Decisão Arbitral
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Doutora Maria Celeste Cardona (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-3-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, contribuinte n.º …, com domicílio fiscal em …, caixa postal …-…, …-… …, ao abrigo do disposto nos artigos 23.º e 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1 do Código do IRC, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), veio requerer a presente pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2007 …, de 8 de Outubro de 2007, referente ao ano de 2004, no montante de €79.237,50 e juros compensatórios e demais acréscimos legais, num total de €104.695,99
Alegou no essencial:
a) A referida liquidação foi oficiosamente emitida pela Administração Tributária, na sequência de uma mais-valia imobiliária gerada pela sociedade de Direito gibraltino E… LIMITED, pessoa colectiva n.º …, à época com sede em … …, …, Gibraltar (doravante “E…”), sendo imputada ao Requerente, pela Administração Tributária, a qualidade de responsável solidário pelo respectivo pagamento – cfr. cópia de nota de citação em sede de processo de execução fiscal n.º … 2008 …, junta como documento n.º 3.
b) O Requerente é advogado, titular da cédula profissional n.º …-…, com escritório na …, n.º …, 4.º F, …-… ….
c) No dia 7 de Outubro de 2004 e no âmbito de exercício da sua profissão, o Requerente outorgou em escritura pública de compra e venda de imóvel em representação da E… – cfr. cópia da escritura pública de compra e venda, junta como documento n.º 4.
d) O referido imóvel havia sido adquirido em 2000 (8/9 indivisos em 29 de Março de 2000 e o restante 1/9 indiviso em 25 de Setembro do mesmo ano) – cfr. cópia das escrituras públicas de compra e venda, juntas como documento n.º 5.
e) A 10 de Fevereiro de 2012, o Requerente foi citado em sede do processo de execução fiscal n.º … 2008 … – cfr. documento n.º 3 –, sendo-lhe imputada a responsabilidade solidária pelo pagamento dos montantes abaixo indicados:
i) EUR 79.237,50, a título de quantia exequenda, reportando-se a uma alegada dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2004;
ii) EUR 25.458,49, a título de respectivo acrescido (i.e. juros de mora e custas processuais).
Total: EUR 104.695,99
f) De acordo com a informação e despacho anexos à nota de citação, a alegada responsabilidade do Requerente pelo pagamento da dívida tributária em causa funda-se no artigo 27.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), ou seja, baseia-se no facto de lhe ser imputada a qualidade de gestor de bens ou direitos da E… – cfr. documento n.º 3.
g) Em nenhum momento foi o ora Requerente notificado pela Administração Tributária no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC na origem da execução fiscal n.º … 2008 …, tal como não foi directamente notificado da respectiva liquidação de imposto, muito menos lhe foi concedido prazo para o respectivo pagamento voluntário.
h) Do mesmo modo, em nenhum momento anterior à citação concretizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º … 2008 …, a Administração Tributária notificou o Requerente do seu entendimento nos termos do qual o tem por responsável solidário na putativa qualidade de gestor de bens e direitos da E…, não tendo designadamente procedido à notificação com vista a permitir ao Requerente participar na decisão administrativa de lhe imputar essa qualidade ou, pelo menos, recolher matéria probatória para confirmar ou infirmar semelhante hipótese.
i) Por outro lado, a nota de citação do Requerente, não obstante incluir cópia do relatório final de inspecção e da demonstração da consequente liquidação de IRC, é completamente omissa quanto à eventual notificação dessa liquidação à E…, desde logo quanto à data da sua suposta concretização, mas também quanto ao meio utilizado pela Administração Tributária para esse efeito – cfr. documento n.º 3.
j) Sem prejuízo de considerar ilegal, por falta de reunião dos respectivos pressupostos, a sua responsabilização pelo pagamento da dívida tributária em causa – motivo pelo qual deduziu no dia 6 de Março de 2012 oposição à execução fiscal –, o ora Requerente considera igualmente que a própria liquidação de IRC deve ser anulada, atenta a respectiva ilegalidade – tendo apresentado a correspondente reclamação graciosa em 27 de Abril de 2012 – cfr. cópia da reclamação graciosa, junta como documento n.º 6.
12.º
k) Nesta sede, o Requerente pugnou pela anulação da liquidação de IRC n.º 2007 …, e, bem assim, pela nulidade consequente dos juros compensatórios constantes da mesma liquidação, com os seguintes fundamentos:
i) O Requerente não foi notificado quer da inspecção tributária decorrente da ordem de serviço interna n.º OI 2007 .., de 5 de Maio de 2007, quer da liquidação n.º 2007 …, para o exercício do correspondente direito de audição antes da liquidação ou antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, do projecto de decisão de imputação da qualidade de responsável solidário pelas dívidas da E… ou mesmo do prosseguimento da execução n.º … 2012 … contra si, o que consubstancia a preterição do princípio da participação dos interessados nas decisões administrativas, previsto nos termos dos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), 100.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), 60.º da LGT e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (“RCPIT”);
ii.) A Direcção de Finanças de Faro não era o órgão competente para a emissão da ordem de serviço interna n.º OI 2007 …, da qual resultou o procedimento interno de inspecção tributária que esteve na origem da liquidação n.º 2007 …;
iii.) Não foram consideradas na quantificação da mais-valia apurada as despesas suportadas pela E… com a aquisição e alienação do imóvel, tais como o pagamento do Imposto Municipal de Sisa (“SISA”), do Imposto do Selo (“IS”) e despesas notariais, o que foi agravado pela aplicação do regime ínsito no artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) e a assunção do valor tomado como base para a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) como valor de realização do imóvel;
iv.) O artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas pelos residentes mas não das mais-valias realizadas pelos não residentes, consagra um tratamento arbitrariamente diferenciado entre sujeitos passivos residentes e não residentes, e por isso incompatível com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);
v.) A liquidação n.º 2007 … é inexigível por falta de notificação da mesma ao Requerente antes 31 de Dezembro de 2008, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, não estando igualmente comprovada qualquer notificação que possa haver sido efectuada à E… dentro daquele prazo de caducidade.
l) Pelo ofício n.º …, de 24 de Julho de 2012, da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o Requerente notificado do projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima referenciada – cfr. cópia do ofício n.º …, junta como documento n.º 7.
m) Nesse ofício, revelando uma incorrecta compreensão dos argumentos apresentados pelo Requerente ou uma errónea interpretação das normas legais aplicáveis, e parecendo alternar entre a qualificação da E… como sujeito passivo residente e não residente, a Administração Tributária reitera a argumentação que presidiu à liquidação de IRC n.º 2007 …, de 10 de Outubro de 2007, em especial, no que concerne a preterição do direito de participação do Requerente no acto tributário em causa, a competência da Direcção de Finanças de Faro para a realização de uma inspecção tributária à E….
n) A 6 de Agosto de 2012, o Requerente exerceu o correspondente direito de audição prévia relativamente ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa, no qual reiterou o entendimento que anteriormente expôs, enfatizando e explicitando a argumentação apresentada – cfr. cópia da audição prévia, junta como documento n.º 8.
o) Por ofício n.º …, de 7 de Setembro de 2012, da Direcção de Finanças de Lisboa, notificado a 10 de Setembro de 2012, o Requerente tomou conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, segundo a qual a Administração Tributária considerou não ter aquele aduzido argumentos ou trazido elementos de prova que justificassem a alteração do sentido decisório projectado – cfr. documento n.º 9.
p) O Requerente não se conformando com a prolação dessa decisão, apresentou recurso hierárquico da mesma – cfr. cópia do referido recurso hierárquico, junta como documento n.º 10.
q) Por Ofício de 22 de Outubro de 2014, notificado no dia 24 de Outubro de 2014, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do referido recurso hierárquico – cfr. documento n.º 1.
r) O Requerente não se conforma com a prolação dessa decisão e, por via disso, com o acto tributário acima identificado, entendendo que se impõe a respectiva declaração de ilegalidade e anulação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou tempestiva resposta, contestando os fundamentos do pedido bem como excecionando a incompetência deste Tribunal Arbitral e suscitando o que denominou de “questão prejudicial” nos seguintes termos: “(...) Caso assim não se entenda, ou seja, caso o tribunal não dê por provada a excepção supra invocada, sempre deverá o mesmo dar por prejudicado o conhecimento de todas as questões que não as relativas à estrita apreciação da legalidade da liquidação nº 2007 ….
(...) Cumpre, antes de mais, distinguir no presente pedido de pronúncia arbitral a parte do pedido dirigida à declaração de ilegalidade do acto tributário, com fundamento em vícios de forma e de violação de lei, da parte do pedido dirigida à declaração da inexigibilidade da liquidação com fundamento na notificação da liquidação após prazo de caducidade. (...) Na verdade, encontra-se pendente processo de Oposição no TAF de Sintra tendo por objecto a exigibilidade da liquidação ora controvertida, com fundamento quer na inexistência da pretendida responsabilidade solidária (art. 204º, nº 1 alínea b) do CPPT), quer na falta de notificação ao Requerente da liquidação dentro do prazo de caducidade (art. 204º, nº1 alínea e) do CPPT). (...) A Oposição deduzida corre termos no TAF de Sintra sob o nº …/…, tendo a Representação da Fazenda Pública sido notificada para contestar, nos termos do art. 210º do CPPT, até 13/11/2012, ou seja, em data anterior à da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.
(...) Em síntese, importa pois acautelar que o presente pedido de pronúncia arbitral seja expurgado de qualquer questão em matéria tributária que não comporte a apreciação da legalidade do acto de liquidação, como são as questões referentes à sua exigibilidade, as quais para além de estarem excluídas das matérias compreendidas no âmbito da jurisdição arbitral em matéria tributária, só podem ser apreciadas em sede da Oposição à Execução, oposição essa que se encontra pendente no TAF de Sintra.
(...) Delimitado o único objecto da presente impugnação a ser apreciado pelo Tribunal Arbitral, não assiste razão ao Requerente, como em seguida se demonstrará(...)”.
Por despacho de 25-5-2015, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem as suas alegações finais por escrito.
As Partes apresentaram alegações escritas em que, no essencial, mantiveram as posições doutamente defendidas nos respetivos articulados.
Ulteriormente veio o requerente apresentar um requerimento pedindo a extinção da instância, com custas pela AT, por inutilidade superveniente da lide face à sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, proferida em 28-5-2015 no processo nº …/12….BESNT, transitada em julgado em 11-6-2015, que julgou procedente a oposição fiscal a que se faz alusão supra (juntou cópia da sentença).
Pronunciando-se sobre este pedido, veio a AT declarar nada ter a opôr salvo no que respeita à sua condenação nas custas processuais que entende deverem ficar a cargo do requerente na medida em que não foi da satisfação voluntária da pretensão do requerente mas de mera absolvição da instância executiva que resultou a sobredita e requerida inutilidade da lide.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
2. Saneamento do processo
2.1 - Quanto à competência:
Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT], importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.
A requerida AT alega que o requerente extravasou parcialmente na formulação do pedido, o âmbito da competência deste Tribunal Arbitral, concretamente para a apreciação da falta de notificação da liquidação de IRC controvertida no prazo de caducidade, considerando que a falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade não pode ser apreciada no âmbito do processo de arbitragem tributária, na medida em que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, este meio processual se restringe à apreciação da legalidade de actos tributários.
2.2 - Apreciando e decidindo a questão:
Não é este o entendimento do Tribunal na medida em que se tem de considerer que o regime estabelecido no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, relativo às consequências da falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade, se projeta sobre a legalidade desse ato, não sendo admissível concluir que o artigo 204.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, preclude a possibilidade desse vício ser fundamento de impugnação da legalidade do acto tributário, maxime em sede de arbitragem tributária à luz do disposto no artigo 2º-a), do RJAT[1]
Improcede por consequência a invocada exceção de incompetência material.
Este Tribunal é assim materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
3. - A questão da extinção da instância por inutilidade da lide
Decorrente da prolação e trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº …/12….BESNT, do TAF de Loulé, pede a requerente a declaração de extinção da instância por inutilidade da lide com custas a cargo da requerida AT.
Ou seja: o requerente considerou que a decisão proferida naquela oposição à ação executiva para cobrança coerciva da liquidação objeto deste pedido de pronúncia arbitral tornava este inútil.
A extinção da instância por inutilidade mereceu a não oposição da AT salvo no que respeita à parte que deverá suportar as custas: entende o requerente que deverá ser a AT e esta entende dever ser o requerente.
Vejamos:
3.1 - Em primeiro lugar estava em causa na sobredita ação executiva a cobrança da importância de €79.237,50 (e demais acréscimos legais) relativa a IRC do exercício de 2004 de E… – única entidade executada – sendo que “(...) no dia 6 de fevereiro de 2012, a Chefe de Serviço de Finanças de Sintra … “(...) ordenou a citação de A… para efeitos de artigo 27º, nº 1 e nº 2, da LGT (...)”(cfr cópia da sentença junta aos autos).
3.2 - A matéria de facto relevante
Os factos provados essenciais para apreciar e decidir o pedido de extinção da instância, são os seguintes:
a) A AT procedeu á liquidação adicional de IRC nº 2007 …, de 8 de outubro de 2007, respeitante ao no de 2004, no montante de €79.237,50, emitida na sequência de mais-valia imobiliária gerada pela sociedade de direito gibraltino E…, com sede em Gibraltar;
b) Em 7-10-2004 o requerente, que é advogado, outorgou escritura pública de compra e vendade imóvel em representação daquela sociedade (E…), na qualidade de vendedora;
c) O requerente foi considerado pela AT responsável solidário pelo pagamento da importância da liquidação supra (€79.237,50) acrescida de €25.458,49, a título de juros de mora e custas (Total: € 104.695,99);
d) Por sentença de 28-5-2015, proferida pelo TAF de Loulé no processo nº …/12….BESNT [oposição à execução fiscal nº …-2008/… instaurada para cobrança da liquidação supra, mencionada em a) e c)],foi o requerente absolvido, por ilegitimidade passiva, da instância executiva por ter sido citado para a execução na qualidade de “responsável solidário” mas não constar do título executivo nem ter a execução revertido contra ele.
Não se antolham quaisquer outros factos essenciais, provados ou não provados.
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos, no processo administrativo instrutor e na posição convergente que as partes assumiram nos articulados relativamente ao quadro factual descrito.
4. O Direito
Em causa está apurar, por um lado, se existe fundamento para a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e, por outro, se havendo-o quem é que então deve suportar as custas.
Vejamos:
Segundo Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” – Cfr “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento segue Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.
A inutilidade tem de ser analisada dum ponto de vista jurídico e objetivo e não numa perspetiva de interesse pessoal da parte que a alega.
4.1 - Subsumindo:
No caso sub juditio o ora requerente havia deduzido oposição à execução aquando da formulação do pedido arbitral mas a sentença foi proferida após a fase das alegações finais.
A superveniência é assim óbvia.
4.2. Quanto à inutilidade:
A liquidação objeto do presente pedido arbitral foi dada à execução instaurada contra o aqui requerente, A… que, em oposição bem sucedida, obteve sentença absolutória da instância executiva.
Pese embora, em regra, a oposição tenha como finalidade a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, pode também visar outros fins que se revelem adequados à sua função de contestação à pretensão executiva, quais sejam a suspensão da execução fiscal ou – como foi o caso - a absolvição da instância executiva.
A absolvição da instância não impede a possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo ato [v. g., reversão da execução contra o requerente] expurgado do vício que determinou a anulação do anterior ato [citação sem reversão da execução], possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.
De todo o modo a extinção superveniente da instância executiva decorrente da execução coerciva da liquidação objeto destes autos não deixa de inculcar uma consequência de imediata inutilidade, pelo menos, tanto mais que é o próprio requerente a suscitar essa mesma inutilidade e esta é também aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira quiçá por reconhecer eventual impossibilidade legal de prática, com sucesso, de novo ato expurgado do vício formal causal da extinção da instância executiva.
Destarte, considera-se, na perpsetiva apontada, supervenientemente inútil o prosseguimento deste processo arbitral.
4.3 A questão do pagamento das custas
À luz do disposto no artigo 536º-3, do CPC, aplicável na arbitragem tributária por força do artigo 29º-1/e), do RJAT, é, em regra, do autor ou requerente a responsabilidade pelas custas decorrentes da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Todavia e ainda por força da citada disposição, se a inutilidade for imputável ao réu ou requerido, é este o responsável pela totalidade da dívida de custas.
Ora no caso verifica-se que foi o ato de instauração indevida da execução fiscal (na medida em que o executado veio a ser, como se viu, absolvido da instância por ilegitimidade) que foi a causa da inutilidade do pedido de pronúncia arbitral.
Tanto basta para concluir pela responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira pelo pagamento das custas do processo.
5. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
5.1 Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 104.695,99
5.2 Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira
Lisboa, 20-8-2015
O Tribunal Arbitral,
José Poças Falcão
(Presidente)
Ricardo Jorge Rodrigues Pereira
(Árbitro Vogal)
Maria Celeste Cardona
(Árbitro Vogal)
[1] A questão coloca-se por o artigo 2.º do RJAT apenas prever competências dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD relativamente a declaração da ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais […], e ser portanto questionável a forma de invocação perante os tribunais da ilegalidade resultante da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.
[…]Depois de decisões contraditórias, o Supremo Tribunal Administrativo veio a entender em recurso por oposição de julgados que, nos casos em que não foi efectuada a notificação da liquidação e foi instaurada a execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e, quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e, quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal, enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT […]. [Cfr Decisão Arbitral no Processo “CAAD” nº 126/2013-T, publicada no sítio da internet WWW.caad.org.pt