Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 22/2015-T
Data da decisão: 2015-11-08  IRC  
Valor do pedido: € 95.306,41
Tema: Prejuízos; alteração de atividade
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sérgio de Matos e Carlos Lobo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 12 de Janeiro de 2015, A…, S.A., anteriormente designada B…, SGPS, SA, com o NIPC … e sede na …, …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios com referência aos anos de 2009 e 2010, nas importâncias de, respectivamente, €93.215,07€ e 2.091.34 €.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que enfermam os actos tributários em questão de vício de violação de lei por erro na interpretação do direito e sua aplicação aos factos.

 

  1. No dia 13-01-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 10-03-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-03-2015.

 

  1. No dia 07-05-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. Após ter sido exercido pela Requerente o contraditório, foi pelo Tribunal decidida a matéria de excepção, nos termos constantes do despacho proferido a 08-06-2015.

 

  1. No dia 08-09-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pelas partes.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-     As liquidações objecto do presente processo foram efectuadas na sequência de procedimento de inspecção tributária, que procedeu a correcções ao resultado fiscal e à matéria colectável declarados pela Requerente, como se resume no quadro seguinte:

 

2-     As correcções ao resultado fiscal declarado decorrem da desconsideração como gastos dedutíveis dos encargos financeiros considerados suportados com a aquisição de partes de capital no âmbito da actividade de "sociedade gestora de participações sociais", ao abrigo do disposto, ao tempo, no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e ascendem a €125.098,77 no exercício de 2009 e a €119.555,96 no exercício de 2010.

3-     As correcções efectuadas directamente à matéria colectável (quanto ao ano de 2009) decorrem da desconsideração, para o apuramento daquela matéria, dos prejuízos fiscais relativos ao exercício anterior, no montante de €204.742,07, de acordo com o entendimento de que ocorreu alteração substancial da actividade exercida, nos termos do artigo 52.º, n.º 8, do CIRC.

4-     O relatório de inspecção tributária foi precedido de um projecto notificado à Requerente e sobre o qual esta exerceu o direito de audição, manifestando entender e aceitar as correcções referentes à desconsideração dos encargos financeiros.

5-     Do relatório de inspecção tributária consta, para além do mais, o seguinte:

“O SP está atualmente registado para a atividade de “sociedades gestoras de participações sociais não financeiras”, código de atividade (CAE) 64202, constando ainda do cadastro a inscrição da atividade secundária “outras atividades de consultoria para os negócios e gestão”, CAE 70220. Deve referir-se que este cadastro é o que está em vigor desde setembro / outubro do ano de 2009, porquanto não era esse o objeto inicial da sociedade constituída em 1984.

O SP iniciou atividade em 15-02-1984, tendo então até setembro de 2009 por objeto o “comércio por grosso de eletrodomésticos, aparelhos de rádio e televisão” a que correspondia o CAE 46430. Está enquadrado em sede de IVA no regime normal trimestral (desde 2011, sendo que no período a que respeita o presente procedimento estava enquadrado no regime normal mensal) e em sede de IRC, para efeitos de determinação do rendimento tributável, está enquadrado no regime geral.

A sociedade está constituída sob a forma de sociedade anónima, sendo o capital social da sociedade €2.495.000,00, representados por 500 mil ações ao portador, no valor nominal de €4,99 cada, sendo os detentores do referido capital e respetiva proporção conforme quadro abaixo:

1 Entretanto com o nome de C… SGPS, SA

Esta distribuição da participação societária é a que resulta da operação de venda das ações da A…, que estavam na posse dos acionistas de referência, à sociedade C… Lda, controlada também pelos mesmos acionistas.

Ou seja, antes daquela venda de ações a que nos referimos no ponto II.2 do presente relatório, a distribuição societária do capital do SP era conforme quadro abaixo:

Pelas informações que recolhemos, em agosto de 2011 os filhos dos acionistas de referência (G… e H…) venderam o remanescente da participação que detinham na sociedade à K… SGPS, SA, concentrando esta, atualmente, os 92% do capital social do SP, sendo o remanescente (8%) ações próprias.

O atual conselho de administração da sociedade é composto pelos já referidos, G… - NIF … e H… - NIF....

A Técnica Oficial de Contas (TOC) da Sociedade é I…, NIF …, que foi também a interlocutora com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) durante o procedimento inspetivo.

 

II.4 – Atividade do SP

Conforme se referiu anteriormente a empresa alterou o seu objeto social em Setembro de 2009. Inicialmente vocacionada para o comércio por grosso de eletrodomésticos, em finais de 2008 terão decidido abandonar definitivamente essa área de negócio, sendo aquele ano de 2008 o último em que a empresa apura vendas e custo das vendas. A partir do ano de 2009 deixam de constar das demonstrações financeiras da sociedade quaisquer referências a existências / mercadorias.

Em paralelo com a sua atividade de comércio por grosso de eletrodomésticos, a empresa detém, desde os finais da década de 90 uma participação maioritária, quase total (99,97%) na sociedade L… SA, especializada no comércio de eletrodomésticos a retalho, sendo que inicialmente a L… era apenas mais um dos clientes da firma A…, SA.

No âmbito de uma reestruturação interna do grupo controlado pelos irmãos G… e H…, o SP foi transformado em SGPS em 30-09-2009.

Nessa mesma data o SP alienou armazéns e terrenos que constavam do seu ativo à sociedade M… SA, cujos acionistas eram também os acionistas de referência do SP.

Já enquanto SGPS, no mês de Dezembro de 2009 ocorrem os seguintes factos:

(i) Adquirem uma participação de 70% do capital da sociedade Imobiliária N… Lda;

(ii) Adquirem uma participação de 99,74% do capital da sociedade M… SA;

(iii) Vêm alterada, ainda que de forma indireta, os seus acionistas de referência, uma vez que os anteriores titulares da maioria do capital (H…, G… e esposas) alienam as suas participações à firma C… Lda, que por sua vez também é detida pelos referidos acionistas.

Entretanto, no final do ano 2010, o SP alienou a participação na sociedade M… à firma K… SGPS, SA.

Assim sendo, atualmente a cadeia de participações societárias do SP é conforme figura abaixo, estando claro que a L…, via A…, é o negócio central do grupo. Nesta cadeia de participações, optamos por introduzir também os detentores do capital social do SP e respetiva cadeia de participações para que se tenha uma visão do grupo no seu todo.

Com referência ao ano de 2009, conforme se referiu acima, o SP já não registou qualquer proveito associado à atividade de comércio de eletrodomésticos, sendo que os custos que regista estão conexos com a atividade entretanto assumida (gestão de participações sociais), a maior parte dos quais encargos financeiros e afins, relativos a empréstimos e obrigações antigas e outras entretanto assumidas, sendo ainda de referir que em matéria de IVA, não sendo valores materialmente relevantes aqueles que o SP deduziu ao longo do ano, de forma consistente, deixou de deduzir IVA a partir do período de outubro de 2009, pois foi em 30-09 que alterou o seu objeto social para SGPS. De seguida apresentamos algumas das rubricas mais relevantes da conta de resultados do SP entre 2008 e 2011:

 

Como se pode ver no quadro acima a empresa vem reconhecendo os ganhos e perdas nas suas participadas por via da utilização do método de equivalência patrimonial (MEP). Tal facto não ocorreu em 2009[2 Pelas explicações recolhidas, tendo em conta os avultados prejuízos da L… nesse ano, fundamentalmente associados ao encerramento da atividade em Espanha, os responsáveis optaram por não fazer refletir esses resultados na conta de resultados anual da A…, fazendo um ajustamento aos capitais próprios por via do reconhecimento de uma perda por imparidade naquela participação financeira.], mas na medida em que tais ganhos ou perdas não concorrem para a determinação do resultado tributável, tal facto não tem impacto de natureza fiscal.

Com referência às principais rubricas de balanço, a evolução das contas da sociedade entre os anos 2008 a 2011 tem sido conforme quadro abaixo:

6-     Consta, ainda, do referido Relatório o seguinte:

“(i) Relativamente aos ativos remunerados, nas demonstrações financeiras à data de 31-12- 2009 e 31-12-2010 o SP não era credor de nenhum dos empréstimos que efetuou ao longo do ano a empresas do grupo e que venceram juros, pelo simples facto que já haviam sido liquidados; mas a realidade é que durante o ano ocorreram esses empréstimos, o SP registou proveitos com os juros recebidos e não se fazendo um ajustamento que contemple esta realidade, o SP acabará prejudicado na medida em que aplicando a circular de forma taxativa, à data de 31-12 não existiam ativos remunerados para expurgar aos passivos remunerados;

(ii) A 31-12-2009 o SP detinha participações em três sociedades, sendo que o apuramento dos encargos financeiros a desconsiderar foi efetuado proporcionalmente ao preço de aquisição de cada uma delas, sendo que o propósito de detalhar estes valores resulta do facto de se saber que uma das participações será vendida menos de um ano depois, donde resulta que não estará em condições de beneficiar do n.º 2 do artigo 32º do EBF [4 No caso em apreço ocorreu uma mais-valia que concorre para a determinação do resultado tributável (do ano de 2010), bem como os encargos financeiros conexos.]; ou seja, conforme prevê a circular 7/2004, são de desconsiderar os encargos financeiros do ano de 2009, sendo posteriormente atribuídos (crédito) no ano da alienação;

(iii) Também pelo facto acima exposto, optou-se por ajustar o ativo da sociedade à data de 31-12-2010, incluindo a participação financeira (M…) que foi alienada em 27-12-2010 e havia sido adquirida em 30-12-2009; ou seja, para efeitos de quantificar os encargos financeiros do ano de 2010 imputáveis a esta participação, optámos por considerar que a mesma existia à data de encerramento de balanço, já que na prática ela foi mantida durante todo o ano sob pena de, não o fazendo, prejudicarmos o SP ao repartir os encargos financeiros apenas pelas detidas à data de 31-12;

(iv) Por fim relativamente aos encargos financeiros importa antes realçar o conceito de encargo financeiro ou de natureza financeira e que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23º do CIRC “...tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos ...”; daqui e do nosso entendimento do espírito do artigo 32º do EBF, é de considerar que naquele conceito de encargos financeiros cabem, nomeadamente, os juros de cariz financeiro associados a empréstimos, encargos debitados pelas instituições financeiras pela concessão de crédito, como por exemplo comissões, garantias e também o imposto do selo conexo com operações de crédito. Por outro lado os juros de mora, determinados em sentença recorrida ao supremo tribunal de justiça, pelo diferimento / atraso no pagamento de uma dívida, não são de incluir nesta noção de encargos financeiros ainda que o SP os tenha contabilizado enquanto tal.

 

III.1.1.1.3 - Cálculo dos encargos financeiros a desconsiderar

Utilizando a metodologia referida na circular 7/2004 e efetuados os ajustamentos acima descritos apurámos os valores conforme quadros que se seguem:

 (1) Relativamente aos valores declarados pelo SP nas demonstrações financeiras apresentadas / submetidas à AT (ano de 2009) e em que este valor é de € 25.765.571,96, foi considerado um ajustamento no montante de 1,9 milhões de euros conforme se demonstra em (2), respeitante à média ponderada de empréstimos concedidos durante o ano, de forma a ajustar à realidade factual que, em termos práticos não apresentaria este ativo remunerado à data de 31-12-2009; Relativamente ao ano de 2010 e relativamente aos valores declarados pelo SP, foram feitos dois ajustamentos: idêntico ao referido antes para 2009 (média ponderada de empréstimos concedidos durante o ano) só que no montante de € 362.500 conforme se demonstrará em (2) e, relativamente aos investimentos financeiros, mantivemos os valores da participação (tanto de aquisição como ajustamentos / imparidades)[5 Valores que foram anulados apenas em final de Dezembro de 2010 e que, antes de anulados, apresentavam os seguintes registos nas contas SNC: 41117000 - € 3.696.000 devedor e 41920003 - € 372.096 credor.] na sociedade M… que havia sido adquirida em 30-12- 2009 e foi alienada em 27-12-2010, mais uma vez por ser mais consentâneo com a realidade para efeitos do apuramento do valor de encargos financeiros conexos com esta participação e que são fiscalmente dedutíveis[6 Ou seja, se ignorarmos esta participação a 31-12-2010, significa que os encargos financeiros atribuíveis às participações sociais se repartiriam na íntegra pelas restantes participações e seriam totalmente desconsiderados para efeitos fiscais.];

(2) Este valor representa o somatório dos empréstimos concedidos (ativo remunerado) ponderados durante o ano e os valores relativos a depósitos bancários; Com referência ao cálculo ponderado dos montantes de empréstimos concedidos durante o ano, o valor foi apurado conforme quadros abaixo:

(3) Este valor foi obtido diretamente dos balancetes analíticos a 31-12 dos anos 2009, 2010 e 2011 do SP, com os ajustamentos referidos em (1) para o ano de 2010, e é relativo ao custo de aquisição das partes de capital, incluindo prestações suplementares, e tem o detalhe conforme quadros abaixo:

(4) Corresponde ao saldo da conta POC / SNC 41114100 e respeita aos ajustamentos de partes de capital da participação na L… por via da utilização do MEP.

(5) Outros ativos = Total do ativo – ativos remunerados – partes de capital (custo de aquisição e MEP).

(6) Ativos não remunerados = Outros ativos + custo de aquisição das partes de capital.

(7) Este valor foi retirado das demonstrações financeiras do SP, bem como dos balancetes analíticos e das informações adicionais recolhidas sendo de destacar que se tratam de empréstimos junto de instituições de crédito, com exceção do ano de 2009 que inclui também um empréstimo remunerado de empresa do grupo (conta POC 25211000) no valor de 1,2 milhões de euros.

(8) De acordo com a circular 7/2004, o primeiro passo do método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, é imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas (ativos remunerados), bem como aos outros investimentos / ativos geradores de juros, pelo que, no caso em análise, os passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados são de € 2.025.864,37 e € 362.500,00 respetivamente em 2009 e 2010; Deve referir-se que contrariamente ao ano de 2009 em que o SP regista proveitos com juros de depósitos bancários, tal situação não se verificou em 2010 e 2011, razão pela qual incluímos nesta rubrica os valores de depósitos bancários em 2009 e não o fizemos para 2010 e 2011.

(9) O valor dos passivos remunerados imputáveis aos ativos não remunerados obtém-se por subtração ao total dos passivos remunerados do valor imputado anteriormente aos ativos remunerados.

(10) Após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos (ativos não remunerados) apuramos de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital (custo de aquisição).

(11) De acordo com as explicações que se verteram no ponto III.1.1.1.2 alínea (iii) do presente relatório, o montante de encargos financeiros considerados para efeito deste ajustamento foi conforme cálculos que se detalham nos quadros abaixo:

(12) Imputação proporcional dos encargos financeiros aos ativos não remunerados.

(13) Imputação proporcional dos encargos financeiros afetos aos ativos não remunerados, às partes de capital (custo de aquisição), sendo que no caso em apreço e porque esse detalhe, tal como se explicou anteriormente, será relevante para o ano de 2010, os encargos financeiros relativos / imputáveis à aquisição das partes de capital, respeitam proporcionalmente a cada uma das participações financeiras conforme quadro abaixo:

 

 

L…

M…

N….

 

(14) Conforme determina a circular 7/2004, relativamente à participação na M… que não aproveita o n.º 2 do artigo 32º do EBF, deverão desconsiderar-se os encargos financeiros conexos / imputáveis à respetiva aquisição (o que ocorre em 2009), concedendo-se posteriormente (em 2010) – na forma de dedução ao resultado tributável, o valor que havia sido desconsiderado (não aceite) fiscalmente; Assim sendo, uma vez apurados os encargos financeiros imputáveis a cada participação, com referência ao ano de 2010 é de aceitar como custo fiscal a quota parte dos encargos financeiros imputáveis à participação na M… (€ 62.556,58), bem como a quota parte que lhe haviam sido desconsiderados para 2009 (€ 32.594,38).”

 

7-     Mais ali consta que:

“No período em análise o SP exerce a atividade de sociedade gestora de participações sociais, detém de facto participações sociais e registou encargos financeiros decorrentes de financiamentos contraídos, pelo que está sujeito às normas do artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Em função dos factos expostos e na medida em que o SP não efetuou nenhum acréscimo ao resultado líquido obtido dos encargos financeiros conexos com a aquisição de partes de capital, propõem-se as correções conforme demonstração que se segue”;

- “entendemos que não obstante do ponto de vista formal ter existido de facto essa alteração da titularidade do capital, pode dizer-se que, em substância, não houve alteração dos titulares do capital já que os titulares / acionistas da sociedade (C… Lda) que a passou a deter o SP B… SGPS SA, são os mesmos anteriores titulares do capital social do SP, ou seja, os irmãos H… e G… e respetivas esposas, ou seja, indiretamente os titulares do capital são os mesmos.”.

8-     Desde o final da década de 1990, a Requerente exerceu de facto duas actividades declaradas, a venda por grosso de electrodomésticos e a gestão de uma carteira relevante de títulos de uma sociedade a jusante, com actividade de venda a retalho de electrodomésticos, com réditos provenientes dessas duas actividades.

9-     A Requerente exerceu, tanto no ano de 2008 como no ano de 2009, a actividade de gestão de participações sociais.

10- Nos balanços incorporados nas IES da Requerente, os activos financeiros correspondentes a "partes de capital em empresas do grupo" correspondem a €20.385.770,12 em 2008, e a €17.826.790,71 em 2009, num total de activo líquido de, respectivamente, €21.066.601,10 e €19.474.347,55.

11- Na demonstração dos resultados que integra a referida declaração anual, os proveitos de 2008 da Requerente compreendem €1.647.007,43 de "ganhos em empresas do grupo e associadas", reflectindo o impacto da participação no capital da L…, SA..

12- Consta da declaração modelo 22 do IRC da Requerente que influenciam o apuramento do lucro tributável mais-valias fiscais de €485.901,71, decorrentes da alienação do imobilizado que se encontrava afecto à actividade de comercialização de electrodomésticos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A primeira questão que se apresenta a ser dirimida por este Tribunal prende-se com a aplicação do artigo 32.º/2 do EBF, efectuada pela AT, à luz da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC.

            A este propósito, refere a Requerente, em suma, que se verifica “falta de adequada fundamentação, quer no plano factual quer no plano legal, dessas liquidações, nesta parte, (...) "violação da Constituição e da lei, na medida em que o apuramento do montante de encargos financeiros não dedutíveis foi efectuado por remissão para uma Circular, a qual, ao desenvolver o conteúdo de uma norma de incidência tributária, viola o princípio da legalidade tributária"[2], abonando-se no decidido no Ac. proferido no processo arbitral 24/2012-T do CAAD.

            Considera-se, todavia, que, no caso, não se verifica, desde logo, uma identidade com a situação sub iudice no processo precedente, na medida em que ali a Requerente se insurgia contra a “Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em virtude de esta ter considerado que o novo regime relativo aos encargos financeiros é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que relativos a financiamentos contraídos antes daquela data”, o que foi atendido pelo Tribunal, que considerou que “com fundamento no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável, a Autoridade Tributária aplicou a Circular 7/2004, de 30 de março, nos termos da qual o novo regime é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que relativos a financiamentos contraídos antes daquela data;”, sendo certo que no presente caso a Requerente não demonstra, nem, sequer, alega, que esteja em causa a aplicação do novo regime a financiamentos contraídos antes de 1 de Janeiro de 2013.

            Por outro lado, posteriormente ao referido acórdão arbitral, veio já o Tribunal Constitucional entender, no seu Ac. 42/2014[3], que:

 “não encontramos fundamento para afirmar o relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares – que não se confunde com a sua irrelevância na formação da vontade dos contribuintes, nem com força persuasiva reforçada, em virtude dos privilégios executivos conferidos à Administração – e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo conformador da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de regulação (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª edição, 2010, p. 226). Este tem sido, ainda, o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo os Acórdãos de 16/01/2002, proferido no processo n.º 26638, e de 7/07/2004, proferido no processo n.º 1784/03 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), marcando igualmente outros ordenamentos jurídicos, como o alemão e o italiano (assim, João Taborda da Gama, ob.. cit, p. 161, nota 8, e Ana Paula Dourado, ob. cit., pp. 726, nota 2178, e 727).”

            De resto, já no Acórdão 583/2009 do mesmo Tribunal[4], se tinha escrito que:

“Há, porém, uma outra questão obstativa que cumpre apreciar e para a qual o recorrente e a recorrida já deram, por antecipação, o seu contributo. É ela a de saber se o conteúdo prescritivo da referida “Circular” constitui objecto idóneo para o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. (…)

Desde o acórdão n.º 26/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 26 de abril de 1985) que o Tribunal Constitucional, com vista a proceder à identificação do objeto idóneo dos processos de fiscalização de constitucionalidade, vem adotando um conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de controlo que a Constituição lhe comete. Cabem neste conceito de norma os atos do poder público que contenham uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamentos”. Mas, como é de um conceito de controlo finalisticamente ordenado a assegurar o sistema de proteção jurídica típica do Estado de direito democrático constitucional que se trata, não basta que o instrumento em causa vincule a Administração a adotar, na prática de atos individuais e concretos de aplicação e enquanto o não alterar, um determinado critério que tenha estabelecido. É necessário que esse critério seja dotado de vinculatividade também para o outro sujeito da relação (heteronomia normativa) e constitua um parâmetro que o juiz não possa deixar de considerar enquanto não fizer sobre ele um juízo instrumental de invalidade. Se o “critério de decisão” é de origem administrativa e só vincula no seio do serviço administrativo de que emana, não há necessidade do tipo de proteção jurídica e de afirmação da supremacia da Constituição que justifica a intervenção do Tribunal Constitucional.

Ora, um problema frequentemente colocado no direito fiscal é o da relevância normativa das chamadas orientações administrativas. Trata-se, como diz Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª ed., pág. 201 (embora afirmando que isso não lhes retira a qualidade de normas jurídicas): 

“[…] de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois. obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributáriacomentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).

Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.”.

            Deve, assim, e pelo exposto, que se subscreve, ser indeferida a pretensão de inconstitucionalidade, suscitada pela Requerente.

            Refere ainda a Requerente, mas sem concretizar minimamente, “que não são expostos factos capazes de sustentar a conclusão de que foram em 2009 e em 2010 (no que aqui interessa) suportados encargos financeiros com a aquisição de partes de capital que devam ser desconsiderados enquanto custos ou gastos na determinação do resultado fiscal.”, e que “não são invocadas disposições legais adequadas a suportar a  metodologia de cálculo dos encargos financeiros imputáveis à aquisição de partes de capital. ”.

            Ressalvado o respeito devido, entende-se não lhe assistir razão.

            De facto, como decorre do ponto 6 da matéria de facto, no RIT expõem-se factos capazes de sustentar as conclusões ali tiradas, e são invocadas disposições legais (maxime o artigo 32.º/2 do EBF, bem como o artigo 23.º/1/c) do CIRC, para lá do que mais, por remissão, resulta da circular mencionada na fundamentação), adequadas a suportar a metodologia de cálculo aplicada.

            Improcede, portanto, esta alegação da Requerente.

 

*

            Insurge-se ainda a Requerente contra as correcções decorrentes da desconsideração de prejuízos fiscais reportados, relativos ao exercício de 2008, no montante de €204.742,07, com fundamento em alteração substancial da actividade exercida.

            Dispõe, a este propósito, o artigo 47.º/8 do CIRC (actual artigo 52.º do CIRC após entrada em vigor do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho) que os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação deixam de ser deduzidos nos termos do previsto no n.º 1 quando “se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto”.

            Como bem refere a AT, para se prevalecer de tal norma, deverá a mesma demonstrar que:

-                     no exercício fiscal em que foi gerado o prejuízo fiscal reportado pela Requerente a actividade exercida era substancialmente distinta da actividade exercida em 2009; e/ou

-                     houve alteração de mais de 50% da titularidade do capital social.

Relativamente a este último requisito, sustenta, em sede arbitral, a AT que terá havido alteração formal de mais de 50% da titularidade do capital social.

Contudo, e como a própria AT o refere, também, no RIT consta que:

“não obstante do ponto de vista formal ter existido de facto essa alteração da titularidade do capital, pode dizer-se que, em substância, não houve alteração dos titulares do capital já que os titulares / acionistas da sociedade (C… Lda) que a passou a deter o SP B… SGPS SA, são os mesmos anteriores titulares do capital social do SP, ou seja, os irmãos H.. e G… e respetivas esposas, ou seja, indiretamente os titulares do capital são os mesmos.”.

            Daqui resulta que, ao contrário do que pretende agora a AT em sede arbitral, não foi – e bem, diga-se, sendo de assinalar a preocupação material revelada, neste aspecto, pelo RIT – fundamento das correcções operadas a alteração de mais de 50% da titularidade do capital social.

            Deste modo, e independentemente do mais, não poderá, nesta fase, a AT procurar novos fundamentos para as correcções que são contestadas pela Requerente.

            Com efeito, como tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.[5], pelo que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do acto em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele.

            Resta, assim, apreciar se no exercício fiscal em que foi gerado o prejuízo fiscal reportado pela Requerente a actividade exercida era substancialmente distinta da actividade exercida em 2009.

            A este respeito, atente-se desde logo, no seguinte quadro constante do RIT:

            Conforme se contata, no ano de 2008, os ganhos derivados de participações sociais ascenderam a €1.647.007,43, constituindo uma parte substancial dos proveitos totais da Requerente, e sendo quase três vezes mais do que os decorrentes das vendas e prestações de serviços da outra das actividades exercidas pela Requerente.

            Assim se demonstra, crê-se, que não existiu qualquer alteração substancial da actividade exercida pela Requerente, já que a actividade que se manteve era já a sua principal.

            Não obstará a isto a circunstância, assinalada no RIT, de se ter operado a “transformação da sociedade em SGPS”, e, consequentemente de que “a sociedade, com referência a 31-12-2009, alterou o objeto social relativamente ao período (2008) a que respeitam os prejuízos que procurava aproveitar (deduzir)”.

            Com efeito, entende-se que a alteração de actividade relevante para efeitos da norma em questão (artigo 47.º/8 do CIRC na redacção aplicável) será uma alteração material, ao nível da concreta actividade económica exercida pelo sujeito passivo, e não meramente formal, decorrente daquilo que em termos registais, de qualquer tipo, estava declarado, o que não só decorre da expressão “substancial”, utilizada pelo normativo em questão, que aponta desde logo para uma intenção de prevalência da substância sobre a forma, como do princípio geral constante do artigo 11.º/3 da LGT.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 28-11-2012, proferido no processo 0558/11:

“a dedução de prejuízos deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.

Como salienta RUI DUARTE MORAIS, em “Apontamentos ao IRC”, Almedina, pág. 165 e segs., «... se o prejuízo de determinado exercício puder ser compensado pelo lucro do período seguinte, a “compensação” será feita integralmente neste ano. Se não, no decurso dos exercícios subsequentes, dentro do referido limite temporal, findo o qual os prejuízos ainda mão “compensados” não poderão, mais ser deduzidos», mas há limitações a esse direito de reporte dos prejuízos, como sejam as alterações na titularidade do capital social ou na actividade prosseguida por uma empresa, pois, como também é salientado nessa obra, «... os abusos detectados (aquisição de sociedades – muitas vezes sem qualquer actividade - com elevados prejuízos fiscais reportáveis, as quais passavam a exercer outra actividade, muito lucrativa [ou a mesma actividade, mas num quadro societário totalmente diverso], aproveitando-se a vantagem resultante da dedução dos prejuízos antes acumulados), levaram à introdução do n.º 8 do art.º 47º, segundo o qual a possibilidade de dedução dos prejuízos deixa de se verificar quando haja sido modificado o objecto social da entidade em causa ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou se verifique a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto. Esta proibição pode ser afastada por decisão do Ministro das Finanças, a requerimento do interessado, existindo “reconhecido interesse económico”.

Assim, para além da identidade jurídica, a lei exige uma continuidade na actividade exercida - a actividade em que foi obtido o prejuízo deve ser, de forma substancial, idêntica à actividade a que respeita o lucro a que aquele vai ser deduzido.

Pelo que, no exame desta questão deverá ter-se em conta, de uma forma global, a natureza da actividade económica desenvolvida no exercício em que se obtém o prejuízo e a actividade económica desenvolvida no exercício em que se obtém o lucro tributável, com vista a apurar se houve uma alteração substancial relevante para efeito da aplicação do apontado normativo.”

            Deste modo, considerando-se que não se verificou, no caso, alteração da actividade económica exercida, enfermarão os actos tributário objecto do presente processo, na medida em que assentaram na ocorrência de tal alteração, de erro nos pressupostos de facto, ao desconsiderarem os prejuízos fiscais reportados, relativos ao exercício de 2008, no montante de €204.742,07, e, consequentemente, de direito, devendo, como tal ser anulados, procedendo, nessa parte, o pedido arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)     Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular parcialmente os actos de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios com referência aos anos de 2009 e 2010, no que concerne à desconsideração dos prejuízos fiscais reportados ao exercício de 2008, no montante de 204.742,07€;

b)     Julgar improcedente, na parte restante, o pedido arbitral formulado;

c)     Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em €1.680,00 o montante a cargo da Requerente e em €1.074,00 o montante cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €95.306,41, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa

 

8 de Novembro de 2015

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro Vogal

(Sérgio de Matos)

 

O Árbitro Vogal

(Carlos Lobo)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr. artigo 29.º do Requerimento Inicial.

[4] Idem.

[5] Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11.