Processo n.º 800/2014-T
Requerente : Herança de A…, NIF …
Requerida: Administração Tributária e Aduaneira
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 5-12-2014, a herança de A…, NIF …, veio requerer a Constituição de tribunal Arbitral nos termos do nº2 do artigo 5º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, nos termos da Portaria 112 A/2011 de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade de 13 Liquidações de Imposto de Selo referentes ao ano de 2012, correspondentes a doze andares de um prédio constante da matriz predial urbana sob a inscrição nº U-…, correspondente á cave esquerda, R/C esquerdo, 1º andar direito, 1º andar esquerdo, 2º andar direito,2º andar esquerdo, 3º andar direito, 3º andar esquerdo,4º andar direito, 4º andar esquerdo,5º andar direito, 5º andar esquerdo, todos com utilização independente e c a habitação, do prédio sito na Rua …,…-… .., freguesia de …, concelho de Lisboa.
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Ana Teixeira de Sousa, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 10-03-2015.
4. Notificado o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional, foi apresentada resposta em 21-04-2012, subscrita pelos juristas Senhora Dra. … em nome e representação da Requerida, não tendo sido junto, pela Requerida, o processo administrativo.
5. Face à Resposta da AT o tribunal, através de despacho decidiu agendar a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT para dia 02-06-2014, não tendo comparecido nem as representantes da Requerida nem a mandatária da Requerente.
6. No dia 02-06-2014 o tribunal emitiu despacho determinando um prazo de 10 dias dado à AT para juntar o processo administrativo ou justificar porque não o juntou, dada a excepção alegada por esta parte.
7. No mesmo prazo o tribunal determinou que a Requerente juntasse ao processo a decisão sobre o recurso hierárquico que recaiu sobre as liquidações do Imposto de Selo em crise, mencionada pela Requerente no cabeçalho do pedido de pronúncia arbitral e no pedido feito a final.
8. Em resposta ao Despacho do tribunal as representantes da Requerida vieram dizer que a questão jurídica controvertida presente nos autos é uma questão exclusivamente de direito considerando que nada poderá acrescentar ao acervo probatório a junção aos autos do processo administrativo, considerando o prazo estabelecido para apresentação do pedido de pronúncia arbitral na parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT bem como o disposto na alínea d) do nº2 do mesmo preceito legal, quanto ao ónus de a Autora do pedido fazer acompanhar o mesmo com os elementos de prova dos factos indicados .
9. Considerando adicionalmente que a prova documental junta aos autos seria suficiente para a decisão da causa e que se tornou pois desnecessário a apresentação do processo administrativo, não o tendo chegado a juntar.
10. A Recorrente não respondeu ao Despacho do tribunal e não entregou igualmente cópia da decisão do Recurso Hierárquico que recaiu sobre as liquidações de Imposto de Selo em crise e que é mencionada no cabeçalho e na parte final do pedido de pronúncia arbitral.
11. Até ao termo do prazo fixado pelo tribunal para a prolação da decisão, que foi inicialmente fixado em 30 de Julho e protelado até 31 de Outubro a Requerente não juntou cópia do Recurso Hierárquico ou do indeferimento do mesmo, conforme lhe foi solicitado pelo Tribunal.
O pedido de Pronúncia arbitral
12. Em síntese, os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes.
13. O imposto foi liquidado sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de 1.333.830,76€ constante da matriz predial urbana sob a inscrição nºU-…, correspondente á cave esquerda, R/C esquerdo, 1º andar direito, 1º andar esquerdo, 2º andar direito,2º andar esquerdo, 3º andar direito, 3º andar esquerdo,4º andar direito, 4º andar esquerdo,5º andar direito, 5º andar esquerdo, todos com utilização independente e afetos a habitação, do prédio sito na Rua …,…-… …, freguesia de …, concelho de lisboa, doravante referidos apenas por “andares”.
14. Os andares, como todo o prédio no qual se integra, pertencem á herança indivisa de A…, na qual foram habilitados três herdeiros sem distinção de parte ou direito (crf, Cópia da escritura de Habilitação de herdeiros que se junta com o doc. 14 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais )
15. O prédio a que se referem os andares compreende um total de 14 andares e divisões com utilização independente cujo VPT, varia entre os 49.748,13€ e 116.324,50€ e perfaz, no total,€1.355.649,39 (cf copia da caderneta predial urbana que se junta com o doc nº15 e se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos ).
16. Todos os catorze andares e divisões são afectos a habitação com o valor patrimonial acima referido.
17. Sobre o VPT dos andares, a administração tributaria liquidou o imposto de selo previsto na verba 28,1 da tabela geral do imposto de selo (TGIS) anexa ao código do imposto de selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo artigo 4º da lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, á taxa de 0,5% prevista na subalínea i) da alínea f) do nº 1 do artigo 6º desse mesmo diploma legal, referente ao ano de 2012.
18. A Administração Tributaria liquidou o imposto que ora se impugna em 07 de Novembro de 2012, uma vez que os treze andares e divisões com utilização independente têm afectação habitacional e os respectivos treze valores patrimoniais tributários (VPT) perfazem a soma de 1.333.830,76€ conforme indicação constante nos doc. 1 a 13 que se juntam –“valor patrimonial do prédio –total sujeito a imposto”.
19. O prédio compreende 6 pisos, com 14 andares ou divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do art. 7º, nº 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.).
20. O Requerente reconhece que a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral resulta da mera conjugação de dois factos, a saber, a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1,000.000,00.
21. Segundo o seu entender, quando o prédio urbano for composto de andares ou divisões, a sujeição ao imposto de selo é determinada, não em função do valor patrimonial tributário total do prédio, o mas do valor patrimonial de cada andar ou divisão.
22. Tal facto é implicitamente reconhecido pela A.T. no próprio acto de liquidação, que declarara como sujeito a imposto apenas a soma do valor patrimonial tributário dos andares ou divisões com afectação habitacional que integram o prédio em causa.
23. Essa doutrina condiz com o facto de, para efeitos do imposto municipal sobre imóveis (IMI), nos termos do art. 12º, nº 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente ser considerado separadamente na inscrição matricial.
24. Entende assim que é ao valor patrimonial tributário constante da matriz que o legislador da verba 28.1. da Tabela Geral determina que seja tido em consideração na sua aplicação.
25. Efectivamente, o imposto de selo da verba 28.1 da TGIS é um imposto que incide sobre o património imobiliário, podendo incidir sobre património imobiliário de menor valor concentrado num único sujeito passivo, excluindo da sua incidência património imobiliário de maior valor que se encontra disperso por vários imóveis.
26. Conclui a Requerente que o valor patrimonial tributário constante da matriz seria, assim, o de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano, não se podendo entender, ao contrário do que resulta das liquidações de imposto de selo impugnadas, como esse valor possa a qualquer título ser entendido como a soma do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos susceptíveis de afectação habitacional.
27. Pelo que considera demasiado notório e facilmente conclui que a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS é inconstitucional por uma clara e ostensiva violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
28. A Requerente pede, a final, que a presente acção seja “julgada inteiramente procedente e provada e, em consequência, V. Exa. se digne proceder à anulação da decisão administrativa determinando, em consequência, a anulação da decisão proferida em sede de liquidação de imposto do selo, determinando a consequente devolução dos montantes do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios por força do disposto no art. 43º da LGT”.
Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira
29. A Autoridade Tributária e Aduaneira (ou Requerida) apresentou resposta mantendo as liquidações impugnadas com base, resumidamente, nos seguintes argumentos, por excepção e por impugnação:
30. Embora o Requerente refira, no cabeçalho do pedido de pronúncia arbitral, ter sido notificado da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, contudo, não indica nem trouxe aos autos a prova da data da notificação de tal decisão, o que desde logo não permite aferir da tempestividade ou não, da interposição do presente pedido.
31. É que, nos termos da al. a) do nº1 do art.10º do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral haveria de ter sido deduzido decorridos 90 dias da decisão ou do termo do legal de decisão do recurso hierárquico.
32. Nessa medida, coloca-se a questão da intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo da verba 28 da TGIS referentes ao ano de 2012, identificados documentos de cobrança que o Requerente juntou como Docs. nº1 a 13, por força do estipulado no art. 10º, nº1, al. a) do DL 10/2011, de 20 de Janeiro e do art. 102º, nº1, al. a) do CPPT.
33. Assim sendo, ultrapassado o prazo legal de interposição do pedido de pronúncia arbitral, deverá improceder o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se totalmente a Entidade Requerida do pedido, por força do disposto no nº 3 do art. 576º e do art. 579º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável nos termos da al. e), do nº1, do art. 29º do RJAT.
34. Sem conceder, considera ainda, resumidamente, o seguinte:
35. No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.
36. O facto de o prédio urbano com afectação habitacional integrar herança indivisa não prejudica a aplicação da verba 28 da Tabela Geral.
37. Segundo o art. 81º, nº 1, do C.I.M.I., o prédio que fizer parte de herança indivisa é inscrito na matriz predial respectiva em nome do autor da herança com o aditamento “Cabeça de Casal da herança de A….”, sendo atribuído à herança indivisa, oficiosamente, o respectivo número de identificação fiscal pelo serviço de finanças referido no art. 25º do Código do Imposto de Selo.
38. A herança indivisa é sujeito passivo de IMI nos termos dos arts. 2º, nº 4, do Código do Imposto de Selo e do art. 8º, nº 1, do C.I.M.I, para o qual essa primeira norma legal remete.
39. O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do art. 28º, nº 1, da Tabela Geral.
40. É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.
41. Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
42. Cabe à lei - lei da Assembleia da República e decreto-lei autorizado, estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos.
43. Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.
44. É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.
45. Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade.
46. Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.
47. A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (Ofício - circulado nº 40.025. de 11 de Agosto de 2000, da Direcção de Serviços de Contribuição Autárquica (D.S.C.A.).
48. O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.
49. Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.
50. O facto de o Autor do pedido de pronúncia arbitral legitimamente discordar dessa discriminação não implica violação de qualquer princípio constitucional.
51. Assim sendo, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.
52. O que está em causa, na verdade, é apenas a interpretação da verba 28 da tabela Geral do Código de Imposto do Selo, aditada pelo art. 4º da Lei 55-A/2012, de 29/12, em articulação com o art. 6º, nº 1, al. f) e i) do mesmo diploma legal, à luz do princípio da legalidade tributária.
53. Decorre, de todo o exposto, que as questões jurídicas controvertidas nos presentes autos são exclusivamente de direito, e a posição das partes, no que se refere à legalidade dos actos de liquidação da verba 28.da TGIS, estar plenamente definida nos autos e suficientemente suportada pelos meios de prova juntos pelo Requerente.
54. Concluindo:
A) Afigura-se intempestivo o pedido formulado pela Requerente no presente pedido de pronuncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2012, devendo o mesmo improceder.
B) A verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional.
C) O valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente.
D) A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente, nem por a propriedade do bem imóvel ser de herança indivisa.
E) Outra interpretação viola o princípio da legalidade inscrito no art. 103º, nº 2, da C.R.P.
F) O princípio da igualdade tributária proíbe apenas as discriminações arbitrárias ou não justificadas, mas não as discriminações eventualmente justificadas pelo carácter mais evoluído dos institutos ou pela coerência do sistema fiscal.
G) O acto tributário em causa não violou, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantido.
55. Termos em que deve o pedido de anulação das liquidações impugnadas ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
Objecto do pedido
56. A questão que a Requerente pretende ver decidida é:
· Legalidade da liquidação do Imposto do Selo referente ao ano de 2012, previsto na verba 28.1 da TGIS (aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) relativamente ao valor patrimonial tributário global de um edifício, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários de diversos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
Saneamento
57. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
58. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
59. Vejamos primeiramente se é admissível o acto objecto do presente processo, para seguidamente se avaliar da excepção da intempestividade alegada pela Requerida.
60. Da determinação da natureza e tipo de acto que é objecto do processo decorre, em primeira linha, o conhecimento das excepções nomeadamente a da incompetência ou erro na forma do processo ou outra.
61. O artigo 2° do RJAT fixa quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral, encontrando-se entre as competências aí definidas “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos” (abrangida pela alínea a) daquele artigo).
62. O âmbito de aplicabilidade do enunciado “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, utilizada na alínea a) do n° 1 do artigo 2° do RJAT, não restringe a jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza conforme reza o Acórdão do STA no processo Nº 8/2015 de 16-09-2015.
63. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
64. “As leis tributárias preveem a possibilidade de o contribuinte impugnar administrativamente os actos de liquidação, em sentido lato, através de reclamação graciosa (artigos 68ºe segs., 131º, 132º nº 3 e 4 e 133º nos 2 a 4 do CPPT) e impugnar as decisões de indeferimento das reclamações graciosas através de recurso hierárquico (artigos 66º, 67º e 76º do mesmo Código)”, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentários ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, págs.121 e segs., de Jorge Lopes de Sousa e Tânia Carvalhais Pereira, Edições Almedina 2013.
65. Continuando, explicita Jorge Lopes de Sousa que, “Os actos que decidem reclamações graciosas e recursos hierárquicos das decisões de reclamações graciosas serão, neste contexto, actos de segundo e terceiro grau, em que pode ser apreciada a legalidade dos actos de liquidação, que são actos de primeiro grau.”
66. “Embora na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação, actos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a actos de segundo e terceiros graus, que apreciem a legalidade desses actos primários, designadamente actos de indeferimento de reclamações graciosas e actos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações.”, idem.
67. Esta análise e conclusão são confirmadas pela própria alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT quando prescreve expressamente o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, “… contado a partir dos factos previstos nos nº 1 e 2 do artigo 102ºdo Código do Procedimento e Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, e bem assim, da notificação do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.”
68. Assim, “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos, elencados no artigo 2° do RJAT, é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau (...) resulta com segurança da referência que naquela norma é feita”, nomeadamente, aos actos de liquidação de tributos “que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais”, Acórdão do STA supra citado no Processo nº 8/2015,de 16-09-2015.
69. Nestes termos, podemos assim concluir que, o disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 2° do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, que incorpora a ilegalidade do primeiro.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Questão prévia – excepção da intempestividade
70. A Requerida vem alegar na sua resposta a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, considerando o seguinte:
71. Embora o Requerente refira, no cabeçalho do pedido de pronúncia arbitral, ter sido notificado da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, contudo, não indica nem trouxe aos autos a prova da data da notificação de tal decisão, o que desde logo não permite aferir da tempestividade ou não, da interposição do presente pedido.
72. É que, nos termos da al. a) do nº1 do art.10º do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral haveria de ter sido deduzido decorridos 90 dias da decisão ou do termo do legal de decisão do recurso hierárquico.
73. Nessa medida, coloca-se a questão da intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo da verba 28 da TGIS referentes ao ano de 2012, identificados documentos de cobrança que a Requerente juntou como Docs. nº1 a 13, por força do estipulado no art. 10º, nº1, al. a) do DL 10/2011, de 20 de Janeiro e do art. 102º, nº1, al. a) do CPPT.
74. No caso submetido à apreciação do tribunal o autor ora Requerente vem contestar judicialmente a legalidade das liquidações de IS, efectuadas ao abrigo da verba 28.1. da TGIS, cujos documentos de cobrança apontam como data da liquidação o dia 07-11-2012 e como data limite de pagamento o dia 20 de Dezembro de 2012.
75. Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado pela Requerente junto do CAAD no dia 05-12-2014.
76. E, fazendo esse pedido de pronúncia arbitral referência ao indeferimento, pela AT, de um recurso hierárquico interposto contra a liquidação de IS controvertida, sem identificação desse mesmo recurso, nem entrega posterior de cópia do mesmo e do acto de indeferimento do recurso hierárquico pela AT, não obstante ter sido expressamente interpelada pelo tribunal para o fazer.
77. A Requerente anexou à PI a procuração atribuída ao mandatário, cópia da escritura de habilitação de herdeiros e caderneta predial e 13 documentos de cobrança de IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2012.
78. Não tendo chegado nunca a anexar o recurso hierárquico entregue ou o indeferimento do mesmo pela AT.
79. De acordo com o disposto no artigo 608° do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 22° do RJAT, “(...) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” conforme Acórdão do STA op. Citado no Processo nº 8/2015, de 16-09-2015..
80. Nestes termos, tendo em consideração a questão prévia suscitada pela Requerida, toma-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, a mesma, antes de decidir sobre o mérito da mesma.
81. Efectivamente, pode verificar-se a impossibilidade de avaliar o mérito da causa, por conhecimento de excepções dilatórias ou perentórias, as quais o tribunal pode inclusive reconhecer oficiosamente.
82. Nestas situações, conforme refere Saldanha Sanches “O ónus da prova no processo fiscal”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 151, 1987, págs. 81 e segs.: “O mesmo se verifica, isto é, ausência de decisão sobre o fundo ou o mérito da questão, quando tendo-se o impugnante proposto provar a inexistência de certos factos ou a ausência de fundamento das informações oficiais – fundamento esse exigido pelo § único artigo 97º para que estas façam fé em juízo -,não faça apresentação desta prova ;em todos os casos, por não poder o juiz conhecer do pedido, o processo não poderá ter como objecto o acto tributário, dada a inexistência dos pressupostos processuais para que seja considerada a legalidade ou ilegalidade de um determinado acto administrativo. O conhecimento da sua legalidade encontra-se prejudicado por razoes processuais que obstam ao seu conhecimento.
83. Continuando a citar Saldanha Sanches op. Identificado supra, “E afirmar, por isso, que o processo de impugnação tem por objecto o acto, por não ter sido decididamente identificado pelo contribuinte, escapa de todo ao conhecimento do tribunal,equivale a dizer que estamos perante um processo sem objecto”.
84. Ou seja, há que decidir previamente sobre a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral porquanto não foi trazido para o processo o recurso hierárquico cuja anulação se requer, recurso hierárquico referente aos actos de liquidação de IS do ano de 2012, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 20-12-2012.
85. Assim sendo, defende a Requerida que a apresentação em 05-12-2014, de pedido de pronúncia arbitral, definido nos termos do artigo 10º do RJAT, denota a sua manifesta extemporaneidade.
86. Nos termos do disposto no n° 1 do artigo 102° do CPPT, o prazo (geral) de dedução da impugnação judicial é de 90 dias contados dos factos enumerados naquele artigo, sendo tal prazo de 15 dias (prazo especial), em caso de indeferimento de reclamação graciosa, a contar da notificação da decisão.
87. Em termos de processo arbitral dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT que se aplica o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, “…. contado a partir dos factos previstos nos nº 1 e 2 do artigo 102ºdo Código do Procedimento e Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma, e bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.
88. Seguindo os termos subscritos pelo Acórdão do STA nº 16/95,de 16-08-2015, supra citado:
89. Em termos gerais, os prazos para a propositura de acções são:
a) Prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida, visando determinar o período para o exercício de um direito e;
b) Prazos peremptórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito.
90. Assim, antes de uma acção dar entrada, independentemente da natureza dos tribunais a recorrer para a propositura da mesma, ainda não há processo, não havendo prazos judiciais ou processuais antes de haver processo.
91. Em qualquer dos casos previstos no ponto 89, supra, trata-se de um prazo substantivo, contando-se nos termos previstos no artigo 279° do Código Civil (por remissão do artigo 20° do CPPT), ou seja, de forma contínua, não se suspendendo no período de férias judiciais (Neste âmbito, vide nomeadamente, AC STA Processo 01038/12 de 28 de Novembro de 2012, AC STA Processo 0677/10 de 7 de Setembro de 2011 e AC STA Processo 01922/13 de 5 de Fevereiro de 2014).
92. Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, nas anotações ao artigo 102° do CPPT, “não se prevendo neste artigo qualquer prazo especial para a impugnação judicial de decisão proferida em recurso hierárquico, o prazo adequado será o de 90 dias previsto na alínea e) do n° 1 daquele artigo” (vide CPPT, anotado e comentado, II vol. 6ª ed. 2011, anotação 7 c) ao artigo 102º, página 152).
93. Desta forma, estando o prazo especial de impugnação previsto apenas para a decisão de indeferimento de reclamação graciosa, e não também para a impugnação da subsequente decisão de indeferimento de recurso hierárquico, será apenas àquela decisão e não a esta que aquele prazo mais curto é aplicável” (vide CPPT, anotado e comentado, II, vol. 6ª ed. 2011, anotação 7 c) ao artigo 102.º página 153).
94. Consequentemente, a decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação (...) engloba-se na previsão da alínea e) do n° 1 do artigo 102°, pelo que lhe é aplicável o prazo de 90 dias a contar da respectiva notificação” 16 (Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 7 c) ao artigo 102°, página 153).
95. No âmbito do regime da arbitragem tributária, o artigo 10°, n° 1, do RJAT estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado:
a) “No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n°s 1 e 2 do artigo 102° do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico” e,
b) “No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos na alínea b) do artigo 2°, nos restantes casos”.
96. Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.
97. E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29° do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do CPA e do Código do Processo Civil (CPC).
98. Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral tinha de ser submetido, no prazo máximo de 90 dias a contar da data da notificação da decisão do recurso hierárquico de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente relativo aos actos de liquidação de IS incluídos no presente processo.
99. Ora, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 05-12-2014, cabia à Requerente provar que este pedido foi apresentado dentro do prazo legal ou seja, no prazo fixado no artigo 10º nº 1 do RJAT que corresponde ao prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico, caso este exista.
100. Caso contrário, o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início da contagem, para o que se mostra preceituado no artigo 102.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o prazo de 90 dias conta-se a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária. No caso dos autos, essa data é o dia 20.012-2012.
101. Pelo que, na ausência de recurso hierárquico, o pedido de pronúncia arbitral teria que ser apresentado no prazo de 90 dias a contar do dia 21-12-2012.
102. Sendo o prazo de dedução do pedido um prazo de caducidade peremptório, consubstancia-se numa excepção peremptória. Neste sentido, vide AC STA 340/13 de 20 de Maio de 2013, nos termos do qual se escreve que “a caducidade do direito de acção, uma vez que obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, constitui uma excepção peremptória. Na verdade, a caducidade do direito de acção configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca como já validamente constituído e, desta perspectiva, integra o domínio das excepções peremptórias que «são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção (…)»”.
Factos provados
Com base nas peças juntas pelo Requerente (pedido de pronúncia arbitral, Doc. nº 1 a 15 junto com esse Pedido; Resposta da A.T.), fixa-se a seguinte factualidade:
103. Os andares, como todo o prédio no qual se integra, pertencem á herança indivisa de A…, na qual foram habilitados três herdeiros sem distinção de parte ou direito (crf, Cópia da escritura de Habilitação de herdeiros que se junta com o doc. 14 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais ).
104. O imposto foi liquidado sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de 1.333.830,76€ constante da matriz predial urbana sob a inscrição nºU-…, correspondente á cave esquerda, R/C esquerdo, 1º andar direito, 1º andar esquerdo, 2º andar direito,2º andar esquerdo, 3º andar direito, 3º andar esquerdo,4º andar direito, 4º andar esquerdo,5º andar direito, 5º andar esquerdo, todos com utilização independente e afectos a habitação, do prédio sito na Rua …,…-… …, freguesia de …, concelho de Lisboa.
105. O prédio a que se referem os andares compreende um total de 14 andares e divisões com utilização independente cujo VPT, varia entre os 49.748,13€ e 116.324,50€ e perfaz, no total,€1.355.649,39 (cf copia da caderneta predial urbana que se junta com o doc nº15 e se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos).
106. Todos os catorze andares e divisões são afectos a habitação com o valor patrimonial acima referido.
107. Sobre o VPT dos andares, a administração tributaria liquidou o imposto de selo previsto na verba 28,1 da tabela geral do imposto de selo (TGIS) anexa ao código do imposto de selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo artigo 4º da lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, á taxa de 0,5% prevista na subalínea i) da alínea f) do nº 1 do artigo 6º desse mesmo diploma legal, referente ao ano de 2012.
108. As liquidações referiam-se ao ano de 2012, indicavam como fundamento a verba 28.1 da TGIS, aplicavam a taxa de 0,5% ao valor patrimonial do prédio sujeito a IMI, mas tendo em conta o VPT global do prédio onde se inseria cada um dos prédios tributados.
109. As liquidações têm data de 07-12-2012 e data limite de pagamento 20-12-2012.
Factos não provados
Não está provado que tenha sido entregue pela Requerente, em prazo, o recurso hierárquico referente à contestação das liquidações de IS ora controvertidas, e cuja anulação da decisão proferida é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
O Direito aplicável
110. Torna-se portanto e finalmente necessário concluir sobre ocorreu ou não a caducidade do direito da Requerente apresentar pedido de pronúncia arbitral para solicitar a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IS, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS referentes ao ano de 2002, face à data da entrada desse pedido no sistema do CAAD, em 05-12-2014.
111. Face aos elementos de prova apresentados pelas partes e à convicção que os mesmos criaram para o tribunal.
112. O art.10º nº 2 alín. d) do RJAT estabelece que o pedido de constituição do tribunal arbitral é feito mediante um requerimento enviado por via electrónica ao presidente do CAAD do qual deve constar, entre outros elementos: “ os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir”.
113. Por sua vez, há que atender ao disposto nas normas processuais referentes ao ónus da prova.
114. O artigo 74º da LGT dispõe que:
“Ónus da prova 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária. 3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”
115. Por outro lado o artigo 342.º do Código Civil - (Ónus da prova) dispõe como regra geral em matéria de ónus de prova: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
116. O problema do ónus da prova traduz-se, pois, nesta averiguação: como se reparte, entre os litigantes, o encargo de fornecer a prova? E ainda: qual das partes há de suportar as consequências da falta ou insuficiência de provas?
117. A primeira pergunta exprime o primeiro momento do problema; a segunda corresponde ao segundo momento. Por outras palavras: o interesse da questão de saber sobre qual das partes pesa o ónus da prova está exactamente na consequência que daí deriva para o sentido da decisão a proferir, para o conteúdo positivo da regra de julgamento. Apurado que o ónus da prova incumbia ao autor, o juiz, no caso de falta ou insuficiência de provas, terá de desatender a pretensão do autor; apurado que o ónus da prova incumbia ao réu, o juiz, perante a incerteza dos factos, terá de rejeitar a pretensão do réu.
118. Não basta que um facto seja afirmado para que o juiz haja de assentar sobre ele a sua decisão; é indispensável que se ache provado no processo, que esteja demonstrada a sua existência.
119. Por isso, ao ónus da afirmação acresce o ónus da prova. Se o facto se prova, se o juiz chega a convencer-se da existência dele, tal circunstância aproveitará à parte que o pôs como base da sua pretensão (acção ou excepção); se não se prova, o evento aproveitará à parte contrária. Há, pois, um risco inerente à falta ou insuficiência de prova: o risco de a parte ver desatendido o seu pedido (Código de Processo Civil Anotado, Vol 3º, 3ª edição, pág. 271/272). – Acórdão STJ 4146/07.6TVLSB.L1.S1
120. No presente caso, à data da submissão do pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD encontra-se ultrapassado o prazo para a impugnação directa da liquidação, o que coloca a possibilidade de o tribunal arbitral apreciar a legalidade da mesma na dependência da interposição e decisão desfavorável de um meio de defesa gracioso.
121. A Requerente faz referência à existência deste meio de defesa gracioso – Recurso Hierárquico – e solicita a anulação da respectiva decisão mas não o traz ao processo, nem após ter sido expressamente notificada pelo tribunal para esse efeito.
122. Não logrando a Requerente provar a existência desse Recurso Hierárquico, nunca o identificando ou carreando para o processo a Requerente, nem no seu pedido inicial nem posteriormente e sendo o âmbito dos poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, haverá que concluir, no caso vertente, que o Tribunal não poderá sindicar a legalidade do acto de liquidação como corolário da ilegalidade do acto de indeferimento do Recurso Hierárquico.
123. Sendo que o tribunal não formou a convicção relativamente à prova efectuada pela Requerente da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
Conclusão
Á face do exposto conclui-se pela procedência da excepção da intempestividade/caducidade do pedido de pronúncia arbitral.
A procedência da excepção obsta ao conhecimento do mérito do pedido e conduz à absolvição total da Requerida do pedido.
Decisão
Em face do exposto, decide o tribunal em julgar procedente a excepção da intempestividade suscitada pela Requerida e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.
Fica prejudicada, por desnecessária, a avaliação da fundamentação apresentada pela Requerente relativa à violação dos princípios constitucionais da igualdade e restante fundamentação de suporte do pedido de pronúncia arbitral.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.669,15 (seis mil, seiscentos e sessenta e nove euros e quinze cêntimos).
Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Novembro de 2015
O Árbitro
(Ana Teixeira de Sousa)
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]