Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 76/2015-T
Data da decisão: 2015-11-16  IMI  
Valor do pedido: € 610,75
Tema: IMI – competência do Tribunal Arbitra; isenção; artigo 44º nº1 alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

Processo n.º 76/2015-T

 

Requerente: A… e B…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”)

 

O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 17 de Abril de 2015, acorda no seguinte:

 

1.                           RELATÓRIO

 

1.1.            A… e B…, doravante denominados “Requerentes”, requereram a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT[1]).

 

1.2. Os ora Requerentes são proprietários dos imóveis sitos na Rua …, Concelho do ..., inscritos sob os artigos matriciais nºs ... e ....

 

1.3. Os referidos imóveis fazem parte da lista do património Mundial da Unesco referente ao Centro Histórico do ....

1.4. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IMI, no valor total de €610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), relativos aos prédios urbanos acima referidos, referentes ao ano de 2013, e constantes das notas de cobrança melhor identificadas na petição inicial e no processo administrativo junto pela Requerida, e que aqui se dão por articuladas e reproduzidas, para todos os efeitos legais.

 

1.5. Mais requerem os Requerentes a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, conforme comprovativos de pagamento juntos ao processo, e que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes que as liquidações objecto desta petição são ilegais por violação da norma de incidência do artigo 44º nº1 alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Consideram os Requerentes que foi feita pela Requerida uma errónea leitura da lei (da alínea n) do nº 1, alínea d) do nº 2 e nº 5 do artigo 44º do EBF) porque entende que se verificam no caso em apreço os pressupostos para a isenção automática de IMI.

 

1.7. A Requerida começa por apresentar defesa por excepção na qual sustenta a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a matéria relativa à isenção de IMI, requerendo que o tribunal se abstenha “de apreciar quaisquer questões relativas à apreciação da isenção prevista no artigo 44.º do EBF ao caso concreto”, por considerar que se encontram fora da competência do tribunal as matérias relativas ao reconhecimento de isenções tributárias.

 

1.8. Defende ainda, sem prescindir, que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente, dado que propugna no sentido de que os imóveis que deram lugar às liquidações, e que se situam no “Centro Histórico do ...”, não podem beneficiar da isenção de IMI prevista no art.º 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), dado que os imóveis dos requerentes não estão individualmente classificados, sendo apenas certificados como estando integrados no Centro Histórico do ..., Centro Histórico esse que está classificado como monumento nacional.

 

1.9. Esclarece a Requerida que do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei 309/2009, de 23.10 (procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural) resulta que a classificação individual de um imóvel não advém da sua integração num conjunto, daqui retirando que “num conjunto classificado podem existir imóveis individualmente classificados e imóveis que não são individualmente classificados”, e que os “… que os que são individualmente classificados são apenas os imóveis que foram objecto de um acto de classificação individualizado e especificamente dirigido a um imóvel em concreto”, propugnando assim pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos.

1.10. Foi acordada pelas partes a dispensa de alegações e da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.

                 2.    SANEAMENTO

Sobre a exceção invocada pela Requerida

2.1. A Requerida apresentou defesa por exceção, na qual sustenta a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a matéria relativa à isenção de IMI, requerendo que o tribunal se abstenha de apreciar quaisquer questões relativas à apreciação da isenção prevista no artigo 44.º do EBF ao caso concreto.

2.2. A alegada incompetência do Tribunal Arbitral decorre, segundo a Requerida, do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do art. 4.º do RJAT, que permitem concluir que “não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias”.

 2.3. Refere a Requerida que a incompetência do tribunal constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o que desde já se requer.

2.4. Os Requerentes, tendo sido notificados para, caso desejassem, apresentarem resposta escrita à defesa por exceção, fizeram-no, tendo defendido que a questão em apreço prende-se com a anulação dos actos de liquidação de IMI, e consequente reembolso do imposto indevidamente pago, matéria que não se discute ser da competência do tribunal.

2.5. Tendo em vista a decisão da excepção, entende o Tribunal que objeto dos autos não é uma questão de reconhecimento de uma isenção, mas sim uma questão de uma isenção objetiva, prevista na lei, a que os Requerentes consideram ter direito, que foi desconsiderada pela Requerida, daqui resultando a prática dos atos de liquidação de IMI ora impugnados.

2.6. Assim, improcede a excepção e julga-se este Tribunal materialmente competente para dirimir o litígio e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

2.7. Quanto à coligação de autores e cumulação de pedidos, o Tribunal entende estarem verificados os pressupostos para a sua admissão, definidos no art. 104.º do Código do Procedimento e Processo Tributário – identidade do tributo; identidade do órgão competente para a decisão; identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados.

2.8. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

2.9. Não foram identificadas nulidades no processo.

 

                 3.    MATÉRIA DE FACTO

 

 Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

3.1. Os requerentes são comproprietários dos imóveis sitos na Rua …, Concelho do ..., inscritos sob os artigos matriciais nºs ... e ....

 

3.2. Os referidos imóveis do centro histórico do ... fazem parte da lista do Património Mundial da Unesco, conforme documento junto pelos Requerentes.

 

3.3. O Centro Histórico do ... está classificado como monumento nacional e os Requerentes juntaram certidões emitidas pela Direcção Regional da Cultura do Norte relativas à classificação como monumento nacional dos imóveis em questão.

 

3.4. Os Requerentes foram notificados através das notas de liquidação melhor identificadas na petição inicial e no processo administrativo junto pela Requerida, e que aqui se dão por articuladas e reproduzidas, para todos os efeitos legais, e procederam ao pagamento do IMI relativo aos referidos imóveis do ano de 2013.

 

3.5. A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelos Requerentes, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

3.6 Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

4. DO DIREITO

 

4.1. De acordo com o disposto na alínea n) do n.° 1 do art.° 44.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam isentos de IMI: "os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

 

4.2. Esta disposição remete, nomeadamente, para a Lei de Bases para a Protecção e Valorização do Património Cultural (Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro), que estabelece que os bens imóveis podem ser classificados de interesse nacional, interesse público ou interesse municipal e especificamente nas categorias de Monumento, Conjunto e Sítio.

 

4.3. No caso concreto do Centro Histórico do ... é relevante o facto do património protegido ser visto como um todo, enquanto conjunto.

 

4.4. Ora o artigo sub judice refere duas realidades que trata de forma distinta. Por um lado, estabelece que estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Sem mais. Por outro lado, estabelece igualmente uma isenção do mesmo imposto para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

 

4.5. É nosso entendimento que não querendo o legislador fazer uma distinção entre imóveis classificados como monumento nacional e aqueles classificados como de interesse público ou municipal, exigindo a estes últimos uma classificação individual, não o teria feito. Mas o certo é que essa distinção resulta clara da letra da lei.

 

4.6. Mas vejamos. De acordo com o artigo 15º da Lei 107/2001, de 8 de Setembro:

"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.

2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».

4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.

(...)"

4.7. Os imóveis em questão fazem parte do Centro Histórico do ..., e foram inscritos na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro.

 

4.8. O art. 15º, nº7, da Lei 107/2001 refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".

4.9. É esse naturalmente o caso dos imóveis do Centro Histórico do ..., tendo sido alterada a sua classificação como imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto 67/97, de 31 de Dezembro.

 

4.10. Em face da Lei 107/2001, os imóveis em questão são hoje de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais.

 

4.11. Efectivamente, e conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.

 

4.12. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do art. 56º do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.

4.13. Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.

4.14. Entendemos que não colhe também o argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal.

4.15. A verdade é que foi nesse sentido alterado o artigo 6º g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".

4.16. Sucede, porém, que o legislador não alterou no mesmo sentido os benefícios fiscais em sede de IMI, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio art. 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais.

4.17. Antes pelo contrário, a norma do nº5 do artigo 44º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Entendemos assim ser claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.

4.18. Ora, estando os prédios em questão integrados no Centro Histórico do ..., legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI aqui impugnadas, e devendo ser restituído aos Requerentes o imposto que foi pago.

 

DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

4.19. A Requerente peticiona a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário.

 

4.20. É claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada interpretação (e, logo, aplicação) das normas jurídicas ao caso concreto.

 

4.21. Consequentemente a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

            5. DECISÃO

Termos em que:

a)                  Se julga procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação de IMI melhor identificados nos autos;

b)                 Se determina o reembolso da importância paga pelos Requerentes, no valor de 610,75 € (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

Fixa-se o valor do processo em €610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

O montante das custas é fixado em €306 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 16 de Novembro de 2015

 

 

  O Árbitro

 (Maria Antónia Torres)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.