Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1/2015-T
Data da decisão: 2015-08-24  Selo  
Valor do pedido: € 65.213,11
Tema: IS: Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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ACÓRDÃO

 

1 RELATÓRIO

 

A… – Sociedade de Construção Civil, SA, com sede na Rua …, …, NIPC …, veio, ao abrigo da alínea a) do n º 1 do artigo 10º do Decreto-lei 10/2011 de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 66-B/2012 de 31.12, formular pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, com vista à pronúncia arbitral da declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano 2013, efectuadas pelo Ex. mo Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira:

- documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro), documentos n.ºs 2014 …, 2014 … e 2014 …, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 11.953,25 (documentos um, dois e três que se juntam);

- documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro), documentos n.ºs 2014 …, 2014 … e 2014 …, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 19.911,60 (documentos quatro, cinco e seis que se juntam);

- documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro), documentos n.ºs 2014 …, 2014 … e 2014 …, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 33.348,26 (documentos sete, oito e nove que se juntam).

 

Fundamentou o pedido alegando o seguinte:

      

       À requerente foram notificados os documentos de cobrança supra identificados relativos a Imposto do Selo - verba 28 da TGIS, relativo ao ano 2013 (documentos um a nove que se juntam).

 

Contudo, até à presente data, a requerente não foi notificada das liquidações de imposto do selo.

 

Notificação das liquidações de imposto que tem de ser efectuada pela AT aos contribuintes, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 23º do CIS, o qual remete para o CIMI na parte da liquidação (ou seja art.º 113º a 118º).

 

Liquidação de imposto, que não se pode confundir com os documentos de cobrança, e que por ser da iniciativa da AT, é previamente notificada ao contribuinte para que exerça o direito de audição, querendo, nos termos do art.º 60º da LGT, e que decorre, aliás, de imperativo constitucional.

 

Ora, a requerente não foi notificada pela AT quer das liquidações, com os respectivos fundamentos de facto e de direito, quer, previamente, para se pronunciar sobre as mesmas, em sede de direito de audição.

 

       A ora requerente reclamou graciosamente dos referidos documentos de cobrança de Imposto do Selo.

 

 

       Reclamação graciosa que foi indeferida conforme documento dez que se junta.

 

Da falta de fundamentação de facto e de direito e da violação de lei nas liquidações sub judice:

       As liquidações de imposto do selo, com cobrança repartida em três prestações, terão sido efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a incidir sobre o direito de propriedade dos prédios urbanos com os artigos matriciais 3095, 3096, 3097, da freguesia de …, concelho de ..., com os valores patrimoniais de € 1.195.324,50, € 1.991.159,63 e € 3.334.825,88 respectivamente.

 

Liquidações que se consideram ilegais pelos seguintes motivos:

 

10º

Desde logo, porque os prédios urbanos com os artigos matriciais …, …, …, sitos em …, freguesia de …, concelho de ... são lotes de terreno destinado a construção.

 

11º

Terrenos para construção cuja avaliação foi efectuada tendo por pressuposto que a(s) construção(ões) a erigir seria(m) afecta(s) a habitação.

 

12º

Ou seja, à data em que os terrenos para construção foram avaliados, foi tido em conta a área total do terreno, a percentagem de área de implantação máxima permitida pelo plano de ordenamento municipal para a zona e tendo por pressuposto que iriam ser construídos edifícios integralmente destinados a habitação.

 

 

 

13º

       Ora, as referidas áreas e afectação embora se fundem no alvará de loteamento n.º …/2005, emitido 2005-06-30, pela Câmara Municipal de …, não foi efectuada qualquer obra nem emitida licença de obras de construção pela entidade competente.

 

14º

       Com efeito, quanto aos prédios U: …, … e …, embora haja alvará de loteamento, não foi edificada qualquer construção nem há qualquer licença de utilização emitida.

 

15º

       Acresce que, mesmo em relação ao prédio U: …, para além da consideração da percentagem da área de implantação de 35,00 %, foram efectuados cálculos parciais pressupondo que o terreno seria destinado à construção de edifício com duas afectações comércio e habitação, de € 420.655,20 e de € 2.793.632,10 respectivamente.

 

16º

Avaliação efectuada pela AT, com duas afectações diferentes para o mesmo prédio, que contradiz o acto de liquidação de imposto do selo incidente sobre “prédios urbanos com afectação habitacional”.

 

17º

       De qualquer modo, o certo é que, no ano 2013, e presentemente, não há construção sequer iniciada nos lotes de terreno, e face à crise do imobiliário, a aqui requerente não pretende efectuar qualquer construção.

 

18º

       Ou seja, nos três lotes de terreno para construção supra identificados não foi iniciada, e consequentemente, não foi concluída qualquer construção, nem foi requerida licença ou autorização, nem foi autorizada ou licenciada obra ou utilização.

 

 

19º

E não existindo licença de obra e ou de utilização, nem existindo qualquer edificação, não pode falar-se em destinação ou afectação habitacional.

 

20º

Pelo que, a requerente entende que os ainda lotes de terreno para construção estão excluídos de tributação em sede da verba 28 da tabela do CIS.

 

21º

       Em síntese, a afectação habitacional pressupõe uma abordagem funcional, e um terreno para construção, não é em si mesmo um prédio habitável.

 

22º

Erroneamente, a Autoridade Tributária está, no caso concreto dos terrenos para construção, a aplicar um conceito de afectação virtual, quando a afectação actualmente constante da matriz é apenas um fim teórico, hipotético, mas não efectivo.

 

23º

Pelo que, não pode dar-se como efectiva a utilização ou destinação dos terrenos para habitação, sendo ilegais as liquidações do Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela do IS.

 

24º

       Acresce que, mesmo após a alteração legal ocorrida na verba 28.1 da TGIS, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro, não há facto ou situação jurídica que esteja abrangida por esta norma.

 

25º

       Com efeito, a nova redacção da referida norma não tem carácter interpretativo e teve início de vigência a 1 de Janeiro de 2014, ou seja, produzindo efeitos para o futuro.

26º

       Assim, sendo que o ano a que se reporta o imposto é 2013, deve ser aplicada a redacção anterior à Lei n.º 83-C/2013.

 

27º

Sucede, contudo, como se afirmou acima, que na anterior redacção da norma em causa a incidência objectiva do imposto era sobre prédios urbanos com afectação habitacional, sem que o Código do IS definisse o que fosse “prédio urbano com afectação habitacional”.

 

28º

E mesmo por remissão para o CIMI (nos termos do n.º 2 do art.º 67º do CIS), não encontramos a definição do que seja “prédio urbano com afectação habitacional”.

 

29º

Por outro lado, a expressão afectação habitacional pressupõe uma efectiva utilização e não uma mera possibilidade, potencialidade ou expectativa que o prédio possa vir a ter.

 

30º

Pelo que, para estar abrangido pela incidência objectiva do imposto, o prédio urbano apenas se reconduz ao prédio urbano previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 6º do CIMI, e não aos terrenos para construção.

 

31º

Posto, deste modo, em crise a afectação habitacional do prédio à data do facto tributário (31 de Dezembro de 2013, conforme n.º 1 do art.º 113º do CIMI), a verba 28.1 da TGIS não poderia ser aplicada.

 

32º

A requerente entende, ainda, que as liquidações sub judice são também ilegais por tributarem o mesmo facto ou situação jurídica já tributada em sede do CIMI.

 

33º

O mesmo é dizer que a incidência objectiva e subjectiva é idêntica à do CIMI.

 

34º

Donde há dupla tributação, na medida em que a requerente, na qualidade de proprietária de prédios urbanos, cujo VPT é superior a € 1.000.000,00, e estão inscritos na matriz com a afectação de habitação, é sujeito passivo de dois impostos sobre o mesmo património real: o CIMI e o CIS (nos termos da verba 28.1 da TGIS).

 

35º

O que torna as liquidações do imposto do selo ilegais, por violação do princípio da proibição da dupla tributação.

 

36º

É ainda de destacar a discriminação introduzida pela verba 28.1 do TGIS, face ao que é a ratio deste imposto, que se baseia nos valores dos factos ou situações jurídicas no momento da sua ocorrência.

 

37º

A introdução da verba 28 na TGIS suscita, assim, dúvidas de constitucionalidade quanto à sua retroactividade, na medida em que vem impôr a ocorrência de um facto jurídico (que na realidade não se verifica), pois, trata-se de tributar direitos reais sobre imóveis, independentemente da data da sua constituição, através de uma lei publicada em 29 de Outubro de 2012, e vigente no dia seguinte.

 

38º

O que quer dizer que na realidade a lei aplica-se retroactivamente a direitos reais já anteriormente adquiridos, muito embora a lei nova seja do final do ano de 2012, e que assim se aplicará a situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor.

 

 

39º

Suscita-se ainda a inconstitucionalidade da tributação, por dirigir-se apenas aos imóveis para fins habitacionais, ferindo o princípio da igualdade do art.º 13º da CRP.

 

40º

Princípio da igualdade atingido pelas liquidações de IS, por diferenciar a tributação com base na aptidão dos imóveis, afastando a tributação de valiosos imóveis afectos a serviços e comerciais, como bancos, centros comerciais.

 

41º

Discriminação que se verifica, também, mesmo dentro do conceito de prédio urbano com afectação habitacional, não distinguido prédios destinados a habitação arrendados, habitação própria e permanente ou outra.

 

42º

Esta situação fere, assim, princípios elementares de justiça, da não discriminação e da exigência constitucional da igualdade na tributação, tributando a propriedade de prédios que são fonte de rendimentos prediais, tributados em sede de IRS/IRC.

 

43º

Violação do princípio da igualdade dos contribuintes e violação da não discriminação de idênticas situações no tratamento fiscal que determinam a inconstitucionalidade, e, consequentemente determinam a inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso concreto.

                

 

                 Pede a requerente a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos tributários em causa.

 

                 Constituído o Tribunal em 16-3-2015, após designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do CAAD, foi notificado o Sr Diretor Geral da AT nos termos do artigo 17º, do RJAT a fim de apresentar resposta e juntar cópia do processo administrativo.

 

                 No prazo legal, veio a AT apresentar resposta, alegando no essencial e em síntese que os prédios em causa têm natureza jurídica de prédios com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.

 

 

       SANEAMENTO

      

                 Este Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído em 16-3-2015, tendo sido os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (cfr artigos 11º-1/a) e b), do RJAT e 6º e 7º, do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º, do RJAT.

 

                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

      

            Não foram identificadas nulidades no processo.

            Por decisão do Tribunal de 20-7-2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e consideradas não necessárias as alegações finais.

            Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.

 

 

 

 

2          FUNDAMENTAÇÃO: MATÉRIA DE FACTO

2.1       Factos que se consideram provados:

2.1.1    Em 31 de dezembro de 2013, a Requerente era proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz predial da freguesia de …, concelho de ..., sob os artigos …, … e …;

2.1.2    Os referidos prédios urbanos, de acordo com a decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa n.º … 2014 …, notificada à Requerente através do ofício n.º …, da Direção de Finanças de ... – Divisão de Justiça Tributária, de 15 de dezembro de 2014, encontravam-se descritos na matriz como “terreno para construção”;

2.1.3    As liquidações de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral foram emitidas pela AT, em 17 de março de 2014, nos termos da Verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o VPT de € 1 195 324,50, pela quantia de € 11 953,25 (artigo … da freguesia de …, do concelho de ...), sobre o VPT de 1 991 159,63, pela quantia de € 19 911,60 (artigo … da mesma freguesia anterior) e sobre o VPT de € 3 334 825,88, pela quantia de € 33 348,26 (artigo … da já citada freguesia);

2.1.4    A Requerente foi notificada para efetuar os seguintes pagamentos de Imposto do Selo, por referência aos prédios urbanos antes identificados:

2.1.4.1 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 3 984,43 – 1.ª Prestação – abril de 2014;

2.1.4.2 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 3 984,41 – 2.ª Prestação – julho de 2014;

2.1.4.3 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 3 984,41 – 3.ª Prestação – novembro de 2014;

2.1.4.4 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 6 637,20 – 1.ª Prestação – abril de 2014;

2.1.4.5 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 6 637,20 – 2.ª Prestação – julho de 2014;

2.1.4.6 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 6 637,20 – 3.ª Prestação – novembro de 2014;

2.1.4.7 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 11 116,10 – 1.ª Prestação – abril de 2014;

2.1.4.8 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 11 116,08 – 2.ª Prestação – julho de 2014;

2.1.4.9 Documento de cobrança n.º 2014 …, da quantia de € 11 116,08 – 3.ª Prestação – novembro de 2014;

 

2.2       Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta e não impugnada em articulação com as posições das partes nos respetivos articulados.

 

2.3       Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3          MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1       Do conceito de prédio urbano com afetação habitacional

Como decorre do discurso impugnatório, a principal questão a decidir nos presentes autos é a de saber se um terreno para construção, com um valor patrimonial tributário superior a € 1 000 000,00, pode ser considerado como prédio urbano com afetação habitacional, enquadrável na previsão da norma de incidência da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pelo artigo 4.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

 

Na sua redação inicial, aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a Imposto do Selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

 

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma ínsita na Verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional” e que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

 

No que respeita ao valor patrimonial tributário dos imóveis sobre os quais incidiram as liquidações de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral, não restam dúvidas de que a qualquer um deles foi atribuído um valor patrimonial tributário de valor superior ao limite estabelecido pela norma de incidência, nem tal facto vem contestado.

 

Resta, portanto, determinar se os imóveis a que o pedido se refere, classificados como terrenos para construção, integram o conceito de “prédio com afetação habitacional”, como defende a Requerida AT, expressão que, segundo esta, “compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma (…)” – (artigo 19.º, da Resposta).

 

É de há muito pacificamente aceite pela doutrina que as normas tributárias se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas, solução que consta hoje expressamente do n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), ao estabelecer que “1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

De entre os elementos de interpretação, aquele de que o aplicador da norma deve partir é, precisamente, do elemento gramatical, ou seja, do texto da lei, havendo no entanto a salientar que, na determinação do sentido e valor da norma, não pode o intérprete deixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. 

A norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, utiliza a expressão “prédio de afetação habitacional”, cujo conceito se não encontra definido no Código em que se insere, nem em qualquer outra legislação de natureza tributária.

 

Tratando-se de uma expressão polissémica, que poderá comportar mais do que uma significação e, a fim de determinar o seu exato sentido e alcance, no respeito pela unidade do sistema, deverá o intérprete recorrer aos chamados “lugares paralelos”, ou seja, haverá que ter em consideração as “disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins[1]

.

Tais “lugares paralelos” encontrar-se-ão, necessariamente, no caso em apreço, nas normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto de Selo, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, ao estatuir que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

 

Não será, desde modo, aceitável a afirmação da Requerida, segundo a qual “o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI” (artigo 20.º, da Resposta), desde logo, por a tal se oporem os princípios da legalidade e da tipicidade da lei de imposto.

 

Contudo, não obstante a remissão expressa para o Código do IMI, que o legislador quis consagrar no n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Impostos do Selo, por referência às matérias respeitantes à Verba 28, da TGIS, também aquele nos não dá o conceito de “prédios com afetação habitacional”.

 

Efetivamente, o seu artigo 6.º, inserido no Capítulo I, sob a epígrafe “Incidência”, não utiliza aquela expressão ao enumerar, no n.º 1, as espécies de prédios urbanos, que poderão classificar-se como: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

 

Assim, “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (n.º 2) e terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos” (n.º 3).

 

Cotejando o teor dos números 2 e 3 do artigo 6.º, do Código do IMI, parece evidente que o legislador quis distinguir muito claramente entre prédios habitacionais e terrenos para construção, para além de que a espécie de prédios urbanos que melhor corresponde ao conceito de “prédio com afetação habitacional” é a de prédios habitacionais, enquanto edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

 

No entanto, vem a AT defender ainda que “A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação” (artigos 14.º e seguintes, da Resposta), louvando-se no Acórdão do TCA Sul, proferido em 14/02/2012, no processo n.º 04950/11, que, em parte, transcreve.

 

Ora, o vocábulo “afetação” apenas surge nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI, inseridos sistematicamente no Capítulo VI – Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos; Secção II – Das operações de avaliação.

 

Concretamente, o artigo 41.º daquele Código, sob a epígrafe “Coeficiente de afetação”, determina que este “depende do tipo de utilização dos prédios edificados” (sublinhado nosso).

 

Poderá assim concluir-se, seguramente, que, de acordo com o artigo 41.º, do Código do IMI, o “Coeficiente de afetação” se refere sempre a edificações ou construções, pois que “depende do tipo de utilização dos prédios edificados”, donde parece resultar também segura a conclusão de que a palavra “afetação” tem o significado de “utilização”.

 

Porém, como avançado supra, aqueles artigos 38.º e seguintes, do Código do IMI, encontram-se sistematicamente posicionados no Capítulo relativo à determinação do valor patrimonial tributário.

 

Constituindo o valor patrimonial tributário a matéria coletável sobre a qual irá incidir a taxa do imposto, dificilmente se poderá aceitar que das regras atinentes à avaliação dos prédios urbanos se possa extrair qualquer regra de incidência, enquanto fase que, na teoria e prática dos impostos, precede logicamente a da determinação da matéria coletável.

 

E, ainda que tal “coeficiente de afetação” possa ser utilizado na avaliação dos terrenos para construção, por poder reportar-se a edificações futuras, autorizadas ou licenciadas para determinado tipo de utilização, como foi admitido pelo supracitado Acórdão do TCA Sul (em sentido contrário, veja-se o Acórdão do STA, de 18/11/2009, processo 0765/09), tal não determinará, por certo, que os terrenos para construção possam passar a ser havidos como “prédios com afetação habitacional”, dada a classificação taxativa dos prédios urbanos, estabelecida pelo já citado artigo 6.º, do Código do IMI, enquanto norma de incidência objetiva, a qual traça uma distinção clara entre prédios habitacionais e terrenos para construção.

 

Aliás, de acordo com a jurisprudência reiterada do STA (desde o Acórdão de 9 de abril de 2014, no processo n.º 1870/13, até ao mais recente Acórdão de 17 de junho de 2015, no processo n.º 01479/14, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/ que, com a devida vénia, se transcrevem), “Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objetiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afetação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI)”.[2]

 

Por seu turno, tal como tem sido referenciado pela jurisprudência quer do STA, quer do CAAD (cfr. a Decisão Arbitral proferida pelo CAAD em 12/12/2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível em https://caad.org.pt/ e as referências que lhe são feitas nos Acórdãos do STA antes mencionados), “Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

 

De acordo com o que se vem expondo, se a letra da lei – da Verba 28.1 da TGIS – (elemento gramatical) se não apresenta suficientemente clara para, sem sobressaltos, precisar o conceito de “prédio com afetação habitacional”, já o elemento lógico (“o elemento sistemático e a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”), para que aponta o n.º 1 do artigo 9º, do Código Civil, permite concluir, antecipando a decisão, como tem vindo a ser concluído pelo Supremo Tribunal Administrativo nos supracitados Acórdão, que, “(…) resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”, o que justifica a anulação das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos em que assentou a sua emissão,[3]no sentido, aliás da Jurisprudência praticamente unânime que vem sendo produzida sobre esta matéria.[4]

 

3.2       Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas partes, nomeadamente a da invocada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na Verba 28.1, da TGIS, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

 

 

 

4 DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal decide:

 

            - Declarar a ilegalidade das liquidações objeto destes autos, por carência de base legal e violação dos artigos 4º e 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro na interpretação ora defendida, e, em consequência, julgando procedente o pedido com esse fundamento, decide anular os mencionados atos de liquidação

 

4. 1 Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.213,11.

 

4. 2 Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-8-2015

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Maria Forte Vaz

(Vogal)

 

Mariana Vargas

(Vogal)



[1] MACHADO, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 183.

[2] No acórdão do STA de 09-07-2014, proferido no processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).”

 

[3] Deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim. (Neste sentido veja-se também o acórdão do CAAD n.º 53/2013-T, em que são relatores o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira).

 

[4] Sobre esta questão existem já numerosas decisões dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito deste Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, de que são exemplo as decisões proferidas nos processos n.ºs 42/2013-T, 75/2013-T, e, já este ano de 2015, nos processos n.ºs 523/2014-T, 599/2014-T e 757/2014-T. São, igualmente já numerosas as decisões do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo os acórdãos proferidos em 09/04/2014, nos procs. nºs. 1870/13 e 48/14, em 15/04/2015, nos procs. n.sº 01481/14 e 0764/14, e em 17/06/2015,  no proc. n.º 01479/14.