I – RELATÓRIO
1 –A…, domiciliado na …, nº … – … Esqº ……. Lisboa, CF[1] …, apresentou em 22/01/2015 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IS[4], referentes ao ano de 2013 incidente sobre um prédio com andares e divisões com utilização independente sito na … nº … a … …-… Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob artigo …,da área do serviço de finanças de Lisboa ...
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 23/01/2015.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 31/03/2015 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro
5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial das partes ou unidades independentes do prédio já identificado com afetação habitacional, tudo como melhor consta a fls. 1 e 2 do pedido.
6- Invoca para o efeito o seguinte:
6.1- A ilegalidade das liquidações do IS, suportada, do seu ponto de vista, no facto do imóvel no ano de 2013 estar então em propriedade total ou vertical, sendo composto por duas lojas, sobreloja destinados a comércio e a parte restante já referida afeta à habitação com um VPT[7] global de € 1 754 789,10.
6.2 – Nenhum dos andares ou divisões independentes afetas à habitação tem VPT, igual ou superior a €1 000 000,00, o seu valor individualmente oscila entre € 158 996,88 e € 200 548,75.
6.3 – O VPT do prédio em questão foi apurado separadamente, isto é, por andar ou divisão independente, conforme dispõe o nº 2 alínea b) do artigo 7º do CIMI[8], variando os VPT de cada andar ou divisão com utilização independente e afetação habitacional, como já se viu, entre os €158 996,88 e os €200 548,75,logo nenhum deles tem VPT igual ou superior a€1000000,00.
6.4 – O IS contestado foi apurado sobre o VPT de cada um dos andares ou divisões independentes com afetação habitacional, individualmente, tal como verdadeiras frações autónomas de propriedade horizontal, não tendo o legislador da verba 28 da TGIS feito qualquer distinção entre os andares ou divisões independentes da propriedade vertical e as frações autónomas da propriedade horizontal.
6.5– A constituição da propriedade horizontal é uma mera alteração jurídico formal que não obriga sequer a nova avaliação e fazer-se uma tributação diferenciada, como pretende a AT, seria violar o princípio da igualdade.
6.6- Um prédio em propriedade vertical ou horizontal não poderá, por si só, ser indicador de capacidade contributiva, decorrendo da lei uma igualdade de tratamento fiscal e assim, se um prédio em propriedade horizontal só pagaria IS pelas frações que tivessem valor patrimonial igual ou superior a €1000000,00, o mesmo deverá acontecer para os prédios em propriedade vertical com andares ou divisões com utilização independente.
6.7 – Cita ainda algumas decisões dos tribunais arbitrais formados que vão neste sentido, concluindo pela evidente ilegalidade das liquidações aqui postas em crise.
7 – Por sua vez a AT entende:
7.1- Que não assiste razão ao requerente uma vez que o pedido é manifestamente extemporâneo, aliás “duplamente” extemporâneo, ao mesmo tempo que considera o tribunal materialmente incompetente, na medida em que não é impugnado um ato tributário mas apenas o pagamento de uma prestação de um ato tributário
7.2- Refere ainda a AT que, caso não seja esse o entendimento do tribunal, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal, têm diferente valoração e tributação donde decorre diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das frações, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica;
7.3 - Cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, possuindo uma discrição do prédio na sua totalidade;
7-4 – Conclui que o reconhecimento da incompetência do tribunal já foi aceite no âmbito do processo 736/2014 do CAAD e que os atos tributários aqui postos em crise são legais não violam qualquer princípio legal ou constitucional, que e deverão ser mantidos, devendo absolver-se a AT do pedido.
I – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na sua resposta a AT suscitou exceções de “dupla” extemporaneidade do pedido e de incompetência do tribunal
Agendada e realizada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT (21/05/2015) as partes pronunciaram-se nos termos legalmente previstos, nomeadamente sobre as exceções invocadas pela requerida e manifestaram a intenção de produzirem alegações escritas, tendo o tribunal logo notificado a requerente e a requerida para, em quinze dias, por esta ordem e de modo sucessivo as apresentarem.
Foi designado o dia 17/07/2015 para a prolação da decisão arbitral.
Verifica-se no SGP[9] a apresentação das alegações da requerente, não sucedendo o mesmo, relativamente, à requerida.
Nas suas alegações, em síntese, o requerente, não só sustenta que o pedido foi apresentado em tempo, bem como entende que o tribunal é materialmente competente, uma vez que o que está em causa é a declaração da ilegalidade do ato de liquidação do imposto.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:
a) Em primeira linha saber se o tribunal é ou não competente para apreciação da matéria em litígio;
b) Caso se conclua que o tribunal é competente, verificar se há ou não” dupla” extemporaneidade do pedido.
c) Sendo competente e se conclua que o pedido foi apresentado em tempo, há que dirimir a questão de saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afetação habitacional quando igual ou superior a € 1 000 000,00 ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando alguma delas tenha VPT igual ou superior àquele valor.
d) se há ou não lugar à anulação das prestações tributárias em causa com o consequente direito a juros indemnizatórios, caso se venha a decidir que o IS em causa resulta de liquidação ilegal.
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) O requerente é proprietário de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … da área do serviço de finanças de Lisboa ....
b) O requerente foi notificado para pagamento das prestações postas em crise nos presentes autos.
c) O prédio é composto por duas lojas, sobreloja destinados a comércio e a parte restante, já referida, afeta à habitação com um VPT global de € 1 754 789,10.
d) O VPT das divisões suscetíveis de utilização independente foi apurado separadamente e nenhuma delas tem VPT igual ou superior a € 1 000 000,00l, só o seu somatório é superior, como já se viu.
e) A AT calculou o IS individualmente a cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, fazendo o seu somatório a final, apurando o IS a pagar
f) A requerente pagou o IS apurado.
3 – Do Direito
– Quanto às Exceções suscitadas pela AT
Apesar de ter sido suscitada, em primeiro lugar, a exceção da “dupla” extemporaneidade do pedido, o tribunal terá que aferir, em primeira linha, a sua competência e concluindo que não a tem, desde logo fica afastada qualquer outra apreciação.
Na perspetiva da AT o requerente não impugna um ato tributário, mas o pagamento de uma prestação de um ato tributário, isto é, uma nota de cobrança que corresponde a 1/3 de um ato tributário, o que não será legalmente possível e que em absoluto não consta do artigo 2º do RJAT, concluindo pela incompetência do tribunal arbitral.
Por sua vez, o requerente, nas suas alegações, considera que o que está em causa é a declaração de ilegalidade do ato de liquidação, e que no caso de tributos pagos em mais do que uma prestação, cada uma destas pode ser objeto de impugnação cujo prazo começa a correr após o pagamento de cada uma delas e que o tribunal é competente nos termos do nº 1 do artigo 2º do RJAT, concluindo pela improcedência da exceção.
Cumpre decidir:
Na verdade, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos cai no âmbito da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, mas, o que está verdadeiramente em causa no presente pedido de pronúncia é a apreciação da cobrança de uma prestação do tributo apurado pelo ato único de liquidação. Acompanhamos a posição preconizada no âmbito do processo 736/2014 do CAAD, que, com a devida vénia se transcreve, em parte:
“… A fim de darmos resposta à questão que nos ocupa é pertinente ter presente o conceito de liquidação de tributos (art., 97º , nº 1,al. a) do CPPT) ou atos de liquidação de tributos (artº 2º,nº1,al.a) do RJAT).
Na lição de José Casalta Nabais “ a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1)O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar no caso de pluralidade de taxas.3) A liquidação stricto senso traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta. Como decorre da noção de liquidação que nos é dada pelo ilustre professor, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar. Tal é, aliás, o que decorre do art.23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo ao dispor que”tratando-se do Imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Por sua vez, dispõe o art.113º, nº 2 do CIMI, aplicável por remissão daquela norma do Código do Imposto do Selo, que “ a liquidação (…) é efectuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte” Da circunstância de, por força da lei, a mesma poder ser paga em várias prestações, não decorre que tenham ocorrido várias liquidações. A liquidação é só uma e só constitui ato lesivo, suscetível de ser impugnado que só pode, evidentemente, ser objecto de uma única impugnação. Naturalmente, quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do ato tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição e de juros a cargo da ATA, em caso de pagamento pelo sujeito passivo. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de per si uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do ato tributário de liquidação, que como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único ato tributário.
Verifica-se, assim, que os atos objeto do presente pedido de pronuncia arbitral não estão incluídos no art.2º,nº 1,al.a), do RJAT, por não serem “actos de liquidação de tributos” pelo que procede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, que é absoluta, nos termos do art.16º,nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do art.29º do RJAT determinando a absolvição da instância da Requerida, nos termos do art.99º, nº 1 e 576, nº 2, do Código de Processo Civil, também aplicável ex vi daquela disposição do RJAT. Ademais, sempre se verificaria, com idêntica consequência, a exceção dilatória inominada decorrente dos atos ajuizados não constituírem atos de liquidação de tributos e estarmos, na realidade, em presença de atos inimpugnáveis à luz dos arts. 97º,nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e 95º da Lei Geral Tributária, aplicáveis por força do art.29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.”
Comungando desta perspetiva, forçoso é concluir pela incompetência do tribunal para a apreciação do pedido formulado, procedendo assim a exceção dilatória aduzida, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no pedido.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal absolvendo a requerida da instância.
b) Fixar o valor do processo € 5 903,89 tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[10], 97-A do CPPT[11] e artigo 3º nº 2 do RCPAT[12];
c) Fixar as custas, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I a que alude o artigo 4º do RCPAT que ficam a cargo do requerente.
Notifique.
Lisboa, 17 de Julho de 2015
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de contribuinte fiscal
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[8] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[9] Acrónimo de Sistema de Gestão Processual
[10] Acrónimo de Código de Processo Civil
[11] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[12] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária