembolso.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 13.428,70 (treze mil, quatrocentos e vinte e oito euros e setenta cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de Outubro de 2015
***
O Árbitro
(Jorge Carita)
[1] Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, pág. 53, Almedina 6.ª Edição, 2011
[2] In obra citada, pág. 159, anotação 11.