Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Diogo Feio e António Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15/4/2015, acordam o seguinte:
I. Relatório
1.A Requerente A… - …, Unipessoal, Lda (“A…”), pessoa coletiva n.º … com sede na Rua …, n.º …, …, Salas … e …, … ..., vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do art. 10.º e seguintes do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT[1]), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para o que formulou pedido nesse sentido, em 04-02-2015.
2. A pretensão objecto do requerimento de pronúncia arbitral consiste no pedido de anulação das liquidações oficiosas de IVA relativas aos exercícios de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 e nas correspondentes liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor global de €635.078,71 bem como no pedido de indemnização da Requerente por todos os custos suportados com a suspensão e garantia dos processos de execução fiscal que vierem a ser instaurados.
2.1.Por requerimento, de 16/2/2015, veio a Requerente pedir o alargamento do pedido de pronúncia arbitral às liquidações IVA e correspondentes juros de mora, relativas ao mês de Novembro de 2014.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-02-2015.
3.1.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 30-03-2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
3.2 Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-04-2015.
3.3.Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) No âmbito da sua actividade, a Requerente importa implantes e pilares que vende, posteriormente, a médicos dentistas ou a técnicos de prótese dentária;
b) Os implantes são uma estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, “substituindo” a função da raiz do dente. O pilar consiste numa estrutura de ligação ou fixação da prótese dentária, inserida no implante. Finalmente, sobre o pilar é introduzida uma coroa que visa substituir a parte visível do dente;
c) Os implantes e pilares são produzidos em série, ao contrário da coroa, que é elaborada pelos técnicos de prótese dentária e necessita de se ajustar às características da dentição do paciente em causa, pelo que é especificamente produzida para cada doente;
d) Tendo a AT concluído, em sede de processo inspectivo, que a comercialização por grosso de implantes e pilares não se enquadra no âmbito objectivo da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, deve ser-lhe aplicada IVA à taxa normal, dado que esta verba somente se aplica a «transmissões de próteses constituídas numa unidade única de implante, isto é, implante + peças de ligação + dente», sendo que, no Processo n.º 429/2014-T, do Centro de Arbitragem Administrativa, o Tribunal Arbitral decidiu, por unanimidade, que a comercialização dos pilares e implantes está sujeita à taxa reduzida de IVA, de acordo com o previsto na Verba 2.6, da Lista I anexa ao Código do IVA;
e) De acordo o estabelecido na Verba 2.6 da Lista I, anexa ao CIVA, estão sujeitos à taxa reduzida de IVA “aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas”;
f) O citado Tribunal Arbitral sustentou, na decisão referente ao Processo n.º 429/2014-T, que: «O sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter [em] consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação não restritiva.";
g)A letra do preceito leva por isso a concluir que os implantes dentários se enquadram na referida lista, pois que se trata de material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário, dado que implantes e pilares incluem-se, sem dificuldade, na categoria de artefacto, uma vez que aqueles constituem “objetos produzidos por trabalho mecânico”;
h)Para além disso, não parece existirem dúvidas de que os implantes e pilares em causa são material de prótese, ou seja, material utilizado na criação de uma peça artificial que substitui uma parte do corpo humano (in casu um dente artificial destinado a restabelecer a função mastigatória e estética dos dentes perdidos ou fracturados);
i) Assim, e articulando as duas formulações, ou seja, “artefactos e demais material de prótese”, o intérprete só pode ser levado a concluir que os implantes e pilares estão naturalmente abrangidos por aquela previsão normativa, pelo que uma mera interpretação literal positiva do preceito coloca os implantes e pilares no âmbito objectivo da norma de incidência;
j)Por outro lado, os implantes e pilares somente podem ser utilizados no âmbito da implantologia, tendo em vista a substituição no todo ou em parte do dente do doente, não sendo susceptíveis ¾ dadas as suas características ¾ de qualquer outra utilização, como decorre da Informação da Ordem dos Médicos Dentistas, sob o assunto “Dispositivos Médicos - Regulação”, de 20 de Fevereiro de 2013, onde se escreve que “o implante dentário é um dispositivo médico para uso único ao qual são atribuídas as finalidades acima descritas [restabelecimento da função mastigatória e estética] apoiando a reabilitação oral, referentes à alínea t) do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 145/2009, 17 de junho, servindo de suporte à prótese dentária; carecendo de elementos designados conectores - peças de ligação - também estes acessórios específicos e com finalidade médica”, corroboraria a sua tese;
k) Embora, no Relatório de Inspecção, seja feita menção à Informação Vinculativa emitida no Processo n.º 2883, despacho do SDG dos Impostos, em 20 de Dezembro de 2011, onde se refere a importância da classificação pautal na determinação do âmbito objectivo da taxa reduzida de IVA, um tal entendimento não tem suporte na lei, uma vez que a nomenclatura combinada serve apenas para efeitos estatísticos e para a aplicação da pauta aduaneira comum, não sendo relevante para efeitos de determinação dos bens sujeitos à taxa de IVA reduzida.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
a) Apenas as liquidações referentes aos exercícios de 2010 a 2013 podem ser objecto de apreciação porque só estas foram abrangidas pelo relatório de inspecção;
b) Conforme veiculado pela Divisão de Concepção da Direcção de Serviços do IVA, os materiais de prótese apenas são tributados à taxa reduzida se se destinarem ao fim definido na verba, ou seja, à substituição de parte do corpo com deficiência ou enfermidade ou da sua função;
c) Tal interpretação implica que os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não sejam abrangidos pela verba 2.6, dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou da sua função;
d) A verba 2.6 apenas abrange a transmissão do artigo que, em si, configure uma peça artificial que substitua o órgão do corpo humano ou parte dele, ou seja, “autonomamente ou unitariamente”, nos termos utilizados na informação vinculativa questionada;
e) Na prótese dentária por implante, aplica-se por isso a taxa normal do imposto à transmissão das peças de ligação ou fixação, dado que as mesmas, não cumprem, em si, objectivamente, a função descrita na verba 2.6. da Lista I anexa ao CIVA;
f) Assim, não basta estar-se perante “aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação”, sendo necessário que estes bens sejam aptos a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano;
g) Importa distinguir o conceito de implante do conceito de material de prótese. Por «material de prótese» deve entender-se aquele que se destine ou seja apto à substituição de um membro ou órgão do corpo humano, de forma total ou parcial. As próteses dentárias visam substituir o aparelho dentário, total ou parcialmente. Essa substituição verifica-se não só fisicamente mas, também, na substituição das suas funções: mastigação, verbalização, função estética;
h) A questão deve centrar-se em saber se a verba 2.6 da Lista I tem por finalidade tributar à taxa reduzida a transmissão de próteses, seja de que tipo forem, ou se o legislador pretendeu abranger aqui, também, a venda de todos os tipos de dispositivos de fixação que não são prótese, são fabricados em série e que, quando considerados isoladamente, nomeadamente no momento da sua transmissão por fornecedores como o sujeito passivo, não substituem um membro ou um órgão do corpo humano;
i) Deve aplicar-se a taxa reduzida a «aparelhos completos», por contraposição às operações tributáveis sobre partes, peças e acessórios, que não cumprem a função acima descrita, e que, como tal, devem ser tributadas à taxa normal do imposto, por falta de enquadramento nas Listas I e II, anexas ao CIVA. Neste sentido, e ao contrário do que o sujeito passivo pretende, afigura-se não ter acolhimento na letra da lei a tese de que a verba 2.6 engloba a comercialização de todo o tipo de peças destinadas à fixação de próteses ou à sua ligação, em vez de se referir à prótese em si, produto acabado apto à substituição de um órgão ou parte do corpo humano;
j) Os bens em apreço, transaccionados pelo sujeito passivo, não são material de prótese. Efectivamente, segundo o parecer da Ordem dos Médicos Dentistas, referido anteriormente, tais bens servem de suporte à prótese dentária;
k) O princípio da neutralidade fiscal opõe-se a uma diferenciação na tributação de bens ou serviços de idêntica natureza, considerando-se verificado quando o imposto não influi na escolha do consumidor. Por isso, sendo convocada a questão da neutralidade sobre a tributação dos diferentes tipos de prótese, ter-se-á de comparar a transmissão da prótese amovível com a da prótese fixa, e não com a da prótese fixa acrescida de peças de fixação e de ligação;
l) Sobre a posição da requerente, segundo a qual a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, não é de aplicação directa na ordem jurídica portuguesa, deve entender-se que a circunstância de não ter sido adoptada a nomenclatura combinada (NC) na transposição da directiva não afasta a possibilidade da sua utilização na interpretação da norma nacional. A NC é uma peça fundamental no circuito comercial dos bens, uma vez que é através da mesma que se procede à identificação dos bens objecto de importação ou exportação, com o consequente enquadramento tributário, pelo que o recurso a esta ferramenta, pelo intérprete, fortalece o crédito da interpretação.
6.No dia 23-06-2015, realizou-se reunião convocada ao abrigo do previsto no art. 18.º do RJAT, no âmbito da qual foram definidos os temas de prova, não tendo, as partes, manifestado discordância quanto a estes. Mais convidou, o tribunal, a Requerente, a esclarecer e precisar o sentido do requerimento de prova por si anteriormente oferecido, para o efeito lhe concedendo o prazo de 15 dias.
Perante os temas de prova fixados, foi, por outro lado, concedida, às partes, a possibilidade de exercício do direito à prova, bem como definida a tramitação subsequente.
7. Na sequência do convite do tribunal, a Requerente veio a 8/7/2015 alterar o requerimento de prova por si inicialmente oferecido.
8.No dia 09-09-2015, realizou-se, em consonância com o contemplado no art. 18.º do RJAT, audiência de julgamento, tendo nesta sido produzida a prova testemunhal requerida e junta aos autos a documentação de natureza científica exibida por uma das testemunhas e anexa à acta da referida audiência. Foi igualmente fixado o dia 14 de Outubro como data limite para prolação da decisão final.
9.As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal, tendo nestas mantido, no essencial, a sua argumentação inicial, pronunciando-se relativamente à matéria de facto a dar por provada e concluindo no sentido de dever proceder a sua pretensão.
10. Por despacho de 30 de Setembro, o Tribunal notificou a Requerida para juntar aos autos o processo administrativo justificativo das correcções notificadas ao sujeito passivo em 2014. Em exercício do contraditório, veio aquela sustentar a incompetência do tribunal para conhecer da legalidade de tais actos por estarem em causa pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação. O sujeito passivo invocou, diferentemente, estarem em causa liquidações efectuadas nos termos do art. 87.º do CIVA e, assim, consequência directa de montantes deixados de reportar no final de 2013.
II. Saneamento
11.Âmbito do objecto de apreciação pelo Tribunal
Alega a Requerida, entre o mais, que “As liquidações de IVA referentes ao ano de 2014, identificadas pela Requerente no seu PPA, não são liquidações oficiosas com origem em qualquer correcção elaborada pela inspecção tributária, mas sim liquidações resultantes da entrega das declarações periódicas pela própria Requerente…”, pelo que as declarações relativas à declaração de autoliquidação, como vem a ser o caso dessas liquidações, tem de ser precedida de recurso à via administrativa, nos termos dos arts. 131.º a 133.º do CPPT”.
Não tendo, tanto, ocorrido quanto às autoliquidações de 2014, tal razão determinaria a incompetência do tribunal arbitral.
A Requerida pugna, ainda, pela ilegalidade da cumulação de pedidos uma vez que a causa de pedir subjacente às autoliquidações de 2014 não é idêntica à que serve de causa de pedir nos presentes autos.
Em exercício do contraditório, veio a Requerente, alegar, em síntese, que:
- analisando-se as liquidações relativas ao exercício de 2014, verifica-se que, na fundamentação se afirma: «liquidação efectuada nos termos do art. 87.º do Código do IVA, em resultado do processamento da declaração correctiva, enviada para um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica»”.
- “(…) a retificação em causa é sempre efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, razão pela qual as liquidações relativas a 2014 são imediatamente impugnáveis”, como resulta, aliás, das próprias liquidações de IVA, relativas a 2014, onde expressamente se afirma que “o contribuinte poderá apresentar no serviço de finanças competente reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artigos 70.º e 102.º do CPPT”;
-As liquidações em crise resultam da diminuição dos créditos de imposto reportados dos exercícios anteriores em virtude de correcções e liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da inspecção em causa, que terá originado uma “diminuição para zero do imposto a reportar”;
- “(…) os montantes liquidados em 2014 são uma consequência direta e imediata dos montantes deixados de reportar no final de 2013, em resultado das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária”.
Cumpre decidir.
Da análise da documentação junta aos autos, resulta claro que as liquidações de IVA relativas a 2014, impugnadas pela Requerente, não consubstanciam impugnações de autoliquidações.
Na verdade, o que está em causa são “Demonstrações de Liquidação de IVA”, notificadas à Requerente, em 2014, de cuja fundamentação consta que foram emitidas ao abrigo do artigo 87.º do CIVA, preceito que dispõe o seguinte:
Artigo 87.º
Rectificação das declarações e liquidações adicionais
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.
2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.
Da análise dos documentos trazidos ao processo, verifica-se que para os períodos mensais de imposto relativos a 2014, a Administração Tributária e Aduaneira, enviou as referidas “demonstrações de liquidação de IVA”, sustentando-as no mencionado artigo 87.º do CIVA.
Assim sendo, tal como argumenta a Requerente, as liquidações de IVA relativas a 2014 resultam de correcções automáticas feitas pelo sistema (ao abrigo do artigo 87.º do CIVA) em consequência da redução do excesso a reportar de períodos anteriores, em resultado das correcções feitas pela Requerida, no âmbito do processo de inspecção.
Tais liquidações são, sem qualquer dúvida, uma consequência, das liquidações adicionais feitas pela Requerida no âmbito do processo de inspecção, ou seja, são uma consequência directa e imediata dos montantes deixados de reportar em momento prévio.
O pedido de cumulação, respeitante à correcção oficiosa de Novembro de 2014, é, assim (tal como no que diz respeito às demais correcções relativas a 2014) uma consequência directa e imediata dos montantes deixados de reportar anteriormente, em resultado das correcções constantes do Relatório de Inspecção, pelo que não há qualquer obstáculo à sua cumulação ao pedido inicial.
Apresentam, nestes termos, as liquidações de 2014, uma ligação com as correcções efectuadas em 2013, em virtude de o valor de IVA a reportar ter sido por aquelas influenciado.
Tratando-se de liquidações que são o resultado de correcções oficiosas feitas e provenientes da Administração Tributária e Aduaneira, as mesmas não podem, consequentemente, deixar de ser imediatamente impugnáveis, em conformidade, aliás, com o teor da notificação que as acompanhou.
Por outro lado, consta de tais notificações que a Requerente podia “apresentar, no Serviço de Finanças competente reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos arts. 70.º e 102.º do CPPT”.
Nestes termos, indica, a Requerida, ao particular que este pode reclamar ou impugnar (assim em termos alternativos) e não que deve reclamar antes de impugnar. Esta última previsão resultaria, de resto, de normas diversas relativamente àquelas que a Requerida indica em sede de notificação (arts. 131.º a 133.º do CPPT).
Ora, assim sendo, e ainda que, por mera hipótese, não se verificasse a circunstância supra aludida, a Administração Tributária e Aduaneira teria induzido o particular em erro, pelo que sempre seria de admitir a impugnação imediata de tais liquidações, nos termos do disposto no art. 58.º, n.º4, alínea a), do CPTA.
Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral, sendo, por outro lado, que, em rigor, o que estaria em causa não seria um problema de incompetência do tribunal, mas de não verificação de um pressuposto para exercício da competência do tribunal.
Procede, por outro lado, o pedido de cumulação formulado pela Requerente.
12.1.O tribunal é, assim, competente e encontra-se regularmente constituído.
12.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
12.3.O processo não enferma de nulidades.
12.4.Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Mérito
III.1. Matéria de facto
13. Factos provados
13.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:
a) A A… - …, Unipessoal, Lda (“…”), pessoa coletiva n.º … com sede na Rua …, n.º …, …, Salas … e …, … ..., requerente nos presentes autos, tem como principal actividade a importação e distribuição por grosso de dispositivos médicos utilizados no âmbito do sector da implantologia;
b) A Requerente foi notificada de liquidações adicionais oficiosas de IVA, relativas aos exercícios de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios e de mora (doc. 1, junto ao requerimento arbitral);
c) Tais liquidações importam no valor global de € 635.078,71 e encontram correspondência no seguinte descritivo (doc. 1, junto ao requerimento arbitral):
Natureza
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N.º Liquidação
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Período
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Valor Correção
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Valor Liquidação
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IVA
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…
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2010/03T
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24.158,83€
|
24.158,83€
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JC
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…
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2010/03T
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4.365,80€
|
4.365,80€
|
IVA
|
…
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2010/06T
|
21.353,46€
|
21.353,46€
|
JC
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…
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2010/06T
|
3.645,88€
|
3.645,88€
|
IVA
|
…
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2010/09T
|
16.751,39€
|
16.751,39€
|
JC
|
…
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2010/09T
|
2.693,07€
|
2.693,07€
|
IVA
|
…
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2010/12T
|
37.473,32€
|
37.473,32€
|
JC
|
…
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2010/12T
|
5.646,66€
|
5.646,66€
|
IVA
|
…
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2011/03T
|
27.729,25€
|
27.729,25€
|
JC
|
…
|
2011/03T
|
3.904,89€
|
3.904,89€
|
IVA
|
…
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2011/06T
|
29.899,10€
|
29.899,10€
|
JC
|
…
|
2011/06T
|
3.909,00€
|
3.909,00€
|
IVA
|
…
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2011/09T
|
32.967,21€
|
32.967,21€
|
JC
|
…
|
2011/09T
|
3.977,74€
|
3.977,74€
|
IVA
|
…
|
2011/12T
|
37.203,13€
|
-€
|
JC
|
-
|
2011/12T
|
-€
|
-€
|
IVA
|
…
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2012/01T
|
10.318,72€
|
-€
|
JC
|
-
|
2012/01T
|
-€
|
-€
|
IVA
|
…
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2012/02T
|
11.562,76€
|
9.914,72€
|
JC
|
…
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2012/02T
|
1.037,65€
|
1.037,65€
|
IVA
|
…
|
2012/03T
|
10.109,61€
|
8.628,77€
|
JC
|
…
|
2012/03T
|
874,69€
|
874,69€
|
IVA
|
…
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2012/04T
|
13.883,44€
|
12.470,16€
|
JC
|
…
|
2012/04T
|
1.220,36€
|
1.220,36€
|
IVA
|
…
|
2012/05T
|
14.189,18€
|
21.044,79€
|
JC
|
…
|
2012/05T
|
1.992,62€
|
1.992,62€
|
IVA
|
…
|
2012/06T
|
12.723,75€
|
9.229,73€
|
JC
|
…
|
2012/06T
|
842,56€
|
842,56€
|
IVA
|
…
|
2012/07T
|
13.501,90€
|
12.039,01€
|
JC
|
…
|
2012/07T
|
1.058,11€
|
1.058,11€
|
IVA
|
…
|
2012/08T
|
12.500,78€
|
18.238,44€
|
JC
|
…
|
2012/08T
|
1.543,02€
|
1.543,02€
|
IVA
|
…
|
2012/09T
|
15.270,46€
|
2.871,32€
|
JC
|
…
|
2012/09T
|
232,53€
|
232,53€
|
IVA
|
…
|
2012/10T
|
11.629,19€
|
15.460,49€
|
JC
|
…
|
2012/10T
|
1.204,64€
|
1.204,64€
|
IVA
|
…
|
2012/11T
|
29.275,41€
|
2.261,81€
|
JC
|
…
|
2012/11T
|
168,55€
|
168,55€
|
IVA
|
…
|
2012/12T
|
21.136,61€
|
25.397,87€
|
JC
|
…
|
2012/12T
|
1.803,59€
|
1.803,59€
|
IVA
|
…
|
2013/01T
|
12.427,02€
|
562,67€
|
JC
|
…
|
2013/01T
|
38,23€
|
38,23€
|
IVA
|
…
|
2013/02T
|
12.113,13€
|
-€
|
JC
|
-
|
2013/02T
|
-€
|
-€
|
IVA
|
…
|
2013/03T
|
11.826,96€
|
12.523,12€
|
JC
|
…
|
2013/03T
|
768,54€
|
768,54€
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IVA
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…
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2013/04T
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11.740,01€
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-€
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JC
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-
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2013/04T
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-€
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-€
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IVA
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…
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2013/05T
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21.875,71€
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30.681,02€
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JC
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…
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2013/05T
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1.677,78€
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1.677,78€
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IVA
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…
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2013/06T
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11.439,26€
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16.130,68€
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JC
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…
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2013/06T
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823,76€
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823,76€
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IVA
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…
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2013/07T
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14.831,47€
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19.216,07€
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JC
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…
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2013/07T
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920,26€
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920,26€
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IVA
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…
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2013/08T
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12.678,26€
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15.257,71€
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JC
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…
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2013/08T
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680,53€
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680,53€
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IVA
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…
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2013/09T
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12.369,63€
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11.230,12€
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JC
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…
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2013/09T
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461,51€
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461,51€
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IVA
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…
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2013/10T
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18.584,65€
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9.087,40€
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JC
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…
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2013/10T
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344,57€
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344,57€
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IVA
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…
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2013/11T
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23.367,58€
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31.868,14€
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JC
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…
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2013/11T
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1.100,10€
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1.100,10€
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IVA
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…
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2013/12T
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27.564,72€
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44.410,23€
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JC
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…
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2013/12T
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1.382,19€
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1.382,19€
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IVA
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…
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2014/01T
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2.735,35€
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2.735,35€
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JM
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…
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2014/01T
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121,95€
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121,95€
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IVA
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…
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2014/02T
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13.760,36€
|
13.760,36€
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JM
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…
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2014/02T
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548,80€
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548,80€
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IVA
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…
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2014/03T
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4.559,70€
|
4.559,70€
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JM
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…
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2014/03T
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159,73€
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159,73€
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IVA
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…
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2014/04T
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6.533,03€
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6.533,03€
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JM
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…
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2014/04T
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199,13€
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199,13€
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IVA
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…
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2014/05T
|
6.642,66€
|
6.642,66€
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JM
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…
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2014/05T
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173,26€
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173,26€
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IVA
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…
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2014/06T
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5.122,77€
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5.122,77€
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JM
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…
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2014/06T
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108,76€
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108,76€
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IVA
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…
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2014/07T
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9.658,06€
|
9.658,06€
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JM
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…
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2014/07T
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161,10€
|
161,10€
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IVA
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…
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2014/08T
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5.219,47€
|
5.219,47€
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JM
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…
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2014/08T
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63,32€
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63,32€
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IVA
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…
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2014/09T
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6.864,91€
|
6.864,91€
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JM
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…
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2014/09T
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51,01€
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51,01€
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IVA
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…
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2014/10T
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5.219,68€
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5.219,68€
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TOTAL
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635.078,71€
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c) Os actos de liquidação foram praticados na sequência de Inspecção Tributária, promovida pela Direcção de Finanças do Porto, credenciada pelas Ordens de Serviço n.os OI2014… e OI2014…, e da qual resultou o Relatório de Inspecção Tributária, notificado a 25 de Novembro de 2014 (doc. 2, junto ao requerimento arbitral);
c1)Relativamente ao período de IVA referente a Novembro de 2014, a Requerente foi notificada de demonstração de liquidação a pagar no montante de € 9.284,03, bem como de juros de € 32,04, o que perfaz um total, para o dito período mensal, de € 9.316,07 (doc. junto pela Requerente);
d) Os dispositivos médicos comercializados pela Requerente são de vária ordem, tendo em comum destinarem-se a ser utilizados no tratamento de anomalias e deficiências dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas (prova testemunhal e documento junto em audiência);
f) No âmbito da sua actividade, a Requerente importa implantes e pilares que vende, posteriormente, a médicos dentistas ou a técnicos de prótese dentária (prova testemunhal);
g) O dente é um órgão formado por raiz, colo e coroa (prova testemunhal e documento junto em audiência);
h) A prótese dentária, que substitua o dente na íntegra e que implique a realização de implante, é constituída por três elementos: implante, pilar e coroa (prova testemunhal e documento junto em audiência);
i) Qualquer um destes elementos se destina a substituir parte do órgão dente (prova testemunhal e documento junto em audiência);
j) O implante é uma estrutura posicionada cirurgicamente no osso maxilar abaixo da gengiva, “substituindo” a função da raiz do dente e servindo, em regra, para suportar um pilar de fixação e uma coroa (prova testemunhal e documento junto em audiência);
k) O implante pode, por si só, desempenhar uma função autónoma, nomeadamente impedir o processo de absorção óssea que se verifica perante a ausência de raiz, assim assegurando a viabilidade de futuros procedimentos cirúrgicos, bem como impedindo a deformação do rosto do paciente (prova testemunhal);
l) O pilar consiste numa estrutura de ligação inserida entre o implante e a coroa, em situação em que todo o órgão dente se encontra em falta (prova testemunhal e documento junto em audiência);
m) Sobre o pilar é introduzida uma coroa que visa substituir a parte visível do dente (prova testemunhal e documento junto em audiência);
n) A coroa é concebida pelo protésico, especificamente para cada paciente, atendendo às suas características morfológicas (prova testemunhal e documento junto em audiência);
o) O procedimento cirúrgico de colocação de uma prótese dentária envolve, em regra, três etapas. Estas podem suceder-se com maiores ou menores intervalos, o que depende, não só da técnica utilizada, mas também das características do paciente (prova testemunhal e parecer);
p) O procedimento de colocação das peças de prótese pode envolver mais do que um interveniente, dado que implica trabalho de cirurgia que tem de ser feito por um médico e trabalho de elaboração da coroa que tem de ser feito por um protésico (prova testemunhal);
q) A primeira etapa consiste na colocação cirúrgica do implante dentário, dentro da gengiva (prova testemunhal);
r) Numa segunda etapa, o cirurgião verifica o implante, para confirmar se a osseointegração foi bem sucedida e, em caso afirmativo, selecciona o pilar a aplicar e fixa-o no implante (prova testemunhal);
s) Numa terceira etapa, a coroa, concebida pelo protésico, é acoplada ao pilar (prova testemunhal);
t) Verificam-se situações em que o paciente não necessita dos três elementos componentes da prótese completa, podendo, a título de exemplo, não ser necessários pilares e implantes e somente coroas (prova testemunhal);
t) Os implantes e os pilares não são susceptíveis de ser comercializados em termos unitários, nomeadamente porque a escolha do pilar ocorre em momento posterior à aplicação do implante, depende das características de cada paciente (tais como altura e largura da gengiva) ou do modo de colocação do implante (sendo necessário escolher pilares com a angulação adequada) (prova testemunhal e parecer);
u) Do mesmo modo, não se comercializam unidades únicas de implante formadas por implante, pilar e coroa (prova testemunhal e parecer);
v) No processo de aplicação de um implante dentário, os fornecedores de implantes poderão não ser os mesmos fornecedores de pilares, nomeadamente porque o processo de fabrico destes últimos se revela mais fácil, o que conduziu ao aparecimento de vários fornecedores, no mercado, somente direccionados para a comercialização de pilares (prova testemunhal);
w) Os implantes, pilares e coroas constituem “artefactos” ou “materiais de prótese” (prova testemunhal e parecer).
Nestes termos, sendo dois os temas de prova no presente processo:
a) As peças que o sujeito passivo comercializa são artefactos ou matérias de prótese que substituem no todo ou em parte o dente do doente?
b) As referidas peças são insusceptíveis de ser comercializadas em termos unitários,ambos merecem resposta positiva, assim se considerando, em consequência, provada a matéria de facto em que se consubstanciam.
13.2. Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto
A factualidade provada teve por base a posição assumida por cada uma das Partes e não contrariada pela parte oposta, a análise crítica dos documentos juntos aos autos (nos articulados e na fase de audiência) e cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
Assentou, por outro lado, no teor dos depoimentos testemunhais produzidos em julgamento, sendo que estes se revelaram credíveis, atenta, quer a convicção, clareza, coerência e pertinência com que foram prestados, quer a ciência directa e especializada que os depoentes manifestaram quanto à matéria em causa.
O tribunal considerou, também, o parecer junto aos autos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
2.1. A primeira questão de direito a considerar, no presente processo, prende-se com o primeiro pedido formulado pela Requerente, no sentido da anulação das liquidações adicionais, acima identificadas efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
As correcções de liquidação realizadas pela Requerida assentam na circunstância de esta considerar aplicável às transmissões que têm por objecto implantes e pilares dentários, a taxa normal de IVA de 23%[2], quando, de acordo com o entendimento da Requerente (reflectido na autoliquidação por si efectuada), a tais transacções deve ser aplicada a taxa reduzida de 6%.[3]
A AT sustenta, assim, ser aplicável o art. 18.º, n.º 1, c) do CIVA, nos termos do qual é aplicável a taxa de 23%.
Diferentemente, defende, o sujeito passivo, ser de aplicar o art. 18.º, n.º 1, a) do mesmo diploma.
O IVA constitui um imposto geral sobre o consumo, de natureza indirecta e plurifásica e de fonte comunitária[4], sendo que, de acordo com a norma acabada de referir,
“1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%”.
Nos termos do ponto 2.6, da lista I anexa ao Código do IVA, representam bens sujeitos a taxa reduzida:
“Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, acionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”,
sendo que a taxa normal só se aplica a título subsidiário, ou seja, caso não haja lugar a aplicação de uma taxa reduzida.
Em causa está, em suma, apurar se os implantes e pilares dentários representam ou não “material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fraturas e as lentes para correção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos regulamentados pelo Governo”.
2.1.1.Importa, para tanto, de modo particular, determinar em que se traduzem as noções de material de prótese e de órgão do corpo humano, bem como verificar se os bens transaccionados se incluem em material de prótese e se se destinam a substituir, total ou parcialmente, órgão do corpo humano.
Da prova produzida na audiência de julgamento resultou que (como supra exposto, em sede de decisão da matéria de facto), no contexto médico que se considera, se entende, por material de prótese, todo o elemento artificial introduzido no corpo humano.
Dos depoimentos aí produzidos e documentação apresentada e junta aos autos, decorreu, por outro lado, que o dente é um órgão do corpo humano, constituído por três partes: raiz, colo e coroa.
Os depoentes foram também unânimes no sentido de que: o implante constitui uma estrutura protésica, com a forma de parafuso, destinada a substituir a raiz; que a coroa é moldada, em laboratório, de modo personalizado, para cada doente, representando construção protésica que tem por fim substituir a coroa natural e que o pilar representa elemento protésico que assegura a ligação entre o implante e a coroa.
Ambos os declarantes esclareceram, de modo assertivo e convincente, que qualquer um dos referidos elementos (implante, pilar e coroa) consubstancia material de prótese.
Tais informações encontram-se também documentalmente corroboradas pela informação contida no dossier (constituído por imagens e exposição escrita de cariz científico) exibido em audiência pela testemunha Laredo de Sousa e junto aos presentes autos.
De qualquer um dos mencionados elementos de prova (por depoimento e documental) resulta, assim, serem, os referidos significados, os únicos a atribuir, com precisão e rigor científicos, a cada um dos termos em análise (de coroa, implante, pilar e prótese), irrelevando os sentidos inexactos que, na gíria incorrecta de leigo, lhes pode ser atribuído, quando, por exemplo, incorrectamente se designa por implante toda a reconstrução dentária ou por prótese a coroa.
A própria Requerida mistura, por outro lado, em diversas passagens da sua Resposta, o uso técnico, com o uso inexacto ou impróprio da expressão implante, quer se referindo, correctamente, ao implante, como elemento substitutivo da raiz, quer se reportando, indevidamente, ao implante como conjunto integrado pelas três peças (implante, pilar e coroa) usadas na reconstituição integral do dente.
Do mesmo modo, ora se refere a prótese aludindo, indevidamente, apenas, à coroa, ora menciona o mesmo termo referindo-se ao conjunto das três peças, quando, com exactidão, a designação abrange qualquer um dos referidos elementos.
Atentos os referidos pressupostos de facto, verifica-se, no caso concreto, que qualquer um dos bens objecto de transmissão pela Requerente representa material de prótese, que se destina a substituir, no todo ou em parte, órgão do corpo humano.
Revela-se, pelo exposto, carecido de qualquer fundamento, o entendimento, sustentado pela AT, no sentido de que os bens em causa não são próteses, bem como de que os mesmos bens não são aptos “a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo humano ou da sua função”.
Os bens em causa constituem, assim, material de prótese (que não material para prótese), com função substitutiva de parte ou totalidade de órgão do corpo humano, destinados a promover, designadamente, o adequado desempenho da função mastigatória.
Como Xavier de Basto refere, no parecer junto aos autos, trata-se de elementos de prótese e não de matéria-prima utilizada na elaboração de próteses, observando: “Talvez a administração pretenda dizer que não têm enquadramento na Lista I os materiais de que são feitas as três peças acima referidas, ou seja, que não podem beneficiar da taxa reduzida as peças e materiais a partir dos quais os fabricantes obtêm os implantes, os pilares e a coroa que, por fases, são introduzidos na cavidade oral do paciente. Se fosse essa a doutrina, estaria tudo certo. De facto, a taxa reduzida não se estende para montante, para os materiais que depois são transformados nas peças da prótese (…) O princípio seguido é, pois, o de que, quando se trata de peças ou materiais que se incorporam no processo de produção de próteses dentárias ou de outros produtos similares, será de aplicar a taxa normal do IVA, porque tais bens não se destinam directamente ao fim prosseguido pela prótese, mas quando as peças, pelas suas características objectivas, se possam aplicar, sem ser objecto de transformação posterior, na prótese, então já beneficiam da aplicação da taxa reduzida do IVA. Ora os implantes, pilares e coroa que constituem a prótese são aplicados no paciente, em diferentes fases do procedimento, sem qualquer transformação”.
Nestes termos, tal transmissão encontra perfeito e directo enquadramento legal no elemento literal da norma contida no ponto 2.6 da lista I anexa ao Código do IVA, aplicando-se, em consequência, a tais transacções, a taxa reduzida de 6%, contemplada no art. 18.º, n.º 1, a) do referido diploma.
2.1.2.Igualmente improcede a interpretação, defendida pela mesma Requerida, no sentido de que a taxa reduzida só se aplicaria quando estivesse em causa a transacção de “unidade única de implante”.
a)A referida interpretação não encontra, por um lado, suporte no elemento literal da norma, constituindo uma visão que representa a adopção de um regime que não o legalmente previsto, sem acolhimento no texto legal e insusceptível, por isso, de ser sustentável no quadro do presente litígio. Na verdade, e como identicamente se explicita nos acórdãos 429/2014-T e 530/2014-T do CAAD (incidentes sobre o mesmo tipo de problema), em nenhum segmento da norma se exige que os materiais de prótese sejam transmitidos de modo agregado, notando-se, na última decisão mencionada, que: “tal interpretação não tem um mínimo de correspondência verbal com a letra da Lei”. No mesmo sentido, Xavier de Basto refere, em parecer em que se pronuncia sobre esta questão, que o referido entendimento da Administração Tributária e Aduaneira “não resulta de todo da letra da norma do CIVA. Com efeito, não se faz aí distinção que autorize a só dar o benefício da taxa reduzida às próteses constituídas por uma “unidade única de implante””. Mais refere que “não consta da lei e na formulação legislativa nada existe, mesmo imperfeitamente expresso, que indicie que tal restrição está, de algum modo, contida no pensamento legislativo”.
b)De outro lado, tal perspectiva, além de não encontrar acolhimento na letra da lei (o que, por si só, nos termos do previsto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil[5], exclui a possibilidade de representar entendimento adoptável) e de assentar numa noção errada de implante, sempre se revelaria insusceptível de aplicação prática, constituindo, assim, entendimento inaplicável por natureza. Na verdade, como Xavier de Basto explicita no parecer acima referido, “a unidade única de implante pura e simplesmente não existe”, pelo que, a proceder o entendimento da Autoridade Administrativa e Aduaneira, dele decorreria que “este tipo de próteses nunca beneficia de taxa reduzida”.
Na verdade, como acima explicitado em sede de matéria de facto, resultou provado, na sequência da instrução, que as peças utilizadas na reconstrução do dente humano, como um todo, não se encontram à venda, no mercado, em packs unitários.
Diferentemente, são vendidas separadamente. Existem, por exemplo, inúmeras referências de pilares, adquiríveis a fornecedores distintos, cabendo, em cada caso, seleccionar aquela que mais se adequa à situação clínica do doente em tratamento.
A coroa, por seu turno, é moldada, pelo protésico, em laboratório, exactamente à medida e em função das características da estrutura dentária do paciente, de acordo com o molde para esse efeito tirado.
Por outro lado, cada uma das peças em análise é aplicada, no processo de tratamento, em fases temporalmente distintas, pelo que não se torna necessária, nem, frequentemente, adequada, a aquisição de todas elas no mesmo momento, designadamente porque a selecção do tipo de pilar a adoptar só ocorre na fase pós-cirúrgica (de colocação do implante).
Não faria, por estas razões, sentido (e não ocorre, por isso) a comercialização conjunta de tais peças, não se transaccionando “unidades únicas de implante”.
Não constituindo estas, objecto de transmissão no giro comercial, revela-se infundado o entendimento de que a taxa reduzida de IVA de 6% só se aplicaria quando estivesse em causa a aquisição e venda das designadas unidades conjuntas.
c)Ainda que, porém, acontecesse diferentemente e os elementos integrantes da reconstrução protésica da totalidade do dente fossem vendáveis em conjunto, sempre a interpretação de que a referida taxa reduzida se aplicaria apenas quando tais elementos fossem adquiridos em separado se revelaria, por um lado, inconsistente com a razão de ser da norma e, assim, com o elemento teleológico[6] que a justifica e, por outro lado, ofensiva de princípios e valores jurídicos fundamentais.
c.1) A fixação legal de taxa reduzida de IVA justifica-se, na hipótese que se considera, em ordem a criar a possibilidade de mais fácil acesso, pelos cidadãos, a cuidados de saúde que envolvam o recurso aos materiais em causa.
A última razão de ser da norma corresponde, assim, ao intuito de garantir e promover a saúde pública no âmbito da saúde oral.
É, de resto, essa intenção legislativa que justifica que, no âmbito do artigo9.º do C.I.V.A., se preveja, na al. a), encontrarem-se isentas de imposto “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”(itálico nosso) e, na al. b), que, identicamente isentas de imposto, se encontram “as prestações de serviços efectuadas no exercício da sua actividade por protésicos dentários” (itálico nosso).
Constituindo, assim, o objectivo do legislador, assegurar o acesso a cuidados de saúde que reputa essenciais, incompreensível seria que se aplicasse a taxa reduzida de IVA quando os materiais de tratamento fossem vendidos em conjunto e já não quando fossem vendidos em separado, criando, injustificadamente, em ofensa ao princípio da igualdade, tratamento desigual entre doentes igualmente carentes de cuidados de saúde, quando, nos termos do previsto no art. 64.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a promover e defender” e, segundo o n.º 3 do mesmo preceito, “incumbe prioritariamente ao Estado: a) garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação” (itálico nosso).
Tal tratamento desigual revelar-se-ia tanto mais clamoroso quanto, para além do exposto, o paciente carece, em determinados casos, de apenas um ou alguns dos referidos materiais de prótese para que o seu tratamento fique completo. Nestes casos, o material de prótese torna-se necessário para substituir apenas parte do órgão que o dente representa. Assim, por exemplo (como resultou do depoimento testemunhal prestado em audiência), quando a peça de implante seja incrustada no maxilar do paciente apenas para evitar o processo de absorção do osso, que não para que sirva de suporte à aplicação de pilar e coroa. Assim também se, por exemplo, o doente dispuser de raiz, tornando-se desnecessária a aplicação de implante que sirva de suporte à coroa (protésica) criada em laboratório e que precise de ser aplicada ao doente em causa.
Incompreensível seria, nestes termos, que tais doentes, em virtude do tipo de patologia da cavidade oral que os afecta, houvessem de vir a suportar, por repercussão, taxa normal de IVA, quando outros, também carentes, em virtude de diferente doença ao nível do sistema dentário, da aplicação dessa peça, suportariam, quanto à mesma, taxa reduzida de IVA, apenas porque adquirida, aquela, conjuntamente com outras de que também necessitam.
Tanto demonstra, ainda, que cada um dos referidos materiais de prótese representa, em si, unidade autónoma, assim de transacção subordinável a taxa reduzida ainda que se entendesse que esta se aplicava apenas ao número total de peças envolvido no tratamento de patologia oral.
Por outro lado, aquele entendimento induziria a que os doentes, com menor capacidade económica e carentes de próteses integralmente substitutivas de um ou mais dentes, optassem pelas tradicionais próteses compactas (comummente designadas por “placas”), para beneficiarem de um preço mais acessível, quando essa solução implica um maior desconforto para o doente e menor qualidade desse tipo de alternativa. Com tanto, produzir-se-ia o efeito oposto àquele que a norma pretende – em vez de promover a qualidade dos serviços de saúde a que, com taxa reduzida, se pretende que os cidadãos tenham acesso, fomentar-se-ia o retrocesso e o recurso a meios técnicos de tratamento oral marcadamente inferiores, com a agravante de que tal efeito se reflectiria, em tratamento desigual, ao nível dos cidadãos economicamente menos favorecidos.
Violar-se-ia, ainda, o princípio da uniformidade do IVA, nos termos do qual actividades económicas semelhantes devem ser tratadas da mesma forma, devendo-se, em obediência ao princípio da objectividade, como se enfatiza no Proc. n.º 429/2014 – T, do CAAD, aplicar “uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA”.
c.2) O princípio da igualdade revelar-se-ia ofendido também sob o ponto de vista do produtor e fornecedor dos bens em causa, na medida em que o sujeito que produzisse ou vendesse os bens em conjunto beneficiaria de tratamento fiscal privilegiado relativamente àquele que apenas o fizesse separadamente, o que não encontra suporte nas razões justificativas da redução da taxa, representando, consequentemente, em distorção das regras da União Europeia vigentes em matéria fiscal, violação da imposição de neutralidade concorrencial[7] (máxima cuja importância é salientada, também jurisprudencialmente, a nível interno e da União Europeia, designadamente nos acórdãos proferidos no proc. n.º 429/2014-T do CAAD, no caso Rompelman (acórdão de 22 de Junho de 1993, Proc. 268/83), quando este tipo de neutralidade constitui um dos aspectos integrantes da neutralidade fiscal e esta corresponde a princípio a que, como Xavier de Bastos nota, “o imposto é particularmente sensível”.
d)Nem, por outro lado, se revela argumento passível de sustentar o entendimento defendido pela requerida, a alegação de que deve haver interpretação restritiva quanto às excepções à aplicação da taxa normal de IVA. Na verdade, o único princípio defensável seria o de que, em caso de regime de excepção, não pode, o intérprete, alargar tal regime a outras situações, ainda que as repute análogas.
Está-lhe vedado, assim, alargar o benefício, legalmente previsto, a outras hipóteses, não constantes da lei.
Tanto não retira, porém, que o intérprete esteja proibido de não aplicar o benefício legal a hipóteses contidas na norma em causa. Quando aplica a estatuição à hipótese normativa, o intérprete limita-se a cumprir o seu dever – aplicar o direito nos termos legalmente previstos -, não lhe incumbindo (antes lhe estando vedado) ampliar ou restringir o alcance do regime legal.
O intérprete deve, assim, proceder, não a uma interpretação restritiva, mas a uma interpretação estrita da lei, ou seja, a uma interpretação declarativa do preceito a aplicar, como identicamente se explicita no acórdão proferido no Proc. n.º 171/2013-T, do CAAD[8], não podendo o poder administrativo desvirtuar o sentido do fruto do exercício do poder legislativo.
Da adequada interpretação da norma que se aprecia, resulta, como acima se concluiu, que a taxa reduzida de IVA se deve aplicar ao implante, pilar e coroa, enquanto materiais de prótese.
Sustentar a não aplicação da taxa reduzida de IVA aos materiais de prótese que se consideram, em desrespeito do regime legalmente fixado, ofenderia, em consequência, a segurança e confiança que a redacção legal deve poder assegurar aos cidadãos objecto da norma. Tanto, não representaria interpretação restritiva da norma (essa, operação em que se restringe o alcance literal da norma, se dúbio, para que coincida com a sua razão de ser), mas indevida desaplicação desta, sendo certo, por outro lado, que, no quadro do preceito que se considera, o legislador não obedeceu, nem se encontra vinculado, pelos conteúdos constantes da Nomenclatura Combinada. Assim o salienta Xavier de Basto quando esclarece que: “a Nomenclatura Combinada serve para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum, mas não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços, para os efeitos do IVA português”, aditando que a adopção da classificação pautal “seria muito pouco amigável, para não dizer hostil” ante os sujeitos passivos, dado que são estes que, no âmbito do IVA, procedem à liquidação do imposto.
No mesmo sentido, sublinha-se, no Proc. 171/2013-T, do CAAD, que “Se é verdade que de acordo com o artigo 98.º, n.º 3 da Directiva IVA os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, certo é que o legislador português não seguiu esse caminho (nem a tal era obrigado)”, acrescentando-se, adiante, que é “irrelevante, para efeitos de IVA, a classificação que as peças em causa tenham na Nomenclatura Combinada”, bem como que “sem prejuízo da liberdade de que o legislador português goza na delimitação das transmissões de bens e prestações de serviços às quais são aplicáveis taxas reduzidas de IVA, dentro do catálogo fechado constante do Anexo III da Directiva IVA, afigura-se que a correcta interpretação da verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA, abrange as partes das cadeiras de rodas e das scooters de mobilidade que estão na origem dos actos de liquidação de IVA controvertidos”.
Adoptando idêntica linha de argumentação, refere-se, no ac. 429/2014-T, do CAAD (em que se aprecia, no essencial, a mesma matéria objecto de decisão no presente processo), que “a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros”, nele se explicitando que o “único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 89060010 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro””, acrescentando-se: “dispositivo este não aplicável na situação em apreço”.
Os materiais de prótese em causa sempre estariam, em todo o caso, abrangidos pela referida nomenclatura, como o refere Xavier de Basto no mencionado parecer: “Os elementos constitutivos do implante, aliás, estão cobertos pela classificação 9021, da Nomenclatura Combinada, que abrange, na respectiva epígrafe, os “artigos e aparelhos de prótese”.
e)Nestes termos, atento o conjunto das razões de facto e de direito aduzidas, considera-se aplicável ao acto de transmissão dos materiais de prótese em que se traduzem o implante, pilar e coroa dentários, a taxa reduzida de IVA de 6%, em conformidade com o previsto no art. 18.º, n.º 1, a) do C.I.V.A. e com o ponto 2.6 da lista àquele anexa, procedendo, em consequência, a pretensão impugnatória, formulada pelo Sujeito Passivo, no presente processo, dos actos de liquidação que identifica em sede de requerimento arbitral.
2.2. No que diz respeito ao segundo pedido formulado, o sujeito passivo não invocou, nem provou, quaisquer factos representativos de custos suportados com a suspensão e garantia de processos de execução fiscal, não tendo, também, procedido à sua quantificação, nem, sequer, alegado e provado a instauração ou pendência de qualquer processo executivo fiscal.
Não se encontrando verificados os requisitos previstos no art.53.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, termos em que se julga improcedente o requerimento de condenação em prestação indemnizatória.
IV. Decisão
Nestes termos, o presente Tribunal acorda em:
-Julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal;
-Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de IVA e respectivos juros objecto de impugnação na presente acção;
- Julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor total de €644.394,78, o qual inclui o valor de €9.316,07 resultante do alargamento do pedido ao período de IVA referente a Novembro de 2014.
VII. CUSTAS
Nos termos do previsto nos arts. 22.º, n.º 4 e 12.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem, no art. 2.º, no n.º 1 do art. 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do art. 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €9.486, a pagar pela Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Outubro de 2015.
O Árbitro-Presidente,
(Maria Fernanda dos Santos Maçãs),
O Árbitro Vogal,
(António Martins)
O Árbitro Vogal,
(Diogo Feio)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
[2] Em conformidade com o previsto nos arts. 96.º e 97.º da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, a taxa normal do IVA foi, assim, fixada em percentagem não inferior a 15%.
[3] Taxa fixada, pelo legislador nacional, em conformidade com a possibilidade para tanto expressamente admitida nos termos dos arts. 98.º e 99.º da referida Directiva 2006/112/CE. De acordo com o primeiro: “1. Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas. 2. As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III. As taxas reduzidas não se aplicam aos serviços prestados por via electrónica. 3. Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria”. De harmonia com o n.º 1 do segundo, “As taxas reduzidas são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5%”. No âmbito do Anexo III, contempla-se, no ponto 4: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”. Este ponto do Anexo III encontrava equivalência em idêntico ponto do Anexo H da Sexta Directiva (Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, implementadora do princípio da harmonização nas taxas de IVA), nos termos do qual se fazia referência a: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação e assentos de automóvel para crianças”. A adopção de taxa reduzida representa, para cada Estado-Membro, uma possibilidade (que não uma vinculação), como o TJUE acentua na sua jurisprudência, designadamente nos Acórdãos proferidos nos processos Zweckverband zur Trinkwasserversorgung (de 3 de Abril de 2008, Proc. C-442/05) e Comissão vs Espanha (de 18 de Janeiro de 2011, Proc. C-83/99). No mesmo sentido, vd. o acórdão proferido no proc. n.º 171/2013-T, do CAAD.
[4] Este imposto foi introduzido em Portugal através do D.L. n.º 394-B/94, de 26 de Dezembro, em cumprimento do dever de transposição da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, correspondente à Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, actualmente em vigor. Dever que decorre da circunstância de, em conformidade com o previsto no art. 288.º do Tratado da União Europeia, a directiva constituir (ao invés do que sucede com o regulamento) acto comunitário que subordina os Estados “quanto ao resultado a alcançar, deixando no entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”.
[5]“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Norma aplicável em conformidade com o previsto no art. 11.º da Lei Geral Tributária, por força do qual o sentido das normas fiscais e a qualificação dos factos a que tais normas se aplicam se apuram segundo as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
[6] Sobre os diversos elementos (literal, teleológico, histórico e sistemático) a considerar em sede de interpretação normativa, vd. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pp. 182 e 183.
[7] De notar que, nos termos do considerando 7 da Directiva IVA, o sistema de IVA “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição”. Essa é, aliás, uma condição a observar pelos Estados-Membros quando optem por introduzir taxas reduzidas de IVA, como o refere o TJUE, designadamente, nos Acórdãos proferidos nos processos Comissão vs. Alemanha (de 28 de Outubro de 2003, Proc. C-109/02) e Comissão vs. França (de 3 de Maio de 2001, Proc. C-481/98). Sobre este ponto, vd. o acórdão proferido no proc. n.º 171/2013-T, do CAAD. No âmbito deste acórdão, veio a decidir-se que a taxa de IVA reduzida se aplica, quer a “cadeira de rodas comercializada e facturada num só artigo”, quer àquela “em que, face às especificidades das patologias ou por razões que se prendem com o sistema de organização interna da Requerente, os diversos itens que compõem a cadeira são facturados separadamente. Em ambas as situações se trata da venda de uma cadeira de rodas, ainda que possa ter especificações diversas consoante o caso (deficiência). No que se refere às peças e componentes, como sejam as baterias e os motores, que são em regra comercializados separadamente no contexto da manutenção ou da reparação de uma cadeira de rodas ou “scooter”, não se vislumbra justificação atendível que favorecesse a aplicação de uma taxa reduzida a uma cadeira de rodas nova e uma taxa normal a uma parte dessa cadeira, por exemplo o motor, para integração numa cadeira usada. Ou, ainda, uma tributação à taxa normal da aplicação ulterior (à aquisição da cadeira de rodas) de uma parte que se tenha tornado necessária, em virtude da evolução de uma doença degenerativa”. Quanto à noção de neutralidade fiscal, cfr. Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF, n.º 164, Lisboa, 1991, pp. 39-73, Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, Almedina, 6.ª Edição, Setembro, 2014, pp. 19-34 e Maria Teresa Lemos, “Algumas observações sobre a eventual introdução de um sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado em Portugal”, CTF, n.º 156, Dezembro, 1971, p. 10.
[8] Sobre a diferenciação entre ambos os tipos de interpretação, vd. Oliveira Ascensão, “O Direito Introdução e teoria geral”, Almedina, 10.ª Ed., 1999, pp. 418-421.