Decisão arbitral
Processo n.º 184/2015-T
Requerente: A..., , Lda,
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema: Imposto de Selo – verba 28 da TGIS – terrenos para construção
I – Relatório
1. No dia 17 de Março de 2015, A..., , Lda, pessoa colectiva nº ..., com sede na Avenida…, SF Lisboa 2, veio invocando o artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e os artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto do selo (documento nº 2012...), emitido ao abrigo da Verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante global de € 8.362,77 (oito mil trezentos e sessenta e dois euros e setenta e sete cêntimos) relativo ao prédio com artigo matricial ..., da freguesia de ..., Faro (actualmente ... da freguesia de ... e ...), e à atribuição de indemnização por prestação indevida, ao abrigo dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT. Juntou, para além da procuração forense e do comprovativo de pagamento da taxa inicial de arbitragem, cinco documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 25 de Maio de 2015.
5. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º do RJAT, a Administração Tributária e Aduaneira (AT) veio, em 29 de Junho de 2015, apresentar Resposta e um requerimento onde, tendo em conta a ausência de qualquer excepção e de necessidade de produção de prova adicional, propunha a dispensa de reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
6. A Requerente aderiu à posição da Requerida no sentido de dispensa de reunião do artigo 18º do RJAT assim como de apresentação de alegações finais, pelo que o tribunal decidiu dispensar quaisquer outras formalidades e proferir decisão até ao dia 15 de Novembro de 2015.
7. O Pedido de Pronúncia
No Requerimento de pronúncia arbitral a Requerente diz, em síntese (da nossa responsabilidade):
- A Requerente não concorda com a liquidação de Imposto do Selo efectuada relativamente ao imóvel em causa, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, e da norma transitória prevista no artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, da qual resultou uma colecta de € 8.362,77, na medida em que se trata de um terreno para construção e não de um prédio com afectação habitacional.
- Os terrenos para construção só passam a subsumir-se na verba 28 da TGIS a partir de 1 de Janeiro de 2014, após a alteração à verba 28.1 introduzida pelo art. 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, reconhecendo o legislador que a norma de incidência não abrangia antes os terrenos para construção.
- A alteração introduzida pelo Orçamento de Estado de 2014 não pode ter aplicação retroactiva porque inovadora já que da letra da lei em vigor à data dos factos não se retirava que a afectação habitacional compreendesse outros prédios para além dos que estão afectos à habitação na matriz predial.
- A lei nº 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba 28 com efeitos a partir de 30 de Outubro de 2012 não clarificou em nenhum lugar o que são prédios com afectação habitacional, aditando um nº 2 ao art. 67º do Código do IS, mandando aplicar subsidiariamente o Código do IMI.
- Verificando a classificação de prédios no CIMI conclui-se que os prédios urbanos habitacionais e os terrenos para construção são duas classes diferentes de prédios não definindo o Código o que são prédios com afectação habitacional
- Atendendo ao disposto no art. 6º do CIMI não se pode dizer que terrenos para construção tenham afectação habitacional na medida em que essa afectação tem que ser efectiva e não meramente potencial e futura, sob pena de se estar a tributar realidades futuras e incertas ou até a tributar um facto tributário inexistente.
- Nem sequer o licenciamento da obra pode ser indicador da afectação à habitação seja porque na maioria das vezes a construção autorizada também prevê utilização para fins comerciais ou serviços, seja porque o licenciamento não é só por si uma garantia da concretização da construção, de uma efectiva utilização habitacional.
- Nem com obtenção de alvará – quando já existe um compromisso firme de edificar algo – se pode dizer que um prédio tem afectação habitacional porque não é possível viver nele, não tem as características necessárias à habitação de um ser humano.
- Quanto ao facto de no cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se remeter para o coeficiente de afectação (habitação, serviços, etc.) como meras afectações potenciais e futuras, constitui apenas um mero indicador que o legislador pretendeu utilizar para calcular o valor dos terrenos para construção não autorizando a subsumir na factispecie da verba 28.1. da TGIS como prédio com afectação habitacional, isso só pode acontecer com a entrega da modelo 1 do IMI a comunicar a conclusão das obras
- A exposição de motivos da Lei nº 55-A/2012 confirma a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência da lei a terrenos para construção, assim como as declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na apresentação na assembleia da proposta de lei.
- A mesma interpretação foi seguida em decisões arbitrais e judiciais.
- Com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado por não pagamento do imposto liquidado, a Requerente prestou garantia bancária, cujo custo só se apurará com exactidão no momento em que seja possível levantar a garantia, mas que se estima até ao momento ter importado em €1.587,52.
- Assim, a requerente tem direito a indemnização correspondente à totalidade dos custos incorridos com a garantia bancária acrescida de juros à taxa de juros legais calculados sobre esses custos contados desde a data em que foram suportados e a data em que for autorizado o levantamento da garantia bancária.
8. A Resposta
A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):
- Com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012, no artigo 1.º do CIS, e aditamento da verba 28 à TGIS, o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.
- Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, mandado aplicar subsidiariamente pelo art. 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo.
- Terá que se ter em conta o conceito de prédio do n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, assim como o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIMI, sobre as espécies de prédios urbanos existentes (integrando neste conceito os terrenos para construção).
- A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa por isso a noção de afectação do prédio urbano assenta na avaliação dos imóveis, devendo ter-se em conta o art. 45.º, n.º 2, do CIMI que manda ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, sendo por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI .
- Assim, se para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, não pode ser ignorada a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.
- O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional cujo sentido tem de se encontrar não no art. 6.º, n.º1, alínea a), do CIMI mas no art.45.º do CIMI que distingue a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir e a área de terreno livre; apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efectivada.
- O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.
- É possível, antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção tendo em conta o regime de urbanização e edificação, RJUE e Planos Directores Municipais.
- A Constituição da República, não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas discriminações arbitrárias, irrazoáveis, sem justificação e fundamento material bastante, mas a verba 28 da TGIS não viola a CRP porque sustenta o diferente tratamento dos imóveis (habitação/serviços/comércio), em opção do legislador, por razões políticas e económicas.
- A tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, encontrando-se legitimada enquanto mecanismo de obtenção de receita, e não violando o princípio da proporcionalidade ao aplicar-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00.
- As liquidações não padecem de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Requerida do pedido.
9.Objecto do pedido
A questão jurídica suscitada no presente pedido de apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo efectuada ao abrigo das alíneas a) a f) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, consiste em saber se um terreno para construção deve ser considerado “prédio com afectação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela referida lei e na redacção então vigente.
10. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
11. Factos provados
Com base nas peças processuais – factos invocados e não contestados – e nos documentos juntos pela Requerente (a AT não juntou Processo Administrativo), fixa-se a seguinte factualidade:
11.1. A Requerente, A..., Lda, é proprietária do prédio com artigo matricial ..., da freguesia de ..., Faro (actualmente ... da freguesia de ... e ...) (artigo 7º do Pedido e Doc. nº 2 junto com o Pedido).
11.2. Na respectiva caderneta predial urbana, o prédio acima referido encontra-se designado como “terreno para construção”, com as respectivas áreas: total de terreno 1.344,0000 m2; implantação do edifício, 1.344,0000m2; área bruta de construção,4.700.0000m2; área bruta dependente, 0,0000m2 (Doc. nº 2 junto com o Pedido de pronúncia).
11.3. Em 2012 o valor patrimonial estava fixado no montante de € 1.672.553,75.
11.4. Em Dezembro de 2012 a Requerente foi notificada de liquidação de imposto do selo emitida em 07 de Novembro de 2012, através de documento com o número 2012 ..., para pagamento até 20 de Dezembro de 2012, correspondendo à aplicação da taxa de 0,5% ao VPT de € 1.672.553,75 (Documento n.º 1 junto com o Pedido).
11.5. A Requerente apresentou, sucessivamente, reclamação graciosa (nº ...) e recurso hierárquico (nº…), que foram indeferidos (artigo 3º do Pedido).
11.6. A Requerente não pagou o imposto liquidado tendo sido instaurado processo de execução (nº …) pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 (artigos 54º e 55º do Pedido).
11.7. A Requerente subscreveu uma garantia bancária até ao limite de € 70.500,00 para caucionar e garantir eventuais pagamentos em seis processos de execução fiscal relativos a Imposto do Selo ano 2012, entre eles o processo nº … (art. 55º do Pedido).
12. Factos não provados
Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
13. Fundamentação dos factos provados e não provados
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionados pelas Partes.
14. Apreciação de direito
14.1. Aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aos terrenos para construção
A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
O disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à nova verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 30 de Outubro de 2012. O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012: o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro); o sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro; o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011; a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; o imposto deverá ser pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.
Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo (CIS), introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o imposto do selo previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do artigo 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS).
A verba 28.1 abrange “prédios com afectação habitacional” mas este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, nem é usado no Código do IMI, diploma para o qual remete expressamente o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.
Esta questão tem sido objecto de apreciação em elevadíssimo número de processos, quer nos tribunais arbitrais[1], quer nos tribunais administrativos e fiscais, existindo já uma quantidade apreciável de decisões proferidas ao mais alto nível [2] (Secção de Contencioso Tributário do STA), verificando-se grande unanimidade de posições.
Não podemos deixar de concordar com a apreciação que vem sendo feita nessas múltiplas decisões pelo que citaremos alguns excertos das mesmas, repetindo em larga medida argumentação também já utilizada em anteriores casos que decidimos.
Recorde-se que, em síntese, a Requerente defende que a verba 28 da TGIS ao referir-se a prédios com afectação habitacional abrange os “prédios edificados”, prédios a que já foi dado o destino para habitação, e não os “terrenos para construção”, que poderão vir algum dia, se ele chegar, a ser afectados àquele fim específico.
Em oposição, a AT considera que o sentido de o legislador não utilizar a expressão “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional, tem de se encontrar não no artigo 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI mas no art. 45º do CIMI, na interpretação da expressão “afectação habitacional”, noção que assenta na avaliação dos imóveis. O artigo 45.º, n.º 2, do CIMI ao mandar ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, remete para o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, que teria que ser tida em conta para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.
Analisando exactamente este tipo de argumento, disse-se na decisão arbitral proferida no proc. 53/2013-T: “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”[3]
Também as decisões arbitrais nºs 158/2013-T e 288/2013-T rejeitaram a tese da AT sobre a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral aos terrenos para construção e que torna aplicável, a tais imóveis, o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI, da seguinte forma: “É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”
A argumentação da AT tem também sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo, com fundamentos que aqui reproduzimos com excerto do Acórdão de 14 de Maio de 2014, proferido no processo nº 0317/14 (sendo Relatora a Conselheira Isabel Marques da Silva): “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”
Este tribunal subscreve as análises contidas nos excertos reproduzidos.
E também se julga que esta interpretação é confirmada pela alteração, pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), da letra da verba 28.1, que passou a dizer: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI “.
Com efeito, esta alteração de redacção significa que se quis mudar o texto para abarcar o que antes não se encontrava nele incluído.
E se alguém tinha querido anteriormente abranger a realidade defendida pela AT, tal desiderato não só não encontrava qualquer expressão na letra da lei como era contrariado pelo elemento histórico, através do relato dos trabalhos parlamentares.
As declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acima transcritas são disso a prova: o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou serem expressão determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional.
Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos “com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...)[4] “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal."
Ora se o legislador revelou, claramente, querer tributar casas de luxo afectas a habitação, não é possível retirar da letra da lei, com a redacção aprovada em 2012, a interpretação que sustenta que a tributação abrange os terrenos para construção de edificações, ainda que estas sejam a afectar a habitação.
Citando de novo o Acórdão do STA proferido no processo nº 317/14: “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.
Portanto, a redacção dada à verba 28.1. com o OE para 2014 é claramente inovadora, não se pondo a questão da sua aplicação a anos anteriores, efeito que, aliás, o legislador nem tentou através da atribuição à nova redacção de carácter interpretativo.
14.2. Conclusão
Tendo em conta que o prédio da Requerente é classificado como terreno para construção, não configura um prédio com afectação habitacional actual, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente ao tempo dos factos.
Por isso, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida nos autos enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
15. Garantia bancária indevidamente prestada
A Requerente pede o reconhecimento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado por não pagamento do imposto liquidado, reconhecendo que o custo não é fácil de apurar neste momento.
Na matéria de facto ficou provado a existência de uma garantia bancária prestada para um conjunto de seis processos, incluindo o processo … instaurado para cobrança do imposto objecto dos presentes autos (11.7. e 11.6.).
Decorre dos números 1 a 3 do artigo 53.º da L.G.T (com epígrafe “garantia em caso de prestação indevida”) que no caso de se verificar, em reclamação graciosa ou impugnação, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, o devedor que ofereceu garantia bancária ou equivalente para suspender a execução será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação em proporção do vencimento em impugnação judicial que tenha como objecto a dívida garantida, tendo esta como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na L.G.T.
Sobre a matéria dispõe o artigo 171º do CPPT: “A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.
No caso dos autos, concluiu-se que não foi correcta a interpretação dos serviços da Requerida ao tributar a situação nos termos da verba 28.1 da TGIS, e é também pacífico que os tribunais arbitrais são competentes para aplicar o art. 53º da LGT [5], pelo que se reconhece o direito da Requerente a ser indemnizada pelo custo da prestação de garantia [6].
Mas não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013 e artigo 565.º do Código Civil).
16. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:
- Declarando a ilegalidade, com a consequente anulação, da liquidação de imposto do selo efectuada nos termos da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, relativa ao prédio com artigo matricial ..., da freguesia de ..., Faro (documento nº 2012 ...);
- Reconhecendo o direito a indemnização por custos sofridos com garantia indevida prestada para obter a suspensão de execução fiscal referente ao imposto agora anulado, em termos a determinar através de liquidação em execução de sentença.
17.Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.362,77 (oito mil trezentos e sessenta e dois euros e setenta e sete cêntimos).
18. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 10 de Novembro de 2015
A árbitro
Maria Manuela Roseiro
[1] No âmbito do CAAD foram proferidas muitas decisões, estando já publicadas mais de uma centena (site CAAD, jurisprudência tributária).
[2] Cf. publicados em www.dgsi.pt, acórdãos do STA (Secção CT), em 2014 : 9 de Abril (processos nºs 1870/13 e 48/14); 23 de Abril (processos nºs 270/14; 271/14; 272/14); 14 de Maio (processos nºs 1871/13, 46/14; 55/14; 274/14; 317/14); 28 de Maio (processos nºs 395/14; 396/14 e 425/14); 2 de Julho (proc. 467/14); 9 de Julho (proc. 674/14); 29 de Outubro (529/14) e 2015: 14 de Janeiro (541/14); 15 de Abril (1481/14, 699/14 e 764/14); 2 de Maio (1312/14 e 1387/14); 22 de Abril (279/15 e 347/15); 29 de Abril (21/15); 27 de Maio (387/15); 17 de Junho (1479/14); 8 de Julho (573/15).
[3] A mesma decisão também já concluíra que “deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.” E “Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.
[4] Decisão arbitral no proc. 219/2013-T e decisões aí citadas (proc. 48/2013-T e 50/2013-T).
[5] Citando outras decisões do CAAD (p. ex. processos 1/2013-T e 420/2015-T):«O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.»
[6]Tendo em conta, porém, que: ”O direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT. (cf. Acórdão do STA de 30 de Março de 2012, in proc. 013/11).