DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A – PARTES
Grupo A..., SGPS, S.A., com o NIPC ..., com sede no Edifício …, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição deste Tribunal Arbitral Singular.
AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro) doravante designada por Requerida ou AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 26-12-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 26-12-2014, conforme consta da respetiva ata.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
Em 23-02-2014 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular fica regularmente constituído em 10-032014.
O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Ambas as partes concordam com a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
B – PEDIDO
1. A ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2009 ..., e a devolução do imposto indevidamente liquidado no montante de 20.557,66 (vinte mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos).
C – CAUSA DE PEDIR
2. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração parcial de ilegalidade do ato tributário de liquidação n.º 2009 ..., em síntese, o seguinte:
3. A Requerente sustenta que em 26-09-2014, foi a mesma notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado respeitante à autoliquidação de IRC do exercício de 2008, pedido de revisão esse que foi submetido em 29-05-2013.
4. Alega a Requerida que o termo do prazo de 4 anos para proceder à revisão do ato tributário se deve considerar-se para efeitos de liquidação, é aquela que consta da demonstração de liquidação de IRC emitida pelo Departamento de Cobrança do Imposto sobre o Rendimento, isto porque é apenas nessa data que, verdadeiramente, o Estado apura a taxa de imposto que será aplicada à matéria colectavel participada pelo Sujeito Passivo, e não conforme faz a AT o momento em que ocorreu a submissão via informativa da da declaração modelo 22, e não a data da autoliquidação do IRC referente ao periodo de 2008.
5. A Requerente sustenta que segundo a posição da AT, o prazo 4 anos terminaria em 28/05/2013, decorridos 4 anos do momento em que ocorreu a submissão via informativa da declaração modelo 22.
6. Alega Requerente que como o pedido de revisão apenas foi apresentado em 29-05-2013, foi por este motivo considerado como extemporâneo, sendo que a decisão da AT em causa assenta sobre premissas erradas, designadamente, porque considera como data da liquidação o momento em que ocorreu a submissão via informativa da da declaração modelo 22.
7. Sustenta a Requerente que a liquidação referente ao IRC do exercício de 2008, à qual foi atribuído o nº2009 ..., foi realizada no dia 05-08-2009, e por sua vez, a respetiva compensação sido efetuada em 07-10-2009, pelo que o prazo contar-se-ia da data de liquidação.
8. A Requerente alega no seu o pedido da nulidade parcial da liquidação, referente ao exercício de 2008, pago, a título de encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros e sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC, o valor global de € 88.405,28, corresponde à soma das quantias pagas por cada uma das sociedades detidas pela requerente e que, por essa razão, são integradas no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS).
9. Sustenta a Requerente que o valor indicado no campo 10 da Mod. 22 (tributações autónomas) corresponde à soma dos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros pagos pelas seguintes empresas do Grupo A... SGPS, S.A., ora requerente,
a) B… - Comércio Distribuição de Produtos Alimentares, Lda., titular do NIPC ...,
b) C... Avícola S.A., titular do NIPC ...,
c) D... – Sociedade Agrícola e Pecuária da ..., S.A., titular do NIPC ...,
d) E... – Centro de Abate de Aves, S.A., titular do NIPC ...,
e) Rações A..., S.A., titular do NIPC ...,
f) Sociedade Agrícola da F..., S.A., titular do NIPC ...,
g) G... – Produtos Alimentares, Lda., titular do NIPC ...,
h) H... – Sociedade Avícola, S.A., titular do NIPC ....
10. Alega a Requerente que foi tributada à taxa prevista em sede do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, que à data de 31/12/2008 o valor da taxa era de 10%.
11. Mais defende que esse valor não correspondia ao que vigorou entre o dia 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2008, dado que durante esse período de tempo, a taxa aplicada aos referidos encargos foi de 5%.
12. Sustenta a Requerente que em 5 de Dezembro de 2008, foi publicado a Lei 64/2008, nos termos da qual foi alterada a redação do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro) que determinava, na parte que ora releva, que eram tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, ou mistas, motos ou motociclos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
13. E em consequência direta da aplicação retractiva a 1 de Janeiro do agravamento para 10% da taxa, a ora Requerente procedeu ao pagamento em excesso do valor de € 20.557,66, esta quantia corresponde à diferença para o valor que teria sido pago caso tivesse sido aplicada, entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro, a taxa de 5%, conforme quadro seguinte:
Empresas
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Encargos c/Viaturas
Campo 420/421
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Desp. Representação
Campo 414
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PAGO
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DEVIDO
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EXCESSO
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Ano 2008
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01-01 a 30-11-2008
|
Ano 2008
|
01-01 a 30-11-2008
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...
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C... Avícola, SA
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38.757,26 €
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31.117,61 €
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3.471,00 €
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3.392,60 €
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4.222,83 €
|
2.497,32 €
|
1.725,51 €
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...
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E... - Centro de Abate de Aves, SA
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22.523,55 €
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20.934,34 €
|
1.104,78 €
|
1.104,78 €
|
2.362,83 €
|
1.260,88 €
|
1.101,96 €
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...
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Distribui - Com.Dist.Prod.Avícolas, Lda.
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21.615,66 €
|
20.284,31 €
|
7.365,71 €
|
7.014,01 €
|
2.898,14 €
|
1.533,22 €
|
1.364,92 €
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...
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Grupo A..., SGPS, SA
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23.985,01 €
|
22.969,28 €
|
1.120,00 €
|
1.100,95 €
|
2.510,50 €
|
1.306,99 €
|
1.203,51 €
|
...
|
D... - Soc. Agr. Pec. Qta dos Lombos, SA
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81.135,49 €
|
75.786,64 €
|
5.225,31 €
|
5.098,81 €
|
8.636,08 €
|
4.591,81 €
|
4.044,27 €
|
...
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Rações A..., SA
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91.811,71 €
|
82.579,81 €
|
35.033,87 €
|
32.393,64 €
|
12.684,56 €
|
6.935,89 €
|
5.748,67 €
|
...
|
H... - Sociedade Avícola, SA
|
8.479,22 €
|
8.041,62 €
|
0,00 €
|
0,00 €
|
847,92 €
|
445,84 €
|
402,08 €
|
...
|
Sociedade Agrícola da F..., SA
|
75.912,58 €
|
72.557,90 €
|
21.760,33 €
|
21.618,33 €
|
9.767,29 €
|
5.058,48 €
|
4.708,81 €
|
...
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G... - Produtos Alimentares, Lda.
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5.528,02 €
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5.158,64 €
|
0,00 €
|
0,00 €
|
552,80 €
|
294,87 €
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257,93 €
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20.557,66 €
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14. A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2009 ..., nos termos da qual procedeu-se à liquidação do IRC referente ao exercício de 2008 de acordo com os valores indicados.
15. Alega a Requerente que em 20 de Junho de 2012, o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão nº 310/2012, nos termos do qual decidiu “julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal”
16. Razão pela qual, ao determinar a ilegalidade da norma em causa, à ora requerente impõe-se solicitar a revisão do ato de liquidação de IRC no que respeita a esta matéria.
17. Sustenta a Requerente, que face a declaração de inconstitucionalidade, de acordo com o disposto no art. 78.º, nº 1 da LGT, caberia a AT proceder a revisão do ato tributário.
18. E que no caso concreto é manifesta a ilegalidade produzida, impondo-se retificar o valor da taxa aplicada até 30 de Novembro, reduzindo-a para os 5% inicialmente previstos
19. Mais diz, que proferido pelo Tribunal Constitucional que declarou o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, e assim impõe-se á Autoridade Tributária rever a liquidação realizada à luz desse preceito sempre que o Sujeito Passivo o requeira.
20. Mais defende, que quanto à questão de saber se essa situação se enquadra no âmbito do “erro imputável aos serviços” o STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT, que esse conceito concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie.
21. E também constitui entendimento assente que o referido erro imputável aos serviços integra ainda o “erro de direito” que consiste na aplicação de norma dispositiva declarada ilegal.
22. Defende a requerente que a Autoridade Tributária tem a obrigação, ao abrigo do princípio da legalidade, de promover a revisão do ato, caso tal venha a ser requerido pelo sujeito passivo.
23. Termina a Requerente peticionando que seja declarada a nulidade parcial da liquidação relativa ao exercício de 2008, na parte relativa à tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, suportados até 30 de Novembro de 2008, determinando, em consequência a restituição ao sujeito Passivo do valor cobrado em excesso.
D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA
24. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
25. Alega a Requerida que sobre o pedido apresentado foi proferido, pela Diretora de Serviços do IRC, a 24 de Janeiro de 2014, projeto de decisão de rejeição liminar, o qual, por sua vez, se fundamentou na Informação n.º …/2014, da Direção de Serviços de IRC, onde, uma vez analisado o pressuposto procedimental da tempestividade, termina-se por concluir pela intempestividade do pedido.
26. Por despacho da Diretora de Serviços do IRC, de 29 de Agosto de 2014, aposto e fundamentado na Informação n.º …/2014, da Direção de Serviços de IRC, atendendo ao facto de o Requerente não ter logrado carrear ao procedimento qualquer elemento suscetível de alterar a proposta de decisão, foi o projeto de indeferimento convertido em definitivo.
27. Sustenta a Requerida pela incompetência material da presente instância arbitral tribunal para conhecer dos presentes autos, pelo motivo da não apreciação da legalidade no pedido de revisão oficiosa.
28. Alega a Requerente que o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral sub júdice consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi rejeitado liminarmente atenta a sua intempestividade.
29. Assim, defende a Requerida, que não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação porquanto a mesma ficou prejudicada na medida em que faltava um pressuposto procedimental necessário à sua efetiva apreciação.
30. O que no entender da Requerida, equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão, designadamente, sobre a aplicação no tempo da taxa das tributações autónomas, o que, desde logo, implicaria igualmente a validação do montante referido pelo Requerente como tendo sido pago em excesso face aos documentos respetivos.
31. Consequentemente alega a Requerida, que resulta inequívoco estarmos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
32. Mais abona a Requerida que se verifica, no caso concreto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
33. Defende a Requerida que com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, bem como nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o tribunal arbitral é materialmente incompetente na medida em que o Requerente não reclamou previamente, nos termos do artigo 131.º do CPPT.
34. Mais refere, que tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT mas, tão só, de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT.
35. Conclui a Requerida peticionando que se considere que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio sub judice, nos termos do artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n. 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
36. Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, efetuou-se com base na prova documental, e tendo em conta os factos alegados.
37. Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
38. A Requerente procedeu a entrega da sua Seclaração de IRC do Grupo por meio da enrega do Modelo 22 no dia 28-05-2009, data na qual se verifica a autoliquidação de IRC referente ao exercicio de 2008.
39. A Requerente apresentou uma declaração de substituição em 29-06-2009.
40. A Requerente foi notificada da liquidação nº 2009 ..., nos termos da qual procedeu-se à liquidação do IRC referente ao exercício de 2008, foi realizada no dia 05/08/2009, e por sua vez, a respectiva compensação sido efectuada em 07/10/2009.
41. A Requerente apresentou o pedido de Revisão Oficiosa em 29-05-2013, ao abrigo do art.º 78.º da LGT.
42. Em 21/04/2014 foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão apresentado, por intempestividade, o qual se converteu em definitivo em 29/05/2014.
43. Foi proferido, pela Directora de Serviços do IRC, a 24 de Janeiro de 2014, projecto de decisão de rejeição liminar, que se fundamentou na Informação n.º …/2014, da Direcção de Serviços de IRC, onde conclui pela intempestividade do pedido da Requerente.
44. Por despacho da Directora de Serviços do IRC, de 29 de Agosto de 2014, aposto e fundamentado na Informação n.º …/2014, da Direcção de Serviços de IRC, foi o projecto de indeferimento convertido em definitivo.
45. Integram o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS), do qual a requerente é responsavel pela liquidação do IRC, as seguintes sociedades:
a. Grupo A... SGPS, S.A.,
b. Distribui - Comércio Distribuição de Produtos Alimentares, Lda., titular do NIPC ...,
c. C... Avícola S.A., titular do NIPC ...,
d. D... – Sociedade Agrícola e Pecuária da ..., S.A., titular do NIPC ...,
e. E... – Centro de Abate de Aves, S.A., titular do NIPC ...,
f. Rações A..., S.A., titular do NIPC ...,
g. Sociedade Agrícola da F... S.A., titular do NIPC ...,
h. G... – Produtos Alimentares, Lda., titular do NIPC ...,
i. H... – Sociedade Avícola, S.A., titular do NIPC ....
46. A requerente foi tributada de tributação autónoma à taxa prevista em sede do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, que à data de 31/12/2008 o valor da taxa era de 10%.
47. Em 5 de Dezembro de 2008, foi publicado a Lei 64/2008, nos termos da qual foi alterada a redação do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), alterou a taxa de 5% sobre, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, ou mistas, motos ou motociclos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, para 10%, sobre todo o período fiscal de 2008, a iniciar em 1 de janeiro de 2008.
48. Em 20 de Junho de 2012, por meio de decisão do Tribunal Constitucional proferida no acórdão nº 310/2012, nos termos do qual decidiu “julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal”.
49. Por força desta decisão, a alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC por meio da Lei 64/2008, 5 de Dezembro de 2008, apenas se aplica após sua a entrada em vigor no dia 6 de Dezembro de 2008.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
50. Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
51. Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimenda a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:
a. A alegada pela Requerida, e de conhecimento oficioso, da exceção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido arbitral.
b. A alegada pela Requerente, declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas coletivas nº2009 ....
H- DA DEDUZIDA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
52. As questões de determinação da competência dos tribunais de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso, nos termos dos arts.º 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do art.º 578º do Código de Processo Civil (CPC) por aplicação subsidiária do art.º 29º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria (RJAT), importa assim face ao exposto apreciar a presente exceção dilatória.
53. É suscitada por parte da Requerida que o presente tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub Júdice, nos termos do artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a) ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n. 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição da instância da AT nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
54. Constitui uma exceção dilatória, a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal arbitral quanto a capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral, art.º 577.º do CPC e art.º 2.º do RJAT.
55. A Requerida suscita a questão da incompetência do presente tribunal arbitral, com base no presente pedido arbitral e documentos juntos, pelo mesmo ter por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e por objeto mediato o atos tributário consubstanciado na autoliquidação de IRC relativo ao período de 2008.
56. A este respeito cumpre decidir pela competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
57. Numa primeira linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, encontram-se limitados às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), cujo n.º 1, alínea a) decorre deterem os tribunais arbitrais competência para a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e de autoliquidação de tributos.
58. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos», em cujo se postula a vinculação à jurisdição arbitral dos serviços - DGCI e DGAIEC - entidades fundidas na atual Autoridade Tributária e Aduaneira, com efeitos a 1.º de Janeiro de 2012».
59. Deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).
60. A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub júdice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.
61. Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).
62. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
63. Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
64. A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete.
65. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de liquidação em sede), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.".
66. No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas, do ano de 2008, com fundamento em inconstitucionalidade já decretada pelo Tribunal Constitucional, bem como a declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago.
67. Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
68. Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
69. No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos.
70. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
71. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
72. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.
73. Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
74. Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ([1])
75. A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação.
76. Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
77. Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adotem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
78. Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».( [2] )
79. A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
80. É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
81. Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar igualmente prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
82. Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
83. Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ([3])
84. Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
85. Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.
86. Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.
87. Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do ato tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas às declaração de ilegalidade de atos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
88. Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.
89. Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
90. E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
91. Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.
92. É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
93. Perante o exposto, conclui-se no sentido, do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, no mesmo sentido já decidiu o acórdão n.º 117/2013-T.
94. A questão apreciar, cinge-se em determinar se o caso sub Júdice se está incluído nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, abrangida pelo art. 2.º, n.º 1, do RJAT, para a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
95. No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente à data da apresentação do pedido de constituição deste Tribunal Arbitral) apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».
96. Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um os tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
97. Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
98. Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando no processo judicial tributário não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
99. Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ([4]), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
100. Assim, para resolver a questão prévia suscitada apela Autoridade Tributária e Aduaneira de saber se o art. 2.º, n.º 1, do RJAT, abrange a apreciação do ato de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IRC que está em causa neste processo torna-se necessário apurar se a legalidade desse ato de indeferimento podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
101. O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
102. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
103. Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».
104. Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação ([5]).
105. Eventualmente, como exceção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ([6]) Outras exceções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de atos ([7]).
106. Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial.
107. À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de liquidação em sede de IVA apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de retenção. Se o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IRC não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a ação administrativa especial ([8]).
108. Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IVA, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas ações «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).
109. Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação em sede de IRC que comportem a apreciação da legalidade destes atos.
110. A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
111. Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
112. Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de autoliquidação.
113. Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (Cfr., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).
114. Ora como claramente resulta dos autos, sem controvérsia das partes, está aqui em causa um ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa respeitante à (auto)liquidação n.º ..., de IRC, relativa ao ano de 2008 e que na pendência deste pedido de pronúncia arbitral, foi proferido ato expresso de indeferimento com fundamento em que, citando o despacho, “(…) de onde se conclui que a data da apresentação do presente pedido já os prazos estabelecidos no normativo supra referido se achavam esgotados, mostrando-se, destarte, intempestivo o presente pedido de revisão oficiosa (…)”.
I - DO DIREITO
115. Está excluída da jurisdição arbitral, por não estar abrangida pelo art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação - Cfr decisões arbitrais proferidas, além de outros, nos processos n.os 73/2012-TCAAD e 210/2013-TCAAD.
116. Na verdade houve a preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, tal como decorre, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo – Cfr alínea a) do n.º 4 do art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário “ os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação”, especificação que apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem da legalidade de atos de liquidação.
117. No caso vertente, tal como alega a AT, extrai-se de forma inequívoca que não houve uma apreciação de mérito, por ter sido considerada a “(…)intempestivo o presente pedido de revisão oficiosa (…)”.
118. Efetivamente, a apreciação das questões atinentes ao pedido de revisão oficiosa de atos de indeferimento desse pedido, previstos no art. 78.º da LGT, inclui-se nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD - artigo 2.º, do RJAT.
119. O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo à face da definição fornecida pelo art. 120.º do Código de Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
120. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário. Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».
121. Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, infere-se a regra de que a impugnação de atos administrativos em matéria tributária pode ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou de ação administrativa especial conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação – sendo que, no conceito de «liquidação», em sentido lato, se englobam todos os atos que se reconduzem à aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, também os atos de retenção na fonte, de autoliquidação e de pagamento por conta.
122. À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes mesmos atos de liquidação. Caso contrário, será aplicável a ação administrativa especial.
123. Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral por referência ao conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa depende da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
124. Por isso é que o pedido de pronúncia arbitral formulado está fora do âmbito de competência material do CAAD estabelecida no RJAT e na Portaria (nº 112-A/2011, de 22-3) de vinculação à arbitragem da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
125. Efetivamente, este pedido só poderia ser decidido no âmbito de uma ação administrativa especial e não no âmbito do presente processo.
126. Por esta razão terá que se considerar que o presente tribunal é incompetente para decidir nos termos peticionados pela Requerente ([9]).
127. Do exposto resulta a conclusão óbvia de que, no caso de indeferimento expresso, a Administração Fiscal não apreciou a legalidade da liquidação.
128. Ou seja, o ato que se encontra em causa e que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.
129. Como tal, considera-se, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[10], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento, tácito ou expresso, de pedidos formulados ao abrigo do artigo 78º, da LGT.
130. Destarte e em conclusão: é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub juditio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.
131. O que deixa obviamente prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.
J- DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se:
I. Julgar procedente a exceção de incompetência material de Conhecimento Oficioso e deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em consequência, absolve a Requerida da instância;
II. Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito.
III. Condenar a requerente no pagamento das custas (artigo 22º-4, do RJAT), fixando o valor do processo em 20.557,66 (vinte mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo do requerente de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 e 22.º n.º 4 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique.
Lisboa, 7 de Maio de 2015.
O Árbitro
Paulo Renato Ferreira Alves
[1] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100
[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
[4] Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
- n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, páginas 421 (especialmente, páginas 423-424);
- n.º 205/87, de 17-06-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 9.º volume, página 209 (especialmente, páginas 221-222);
- n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente, página 197);
- n.º 321/89, de 29-03-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente, página 281).
O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da
Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99, processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).
[5] No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os atos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, incluem-se os de autoliquidação, pagamento por conta e atos de retenção na fonte.
[6] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.
[7] Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13. do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar ato de indeferimento de pedidos de reembolso.
[8] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de ato de decisão de procedimento de revisão oficiosa de ato de liquidação ser a ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do ato de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08. Adotando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar atos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de atos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.
[9] Neste mesmo sentido, conferir os acórdão do Tribunal Arbitral, n.º 147/2014-T.
[10] Cfr., v.g., além doutros citados anteriormente, os Acs nºs 236/2013-T e 244/2013-T, in www.caad.org.pt