Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 57/2015 – T
Tema: Terrenos para construção; verba 28.1. da TGIS
I – RELATÓRIO
A… – …, NIF: …, gerido e legalmente representado pela sociedade gestora B… – …, S.A. (anteriormente denominada por C… - …, S.A.), com sede na Av. …, nº …, em Lisboa, com o capital social de um milhão duzentos e cinquenta mil Euros, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o único número de matrícula e de pessoa colectiva …, cuja administração lhe incumbe nos termos da deliberação do Conselho Directivo da CMVM de 16 de Março de 2006, tendo sido notificado da decisão de indeferimento proferida pela Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão Justiça Administrativa - no âmbito do Procedimento da Reclamação Graciosa nº …2013…, notificado ao Requerente em 05 de Novembro de 2014, veio, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 10º, nº 1 alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro, adiante RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da Reclamação Graciosa nº …2013… e complementarmente ser anulado o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 …, no montante de € 110.365,92, efectuado ao abrigo do disposto da verba 28. 1 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo (Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro), por inexistência dos pressupostos legais exigidos para aplicação do tributo previsto na citada verba, para o prédio (terreno para construção) que identifica.
São os seguintes, em síntese, os fundamentos essenciais invocados:
O Fundo A… é um fundo de gestão de património imobiliário que se rege pelo "Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário", aprovado pelo DL n.º 60/2002, de 20 de Março e alterado, sucessivamente, pelos DL 252/2003, de 17 de Outubro e DL 13/2005, de 7 de Janeiro.
A B… – …, S.A. (anteriormente denominada por C… - …, S.A.), sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, encontra-se incumbida da sua gestão, representando-o.
O Fundo Requerente é dono e legítimo possuidor, desde 17 de Abril de 2006, do seguinte bem imóvel:
Prédio urbano sito na Avenida …, junto ao nº …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …, freguesia de ... e actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….º, da freguesia do ... (anterior artigo ….º da freguesia do ... e anteriormente correspondente ao artigo ….º, da freguesia de …).
O supra identificado prédio urbano encontra-se atualmente afeto na matriz a estacionamento não coberto, em virtude do pedido de avaliação efetuado pelo Requerente, através da declaração do Modelo 1 do IMI, apresentada em 30 de Dezembro de 2013, conforme cópia que se junta como Doc. nº 2.
E foi com a referida afetação avaliado pela Autoridade Tributária e Aduaneira - cfr. resultado de avaliação datada de 31 de Janeiro de 2014 que se junta como Doc. nº 3.
Aquando da sua aquisição pelo Fundo e à data da liquidação do Imposto do Selo cuja anulação ora se pretende, o prédio encontrava-se afeto a lote de terreno para construção – cfr. Doc. nº 1 com a certidão permanente do imóvel e antiga caderneta predial correspondente ao artigo 934º, que se juntam como Docs. nºs 4 e 5.
O imóvel em referência trata-se apenas de um lote de terreno para construção, não tendo qualquer edificação construída (nem em construção), à excepção de se encontrar parcialmente ocupado, com cerca de 8.580 m2 da área total do imóvel, por um parque de estacionamento não coberto, conforme se pode confirmar através de uma impressão da vista aérea que se junta como Doc. nº 6.
Após a aquisição do imóvel, em 20 de Abril de 2007, o Fundo requerente promoveu, ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1, alínea i), conjugado com o artigo 37.º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pela entrega da declaração do Modelo 1 do IMI, sob o motivo 1ª transmissão na Vigência do CIMI.
E pela mesma foi declarada a natureza / tipo do prédio e o respectivo destino – Terreno para Construção, conforme a realidade física do mesmo – v. Declaração do Modelo 1 do IMI que em cópia simples se junta como Doc. 7.
A respectiva avaliação foi promovida pelo, na altura, competente Serviço de Finanças (Lisboa …), com base nos elementos declarados e nos documentos do imóvel apresentados, cujo resultado foi notificado ao Requerente, em 10 de Outubro de 2007, conforme cópia da Ficha de Avaliação junta como Doc. nº 8.
Da ficha de avaliação notificada, resultou que o imóvel se trata de um Terreno para Construção, cfr. Doc. nº 8.
Desde a avaliação efectuada e até 30 de Dezembro de 2013, altura em que o Requerente promoveu pela entrega de nova declaração do Modelo 1 do IMI, o prédio urbano em referência manteve-se inscrito na matriz, como lote de terreno para construção – cfr. Doc. nº 5.
Em 5 de Dezembro de 2012 - sem que nada o fizesse prever, atento o histórico que adiante se descreverá - o Requerente recebeu a notificação de liquidação / cobrança (prestação única), no valor de € 110.365,92, que resultou da aplicação do percentual 0,50 sobre o valor patrimonial do imóvel em referência, emitida ao abrigo do disposto verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, ex vi do artigo 6º nº 1, alínea i) da Lei nº 55-A / 2012 de 29 de Outubro, nota de liquidação que se junta como Doc nº 9.
Julgando tratar-se de lapso, atenta a realidade física e o destino do imóvel em causa, e que constava inscrita na respectiva matriz, o Requerente enviou, em 13 de Dezembro de 2012, para o Serviço de Finanças de Lisboa … (serviço, atualmente, competente em razão da localização do imóvel), um simples requerimento - que se junta como Doc. nº 10 - na qual foi peticionada a justa e devida anulação da nota de liquidação efetuada a título de Imposto do Selo.
O requerimento apresentado referido no número anterior, originou a abertura do Procedimento de Reclamação Graciosa, que sob o nº …2013…, correu termos pela Direcção de Finanças de Lisboa (Divisão Justiça Administrativa).
No dia 23 de Maio de 2013, o Requerente foi, surpreendentemente, notificado do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nº …2013…, no âmbito da qual requereu a justa e devida anulação da nota de liquidação / cobrança emitida ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, ex vi artigo 6º nº 1 alínea i) da Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro, por não aplicável ao caso sub judice, conforme Doc. nº 11 que se junta, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Notificado que foi para exercer o direito de audição prévia no âmbito da Reclamação Graciosa em referência, consagrado no Artigo 60º nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, o Requerente apresentou a sua defesa, por escrito, em 11 de Junho de 2013, conforme cópia da peça apresentada que se junta como Doc. nºs 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Sumariamente, na defesa escrita apresentada no âmbito da Reclamação Graciosa em referência, o Requerente tentou demonstrar que o projecto de decisão de indeferimento notificado, assentava em errados pressupostos de facto e de direito para aplicação da citada verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo (aditada pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro).
Ignorando em absoluto a informação levada pelo Requerente, sobre as características do imóvel em referência, a Direcção de Finanças do Lisboa (Divisão de Justiça Administrativa) manteve o projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nº …2013…, convolando o mesmo em definitivo, conforme cópia da decisão que em cópia simples se junta como Doc. nº 13.
A indicada decisão definitiva de indeferimento foi notificada ao Requerente, no dia 05 de Novembro de 2014 – cfr. carimbo de recepção aposto no Doc. nº 13.
À data da prolação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa em referência – 30 de Outubro de 2014 - já a Autoridade Tributária tinha pleno conhecimento da decisão arbitral proferida (e transitada em julgado!) no âmbito do processo nº 274/2014-T – em 16 de Setembro de 2014 - que correu termos neste Tribunal Arbitral, que declarou ilegais e consequentemente mandou anular os actos de liquidação de Imposto do Selo - percentual 1% calculado sobre o valor patrimonial – que tiveram por objecto o mesmo imóvel! – v. correspondência de e-mails junta como Doc. nº 14 e cópia de decisão arbitral junta como Doc. nº 15.
É de fácil raciocínio constatar que, um imóvel cuja afectação é a de habitação, trata-se de um imóvel que se destina a ser habitável, no qual alguém resida ou pelo menos, disponha de um conjunto de características funcionais que permitam a sua utilização nesse sentido (ainda que em termos potenciais).
Donde resulta que, um prédio urbano composto por lote de terreno para construção não estava abrangido na previsão do normativo criado no ano de 2012 – anterior redacção da verba 28. 1 da tabela anexa ao Código do Imposto do Selo.
O prédio em referência encontra-se transitória e parcialmente arrendado, a título muito precário, desde o ano de 1996, ao abrigo do Protocolo de Acordo celebrado pelo anterior proprietário do imóvel, no âmbito do qual foi autorizada a utilização de parte do imóvel para exploração de um parque de estacionamento não coberto – cfr. doc. 6 junto à defesa escrita apresentada pelo Requerente no âmbito da Reclamação Graciosa (Doc. nº 12).
Motivo que levou o Requerente a participar na matriz a referida ocupação.
Sem prejuízo da actual versão da verba 28.1 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo, alterada / aditada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, aquando da liquidação efectuada, a mesma tinha na sua previsão, para além do mais, os prédios com afectação habitacional.
Inequivocamente, inexiste / inexistia qualquer definição legal para o conceito de “afectação habitacional” – circunstancialismo confirmado, aliás, pela nova redacção que foi dada a este dispositivo legal pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro.
Atenta a inexistência de definição legal, nos termos do Código do Imposto do Selo, para o conceito de “afectação habitacional”, deve tomar-se em linha de conta o conceito e a classificação dos prédios constantes nos termos do CIMI – Artigo 6.º - conforme expressamente resulta da remissão feita pelo Artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo.
Nos termos do citado preceito normativo (artigo 6.º do CIMI), os prédios urbanos dividem-se em: “ a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c)Terrenos para construção; d) Outros”.
A Administração Tributária ao sujeitar à tributação em sede de Imposto do Selo, faz tábua rasa do já decidido – até à exaustão – sobre esta matéria e persiste em querer fazer crer que o imóvel em causa se destinava a habitação.
Ora, o Artigo 6.º do CIMI, inequivocamente esclarece a definição dos conceitos elencados.
Assim, dispõe o nº 2 do artigo 6.º do CIMI que “ Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (sublinhado do Requerente).
Se dúvidas subsistissem, o n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, consigna “ Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento (...)”, conceito que em nada se confunde com a definição legal de prédios habitacionais.
Constata-se assim que, para efeitos fiscais e ao abrigo do consagrado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), os terrenos para construção consubstanciam uma espécie de prédios autonomizada e completamente distinta dos prédios tipificados como “Habitacionais”.
A criação de tributos é – historicamente – uma matéria da maior sensibilidade: desde tempos imemoriais é reserva dos parlamentos ou das cortes.
A dignidade do tema é evidente e tem assento constitucional:“2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. – art.º 103 da CRP.
No Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo nº 231/2013-T – no qual se entendeu que “ o texto da lei ao adoptar a fórmula “prédio com afectação habitacional” em vez de prédios urbanos de afectação habitacional” (…) aponta fortemente no sentido de que se exige que afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.”.
Acrescentando que “ no caso em apreço (terreno para construção), está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência” (sublinhado do Requerente).
E também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2014 – Proc. n.º 048/14: “O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador, nem na Lei nº 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (…) remete a título subsidiário. E é um conceito que provavelmente mercê da sua imprecisão – (…) – teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 (Lei nº 83-C72013 de 31 de Dezembro)”.
Acrescendo que, “ esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha -, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo (…) nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações 2012 e 2013)”.
E, prosseguindo: “Ora, quanto a estas, (…), não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção”.
Decidindo no sentido de: “Conclui-se, pois, uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, (…) como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”
Terá o Requerente ainda (e naturalmente) que enaltecer a douta Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 274/2014 – T, para as liquidações efectuadas para o prédio em referência, na qual se pode ler que “Prédio com “afetação habitacional” será aquele que se destina a habitação” (...)” “Aliás, a tal conclusão se chega igualmente através da reconstituição do pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada (...)”
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 6-5-2015.
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado pelo indeferimento do pedido de pronúncia defendendo, no essencial, que o artigo 67º-2, do CIS e a aplicação subsidiária do CIMI (art 2º-1, 6º-1, 41º e 45º-2), permitem interpretar o regime no sentido de que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.
O tribunal dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e as alegações finais das partes, tendo fixado o dia 15-10-2015 como data limite para a prolação da decisão final.
Saneamento do processo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Estão provados os seguintes factos essenciais:
a) O Requerente é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Avenida …, junto ao n.º …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na matriz predial urbana (artigo ….º da freguesia do ..., anterior artigo ….º da freguesia de …) – cfr. Docs. n.º 2, n.º 3 e n.º 4 anexos ao pedido de pronúncia arbitral;
b) O prédio a que se alude em a) acima é um terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 21.746.980,00, afecto na matriz a estacionamento não coberto, não possuindo qualquer edificação construída – cfr. Docs. n.º 2, n.º 4, n.º 5 e n.º 6 anexos ao pedido de pronúncia arbitral;
c) Por acordo celebrado em 20/02/1996, foi autorizada, pelo anterior proprietário, a utilização do prédio em causa para exploração de um parque de estacionamento não coberto, ocupando parcialmente (em cerca de 8.580 m2) a área total do prédio a que se alude em a), cujo teor é o que consta do Doc. n.º 6, junto com o direito de defesa junto aos autos com a petição inicial como Doc. n.º 12;
d) Em 20/04/2007, o Requerente procedeu à entrega da declaração do Modelo 1 do IMI, com o motivo «1ª transmissão na vigência do IMI» – cfr. Doc. n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
e) Em consequência da declaração Modelo 1 do IMI apresentada, o prédio a que se alude em a) acima foi objecto de avaliação, notificada à Requerente em 10/10/2007 – cfr. Doc. n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
f) Ao prédio em causa, avaliado como terreno para construção, foi atribuído o valor patrimonial de € 21.746.980,00 – cfr. Doc. n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
g) O Requerente foi notificado da liquidação / cobrança ora impugnada, referente à prestação única do Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, relativo ao exercício de 2012, no montante de € 110.365,92, nos termos da qual o valor patrimonial do prédio a que se alude em a) ascendia, 31/12/2011, a € 22.073.184,70 – cfr. Doc. n.º 9 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
h) Por simples requerimento entregue em 13/12/2013, o Requerente solicitou a anulação do valor da colecta liquidada a título de Imposto do Selo, o qual deu origem à abertura do procedimento de reclamação graciosa a que se alude em i) abaixo – cfr. Doc. n.º 10 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
i) Em consequência do requerimento apresentado, o Requerente foi notificado, em 23/05/2013, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2013… – cfr. Doc. n.º 11 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
j) Em 11/06/2013, o Requerente apresentou defesa por escrito, a qual não mereceu acolhimento por parte da AT, mantendo o projecto de indeferimento da reclamação graciosa a que se alude em i) de cuja decisão foi o Requerente notificado em 05/11/2014 – cfr. Docs. n.º 12 e 13 anexos ao pedido de pronúncia arbitral;
k) Em 14/07/2013, a liquidação / cobrança ora impugnada foi substituída por outra, no montante de € 108.734,90, em virtude da alteração do valor patrimonial do prédio a que se alude em a) de € 22.073.184,70 para € 21.746.980,00 – cfr. resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral;
l) Em 30/12/2013, o Requerente requereu segunda avaliação do imóvel, através da entrega da nova declaração do Modelo 1 do IMI, com o motivo «Prédio Novo (art.º 106.º b)» – cfr. Doc. n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
m) Por ofício datado de 31/01/2014, a AT notificou o Requerente da segunda avaliação requerida, a qual alterou o valor patrimonial tributário para € 1.086.480,00 – cfr. Doc. n.º 3 anexo ao pedido de pronúncia arbitral;
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A convicção sobre os factos dados como provados, e não provados, fundou-se na prova documental indicada em relação a cada um dos pontos, junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.
II – FUNDAMENTAÇÃO (Cont.)
O DIREITO
A primeira questão que deve ser objecto de apreciação pelo tribunal consiste em delimitar o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) na sua redacção à data do facto tributário. Isto é, há que indagar se os terrenos para construção cabem na norma de incidência, como sustenta a Requerida, ou se, pelo contrário, estão excluídos da mesma.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, a verba n.º 28 da TGIS, dispõe que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional – 1 %...» .
Deste modo é, desde logo, necessário recortar o conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» a que alude a norma em interpretação. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao Código do Imposto do Selo (CIS), é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do mesmo diploma necessário aplicar as normas do CIMI quanto ao conceito e espécies de prédios urbanos
Consequentemente, dispõe o art. 4.º do CIMI sobre o conceito de prédio urbano: «…são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos…». E continua o art. 6.º, n.º 1 de tal diploma: «Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros». O n.º 2 dispõe que: «Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».
Assim, para a subsunção de um prédio em cada uma das categorias enumeradas, releva a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina.
Ora, cabem na verba de imposto do selo em análise, os prédios que já estão adstritos a fins habitacionais, isto é, aqueles a que se deu esse destino . Mas é legítimo formular a seguinte questão: e em relação àqueles prédios (terrenos para construção) com tal destino ou, aqueles em que a destinação é desconhecida, subsumem-se a «prédios com afectação habitacional»?
A resposta à referida pergunta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, o teor literal da verba em análise permite afastar do âmbito de incidência aqueles terrenos para construção que não têm concretizado qualquer tipo de utilização, na medida em que ainda não estão aplicados ou destinados a fins habitacionais. Por outras palavras, não é possível proceder à sua subsunção como «prédios com afectação habitacional», porquanto ainda não têm qualquer afectação ou outro destino, a não ser a construção de tipo desconhecido.
Ainda assim, pode questionar-se: integram o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS os terrenos para construção que ainda não estão aplicados a fins habitacionais e já têm um direito determinado, como é o caso de uma licença de loteamento? Julgamos que não. Na verdade, o art. 6.º, n.º 2 do CIMI, subsidiariamente aplicável, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.
Na verdade, o legislador não utilizou a expressão «prédios habitacionais», mas pelo contrário «prédios com (nosso sublinhado) afectação habitacional», isto é, o prédio tem de ter já efectiva a afectação a esse fim.
Ora, tal sentido interpretativo fica claro com a mobilização de um resumo das palavras do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei, na medida em advogou que aquela: i) visava criar uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor; ii) criava uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação e iii) a taxa incidiria sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Ou, dito de outro modo, a categoria a que legislador se refere com a expressão «prédios com afectação habitacional» são as «casas».
O mesmo sentido interpretativo mantém-se, ainda que se considere que na determinação do VPT dos prédios urbanos, classificados como terrenos para construção, se deva ter em linha de conta a afectação que terá a edificação para estes autorizada ou prevista, com vista a apurar o valor da área de implantação. Tal não significa que os terrenos para construção devam ser classificados como «prédios com afectação habitacional», uma vez que esta destinação se refere, na economia do CIMI, a prédios e construções que possam ser habitados.
Importa ainda acrescentar que a liquidação em causa se reporta ao ano de 2012 e, consequentemente, há que aplicar o vertido no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro. Mais concretamente, tal normativo dispõe que: «1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral: a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012; b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior; (…)». Deste modo, o facto tributário na hipótese em apreço ocorreu em 31 de Outubro de 2012.
Revertendo tal sentido interpretativo para os autos, impõe-se dizer que o terreno para construção objecto dos presentes não se subsume à categoria de «prédios com afectação habitacional» e, como tal, a liquidação de imposto do selo de 2012 deve ser declarada ilegal.
Ainda assim podia julgar-se abalada esta interpretação com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) no segmento em que deu nova redacção à verba 28.1 da TGIS, na qual se remete agora para as categorias descritas no art. 6.º do CIMI, isto é, «prédio habitacional» e «terreno para construção». Todavia, entendemos que não, porque, como sustenta a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA : «… o legislador não atribuiu carácter interpretativo (…), apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo…». Isto é, nada se concretiza em relação aos actos praticados ao abrigo da redacção anterior e demonstra-se outra opção legislativa com a referência às espécies de prédio urbano, i) habitacional e ii) terrenos para construção. Consequentemente, tal alteração legislativa em nada modifica a decisão vertida no parágrafo anterior.
Por tal somatório de razões, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como terreno para construção à data do facto tributário relativo ao ano de 2012, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, deve ser anulada a liquidação de imposto do selo de 2012, com todas as consequências legais.
III - DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, acordam neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido, com a consequente anulação do acto objecto de pronúncia arbitral.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 110 365,92 (o valor da liquidação objecto da reclamação graciosa) nos termos do art. 97.º- A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 3060, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 9 de outubro de 2015
O Tribunal Arbitral Colectivo,
(José Poças Falcão - Presidente)
(Hélder Faustino)
(Francisco Nicolau Domingos)
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.