Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A…, (doravante “Requerente”), com o número de identificação fiscal (“NIF”) …, residente na Rua …, n.º …, …, … Lisboa, apresentou, no dia 6 de fevereiro de 2015, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, de forma a serem declaradas ilegais as notas de liquidação, referentes à 3.ª prestação de Imposto do Selo (“IS”), infra detalhadas:
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
u 2014 …
no montante total de € 4.210,65, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) no n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 1 de abril de 2015.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 17 de abril de 2015.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS detalhadas supra, respeitantes ao ano de 2013, por referência a um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, situado na Rua …, n.º … a n.º …, Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ….
5. A AT apresentou resposta, peticionando a extinção da instância arbitral constituída por se verificar a inutilidade superveniente da lide, uma vez que aquelas liquidações já teriam sido objeto de pronúncia arbitral, no âmbito do processo que deu origem à decisão arbitral n.º 430/2014-T, de 20 de fevereiro de 2015.
6. Não obstante, referiu que, caso assim não se entendesse, fosse então utilizada a resposta por si dada no âmbito do processo previamente referido, solicitando, igualmente, que fossem dispensadas quer a reunião quer as alegações finais.
7. O Requerente, chamado a pronunciar-se sobre a resposta da AT, salientou que, à data da interposição da petição inicial (que deu origem à constituição do presente tribunal), o primeiro não tinha ainda tomado conhecimento da decisão arbitral mencionada supra (que declarou ilegais as três prestações que compunham as liquidações de imposto anteriormente mencionadas), e tendo sido notificado pela AT para liquidar as referidas prestações, procurou, igualmente, impugnar as mesmas.
8. Por despacho de 12 de outubro, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
9. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e estendeu o prazo limite para a emissão de uma decisão arbitral em um mês.
10. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
11. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
12. A questão fulcral a apreciar e decidir, tal como se retira das peças processuais das partes, e havendo já uma decisão arbitral que, tal como salientado supra, se pronunciou pela ilegalidade das liquidações de IS em causa (i.e., relativamente às primeiras, segundas e terceiras prestações), reside somente em apurar qual das partes, terá, na presente situação, que suportar as custas judiciais.
13. Com efeito, formando-se a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º do Código do Processo Civil (“CPC”), resta apenas decidir, nos termos da legislação pertinente, a quem compete suportar o referido encargo.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
14. Neste sentido, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A ora Requerente é proprietária de um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, situado na Rua …, n.º … a n.º …, Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ….
II. No dia 20 de fevereiro de 2015, no seguimento da petição inicial submetida pela Requerente, com vista à impugnação da 1.ª prestação das liquidações de IS referentes às frações que compõem o prédio da qual é proprietária, o respetivo tribunal arbitral pronunciou-se no sentido de deferir a pretensão da Requerente, e, bem assim, alargar o seu pedido à totalidade das liquidações (ou seja, não só a 1.ª, mas também a 2.ª e 3.ª prestações), no âmbito da decisão arbitral n.º 430/2014-T, de 20 de fevereiro.
III. A Requerente, à data em que foi emitida a aludida decisão arbitral, tinha igualmente submetido pedidos de pronúncia arbitral respeitantes às 2.ª e 3.ª prestações (a 17 de outubro de 2014 e 6 de fevereiro de 2015, respetivamente), já que os prazos para a sua impugnação corriam nos termos normais.
IV. No dia 22 de abril, no âmbito da decisão arbitral referente ao processo n.º 722/2014-T, foi igualmente validada a ilegalidade das notas de liquidação referentes à 2.ª prestação daquela liquidação de IS.
15. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
16. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
17. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
18. Tendo em consideração a questão em causa, atente-se no CPC, que estabelece, no seu artigo 277.º, as causas de extinção de instância:
“A instância extingue-se com:
a) O julgamento;
b) O compromisso arbitral;
c) A deserção;
d) A desistência, confissão ou transação;
e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
19. Paralelamente, e já que a questão central do presente caso se resume a decidir a quem compete suportar as custas, uma vez que a AT, nos termos anteriormente expostos, validou o entendimento vertido pelo tribunal arbitral, no âmbito das 1.ª e 2.ª prestações, passamos, de seguida, a expor o artigo 536.º do CPC:
“1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.
20. É, assim, no presente quadro jurídico que importa decidir a quem compete, no caso sob discussão, suportar as respetivas custas.
B) Argumentos das partes
21. Note-se que, no âmbito do presente processo, a AT optou por não questionar o pedido de ilegalidade suscitado pela Requerente.
22. Com efeito, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral elaborado pelo Requerente (a qual deu origem ao entendimento esgrimido pelo Requerente à posteriori, tal como infra exposto), onde, em síntese, alegou o seguinte:
23. “A ora requerida, em tempo de apresentar resposta, não pode deixar de ter em conta que as prestações aqui em litígio, já foram objeto de decisão em 20 de fevereiro de 2015, no âmbito do processo do CAAD n.º 430/2014-T”.
24. Considerando, dessa forma que, “a continuação da tramitação do presente processo é inútil, uma vez que o requerente já tem a sua pretensão satisfeita no âmbito do referido processo, cuja decisão, até, já transitou em julgado”.
25. Concluindo que “estamos, pois, perante a inutilidade superveniente da lide – artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 29.º do RJAT, declaração que se requer”.
26. Entendeu a Requerida, dessa forma, que a presente instância arbitral deveria ser declarada extinta, uma vez que os atos de liquidação de tributos impugnados já tinham sidos considerados ilegais em sede de tribunal arbitral.
27. Paralelamente, solicitou ainda que não lhe fosse incumbido o pagamento das custas respeitantes à presente estância.
28. O Requerente, chamado a pronunciar-se relativamente ao entendimento vertido pela AT no âmbito da sua resposta, considerou que apesar de no âmbito da decisão arbitral relativa ao processo n.º 430/2014-T terem sido contempladas todas as prestações, esta (decisão) só terá sido proferida no dia 20 de fevereiro, data à qual o mesmo já tinha impugnado, em sede de tribunal arbitral, as 2.ª e 3.ª prestações, de forma autónoma.
29. De facto, nas palavras do Requerente “não obstante a decisão proferida no processo
n.º 430/2014-T, contemplar, como efetivamente contemplou, a anulação da liquidação, no seu todo, e não a parte apenas correspondente à 1.ª prestação das três em que foi dividida e assim exigidas ao ora Requerente, com a argumentação de que não sendo paga a 1.ª prestação, se vencem as restantes, no caso, a 2.ª e 3.ª prestações”.
30. “No fundo, o Requerente, perante a decisão de anulação total das três prestações, de uma só vez, não teve como reagir e por ali ficaria, não se desse o caso da AT ter continuado a notificar o Requerente, para pagar a 2.ª prestação, até ao fim do mês de julho de 2014, e a terceira prestação, até ao fim do mês de novembro, do mesmo ano”.
31. Até “porque a decisão de anulação total da liquidação só ocorreu em 20/02/2015, o Requerente viu-se obrigado a questionar, quer a segunda, quer a 3.ª prestações e, ao
questioná-las não podia deixar de pagar a taxa arbitral inicial”.
32. Salientando nesse sentido que, se o mesmo “requereu, como efetivamente requereu e peticionou a anulação das 2.ª e 3.ª prestações, isso deve-se, exclusivamente, à AT, que sabendo que a primeira prestação entrou em fase de cobrança coerciva, devia, segundo parece, e é entendimento do Tribunal Arbitral, de relaxar a totalidade da dívida no vencimento da 1.ª prestação e, se o fizesse, já o Requerente não teria peticionado as referidas prestações”.
33. O Requerente alertou, por último, para o facto de que “relativamente à segunda prestação cujo processo correu nesse Tribunal sob o n.º 722/2014-T”, o respetivo tribunal se decidiu, a 22 de abril de 2015, a favor do Requerente, tendo a AT, ficado condenada nas custas.
34. Concluindo que, “não tem sentido a invocada exceção, visto ela nunca ter existido e, a existir, nunca poderá ser atribuída ao Requerente, uma vez que não foi ele que a provocou, mas sim a AT que se tivesse relaxado toda a dívida na altura em que a primeira prestação entrou na fase de cobrança coerciva, já não teria continuado, como continuou, a notificar as 2.ª e 3.ª prestações e, o Requerente, não as teria questionado no Tribunal”.
35. Peticionou então o Requerente que a Requerida fosse condenada no pagamento da totalidade das custas referentes ao presente processo.
C) Apreciação do tribunal
36. A título introdutório, cumpre referir que, no entendimento do presente tribunal, a questão decidenda se prende, somente, com o apuramento, nos termos da legislação supra referida, da parte à qual compete o pagamento das custas referentes à presente instância, que, tal como anteriormente se frisou, se encontra extinta.
37. De facto, tendo já havido uma decisão arbitral que estendeu o seu entendimento à totalidade das prestações de determinada liquidação de IS, neste caso pronunciando-se pela sua ilegalidade, o presente tribunal considera que se revela inútil, analisar, uma vez mais, a mesma matéria.
38. E, nesse sentido, é de confirmar o ponto de vista da AT, considerando que a instância se extingue, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, uma vez que se verifica uma ocorrência processual que torna a instância desnecessária (neste caso, uma decisão arbitral prévia que se pronúncia pela ilegalidade de toda a liquidação e não só da prestação que o Requerente procurava impugnar).
39. Não obstante o presente tribunal concordar que, nos termos da norma referida supra, se verifica a extinção da instância, importa, ainda assim, identificar a parte que terá que suportar as respetivas custas processuais.
40. Ora, nos termos do artigo 450.º, n.º 3 do CPC resulta que “(…) nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas” (sublinhado nosso).
41. Em primeiro lugar, diga-se que a responsabilidade pela formação dos atos de liquidação de tributos em causa pertence à AT.
42. E, é também esta que emite, de forma faseada (i.e., em três prestações), as notas de liquidação, dando espaço ao sujeito passivo para, caso entenda, impugnar as mesmas.
43. Neste sentido, e apesar do sujeito passivo impugnar a 1.ª prestação, a Requerida enviou, ainda assim, as 2.ª e 3.ª prestações, não permitindo que o Requerente pudesse, eventualmente, aguardar pelo desfecho do primeiro processo arbitral.
44. Ora, tal como demonstrado pelo Requerente, este apenas impugnou as prestações de forma autónoma, porque foi impelido a fazê-lo, já que se AT “tivesse relaxado toda a dívida na altura em que a primeira prestação entrou na fase de cobrança coerciva”, já não teria continuado, como continuou, a notificar para o pagamento das 2.ª e 3.ª prestações.
45. Acresce que, no momento em que se conheceu a decisão arbitral referida supra, que estendeu a ilegalidade da 1.ª prestação a toda a liquidação de IS, já o Requerente havia, pelo que previamente se mencionou, pedido a constituição de tribunal arbitral, de forma individual, para a 2.ª e 3.ª prestações.
46. E, da mesma forma, suportado a respetiva taxa de arbitragem inicial.
47. Não podendo, naturalmente, antever que no âmbito da decisão n.º 430/2014-T, de 20 de abril obtivesse uma pronúncia arbitral que declarasse a ilegalidade total (i.e., por referência às três prestações) das liquidações de IS (até porque, a própria decisão arbitral referente ao processo n.º 722/2014-T, pronunciou-se pela ilegalidade, de forma autónoma, da 2.ª prestação, nos termos anteriormente referidos).
48. Em conclusão, entende este tribunal arbitral que as custas referentes ao presente pedido de pronúncia arbitral deverão ficar a cabo da Requerida.
V. Decisão
49. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar extinta a presente instância arbitral, nos termos previamente indicados;
B) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
50. Fixa-se o valor do processo em € 4.210,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
51. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dado supra exposto.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 4 de novembro de 2015
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)