Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 47/2015-T
Data da decisão: 2015-11-20  IMI  
Valor do pedido: € 251.109,72
Tema: IMI - Afetação de Imóvel - Artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI
Versão em PDF

ACÓRDÃO ARBITRAL.

O árbitro Juiz José Poças Falcão  (Presidente), a árbitra Prof.ª Doutora Nina Aguiar e o árbitro Paulo Ferreira Alves (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 31 de março de 2015, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

A – PARTES

No dia 28 de Janeiro de 2015 SOCIEDADE IMOBILIÁRIA A..., SA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, doravante designada por Requerente ou sujeito passivo, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição deste Tribunal Arbitral Coletivo, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro), doravante, designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, no dia 29-01-2015, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 29-01-2015, conforme consta da respetiva ata.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como árbitros o Exmo. Dr. Juiz José Poças Falcão a Prof.ª Doutora Nina Aguiar e o Dr. Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Em 16-03-2015 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou regularmente constituído em 31-03-2015.

Assim, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído, sendo materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Ambas as partes concordam com a realização da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

B – PEDIDO

1.        O Requerente pretendem a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), n.º 2010 ... 2011 ... e 2012 ..., no valor de € 85.068,44, €83.975,24 e  € 82.066,04 no valor total de € 251.109,72, referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.

 

C - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

2.        Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar que a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão efetuou-se com base na prova documental e tendo em conta os factos alegados.

3.        Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

4.        A Requerente tem como objecto social «a urbanização e loteamento de terrenos, construção de imobiliários por conta própria ou à tarefa, aquisição, exploração e alienação de imóveis, incluindo a venda dos adquiridos»;

5.        No ano de 2010, a Requerente concluiu a construção de um empreendimento imobiliário sito em … designado por “Edifícios do …”, após o que iniciou a venda das fracções integrantes do mesmo;

6.        Em 15.09.2010, a Requerente entregou a declaração modelo 1 para inscrição das fracções na matriz predial tributária, requerendo a suspensão do início de tributação (prédio para revenda) de Imposto Municipal sobre Imóveis, por um período de três anos, com base na al. e), do n.º1, do art. 8º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;

7.        Em 9 de Abril de 2013, em reunião da assembleia geral da Requerente, foram aprovados o relatório de gestão, o balanço e as contas da sociedade referentes ao exercício de 2012;

8.        No balanço aprovado na reunião de 9 de Abril de 2013, a rubrica do activo ‘propriedades de investimento’ regista o valor de 27 563 203 euros. Para o exercício de 2011 a mesma rubrica apresenta um valor de 1 498 077 euros, de acordo com o mesmo documento;

9.        Em nota a esta inscrição do balanço, diz-se: «durante o exercício de 2012 (…) a administração alterou a finalidade das fracções autónomas de ‘disponíveis’ para ‘propriedades de investimento’»;

10.    No mesmo balanço, a rubrica ‘inventários’ regista, para o exercício de 2012, o valor de 4 794 086 euros; para o exercício de 2011, a mesma rubrica regista um valor de 32 257 074 euros, de acordo com o mesmo documento;

11.    Em 26 de maio de 2014, em reunião da assembleia geral da Requerente, o conselho de administração da Requerente comunicou à assembleia geral ter detectado erros de contabilização relativos a imóveis pertencentes à sociedade, na sequência do que foram rectificadas as contas da sociedade referentes ao exercício de 2012;

12.    Na mesma reunião de 26 de maio de 2014, foram aprovados o relatório de gestão, o balanço e as contas da sociedade referentes ao exercício de 2012 com rectificações;

13.    No balanço rectificado, aprovado em assembleia geral de 26.5.2014, a rubrica ‘propriedades de investimento’ regista um valor de 1 929 130 euros;

14.    No balanço rectificado, aprovado em assembleia geral de 26.5.2014, a rubrica ‘inventários’ regista um valor de 30 428 159 euros;

15.    Na sequência das referidas rectificações ao balanço, a Requerente apresentou declaração de rendimentos (modelo 22) de substituição, para os exercícios de 2010, 2011 e 2012;

16.    A Requerente foi notificada, através do ofício nº …/…, de 02.06.2014, de projecto de relatório de inspecção, em que se conclui pela necessidade de proceder a liquidação de IMI sobre as fracções AC, Af, BI, BJ, BM, CE, CH, CJ, DI, AA, AB, AD, AE, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AU, AV, AX, AZ, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BL, BO, BP, BR, BS, BU, BU, C, CA, CD, CG, CV, D, DA, DB, DC, DE, DG, DM, DQ, E, EF, P, R, S, T, U, V, X e Z do prédio urbano supra referenciado;

17.    Em 30 de Junho de 2014, a Requerente exerceu o direito de audição prévia pronunciando-se em relação ao projecto de relatório supra referido;

18.    A Requerente foi notificada de uma liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis efectuada em 21.8.2014, relativa ao ano de 2011 e referente às fracções supra indicadas no valor 105 693,89 euros. Deste valor, a nota liquidação deduz o valor de 20 625,45 euros como referente a ‘imposto anterior”, apurando uma dívida de imposto a pagar de 85 068,44 euros;

19.    A Requerente foi notificada de uma liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis efectuada em 21.8.2014, relativa ao ano de 2011 e referente às fracções supra indicadas no valor 104 600,69 euros. Deste valor, a nota de liquidação deduz o valor de 20 625,45 euros como referente a ‘imposto anterior”, apurando uma dívida de imposto a pagar de 83 975,24 euros;

20.    A Requerente foi notificada de uma liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis efectuada em 21.8.2014, relativa ao ano de 2012 e referente às fracções supra indicadas no valor 102 691,49 euros. Deste valor, a nota liquidação deduz o valor de 20 625,45 euros como referente a ‘imposto anterior”, apurando uma dívida de imposto a pagar de 82 066,04 euros;

21.    A Requerente celebrou, a 27.1.2012, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos sem opção de compra da fracção AC;

22.    A Requerente celebrou, em data não provada, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção AF;

23.    A Requerente celebrou, a 20.4.2011, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção BJ;

24.    A Requerente celebrou, a 25.11.2011, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção DI;

25.    A Requerente celebrou, a 4.10.2011, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção CJ;

26.    A Requerente celebrou, a 4.10.2011, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção CH;

27.    A Requerente celebrou, a 30.8.2012, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção BI;

28.    A Requerente celebrou, a 10.5.2012, um contrato de arrendamento habitacional por prazo de cinco anos com opção de compra da fracção BM;

29.    A matéria considerada provada foi-o com base na documentação junta ao processo pela Requerente e no declarado por ambas as Partes nas suas peças processuais.

 

D-   FACTOS NÃO PROVADOS

30.    Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

E- QUESTÕES DECIDENDAS

31.    Atenta às posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimenda a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:

a.       A declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), n.º 2010 ... 2011 ... e 2012 ....

 

 

F- MATERIA DE DIREITO

32.    Atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), n.º 2010 ... 2011 ... e 2012 ..., no valor de € 85.068,44, €83.975,24 e  € 82.066,04 no valor total de € 251.109,72, referente aos anos de 2010, 2011 e 2012 notificados à Requerente para pagamento ate dia 31 de Outubro de 2014.

33.    Atendendo a formulação do pedido da Requerente e em especial aos atos de liquidação adicional de imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aqui em apreço, inclusive dizendo respeito a diferentes exercícios fiscais, a aplicação das regras e princípios de direito, interpretação e aplicação das normas legislativas permite a cumulação dos pedidos efetuados, e essencialmente permite uma aplicação de decisão uniforme e comum aos três atos de liquidação.

34.    A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos.

35.    Importa em primeiro lugar efetuar uma breve referência ao regime jurídico do IMI para os períodos fiscais de 2010 a 2102, respeitantes ao caso em apreço, uma vez que o mesmo sofreu alterações para o período de 2012, por força da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e em especial quanto a redação da não sujeição de IMI prevista no artigo 9.º do CIMI.

36.    Assim, diz-nos o artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI para os períodos de 2010 e 2011:

1 - O imposto é devido a partir: 

e) Do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no ativo circulante de uma empresa que tenha por objeto a sua venda.

37.    E para o ano de 2012, o artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI, passou a constar com a seguinte redação:

1 - O imposto é devido a partir:

e) Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda.

38.    Verifica-se assim uma alteração de uma das condições da incidência do imposto, passando a incidir sobre os prédios referenciados no inventário ao invés nos prédios referenciados no ativo circulante, e surge no seguimento das alterações verificadas no Sistema de Normalização Contabilística, e que apenas tem como consequência para as empresas uma alteração a nível contabilístico.

39.    O não cumprimento deste requisito no ano de 2012, resulta numa presunção da alteração da utilização do imóvel, que não a (re)venda, e assim aplicar-se-ia o artigo 9.º n.º 2, que resultaria no pagamento do imposto devido desde a sua aquisição, inclusive se o sujeito passivo não alterou a afetação dos prédios àqueles fins.

40.    Perante o exposto, julga-se necessário tecer algumas breves considerações sobre a natureza e o regime da não sujeição prevista artigo 9.º n.º 1 al. e) e seguintes.

41.    Este regime visa, na sua essência, permitir as empresas revendedoras de imoveis, aliviarem a carga fiscal durante um período de 3 anos, mediante o não pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis, relembrando efetivamente que durante a fase de venda, o imóvel não produz rendimentos e produz apenas custos.

42.    Este regime, contudo, possui uma salvaguarda importante para o presente caso, uma vez que permite determinar qual a intenção do requerente e qual a utilização dada ao imóvel.

43.    Esta salvaguarda resulta do artigo 9.º n.º 2.º do CIMI, onde expressamente se prevê que caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição.

44.    Esta salvaguarda delimita, em exclusivo, esta não sujeição aos prédios para venda, não se aplicando, e obrigando o sujeito passivo a pagar o imposto desde o momento devido (aquisição), se alterar a utilização do prédio.

45.    O que se considera por diferente utilização, no âmbito do artigo 9.º do CIMI, é em termos simples, qualquer utilização do prédio ou fração distinta da (re)venda.

46.    Pois caso a Requerente tenha dado uma diferente utilização ao imóvel, como o caso mais comum do arrendamento, a mesma teria de liquidar o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição, desde 2010.

47.    Caso o imóvel seja afeto a outra utilização, por exemplo o arrendamento, o proprietário terá de pagar o IMI referente aos três anos que não foi sujeito, quer seja arrendado no 4º ou outro ano posterior.

48.    É pois irrelevante, que o imóvel seja ou não vendido nos três anos da não sujeição, sendo que o IMI só será tributado após o terceiro ano até que o imóvel seja revendido.

49.    Resultam do citado artigo 9.º do CIMI na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, os seguintes requisitos e pressupostos necessários para usufruir da não sujeição: em primeiro lugar tem de exercer uma atividade de compra e venda de prédios; em segundo lugar tem de afetar o prédio para os exercícios de 2010 e 2011 na conta ativo circulante e em 2012 teria de afetar na conta inventário, em termos contabilísticos; em terceiro lugar, tem de o imóvel ser sempre afeto a venda; e em quarto lugar tem de comunicar no prazo de 60 dias a AT a afetação do prédio.

50.    Adicionalmente, terá ainda de se verificar os requisitos previstos no artigo 9.º n.º 6 e 7 do CIMI, que o sujeito passivo não poderá gozar do benefício se a entidade a quem adquiriu o prédio tenha usufruído deste beneficio, e por ultimo não é aplicável aos sujeitos passivos que tenham domicílio fiscal em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável.

51.    Perante o exposto cabe ao presente tribunal arbitral, verificar se o sujeito passivo cumpriu com os pressupostos e requisitos supra citados, de forma a poder beneficiar da não sujeição.

52.    Quanto ao primeiro pressuposto, exercer uma atividade de compra e venda de prédios, ou seja, revenda, encontra-se preenchido, pelos seguintes motivos.

53.    O objeto social da requerente é "Urbanização e loteamento de terrenos, construção de imobiliários por conta própria ou à tarefa, aquisição, alienação e exploração de imoves, incluindo a venda dos adquiridos".

54.    Não é suscitado pela Requerida, que a Requerente não cumpra com o seu objeto social, e consequentemente não exerce a atividade de compra e venda de prédios descritos, pelo que nestes termos o presente tribunal considera preenchido o primeiro requisito do artigo 9.º n.º 1 al. e).

55.    Quanto aos segundo e terceiro requisitos, e no qual cabe ao presente tribunal arbitral decidir se os mesmos se encontram preenchidos, consiste no fato de AT considerar que teria sido dada utilização diferente aos prédios que beneficiavam do período de não sujeição a IMI decorrente da alteração formal do enquadramento contabilístico das frações autónomas da conta de Inventários para a conta de Propriedades de Investimento, não estando assim preenchido este pressuposto, levando a emissão dos atos de liquidação adicional de IMI aqui em apreço.

56.    Para determinar se estes requisitos estão preenchidos a nível contabilístico e real, importa em primeiro lugar recorrer a posição jurisprudencial que já se pronunciou sobre este tema.

57.    Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o qual no acórdão 0873/08 de 02/04/2019, vem em expressamente "consideração de que o registo contabilístico não pode constituir o único fator legalmente relevante para se poder concluir que os terrenos de destinam ou não para construção, antes se definindo como um mero instrumento formal para esse efeito, nos estritos limites de um índice evidenciador".

58.    Mais nos diz o referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o seguinte:

"A este propósito seguiremos de perto o acórdão do Pleno da Secção de 24-2-99, no recurso n.º 21.076, que se apreciou idêntica questão na vigência do anterior CCA, sendo certo que os dispositivos legais aí visados (n.ºs 1, alíneas e) e f) e 2 do artigo 10.º) têm uma redação em tudo coincidente com a atualmente constante dos n.ºs 1, alíneas d) e e) e 2 do artigo 9.º do CIMI.

Ora, a resposta a essa questão assenta na consideração de que o registo contabilístico não pode constituir o único fator legalmente relevante para se poder concluir que os terrenos de destinam ou não para construção, antes se definindo como um mero instrumento formal para esse efeito, nos estritos limites de um índice evidenciador.

De facto, a demonstração de que assim é logo se encontra na própria lei, mais em concreto no n.º 2 do aludido artigo 9.º onde se prevê que “ Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dado diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição”, e daí que se torne irrelevante a “destinação objectivada nas intenções da empresa e na escrituração que não venha a ter realização”, posto que se o registo contabilístico valesse em exclusivo então nunca a “diferente utilização” relevaria para efeitos de liquidação do tributo por todo o período decorrido desde a sua aquisição.

Na situação “sub juditio”, não obstante do registo contabilístico se inferir que os terrenos ao ser qualificados como mercadoria seriam destinados a revenda, o certo é que a ora recorrente “A...” no pedido de isenção que formulou assevera que os lotes de terreno são para construção, o que é credivelmente compaginável com o facto de no inicio de atividade ter indicado como atividade a construção de edifícios (1. do probatório).

Neste contexto, suscitando-se dúvidas quanto à destinação dos lotes de terreno, sendo inquestionável que a AT sempre tem ao seu dispor o instrumento de correção da verdade tributária conferido pelo n.º 2 do artigo 9.º do CIMI, essas dúvidas deverão ser valoradas em termos de proteção do contribuinte e nunca do fisco, sabido, como é, que cabe à administração o ónus a prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr artigo 75.º, n.1 da LGT e 100.º do CPPT)."

59.    Face ao exposto, e à posição do STA, e com as devidas adaptações, o elemento contabilístico não é o único fator legalmente relevante para se poder concluir que aos imóveis lhes foi conferida uma utilização diferente que não a revenda, a qual caberia nos termos do artigo 9.º n.º 2, como instrumento de correção da verdade tributária, a AT o ónus da prova que aos imoveis lhe foi dado outra utilização que não a revenda.

60.    Contudo, como se demonstrará, a Requerente corrigiu o elemento contabilístico de forma a cumprir com o artigo 9º n.º 1 al. e) e mais se refere, que não ficou provado, que a requerente tenha afeto os imóveis em causa a outra utilidade que não a venda.

61.    De acordo com a evolução normativa já descrita do artigo 9.º n.º 1 al. e), o sujeito passivo em termos contabilísticos teria de afetar o prédio para os exercícios de 2010 e 2011 na conta ativo circulante e em 2012 teria de afetar na conta inventário.

62.    A Requerente no ano de 2012 afetou todos os imóveis da sua urbanização, quer os arrendados quer os para revenda, para a conta de conta de propriedades de investimento, a qual alega que se tratou de um mero lapso e a sua intenção era unicamente a transferência para a conta de conta de propriedades de investimento dos imoveis que nesse período foram celebrados contrato de arrendamento.

63.    Efetivamente, a Requerente alega que corrigiu este erro mediante submissão e aprovação em Assembleia Geral de um novo Relatório e Contas, referente ao exercício de 2012 alteração do enquadramento contabilístico das frações autónomas, aqui em apreço, transferindo-as da conta de inventários para a conta de propriedades de investimento, pelo que este requisito do artigo 9.º n.º 1 al. e) estaria cumprido.

64.    Assim em 26.05.2014 a Requerente submeteu um novo relatório de contas referente ao exercício de 2012, com o objeto de retificar o anterior relatório, tendo igualmente submetido declarações de substituição de rendimento modelo 22, bem como nova informação simplificada.

65.    A questão que aqui se coloca consiste em determinar se o sujeito passivo pode proceder à alteração, correção, substituição ou revogação de um Relatório e Contas já previamente aprovado e publicado, e assim sanar ou confirmar alguma nulidade ou anulabilidade.

66.    A resposta a esta questão é afirmativa em dois pontos essenciais: em primeiro lugar, a Assembleia Geral possui competência para aprovar o Relatório e Contas, desde logo tem competência para proceder a qualquer alteração, correção, substituição ou revogação do mesmo.

67.    E o segundo ponto consiste na presunção que as deliberações da Assembleia Geral foram realizadas de forma correta e dentro dos trâmites da lei, e só nas situações em que exista uma decisão judicial transitada em julgado a determinar a sua invalidade, quer por motivos de nulidade ou anulabilidade, é que o presente tribunal tem de aceitar sua invalidade.

68.    Senão vejamos:

69.    No presente caso a deliberação da Assembleia Geral da requerente é tomada em 26.05.2014, a qual, em suma procedeu a alteração e correção do Relatório e Contas, do ano de 2012, presume-se que esta deliberação é valida.

70.    O novo relatório de contas aprovadas pela Assembleia Geral dos acionistas da A..., com fundamento no erro e correção das contas anteriores, não carece de ser decretada judicialmente.

71.    Desde logo, não é necessário a Requerente recorrer à via judicial para sanar uma nulidade ou anulabilidade, se a mesma for sanada ou confirmada por quem de direito for competente.

72.    Tal resulta do regime jurídico previsto nos artigos 287.º e 288.º do CC, dado que a nulidade é sanável, bem como a anulabilidade mediante confirmação, e a sanação ou confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de nulidade e anulação, que no presente caso cabe à Assembleia Geral da Requerente.

73.    E, também, o que resulta do artigo 62.º (Renovação da deliberação) do CSC com a seguinte redação:

1 - Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retractiva, ressalvados os direitos de terceiros. 

2 - A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.

3 - O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.

74.    Ou seja, uma deliberação da Assembleia Geral pode sempre corrigir uma nulidade ou anulabilidade, não sendo necessário uma decisão judicial.

75.    Efetivamente todos os interessados e terceiros que se considerem lesados por esta deliberação da Assembleia Geral podem recorrer aos meios normais para requerer a nulidade ou anulabilidade da mesma, incluindo-se aqui a AT, caso a mesma considera que a deliberação tomada em 26.05.2014 não é valida e padece de vicio, terá como interessada e terceiro, de recorrer às regras gerais da nulidade, previstas no artigo 286.º e ss do C.C. e dos artigos 53.º e ss do CSC, oficiosamente no âmbito de um processo judicial.

76.    Neste mesmo sentido, podem os lesados/interessados da deliberação da Assembleia Geral, que aprovou inicialmente o Relatório de 2012, requerer a sua nulidade ou anulação, dado que aos imóveis para venda foi-lhes conferido um enquadramento contabilístico errado (da conta de Inventários para a conta de Propriedades de Investimento), e que não corresponderia à realidade.

77.    Os lesados/interessados são desde logo os sócios da requerente.

78.    Não existindo qualquer norma que proíba a Assembleia Geral de proceder à alteração, correção, substituição ou revogação do mesmo, é permitido à assembleia Geral corrigir erros nas suas declarações, mesmo que as contas sejam públicas, caso contrario estar-se-ia a criar situações insustentáveis.

79.    Esta situação pode ainda ser entendida de outra forma, no sentido de a Requerente, ao colocar a nível exclusivamente contabilístico os imóveis para venda na conta de propriedades de investimento ao invés de na conta de inventários, estava a cometer um erro a nível contabilístico, uma vez que os imóveis para venda pertencem na conta de inventários.

80.    Ou seja o Relatório e Contas inicial continha um erro, erro esse que não correspondia a realidade.

81.    Perante a existência de esse erro, os sócios e demais interessados, podiam requer a nulidade ou anulabilidade por meio judicial ou mediante a sanação ou confirmação.

82.    Essa sanação ou confirmação é feita mediante uma deliberação da Assembleia Geral.

83.    Ou seja a Requerente, perante um erro por si cometido, podia dentro dos trâmites da lei corrigir esse erro, admitir não é permitido corrigir erros pela mesma forma que os foram criados, pelo meio da declaração da Assembleia Geral, não é o que lei estabelece ao permitir a sanação ou confirmação.

84.    Desde logo, entendendo que a declaração da Assembleia Geral de 26.05.2014, veio corrigir um nulidade ou anulabilidade, mediante a sanação ou confirmação encontra-se dentro das suas competências.

85.    Todavia, é da exclusiva competência dos tribunais judiciais decretar a nulidade ou anulabilidade da declaração da Assembleia Geral de 26.05.2014, caso os interessados (sócios e terceiros) entendam que a mesma é nula ou anulável, e não é sanada ou confirmada pela Assembleia Geral.

86.    Mais se refere que não tem o presente tribunal arbitral competência para decidir sobre a validade de deliberações de Assembleias Gerais, a sua competência limita-se nos termos do artigo 2.º n.º 1 al. a) da Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária "A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;".

87.    Assim não existe outra solução senão entender que a Assembleia Geral de 26.05.2014 é válida.

88.    Verificada a matéria de fato provada, e as posições assumidas pelas partes, resulta que o erro contabilístico se verifica no Relatório e Conta primariamente aprovado, o qual não correspondia à realidade, uma vez que os imóveis destinados e exclusivos para a venda, sem qualquer outra utilização, tendo sido colocados numa conta contabilística incorreta, assim existia um vício.

89.    Existindo um erro e um vício, apenas com a aprovação do novo Relatório e Conta e com a apresentação da declaração de substituição modelo 22 é que esse erro e vício foi corrigido.

90.    Ao considerar-se que o Relatório e Contas foi aprovado pela Assembleia Geral de 26.05.2014 não é válido nem legal impedir-se o Requerente e sujeito passivo de corrigir um erro seu, inclusive quando esse erro não representa a sua vontade e a realidade.

91.    Neste sentido, tão pouco é limitativo o artigo 9 n.º 2 do CIMI, quanto ao requisito da diferente utilização que seja limitado apenas a inclusão da conta inventario, pois o mesmo não afasta a realidade. Trata-se mais de uma salvaguarda, sendo mais um indicativo da intenção da requerida na revenda, e da afetação desses imóveis a mesma.

92.    O que se pretende com isto dizer, é este o artigo, aplica-se também nas situações em que os imóveis se encontram no inventário da empresa mas a sua utilização diverge da venda, como o exemplo do arrendamento.

93.    Se o pode nestas situações, também o pode nas situações que o sujeito passivo mantem a utilização do imóvel para venda, e por erro, posteriormente corrigido, não coloca o imóvel na conta inventário.

94.    É neste sentido, em sintonia com o acórdão 0873/08 de 02/04/2019 do STA, em que se entende que o elemento contabilístico não pode constituir o único fator legalmente relevante, sobrepondo-se a este a verdade tributária.

95.    O único argumento e prova apresentado para fundamentar a diferente utilização do requisito previsto no artigo 9 n.º 2 do CIMI, é que o mesmo não passou a figurar no inventário da empresa, mantendo-se a intenção e o objeto da venda.

96.    E como o Requerente corrigiu esse erro e os imóveis passaram a figurar na conta inventário, passam assim os requisitos do artigo 9 n.º 1º al. e) e 2º do CIMI a estar preenchidos.

97.    Quanto ao em terceiro requisito, que consiste no dever de o sujeito passivo nos termos do 9.º n.º 4, "Para efeitos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1, devem os sujeitos passivos comunicar ao serviço de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afetação dos prédios àqueles fins.".

98.    A Requerente procedeu à urbanização de um empreendimento imobiliário concluído no ano de 2010, e em 15.09.2010, procedeu a entrega da Declaração Modelo 1 de IMI, para a inscrição das frações na matriz predial.

99.    Nessa declaração a Requerente, optou nos termos do artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI pela modalidade de suspensão de início de tributação pelo período de 3 anos, com o objetivo de os prédios para revenda.

100.                        Este requisito encontra-se igualmente preenchido.

101.                        Perante tudo o que foi exposto e com base na jurisprudência supra citada e doutrina apresentada, só podemos retirar a conclusão que o elemento contabilístico não pode constituir o único fator legalmente relevante para afastar a não sujeição, elemento que foi corrigido e fundamentalmente ficou demonstrado que os imóveis se encontram para venda, sendo esta a verdade tributária, esta sobrepõe-se à verdade contabilística.

102.                        Pelo exposto, decide-se no sentido que cumpre com os o requisitos necessário para a não sujeição do pagamento de IMI previsto no artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI pelo que é ilegal dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), n.º 2010 ... 2011 ... e 2012 ..., no valor de € 85.068,44, €83.975,24 e € 82.066,04 no valor total de € 251.109,72.

 

G - DECISÃO

 

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

a) Julgar procedentes o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), n.º 2010 ... 2011 ... e 2012 ...,  que fixou um imposto global a pagar de 251.109,72 € (duzentos e cinquenta e um mil cento e nove euros e setenta e dois cêntimos), por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação;

b) Condenar a Requerida, a restituir à requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga.

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 251.109,72 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas.

Custas

  Fixa-se o montante das custas em € 4.896,00€ (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

Lisboa, 20-11-2015

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

José Poças Falcão 

(Presidente)

 

Paulo Ferreira Alves

(árbitro-vogal)

 

Nina Aguiar

(árbitro vogal)

Proc nº 47/2015-T CAAD

 

VOTO DE VENCIDO

Discordei da posição que fez vencimento, pelas seguintes razões:

Diz o artigo 9.º, n.º 1, al e) do Código do Imposto Municipal sobre imóveis:

“O imposto é devido a partir:

(…)

d) Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda.”

O n.º 2 do mesmo preceito dispõe:

“Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição.”

A razão de ser desta não sujeição assenta em considerar-se que os imóveis detidos por um comerciante que os adquiriu para venda – quando esse comerciante tenha como actividade regular a venda de imóveis – tal como uma mercadoria de qualquer comerciante, não revelam riqueza, e portanto não indiciam capacidade contributiva.

Contudo, os imóveis podem ser adquiridos não para os destinar a venda, mas para os utilizar na sua actividade ou mesmo como um investimento.

O que distingue as duas situações é, principalmente, o seu elemento subjectivo – ou elemento volitivo – ie a intenção do comerciante no que diz respeito à utilização do bem.

A intenção do comerciante em relação aos bens imóveis por si detidos objectiva-se no tratamento contabilístico que é dado aos mesmos.

Assim, se o imóvel tem no património do comerciante a função de uma mercadoria, destinada a ser vendida num curto espaço de tempo, esse imóvel deve figurar no inventário.

 De acordo com a norma internacional de contabilidade n.º 2 (contida no Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão de 3 de Novembro de 2008, que adopta determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho):

 “Os inventários são activos:

a) detidos para venda no decurso ordinário da actividade empresarial;

b) no processo de produção para tal venda; ou

c) na forma de materiais ou bens de consumo a serem consumidos no processo de produção ou na prestação de serviços.”

Esta norma contabilística é direito da União Europeia, plenamente aplicável no ordenamento jurídico português por força dos princípios do efeito directo e do primado do direito da União Europeia.

Assim, se o comerciante, que tem como actividade ou como uma das suas actividades a venda de imóveis, detém no seu património um determinado bem imóvel para venda, esse bem imóvel deve, no balanço do comerciante, aparecer inscrito no inventário.

A alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, já transcrita, em consonância com a regulação contabilística, faz depender a não sujeição do bem a imposto da condição de se encontrar o mesmo inscrito no inventário do comerciante.

Tomando este contexto normativo como enquadramento sistemático da al. e) do n.º 1 do art.º 9.º do CIMI, podem listar-se como segue os requisitos para que um imóvel beneficie da não sujeição a imposto prevista nessa disposição:

i)                    Que o comerciante tenha como actividade a venda de imóveis;

ii)                  Que o imóvel tenha sido inscrito no inventário do comerciante;

iii)                Que o comerciante comunique ao serviço de finanças da área da situação do prédio, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afectação dos prédios aos fins referidos (n.º 4 do art.º 9.º).

A situação de não sujeição cessa, sem efeitos retroactivos, quando a venda do prédio seja retardada por facto imputável ao sujeito passivo (n.º 3 do art.º 9.º).

A situação de não sujeição cessa também, mas com efeitos ex tunc, ie abrangendo todo o período de não sujeição, mesmo que este já tenha transcorrido totalmente, quando seja dada ao prédio diferente utilização.

Uma das questões discutidas pelas Partes é o sentido que deve dar-se à expressão “diferente utilização”. Nomeadamente, discute-se se a afectação do bem imóvel ao inventário ou ao imobilizado é determinante para aferir a utilização que é dada ao mesmo.

Entendemos, quanto a este aspecto, que a afectação que é dada ao bem a inventário ou a imobilizado é determinante para aferir a utilização que é dada ao mesmo e isto porque o requisito para a não sujeição a IMI é a inscrição do bem em inventário. Utilização diferente da inscrição em inventário, só pode ser a classificação do bem noutra rubrica que não seja inventário.

A Requerente invoca, em favor da sua posição, jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (nomeadamente os acórdãos de 4-2-2009, Proc. n.º 873/08 e de 24-2-1999, Proc. N.º 21076), em que o Tribunal reconhece que o “O registo contabilístico não é o único e exclusivo factor legalmente relevante (artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI) para se poder concluir se os terrenos se destinam ou não para construção, antes se definindo como mero elemento indiciador, formal, para esse efeito, a considerar pelo julgador com os demais elementos de facto”.

Cremos, porém que as situações em causa são bastante diferentes, requerendo uma ponderação diferente.

No caso decidido pelo STA no referido acórdão, o sujeito passivo tinha inscrito terrenos para construção em “mercadorias” (o que estaria correcto do ponto de vista contabilístico apenas se os pretendesse vender sem construir) em vez de os classificar como “matérias-primas”, tratamento que era o correcto caso a empresa pretendesse construir, o que era o caso.

Ora, em primeiro lugar, os terrenos são activos que, quando registados em imobilizações, não são depreciáveis, ao contrário dos edifícios. Em segundo lugar, um terreno registado em mercadorias e um terreno registado em matérias-primas estão, ambos, afectados ao activo circulante da empresa, pelo que o seu tratamento contabilístico não é substancialmente diferente.

No caso em apreço, não estamos perante um terreno mas perante prédios urbanos, os quais, quando inscritas no activo imobilizado, são depreciáveis, reflectindo-se por essa via numa redução dos lucros (incluindo os lucros tributáveis) da empresa.

No caso sub judice, a Requerente começou por registar as fracções em causa, precisamente, no seu inventário. Em consequência, requereu e obteve a suspensão do início da tributação por um período de três anos, ao abrigo da já referida al. e) do n.º 1 do art.º 9.º do CIMI.

Porém, em 2012, a Requerente alterou a classificação das fracções, inscrevendo-as em “propriedades de investimento”. Com isso, a Requerente formalizou, pelo processo próprio, o reconhecimento de uma alteração na função económica dos prédios no seu património.

A formalização deste reconhecimento tem efeitos jurídicos. Com este reconhecimento, a sociedade assume que o bem não se encontra à venda, o que é um acto de gestão.

Por outro lado, o bem passa a ser depreciado. As depreciações são custos, que diminuem o lucro disponível para ser distribuído aos sócios. A sócia única aceitou esta decisão. Mas além disso, as depreciações diminuem o lucro tributável, o que tem repercussões na situação tributária da empresa.

Ora, é claro que não pode aceitar-se a possibilidade de o sujeito passivo inscrever um prédio urbano em “propriedades de investimento”, praticando sobre o bem depreciações anuais, com diminuição do lucro tributável, e de sustentar ao mesmo tempo, contrariamente ao que consta da contabilidade, que a verdadeira função do bem no seu património é a de activo circulante, reivindicando assim a não sujeição a IMI, a qual está reservada a situações em que os bens não são depreciáveis.

Parece evidente que, nesta situação, têm de ser valorizados os efeitos jurídicos do balanço aprovado e depositado nos termos da lei comercial e considerar, em consequência, que a transferência das fracções autónomas de “inventário” para “propriedades de investimento” se traduzem, efectivamente, em dar aos bens “uma diferente utilização”, para efeitos do n.º 2 do art.º 9.º do CIMI, sob pena de se cair numa incongruência insanável do ponto de vista fiscal.

No caso vertente, compreendendo esta impossibilidade, a Requerente não se limitou a invocar uma discrepância entre o tratamento contabilístico dado aos bens e a real função que os mesmos teriam no seu património. A Requerente alega que cometeu um erro contabilístico ao transferir as fracções de “inventário” para “propriedades de investimento” e, em consequência do reconhecimento ou detecção desse erro contabilístico, procedeu a uma “rectificação” do balanço, voltando a registar as fracções em “inventário”.

O balanço “rectificado”, referente ao exercício económico de 2012, foi aprovado já em 2014, e foi aprovado em assembleia geral e depositado no registo comercial.

Coloca-se aqui a questão de saber qual o valor desta rectificação.

Nesta matéria há que, em primeiro lugar, dilucidar a questão da possibilidade de uma tal rectificação.

Sobre esta questão, a norma internacional de contabilidade n.º 8, também inserta no  Regulamento (CE) n.º 1126/2008, diz o seguinte, no seu ponto 41:

“Podem surgir erros no que respeita ao reconhecimento, mensuração, apresentação ou divulgação de elementos de demonstrações financeiras. As demonstrações financeiras não estão em conformidade com as IFRS se contiverem erros materiais ou erros imateriais feitos intencionalmente para alcançar uma determinada apresentação da posição financeira, desempenho financeiro ou fluxos de caixa de uma entidade. Os potenciais erros do período corrente descobertos nesse período são corrigidos antes de as demonstrações financeiras serem autorizadas para emissão.

Contudo, os erros materiais por vezes não são descobertos senão num período posterior, e estes erros de períodos anteriores são corrigidos na informação comparativa apresentada nas demonstrações financeiras desse período posterior.”

O ponto 42 da mesma norma diz:

“Sujeita ao parágrafo 43, uma entidade deve corrigir os erros materiais de períodos anteriores retrospectivamente no primeiro conjunto de demonstrações financeiras autorizadas para emissão após a sua descoberta por:

a) reexpressão das quantias comparativas para o(s) período(s) anterior(es) apresentado(s) em que tenha ocorrido o erro; ou

b) se o erro ocorreu antes do período anterior mais antigo apresentado, reexpressão dos saldos de abertura dos activos, passivos e capital próprio para o período anterior mais antigo apresentado.”

Destas disposições legais retira-se que:

-        Os erros do período corrente detectados nesse período podem ser corrigidos até ao momentos de as demonstrações financeiras serem autorizadas para emissão, ie, aprovadas em assembleia geral;

-        Os erros “materiais” (ie relevantes) detectados num período posterior àquele a que dizem respeito só podem ser corrigidos na informação comparativa apresentada nas demonstrações financeiras desse período posterior.

No caso em apreço, portanto, o balanço podia ter sido rectificado até ao momento em que foi aprovado pela assembleia geral. Depois disso, a rectificação só poderia ser efectuada na informação comparativa do balanço do período em que o erro foi detectado, que no caso foi o ano de 2014.

Fora estas duas possibilidades, restaria ainda a possibilidade, que a própria Requerida aponta, de se requerer uma anulação judicial do balanço.

A assembleia geral da Requerente, ao aprovar um balanço “rectificado” em violação da norma legal transcrita, tomou uma deliberação em violação da lei.

Sobre esta matéria, diz o artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais:

“(Deliberações nulas)

1 - São nulas as deliberações dos sócios:

(…)

d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.”

Portanto, não há, em nosso entendimento, dúvida possível de que a deliberação de “rectificação do balanço é uma deliberação nula por força do artigo 56.º, n.º 1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais.

A Requerente argumenta, quanto a este ponto, com a possibilidade, prevista no artigo 62.º, n.º 1 do CSC, de renovação de deliberação nula.

Porém, o argumento não pode de todo em todo proceder, uma vez que a deliberação em causa – deliberação que aprovou o balanço de 2012 no seu devido tempo – não é nula.

Com efeito, diz o art.º 62.º, n.º 1 do CSC, sobre a possibilidade de a assembleia geral alterar deliberações nulas:

1 - Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.” 

Por seu turno, o artigo 56.º (Deliberações nulas) diz:

1 – São nulas as deliberações dos sócios:

a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;

b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;”

É evidente que disposição não tem aplicação no caso vertente porque não está em causa uma deliberação que seja nula por força das alíneas a) ou b) do artigo 56.º, logo, a deliberação que aprovou o primeiro balanço nunca poderia ser alterada com base no artigo 56.º do CSC.

Deste modo, forçoso é concluir que a deliberação pela qual a assembleia geral da Requerente aprovou, em 26 de maio de 2014, um balanço “rectificado” para o exercício económico de 2012 é nula, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais.

De referir que a nulidade é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 286.º do Código Civil, não estando portanto vedado o conhecimento da nulidade da deliberação a este tribunal arbitral.

Sendo essa deliberação nula, o balanço a tomar em conta para aferir o direito da Requerente à não sujeição a imposto ao abrigo do artigo 9.º, n.º 1, al. e) do CIMI é o balanço aprovado em 9 de Abril de 2013, único válido.

De acordo com esse balanço, como também já se concluiu, a Requerente deu “uma diferente utilização” aos bens imóveis em causa, ao afectá-los a “propriedades de investimento”, perdendo com isso o direito à não sujeição a imposto ao abrigo do artigo 9.º, n.º 1, al. e) do CIMI.

 

 

Lisboa, 20-11-2015

O Árbitro

 

Nina Teresa Sousa Santos Aguiar