Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  Selo  
Valor do pedido: € 6.484,44
Tema: IS - Verba 28.1 TGIS – terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

1.                  Em 17 de março de 2015, A..., Lda, contribuinte n.º …, doravante designada por Requerente, com sede em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                  A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª … e a Requerida é representada pela jurista, Dr.ª ….

3.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 18 de março de 2015.

4.                  Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo, que deu origem à nota de cobrança n.º 2012 ..., de 07.11.2012, relativa ao ano de 2012, emitida ao abrigo das alíneas a) e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, no valor de € 5.449,88 (cinco mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).

5.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

6.                  O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 22 de maio de 2015, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.                  Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerimento apresentado pela Requerida a 29 de junho de 2015, e, por depois de notificada para o efeito, a Requerente ter ao mesmo anuído, através do requerimento que apresentou no dia 30 de junho de 2015.

8.                  Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes expressamente, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, com o acordo das partes.

9.                  O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 30 de outubro de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo a que foi sujeita, relativamente ao terreno para construção de que é proprietária, sito na freguesia de ... e ..., concelho de ... e distrito de Faro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., por ilegal, e por enfermar dos seguintes vícios:

a)      Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto, «no entendimento da Requerente, a verba 28.1 da TGIS não pode aplicar-se ao artigo ... na medida em que se este se trata de um terreno para construção e não de um prédio com afectação habitacional, como exigia a letra da norma à data da liquidação ora contestada.» (…)« o artigo em causa estava classificado como terreno para construção no ano em causa e não como prédio urbano afeto à habitação», sendo que « no caso dos terrenos para construção, não se pode dizer que tenham, enquanto terrenos para construção, afectação habitacional, na medida em que esta afectação tem de ser efectiva e não meramente potencial e futura, sob pena de se estar a tributar realidades futuras e incertas ou até de se estar a tributar um facto tributário inexistente

b)     Mais, alega que, «no caso concreto e que aqui é sindicado, o pressuposto material que leva a aplicar a norma de incidência é a existência de um prédio urbano com afectação habitacional efectiva no momento em que se aplica a norma de incidência, isto é, a situação factual típica materializa-se num prédio que devido à sua construção ou tipologia, permite a habitação ou o uso com fins habitacionais por humanos, ou seja, pressupõe, no caso de uma construção de um prédio destinado à habitação, que as obras estejam concluídas» o que não é o caso.

c)      Concluindo no sentido de que «ao aplicar a verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção antes de 1 de janeiro de 2014, quando a norma ainda não previa a sua tributação, implica que a liquidação enferme do vício de erro sobre os pressupostos de facto visto que se dá como real um facto tributário que não existiu, padecendo, assim, de ilegalidade.»

d)     Vício de violação do princípio da tipicidade, porquanto, entende a Requerente que a previsão da verba 28.1 da TGIS com a redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro só contempla «os prédios urbanos do tipo “edifício com construção apta a servir de alojamento habitacional a pessoas”, [os prédios] podem ser alvo de incidência da norma, ou seja, só após a entrega do Modelo 1 a comunicar a conclusão das obras o prédio passa a ser classificado como prédio urbano afeto à habitação.», pelo que, «não definindo o CIMI o que seja “prédio com afectação habitacional” parece à Requerente que o legislador se pretendia referir a prédios habitacionais, na aceção do artigo 6.º do CIMI e não a terrenos para construção»

e)     Acrescenta, ainda, que, da redacção da verba 28.1 da TGIS dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, constata-se que «o legislador reconhece, assim, que a norma de incidência não permitia, até 31 de dezembro de 2013, a tributação dos terrenos para construção ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, e altera a norma no sentido de passar a tributar também, a partir de 1 de janeiro de 2014, o “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.”»

f)       Arrematando, assim, a sua posição no sentido de que «fica assim demonstrado, que os terrenos para construção não têm afectação habitacional, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, não sendo, portanto, susceptíveis de tributação em sede de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1, na redacção em vigor até 31 de dezembro de 2013, pelo que a liquidação de Imposto do Selo ora contestada deverá ser anulada por ser ilegal e deverá ser reposta a situação anterior à emissão da mesma.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a)      Quanto ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”

b)     Defende a Requerida que: “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.”

c)      Nesta sequência, entende, a AT, que “o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma,” uma vez que “o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI.”

d)     Mais, refere que: “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno. (…) Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.”

e)      Arrematando, no sentido de que: “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção,” pelo regime jurídico da urbanização e edificação e pelos Planos Directores Municipais a afectação do terreno para construção”, pelo que,  falece a tese da Requerente quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnado.

f)      No que toca ao alegado vício de violação de lei constitucional defende-se a Requerida referindo que: “a Constituição da República obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.”

g)      Acrescenta, a Requerida, que “ a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja incide sobre o valor do imóvel”, tratando-se por isso de “uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

h)     Mais refere que, “a tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, (…) a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para os outros interesses considerados relevantes.”

i)       Concluindo, assim, no sentido de que “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS”.

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- A Requerente é proprietária do terreno para construção sito na freguesia de ... e ..., concelho de ..., distrito de Faro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (ex-artigo matricial ...). (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial);

- O terreno para construção foi avaliado como tal, tendo sido determinado um valor patrimonial tributário (VPT), à data, de € 1.089.976,75 (um milhão oitenta e nove mil, novecentos e setenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), sendo que actualmente o VPT daquele terreno é de € 850.780,00 (oitocentos e cinquenta mil, setecentos e oitenta euros) (cfr. Docs. n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial);

- Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afetação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”, previsto no artigo 41.º do Código do IMI. (cfr. Doc. n.º  2 junto com a petição inicial);

 - A Requerente foi notificada da nota de cobrança atinente ao ato de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2012, efetuado ao abrigo da alínea f) e i) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante de € 5.449,88 (cinco mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos) (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial);

 - A Requerente foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º ..., junto do Serviço de Finanças de Lisboa – …-, para cobrança coerciva do imposto do selo controvertido, tendo prestado, no dia 4 de Junho de 2013, a garantia bancária n.º ..., no montante de € 70.500,00 (setenta mil e quinhentos euros), junto do Banco Espírito Santo, para efeitos de suspensão daquele (e outros) processo de execução fiscal. (cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial, e por acordo das partes).

 - A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação controvertido, tendo sido atribuído o n.º de identificação ..., a qual foi objecto de decisão no sentido do seu indeferimento. (Por acordo das partes);

 -A Requerente deduziu recurso hierárquico ao qual foi atribuído o n.º de identificação n.º ..., o qual foi objecto de decisão no sentido do seu indeferimento. (Por acordo das partes).

 

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

No presente caso, são três as questões de direito controvertidas:

1)                      saber se, no regime transitório do ano de 2012, previsto nas alíneas a) e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, os terrenos para construção estão sujeitos a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS;

2)                      saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como, do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, por violação do princípio da capacidade contributiva, na interpretação que dele faz a AT;

3)                      saber se, procedendo as questões anteriores, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da garantia bancária que prestou para suspensão do processo de execução fiscal instaurado contra si, para cobrança coerciva do montante de € 5.449,88 referente ao imposto do selo controvertido.

 

Vejamos,

 

 

I – Enquadramento dos terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.        A Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012, de 29.10 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos. Não nos pronunciaremos sobre todos, mas apenas sobre os que consideramos com maior relevância para a análise do caso sub judice.

2.        Assim, na norma de incidência prevista no artigo 1.º do CIS, o legislador, determinou que, para além dos atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, o imposto do selo passaria também a incidir sobre “situações jurídicas”, agora, igualmente previstas na TGIS.

3.        A nova redação do nº. 4 do artigo 2º., passou a determinar que para essas “situações jurídicas”, são sujeitos passivos do imposto, os referidos no artigo 8º. do CIMI, ou seja, na maior parte dos casos, o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita.

4.        Nestas “situações jurídicas”, o imposto constitui encargo do sujeito passivo previsto no nº. 4 do artigo 2º. do CIS, ou seja, o acima identificado proprietário do imóvel (regra geral), por remissão para aplicação da regra do artigo 8º. do CIMI.

5.        Nestas “situações jurídicas”, a aplicação do princípio da territorialidade, faz com que o imposto seja devido sempre que os prédios estejam situados em território nacional, de acordo com o aditamento ao artigo 4º. do CIS do seu nº. 6, pela Lei nº. 55-A/2012.

6.        Quanto ao nascimento da obrigação tributária, para estas novas “situações jurídicas” ela considera-se constituída “… no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações” (Vd. alínea u) do artigo 5.º do CIS, aditada pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro), o que nos remete para as regras previstas nos artigos 9º. e 10º. do CIMI.

7.        Ora, a alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”

 

8.        Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)       “prédios urbanos,

b)       com afectação habitacional,

c)      E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

9.        Na verdade, a maior dificuldade com que os contribuintes se têm deparado, face às alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com expressão no caso sub judice, tem-se manifestado na interpretação da expressão “prédio com afetação habitacional”.

10.    Conceito este que determina, ou não, a incidência, dos terrenos para construção, na verba 28.1 da TGIS, cuja liquidação aqui se impugna.

11.    Ora, o obstáculo surge da inexistência da definição do conceito “prédio com afetação habitacional” na legislação tributária, designadamente no Código do IMI, para o qual o CIS remete, como direito subsidiário, em conformidade com o seu artigo 67.º, introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, 29.10.

12.    Na verdade, o CIMI dispõe, nos seus artigos 2.º a 6.º quanto: ao conceito de prédio (artigo 2.º), define o que se deve entender por prédios rústicos (artigo 3.º), o que se deve entender por prédio urbanos (artigo 4.º); o que se deve entender por prédios mistos (artigo 5.º) e enumera as espécies de prédios urbanos (artigo 6.º), para cuja redação remetemos.

13.    No entanto, nenhuma das normas legais acima identificadas admite o conceito de “prédio com afetação habitacional”, pelo que, e de acordo com as regras essenciais de hermenêutica jurídica e de interpretação das leis tributárias, teremos que recorrer em primeiro lugar, à letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, e depois à sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem, contudo descorar a intenção ou espírito do legislador.

14.    Assim, surge a questão de saber: o que é que o legislador terá pretendido quando redigiu a verba 28.1 da TGIS, ao indicar como pressuposto da sua incidência “prédio com afetação habitacional”. Terá o legislador querido abranger neste conceito os terrenos para construção – matéria que aqui nos ocupa -?

15.    Será que pretendeu interpretar a expressão “prédio com afetação habitacional” no sentido, que a Requerida faz, de que «o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma», porquanto «o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “ afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrada na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.»?

16.    Ou, antes e, como refere a Requerente que «[os prédios] podem ser alvo de incidência da norma, ou seja, só após a entrega do Modelo 1 a comunicar a conclusão das obras o prédio passa a ser classificado como prédio urbano afeto à habitação.», pelo que, «não definindo o CIMI o que seja “prédio com afectação habitacional” parece à Requerente que o legislador se pretendia referir a prédios habitacionais, na aceção do artigo 6.º do CIMI e não a terrenos para construção»?

Vejamos,

17.    Pela clareza na exposição, e quanto à matéria do conceito de “prédios com afetação habitacional” recordamos o sufragado na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, com a qual aderimos, segundo a qual: «O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais. (…) No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.»

18.    Acresce ainda, e nesta sequência lógica, a posição assumida no Acórdão do STA, de 14.05.2014, proferido no rec. nº 0317/14,  que acompanhamos, no sentido de que: «“a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)

19.    Assim sendo, seguindo este caminho, com o qual aquiescemos na sua plenitude, parece ser de falecer a tese da Requerida, quanto à possível conexão do conceito de “afetação a habitação” a um terreno para construção, sem qualquer edificação passível de ser habitada.

20.    De referir ainda que, a imprecisão do conceito em apreciação – “prédio com afetação habitacional” -, foi alterado pelo Orçamento de Estado para 2014, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, 31.12, dando nova redação à verba 28 da TGIS, concretizando, agora, o seu âmbito de aplicação e incidência objetiva com a utilização de conceitos objetivos legalmente definidos no artigo 6.º do CIMI.

21.    Na verdade, esta alteração – a que o legislador não atribui caráter interpretativo – reforça o caráter inequívoco, para o futuro, de que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28 da TGIS (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00), nada referindo ou esclarecendo quanto às situações precedentes a esta alteração legislativa, nomeadamente a que se encontra sub judice, pelo que será de concluir que no ano de 2012, os terrenos para construção não se encontravam incluídos na previsão da verba 28 da TGIS.

22.    Ademais, invoca, ainda, a Requerida sustentando a sua posição, que «a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação do imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.” Mormente, porque e “ conforme resulta da expressão «---valor das edificações autorizadas», constante do art.º 45.º, n.º2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação de prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI».

23.    Concluindo, no sentido de que: «(…)para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada

24.    Ora, a verdade, é que também por aqui não nos parece ser de considerar e aceitar a legitimidade ou legalidade da liquidação de imposto do selo aos terrenos para construção nos termos aduzidos pela Requerida, porquanto, e conforme refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, à qual aderimos na integra, “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção.”

 

25.    Sobre este assunto pronunciou-se já, no CAAD, o processo n.º 158/2013-T, com o qual concordamos e aderimos, no sentido de que: “É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

26.    Assim sendo, o que importa para efeitos de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é que o prédio seja urbano, que tenha um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e que esteja efetivamente afeto a habitação, o que não sucede com os terrenos para construção, cuja liquidação se impugna nos presentes autos.

 

27.    Ora, no caso em apreço, atendendo que o ato de liquidação foi praticado ao abrigo do regime transitório da Lei n.º 55-A/2012, 29.10, previsto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º desta Lei, torna-se relevante referir algumas regras transitórias, previstas pelo legislador, referentes às “situações jurídicas”, apenas aplicáveis ao ano de 2012. A saber:

a) O facto tributário verifica-se a 31 de outubro de 2012, e não a 31 de dezembro de 2012;

b)                        O sujeito passivo de imposto é, entre outros, o proprietário do imóvel em 31 de outubro de 2012, e não o proprietário do imóvel em 31 de dezembro de 2012;

c) O VPT a utilizar na liquidação deste IS, é o que resulta das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011 e não a qualquer outro ( no caso em apreço, “por acaso” foi o de 2010);

d)                        A liquidação do imposto referente às “situações jurídicas” deve ser efectuada pela AT até ao final do mês de novembro de 2012, e não nos moldes em que a mesma é feita, quer em sede de IS, quer de IMI;

e) O imposto será pago, numa única prestação, até 20 de dezembro de 2012, e não em duas prestações em abril e setembro em 2012, como ocorreu com o IMI de 2011 (Vd. artigo 120.º do CIMI) ou em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro (Vd. alínea c) do artigo 120º. do CIMI, na redação que lhe deu o artigo 215º. da Lei nº. 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013), não considerando as restantes modalidades de pagamentos em prestações, porque se aplicam para verbas irrisórias de coleta, face aquele que este IS gera, num mínimo de € 5.000,00 (1.000.000,00 x 0,5%);

f)  As taxas aplicáveis para 2012 são os seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %, em vez de 1%, como está consagrado para 2013;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %, em vez de 1%, como está consagrado para 2013;

iii) Prédios urbanos, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5% (taxa igual ao regime geral para 2013).

 

28.    Com efeito, e neste contexto, sempre se dirá que, transitoriamente, em 2012, estas normas são diferentes das do regime regra, tendo por contrapartida a benesse da diminuição das taxas, com exclusão dos imóveis propriedade de sociedade off-shores em que para 2013 a taxa se mantém em 7,5%. 

 

29.    Isto, porque o legislador se lembrou que havia em 2012 prédios urbanos já avaliados, nos termos do Código do IMI e outros que ainda o não estariam, estabelecendo, por isso, uma diferença de taxas, tributando à taxa 0,8% aqueles que, apesar de ainda não terem sido avaliados nesses moldes, tinham um VPT supostamente mais baixo, mas sempre superior a 1 milhão de euros.

 

30.    E tributando, apenas a 0,5%, aqueles que já tinham um VPT atualizado, e, por isso, logicamente superior, que justificava a aplicação de uma taxa mais baixa, mas sempre em qualquer situação, com um VPT acima de 1 milhão de euros. (recorde-se que o princípio subjacente à oscilação das taxas de IMI, na reforma do património é esta: prédios não avaliados são tributados a uma taxa mais alta, enquanto que os prédios já avaliados, com um VPT mais alto, são tributados a uma taxa mais baixa, para não agravar a tributação, nem retirar receitas às Autarquias, que poderia conduzir a um indesejado ao aumento das transferências do OE.

 

31.    Ora, considerando assim, que não há qualquer diferença quanto aos pressupostos de incidência do imposto do selo no regime regra – verba 28.1 da TGIS – e no regime transitório – n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro - é entendimento do presente tribunal que o ato de liquidação controvertido é ilegal, pelas razões supra expostas.

 

32.    É isto que resulta da jurisprudência dos tribunais arbitrais[1] e dos tribunais tributários superiores[2] que têm vindo a interpretar a verba n.º 28.1 do TGIS e os seus pressupostos de aplicação, e com os quais aderimos na integra.

 

33.    De referir, por último, a posição do Supremo Tribunal Administrativo, cujo sumário de um dos Acórdãos referenciados aqui se transcreve e que tem sido orientação nos diversos arestos proferidos naquele douto Tribunal, quanto à ilegalidade de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção:

“Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

34.    Assim sendo, nunca poderia a AT sujeitar a Requerente ao imposto do selo, ao abrigo das alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, do ano de 2012, que ora se impugna, devendo, deste modo, ser a mesma anulada, por ilegal.

 

II -  Da violação de Lei Constitucional

 

35.    A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro da Lei n.º 55-A/2012, 29.10, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

36.    Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

37.    E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço coletivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

38.    Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

39.    Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

40.    A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

41.    Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

42.    Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um terreno para construção não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

43.    Na verdade, um terreno para construção pertencente a uma sociedade como a Requerente, não traduz uma riqueza passível de tributação, em sede de Imposto do Selo, dada a sua indexação como ativo, como mercadoria ou matéria-prima.

44.    Face ao exposto, ato de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2012, impugnado, no montante de € 5.449,88 (cinco mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos) é nulo, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS, no regime transitório, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da tributação sobre a riqueza e do princípio da tipicidade.

III – Da indemnização por garantia indevidamente prestada

 

45.                Dispõe o artigo 53.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Garantia em caso prestação indevida” que:

«1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»

 

 

46.              Resulta desta norma legal que, o devedor/executado que preste garantia bancária ou equivalente, para suspender o processo de execução fiscal contra ele instaurado, tem direito a ser indemnizado (total ou parcialmente, consoante tenha obtido vencimento total ou parcial em impugnação, recurso administrativo ou oposição à execução, que tenham por objecto a dívida garantida) pelos prejuízos resultantes da prestação daquela garantia.

 

47.              No entanto, para que esta indemnização se concretize, é necessário que:

a)      prove que ocorreu erro imputável aos serviços, independentemente do período de tempo durante o qual a garantia se manteve (em conformidade com o n.º 2 daquela norma);

b)      Caso a anulação do ato de liquidação cuja legalidade é posta em causa, não tenha por fundamento erro imputável aos serviços, a indemnização só será devida se a garantia tiver sido mantida por mais de 3 (três) anos ( vide n.º 1 do artigo 53.º da LGT)

 

 

48.              O n.º 3 deste normativo dispõe quanto ao pedido da aludida indemnização, prevendo que a mesma pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. No entanto, não estabelece o prazo limite para a dedução de tal pedido, ou o meio processual a ser usado para a respectiva formulação.

 

49.              Esta previsão encontra-se regulamentada no artigo 171.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, segundo o qual:

a)      A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

b)      A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência. 

 

50.              Estabelece, assim, que o pedido de indemnização (por garantia indevidamente prestada) deve ser apresentado no processo em que esteja controvertida a legalidade da dívida em causa e, de acordo com o seu nº 2, que o pedido seja solicitado na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

 

51.              Ora, considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte, - o que se verifica nos presente autos.

 

52.              No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a indemnização por prestação de garantia indevida por força do disposto no artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

53.              Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal, pelo que estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerida direito a ser indemnizada pela prestação de garantia indevida, de acordo com o artigo 53.º da LGT, calculada com base na respectiva proporção face à totalidade dos processos de execução fiscal incluídos na garantia bancária, junta como documento n.º 5 com a petição inicial, estimada no montante de € 1.034,56 (mil e trinta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de juros calculados sobre este montante (a acertar em execução desta decisão arbitral) desde a data em que foi suportado até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.

 

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.      Anular o ato de liquidação de Imposto do Selo impugnado pela Requerente, relativo ao ano de 2012.

2.      Condenar a Requerida no pagamento de uma indemnização, em virtude da prestação de garantia indevida, pela Requerente, por forma a suspender o processo de execução fiscal n.º ..., calculada com base na respectiva proporção face à totalidade dos processos de execução fiscal incluídos na garantia bancária n.º ..., estimada no montante de € 1.034,56 (mil e trinta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de juros calculados sobre este montante (a acertar em execução desta decisão arbitral) desde a data em que foi suportado até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 6.484,44 (seis mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de outubro de 2015

***

 

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] Acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.º 50/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º  185/2013-T,  n.º 248/2013-T, entre outros

[2] Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 046/14, de 14.05.2014; n.º 0271/14, de 14.05.2014; n.º 0395/14, de 28.05.2014, 01871/13, de 14.05.2014, 055/14, de 14.05.2014, entre outros.