Decisão Arbitral
1. Relatório
A…, SA, contribuinte n.º …, com sede na Rua …, n.º …, …, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do correspondente Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, correspondente à liquidação adicional nº … com o valor de 6.032,39 €.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 17-01-2015, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 19 desse mês e notificado à AT ainda nesse mesmo dia.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17-04-2015.
A AT apresentou resposta tempestivamente.
Por despacho de 15 de Setembro do ano em curso e com o acordo das partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações das partes.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Objeto do litígio
Na sequência de ação inspetiva decorrente da Ordem de Serviço n.º OI2012 …, com início em 10.10.2012 e conclusão em 26.02.2013, a Requerente foi objeto de liquidação adicional de IVA no montante de €6.032,39, por referência ao período de Dezembro de 2009. Essa liquidação adicional resulta da AT considerar indevida a dedução de um montante de IVA suportado pela Requerente e que havia incidido sobre o valor de honorários devidos pela prestação de serviços jurídicos conexos com uma eventual negociação de participações sociais da Requerente.
A Requerente, por sua vez, contesta essa consequência (não dedutibilidade do IVA suportado com aqueles serviços).
A questão dos autos corresponde pois em concluir pela dedutibilidade, ou não, do IVA incluído num encargo (input) suportado pela Requerente, para efeitos da quantificação do montante total de IVA por si devido com referência ao período de Dezembro de 2009.
Mais detalhadamente, a dedutibilidade daquele tributo liquidado à Requerente pelo prestador de serviços foi contestada pela AT, com base nos art.s 4º, 20º. 21º e 27º (fls 4 do processo administrativo) e 23º (fls 13 do mesmo processo), todos do CIVA, sendo que a Requerente entende, pelo contrário, ser esse montante dedutível nos termos gerais e nos do art. 23º do mesmo Código.
2.1 Posição da Requerente
A Requerente contesta a liquidação em causa, sustentando haver um nexo de causalidade direto e imediato entre o serviço a que o IVA respeita (preparação de uma due diligence prévia a uma possível aquisição de partes de capital da Requerente) e o conjunto da sua atividade económica (fabricação de lâmpadas e outro equipamento de iluminação), solicitando por isso a anulação do ato tributário.
A Requerente não contesta que o art. 23º do CIVA verse sobre a temática dos sujeitos passivos ditos mistos, por praticarem operações que confiram direito à dedução do IVA suportado a montante, a par de operações que não confiram esse direito, mas contesta que o dito artigo permita concluir não ser conferido o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações de serviços destinadas à realização de operações de transmissão ou aquisição de participações sociais. E, nesse contexto, considera que se incluem no conjunto de inputs dedutíveis as operações de due diligence, que a Requerente qualifica como uma “operação pré-contratual da empresa a negociar, levada a cabo pelos transmitentes ou eventuais adquirentes, visando a recolha de informação exaustiva relativamente a aspetos patrimoniais, contabilísticos, financeiros, jurídicos e fiscais da empresa objeto de potencial reestruturação, sendo os serviços de consultoria em causa prestados por entidades especializadas, normalmente bancos de investimento, advogados, auditores e consultores fiscais e financeiros”. A Requerente esclarece ainda tratarem-se tais serviços “de um conjunto de informações prévias à realização de qualquer operação relacionada com aquisições e fusões”, correspondendo assim ao “fornecimento de prestação de serviços (…) que, só por si, não implica quaisquer alterações jurídicas e financeiras”, não devendo por isso tais operações de due diligence serem qualificadas “como operações relativas a títulos para efeitos do previsto na alínea e) do n.º 27 do art. 9º do CIVA (Informação Vinculativa no Proc. n.º …, com despacho do SDG dos Impostos de 06.07.2012)”. A Requerente acrescenta ainda que “no que se refere ao direito à dedução do IVA liquidado na entidade adquirente do serviço de “due diligence”, tem sido decisão do TJUE e do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) ser o mesmo concedido, dada a existência de uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas do sujeito passivo”.
A este propósito a Requerente acrescenta ainda que “a operação de aquisição e fusões que estava perspetivada, que por sinal acabou por não ser concretizada, encontrava-se na base da reestruturação e reorganização da empresa, tendo em vista o seu crescimento sustentado e perspetivas de reforço da internacionalização, para o que as inerentes economias de escala se mostravam fator importante”, pelo que conclui que sendo ”por demais evidente a existência de um nexo de causalidade direto e imediato com o conjunto da atividade económica da reclamante, o IVA suportado nas referidas despesas é dedutível, como resulta da jurisprudência do TJUE (Proc. n.º C-29/08, com acórdão de 29.10.2009 e Proc. n.º C-496/11, com acórdão de 06.09.2012) e do CAAD (Proc. n.º 128/12-T, com acórdão de 23.04.2013)”. Neste contexto a Reclamante refere ainda que tal nexo “resulta do facto dos custos dos serviços em causa fazerem parte das suas despesas gerais, como tal aceites como gasto fiscal, e sendo, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, o que na perspetiva da jurisprudência referida basta para conferir o direito à dedução”.
2.2 Posição da Requerida
Por sua vez a AT contestou, mantendo a fundamentação do ato tributário.
Em síntese, a AT entende que “as operações relativas à negociação de participações e/ou associações de uma atividade não económica não constituem, em sede de IVA, uma atividade sujeita a imposto, uma vez que não têm previsão expressa no artigo 1º, nº 1, do Código do IVA”, razão pela qual correspondem a operações fora do campo de imposto, do que decorreria que serviços sujeitos e não isentos de imposto, “quando associados a operações financeiras”, cairiam no âmbito de uma atividade que se encontraria fora do campo de aplicação do imposto, pelo que não confeririam direito à dedução do IVA suportado a montante. Em abono da sua tese cita o Acórdão do TJCE de 29.04.2009 no processo C-77/01 onde se refere que a “(…) simples venda de ações e outros títulos negociáveis (…) não constituem atividades económicas na aceção do art.4º nº2 da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (…) e, portanto, não são abrangidas pelo âmbito desta Diretiva” e que “ (…) é jurisprudência assente que a mera aquisição e simples detenção de participações sociais não devem ser consideradas atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, porque o eventual dividendo, fruto de tal participação resulta da simples propriedade do bem e não é contrapartida de qualquer atividade económica na aceção da referida diretiva (…)”.
A Requerida cita igualmente as conclusões do advogado-geral Ján Mázak, apresentadas a 11.12.2007 no processo C-437/06, nos termos da qual a parte da atividade do sujeito passivo afeta à realização de operações não inseridas no conceito de atividade económica e, portanto, situadas fora do âmbito de incidência do IVA, não é suscetível de proporcionar o direito à dedução do imposto suportado a montante. E recorda ainda a conclusão do TJCE, no âmbito do mesmo processo, segundo a qual “(…) quando um sujeito passivo exerce simultaneamente atividades económicas, tributadas ou isentas, e atividades não económicas que não entram no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva, (…) a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incidiu sobre as despesas relacionadas com a emissão de ações e participações ocultas atípicas só é permitida na medida em que estas despesas possam ser imputadas à atividade económica do sujeito passivo, na aceção do artigo 2º, nº1, desta diretiva.”
Por fim, a AT cita também a opinião de Rui Laires, nos termos da qual “(…) quando um sujeito passivo exerça simultaneamente atividades económicas, tributadas ou isentas, e atividades não económicas na aceção do sistema comum do IVA, (…) a dedução do IVA incidente sobre a aquisição de bens e serviços utilizados em ambos os tipos de atividades só é admitida relativamente à parcela de utilização imputável às atividades económicas do sujeito passivo, não sendo admitida relativamente à parcela de utilização imputável às respetivas atividades consideradas não económicas” (in CCTF nº423, anotação ao Ac. do TJCE de 12.02.2009, Processo C-515/07).
Nestes termos a AT conclui pela improcedência da ação, dada a “não aceitação da dedução do IVA suportado na aquisição daqueles serviços na medida em que não está diretamente relacionado com operações, a jusante, relativas a transmissões de bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”, pois a Requerente não “logrou provar o alegado nexo de causalidade entre as despesas em questão e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução”, sem prejuízo de que “ainda que se pudesse concluir que tais serviços fariam parte das despesas gerais da Requerente, como na jurisprudência atinente às sociedades holding que cita, o que se concebe à cautela e por mero dever de patrocínio, ainda assim, teria que existir um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente, tendo esta que ter feito prova de que os custos dos serviços fazem parte das suas despesas gerais, sendo, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, o que não sucedeu”.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade comercial, que exerce a atividade de fabricação de lâmpadas elétricas e outro equipamento de iluminação, estando assim os seus outputs sujeitos a IVA e dele não isentos, sendo um sujeito passivo enquadrado no regime normal de IVA, com periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 41º do Código do IVA.
b) A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2012 …, a qual conduziu a uma liquidação adicional de IVA relativa ao período de Dezembro de 2009, no montante de €6.032,39, a par de outras liquidações em sede de IRC e de Imposto do Selo.
c) Essa liquidação consta do Doc. de cobrança nº … 2013 …, pelo dito valor, tendo o dia 30 de Junho de 2013 como data limite para o seu pagamento voluntário.
d) Aquela liquidação decorreu do facto da Requerente ter deduzido IVA no aludido montante e que havia sido liquidado sobre honorários de advogados correspondentes a serviços preparatórios de uma possível due diligence a efetuar à Requerente.
e) Tais honorários constam da fatura nº …., datada de 09.12.2009 e ascendem ao valor de € 30.161,95, estando os mesmos relevados na contabilidade da Requerente.
f) Aquela due diligence estava relacionada com uma possível negociação de participações sociais da própria Requerente, estando diretamente relacionados com uma operação de compra e venda de ações da própria Requerente e visava preparar um conjunto detalhado de informações de natureza jurídica, financeira e patrimonial da sociedade.
g) Essa operação de aquisição nunca se concretizou.
h) No ato tributário em crise a AT sustenta que “ (…) o IVA deduzido no montante de €6.032,39, no documento …, datado de 09.12.2009, relevado na contabilidade na conta 2432313 – IVA OBS Tx Normal (….) não é passível de dedução, pois o mesmo respeita a honorários pelos serviços jurídicos prestados (…) os quais estão relacionados com (…) legal due diligence que se irá realizar no âmbito da oferta de ações representativas do capital social da A… (…)”.
i) Na fundamentação é ainda referido que tendo “a operação em causa consistido no estudo de participações de empresas com vista à tomada de decisão sobre uma operação de fusão com uma entidade espanhola, o que constitui operações relativas à negociação de participações em sociedades e ou associações, operações estas relativas a atos societários, que nos termos do n.º 27 do art. 9º do CIVA caracterizam-se como operações não económicas, relativamente à atividade exercida pelo sujeito passivo” que não conferem direito à dedução do IVA suportado a montante.
j) Do parecer do Chefe de Equipa de 8/4/13, com Despacho concordante do Chefe de Divisão da mesma data, consta que o sujeito passivo “deduziu IVA indevidamente de honorários de serviços jurídicos relacionados com o estudo de participações sociais quando este output não contribuiu para a realização de operações tributáveis”.
k) A Requerente apresentou, em tempo, reclamação graciosa daquela liquidação, a qual foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de …, de 10 de Outubro de 2014.
3.2. Factos não provados
Não se provou a existência de uma qualquer relação entre os serviços em causa e a atividade da Requerente ou com parte dela, nem que tais serviços estivessem relacionados com o estabelecimento de bases para eventual reorganização da Requerente, nomeadamente que passasse por uma fusão envolvendo também a própria Requerente na sequência da aquisição, por terceiros, de partes de capital da própria Requerente.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nas alegações das partes e nos documentos oferecidos, cuja correspondência à realidade não é controvertida, com exceção do referido nexo entre serviços e atividade.
4. Matéria de direito
Como se referiu já, a questão objeto da presente ação consiste em saber se o IVA incluído em determinados serviços adquiridos pela Requerente é passível de dedução ao abrigo do mecanismo próprio daquele imposto, nos termos do qual o montante de IVA devido pelo sujeito passivo não resulta diretamente, apenas, do IVA por si liquidado no exercício da sua atividade, pois que a “dívida do sujeito passivo ao Estado não resulta diretamente da aplicação da taxa ao referido valor (esta operação apenas proporciona o apuramento do montante do imposto a suportar pelo cliente), mas da diferença entre o resultado dessa operação e o montante de imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, durante o mesmo período” (José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2010, 6º edição, Almedina).
Como bem refere a Requerida, o direito à dedução do IVA suportado a montante pelos sujeitos passivos do imposto é o “garante da neutralidade, princípio estruturante do sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA e está condicionado à existência de uma relação direta e imediata entre os bens e serviços adquiridos (inputs) e as operações que, inserindo-se no perímetro do conceito de atividade económica, se encontram tributadas”. Ou por outras palavras, “para conferir o direito à dedução do IVA suportado, a despesa deve ter sido efetuada por um sujeito passivo enquanto tal, os bens e serviços adquiridos se destinarem a uma utilização efetiva na atividade tributada do sujeito passivo ou uma atividade isenta que confere direito à dedução (exportações e operações assimiladas) e a despesas não estar excluída do direito á dedução do IVA (artigo 20º, nº1 do CIVA)” – Cidália Lança, O imposto sobre o valor acrescentado, in Lições de Fiscalidade, João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães (Coord.), 2012, Almedina, pág. 311. Daqui decorre que, para o que agora nos interessa, a dedução fica condicionada, desde logo, à utilização efetiva dos serviços adquiridos numa atividade do sujeito passivo, havendo depois que aferir da sua dedutibilidade, ou não, nos termos das regras do instituto do direito à dedução.
Nexo com a atividade da Requerente
Mas isto equivale, ainda antes de indagar pelo nexo do input (ou operações praticadas a montante) com eventuais outputs (ou operações realizadas a jusante) que confiram direito à dedução, em saber se tais inputs têm alguma relação com os outputs do sujeito passivo, i.e. se estão de alguma forma relacionados com a sua atividade (se os inputs serão efetivamente utilizados numa atividade do sujeito passivo, nos termos acima referidos). Com efeito, o art. 20, nº 1 do CIVA, antes de procurar saber da inclusão do imposto suportado numa das suas alíneas, a) ou b), pressupõe que a despesa se enquadre no seu corpo, no sentido de pressupor (melhor, impor) que o imposto tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das suas próprias operações. Só se assim for haverá então que saber se tais operações (outputs) correspondem a transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas e não isentas de imposto (al. a) daquele número) ou a operação que se incluam na alínea b) do mesmo número.
Ora, é inequívoco, por incontroverso, que os serviços que deram lugar aos honorários a que acresceu o IVA cuja dedução é controvertida, “tiveram por objetivo a análise de documentação em momento prévio à legal due diligence que se iria realizar no âmbito da oferta de ações representativas do capital social da Requerente”. Daqui decorre que era tida como possível uma eventual negociação tendente à transmissão da totalidade ou de parte do capital social da Requerente e que, como é usual, se antecipava que o adquirente pretendesse proceder a uma due diligence à Requerente (entidade alvo da potencial aquisição, total ou parcial), para acautelar a sua posição negocial e contratual. Não é pois de estranhar que, tal como normalmente ocorre, a sócia ou os sócios da sociedade cujas partes de capital seriam alvo de negociação e transmissão (na qualidade de potenciais transmitentes, portanto), pretendessem ter noção antecipada dos temas potencialmente controversos que poderiam decorrer de uma due diligence a realizar por um ou mais potenciais adquirentes, tendo por isso contratado uma sociedade de advogados para realizar um trabalho prévio de análise que permitisse essa desejada antecipação. Antecipação essa que, naturalmente favoreceria a posição negocial dos transmitentes das partes de capital e, por isso, poderia facilitar a conclusão da desejada transmissão em condições mais favoráveis para os transmitentes.
Resulta assim claro que a operação não estaria relacionada com a atividade da Requerente, mas sim com a atividade dos seus sócios, pois o serviço consistiu na preparação de uma due dilligence a realizar por um ou vários adquirentes, para benefício de uma operação (transmissão de partes de capital) por parte dos sócios da Requerente e da respetiva posição negocial e contratual. Trata-se pois de uma operação relacionada com a atividade de) eventuais transmitente, não da entidade cujas partes de capital poderiam vir a ser transmitidas. É pois irrelevante saber se a operação estaria relacionada com uma atividade económica ou não da Requerente. Nestes termos a questão está mal colocada. O que se trata é de saber se o serviço está por qualquer forma relacionado com a atividade da Requerente. E a resposta não pode deixar de ser negativa. Como é evidente, não está, de todo, relacionada com a atividade da Requerente. Está-o sim com a atividade do(s) titular(es) do respetivo capital social. Deveria pois ser um custo do potencial transmitente e seria nessa esfera jurídica que se deveria aferir da dedutibilidade, ou não, do IVA suportado. Na Requerente esse IVA não deve ser dedutível por falhar a ligação (nexo) com a sua atividade, qualquer que ela seja.
Ónus da Prova
E mesmo que restassem dúvidas sobre a existência de relação, ou nexo, entre a despesa e a atividade da Requerente, ao contrário do que ditariam as regras da normalidade e da experiência, o certo é que a Requerente não fez prova dessa mesma relação, quando lhe competiria tal ónus, nos termos do art. 74º da LGT.
Com efeito não se vê que a Requerente pretendesse adquirir partes de capital de outra entidade para, incorporar por fusão o respetivo património ou ser ela própria incorporada por fusão na outra entidade, com vista à melhoraria das condições de operação da sua atividade económica. Pretendia-se sim, alegadamente, analisar a aquisição de partes de capital da Requerente por uma outra entidade. E só após essa aquisição, a ocorrer, talvez viesse, então, mediatamente, a colocar-se a possibilidade de ocorrer uma eventual outra operação subsequente, agora de fusão. Mas tal operação a existir, seria remota e manifestamente incerta, logo insuscetível de justificar uma qualquer due diligence promovida pela Requerente no momento em que o foi. Mais, tal operação, cuja plausibilidade não ficou sequer demonstrada, seria, aliás, assaz improvável, já que se sabe que a fusão que alegadamente se perspetivaria seria uma fusão transnacional, com uma entidade estrangeira, e portanto assaz complexa e com consequências materiais. Ora, mais uma vez, ditam as regras da normalidade e da experiencia que uma tal eventual fusão, improvável, dada a sua natureza transnacional, seria sempre posterior à aquisição. Assim, de modo direto, a due diligence e, portanto, também os serviços preparatórios desta, estão diretamente conexos com a atividade do(s) sócio da sociedade alvo e não com a atividade desta.
Fundamentação do ato tributário
E caso se questione se o enquadramento acima explanado encontra expressão na motivação do ato tributário, haverá que concluir positivamente. É que essa conclusão decorre inequivocamente da fundamentação do ato em crise, estribado no pressuposto que a Requerente “deduziu IVA indevidamente … com … estudo … quando este output não contribuiu para a realização de operações tributáveis”, isto é para a realização da atividade da Requerente, ou de qualquer operação a praticar por si. Pelo que o IVA suportado não está relacionado com a atividade da Requerente, sendo ainda certo que tal como afirma a Requerida, pelo menos, não está demonstrada, neste contexto, qual a relação dos correspondentes serviços com a atividade da Requerente, até porque estes estão antes diretamente relacionados com uma operação de compra e venda de ações da própria Requerente (na qual ela é, portanto, “alvo” e não uma “parte”).
Como bem refere a AT e flui da fundamentação do ato, (cfr. o parecer do Chefe de Equipa de 8/4/13, com Despacho concordante do Chefe de Divisão da mesma data, no qual se concluir que o sujeito passivo “deduziu IVA indevidamente de honorários de serviços jurídicos relacionados com o estudo de participações sociais quando este output não contribuiu para a realização de operações tributáveis”) não deve aceitar-se a “dedução do IVA suportado na aquisição daqueles serviços na medida em que não está diretamente relacionado com operações, a jusante …” e a Requerente não “logrou provar o alegado nexo de causalidade entre as despesas em questão e uma ou várias operações a jusante …”, não se demonstrando “um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente”. Ou seja, não se conclui que os bens e serviços adquiridos se destinavam a uma utilização efetiva na atividade sujeito passivo (cfr. Cidália Lança, ob cit.).
Conclusão
Não se trata, portanto, nos presentes autos de qualquer temática relativa à interpretação conforme da legislação nacional ao direito comunitário, in casu, no que respeita ao direito à dedução do IVA suportado a montante por sujeitos passivos mistos, por praticarem uma qualquer cumulação de operações sujeitas e não isentas, operações sujeitas mas isentas ou operações não sujeitas. Trata-se antes de saber do direito à dedução do IVA suportado por operações passivas que respeitam à atividade de outro agente económico e não à atividade do agente que na prática suportou a despesa e, portanto, também o IVA. E como vimos a resposta é negativa.
Pelo que continua a não se verificar, ou demonstrar, o nexo entre o input em causa e os outputs, ou atividades, quaisquer que sejam, da Requerente.
Concluindo, a questão não deve ser colocada ao nível da ligação dos inputs com atividades conexas com a alínea a) ou a alínea b) do nº1 do art. 20º do IVA, mas sim (tão somente) com a realização de atividades pelo sujeito passivo. Não se trata tanto de concluir pela “não aceitação da dedução do IVA suportado na aquisição daqueles serviços na medida em que não está diretamente relacionado com operações, a jusante, relativas a transmissões de bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”, mas antes de recusar essa dedutibilidade por inexistir uma qualquer relação com quaisquer operações da Requerente a praticar a jusante. Sendo ainda de imputar à Requerente a ausência de prova do “alegado nexo de causalidade entre as despesas em questão e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução”, ou seja, de “um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente”, não tendo esta logrado demonstrar “que os custos dos serviços fazem parte das suas despesas gerais, sendo, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta”.
É que como a Requerente reconhece uma due diligence corresponde a uma “operação pré-contratual … levada a cabo pelos transmitentes ou eventuais adquirentes” pelo que não respeita a operações a realizar pela adquirida mas por terceiros, motivo pela qual não tem razão quando conclui pela existência de “uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas do sujeito passivo”, ou existir um “nexo de causalidade direto e imediato com o conjunto da atividade económica da reclamante”.
Nestes termos não se vê que o ato tributário em causa mereça censura, devendo assim manter-se estabilizado na ordem jurídica.
5. Dispositivo
De harmonia com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido com as legais consequências.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €6.032,39.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerente.
Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
Lisboa, 15-10-2015
O Árbitro Singular
(Jaime Carvalho Esteves)