Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 839/2014-T
Data da decisão: 2015-08-07   
Valor do pedido: € 3.261,49
Tema: IUC na vigência de contrato de locação financeira
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AS PARTES

 

Requerente:  «A…, S. A.», NIPC …, com sede social na Rua …, n.º …, … Lisboa

Requerida:   Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema:           IUCna vigência de contrato de locação financeira

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I -      Objecto do pedido e tramitação processual

 

Em 23 de Dezembro de 2014, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, solicitando:

i)       A declaração de ilegalidade das seguintes notas de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios:

 

Período

Liquidação adicional (n.º)

Valor (€)

2013

2013…

36,87

2013

2013 …

53,63

2013

2013 …

136,84

2013

2013 …

136,84

2013

2013 …

238,85

2013

2013 …

136,84

2013

2013 …

57,60

2013

2013 …

36,88

2013

2013 …

33,66

2013

2013 …

18,32

2013

2013 …

170,76

2013

2013 …

625,96

2013

2013 …

130,47

2013

2013 …

53,47

2013

2013 …

33,55

2013

2013 …

53,47

2013

2013 …

33,55

2013

2013 …

33,55

2013

2013 …

53,47

2013

2013 …

53,47

2013

2013 …

36,79

2013

2013 …

36,79

2013

2013 …

163,46

2013

2013 …

170,88

2013

2013 …

53,51

2013

2013 …

33,57

2013

2013 …

238,25

2013

2013...

33,66

2013

2013 …

57,60

2013

2013 …

36,76

2013

2013 …

18,32

2013

2013 …

57,42

2014

2014 …

55,77

2013

2013...

33,55

2013

2013 …

53,64

2013

2013 …

53,47

 

 

3.261,49

 

ii)      O consequente reembolso do referido valor por pagamento indevido; e

iii)     O pagamento de juros indemnizatórios.

 

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico (n.º 1 do artigo 6.º do RJAT) foi designado como árbitro único o signatário. O tribunal arbitral singular foi constituído em 25 de Fevereiro de 2015.

 

A Administração Tributária e Aduaneira (doravante a designar, abreviadamente, por AT)apresentou a sua Resposta em 7 de Abril. Tendo alegado duas excepções dilatórias com fundamento na ilegitimidade processual da Requerente.

 

Em 10 de Abril o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para esclarecer parte da matéria probatória alegada e indicar se prescinde da inquirição de testemunhas ou, não sendo o caso, identificar os factos alegados a cuja prova se destinam as testemunhas indicadas.

 

Em 23 de Abril a Requerente pronunciou-se sobre as excepções invocadas pela Requerida e juntou novos elementos documentais.

 

A reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT realizou-se em 8 de Maio.

No decurso da mesma, a AT alegou não ter sido notificada do requerimento apresentado pela Requerente em 23 de Abril.

 

O Tribunal Arbitral salientou que a Requerente não tinha submetido documentação que protestara juntar no pedido de pronúncia arbitral, destacando a relevância da mesma para aferir da sua legitimidade processual. No final do dia, a Requerente remeteu a documentação em falta.

 

Ouvidas as Partes, foi decidido (i) reagendar a inquirição de testemunhas para 20 de Maio, (ii) admitir a junção, pela Requerente, da documentação pendente e (iii) conceder à AT prazo de vista até 19 de Maio.

 

Em 19 de Maio a AT notificou o Tribunal Arbitral que não iria emitir pronúncia quanto aos documentos apresentados pela Requerente. Fundamentando esta sua decisão no facto de (i) o Tribunal Arbitral não ter emitido despacho de admissão do requerimento apresentado pela Requerente em 23 de Abril e (ii) a audição das Partes quanto à alegação de excepções estar reservada para a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

No mesmo requerimento, a AT contraditou a resposta da Requerente às excepções alegadas pela AT, embora restringido à transmissão dos activos da sociedade «B…, S. A.» (dado que, conforme referido, a AT se exclui de analisar a documentação enviada pela Requerente no que respeita à transmissão patrimonial da «C…, S. A. - Sucursal em Portugal»).

 

A AT solicitou ainda a condenação da Requerente como litigante de má fé.

 

Mais solicitou a dispensa da inquirição testemunhal, esclarecendo que tal já havia sido requerido na resposta apresentada em 7 de Abril. Tanto assim, que as testemunhas já haviam sido inquiridas nos processos arbitrais n.º 642/2014-T e n.º 643/2014-T, tendo o seu depoimento sido gravado. Termos em que a AT solicitou o aproveitamento dessa prova testemunhal.

 

Em 19 de Maio a Requerente solicitou o mesmo aproveitamento da inquirição testemunhal e a realização de alegações orais no dia 20 de Maio.

 

Também em 19 de Maio o Tribunal Arbitral notificou as Partes (i) da aceitação dos seus pedidos quanto ao aproveitamento da inquirição testemunhal realizada nos processos supra referidos, (ii) da realização de alegações escritas e sucessivas e (iii) consequente dispensa da audição agendada para 20 de Maio.

 

As alegações finais foram apresentadas pela Requerida e Requerente em 29 de Maio e 8 de Junho, respectivamente.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

Cumpre, ainda assim, esclarecer a alegação da Requerida vertida na sua indisponibilidade para contraditar a documentação carreada pela Requerente em 8 de Maio.

 

Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 8 de Maio, verifica-se, da leitura da correspondente acta, que o Tribunal “deu a palavra aos representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre: (i) a tramitação processual, (ii) eventuais excepções que devessem ser apreciadas e decidias antes do Tribunal conhecer do pedido, (iii) a necessidade de serem feitas correcções nas peças processuais apresentadas e (iv) a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais”.

 

Pode ainda ler-se que “o Tribunal, ouvidas as Partes e com a concordância destas (…) decidiu admitir a junção da documentação indicada no ponto 27 do Requerimento apresentado pela Requerente a 20-4-2015, junto ao processo a 23-4-2015 e por lapso não remetido com o mesmo, concedendo à Requerida prazo de vista até 19-05-2015”.

 

Na verdade, nessa reunião de 8 de Maio, a Requerida alegou não ter sido notificada do requerimento apresentado em 23 de Abril.

Pelo que o prazo de vista, que mereceu a concordância de ambas as Partes, se destinou quer ao exame da documentação até então em falta, quer à apreciação do requerimento de 23 de Abril.

 

Pelo que é difícil de entender, senão mesmo de estranhar, a alusão da Requerida à falta de admissão, pelo Tribunal, da documentação adicional que a Requerente carreou para o processo. Posto que, como vimos, essa admissão foi decidida - após audição das Partes - na reunião arbitral de 8 de Maio.

 

Igualmente não se vislumbra a referência da Requerida ao facto de a resposta às excepções ser, nos termos do RJAT, efectuada “oralmente no âmbito da reunião do tribunal arbitral”.

Com efeito, esse debate oral não se realizou, precisamente, porque a Requerida alegou não ter sido notificada dessa mesma resposta às excepções por si alegadas. Tendo sido consensualizada a atribuição à Requerida de um prazo adicional. Tendo a Requerida solicitado, posteriormente, que as alegações se efectuassem de forma escrita e sucessiva.

 

Cabe ao tribunal arbitral operar a concordância prática entre, por um lado, a aproximação do RJAT às regras e normas por que se rege o processo tributário e, por outro lado, a definição da tramitação idónea à satisfação dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais (n.º 2 do artigo 29.º do RJAT).

 

Em conclusão, apenas a Requerida saberá o motivo pelo qual decidiu não apreciar e/ou contraditar a documentação adicional submetida pela Requerente. Certo é que essa actuação processual foi acordada pelas Partes aquando da reunião arbitral de 8 de Maio. Conforme a correspondente acta, assinada pelas Partes e pelo árbitro singular.

 

 

II -    Síntese dos fundamentos de direito invocados pelas partes, das excepções e das alegações finais escritas

 

A.      O entendimento da Requerente

O pedido de pronúncia arbitral engloba 36 notas de liquidação adicional de IUC e respectivos juros compensatórios, na medida em que as mesmas comungam da mesma ilegalidade. Concretamente, na pendência de um contrato de locação financeira, o sujeito passivo do IUC é o locador. E não o locatário.

 

Os actos de liquidação foram notificados aos seguintes sujeitos passivos:

-      27 à Requerente, no valor de 2.861,30 €;

-      7 à «B…, S. A.», na importância de 293,08 €; e

-      2 à «C…, S. A. - Sucursal em Portugal», no valor de 107,11 €.

 

O capital social da «B…, S. A.» era integralmente detido pela Requerente. Em 31 de Dezembro de 2008 foi deliberada a dissolução com partilha imediata, pelo que os activos e passivos foram transferidos para a Requerente, incluindo, designadamente, a posição contratual nos contratos de locação financeira de veículos automóveis. Pelo que a Requerente é parte legítima no processo.

 

Já quanto à sucursal da sociedade de direito espanhol, os correspondentes activos e passivos foram incorporados na esfera patrimonial da Requerente, através de uma operação de ampliação do capital social desta última. O capital foi aumentado em Janeiro de 2007, tendo sido, parcialmente, realizado em espécie mediante a incorporação do património da sucursal.

 

Pelo que a Requerente se apresenta como sucessora da universalidade das posições jurídicas, activas e passivas, da sucursal. O que, novamente, lhe confere a necessária legitimidade processual.

 

As liquidações adicionais controvertidas possuem um enquadramento fáctico comum e assentam nos mesmos fundamentos de direito. Pelo que foram agregadas num pedido de pronúncia arbitral único.

 

A génese do imposto controvertido - IUC - resulta da celebração de contratos de locação financeira de viatura automóvel. Em que as viaturas automóveis são adquiridas pela Requerente (locadora) e entregues aos seus clientes (locatários).

 

Como contrapartida de uma renda mensal, o locatário adquire, exclusivamente, o gozo e fruição da viatura automóvel. Embora a Requerente mantenha, formalmente, a propriedade jurídica do bem, a respectiva fruição económica é, materialmente, acometida ao locatário.

 

Os contratos de locação financeira (juntos ao processo) encontravam-se em vigor no momento em que nasceu o facto tributário de sujeição a IUC e consequente obrigação de liquidação da obrigação tributária.

 

A AT emitiu as notas de liquidação controvertidas à Requerente. Todavia, a AT não desconhecia - por força do direito de audição prévia exercido pela Requerente - que as viaturas automóveis subjacentes resultavam da celebração de contratos de locação financeira. Tanto assim que, em sede de audição prévia, a Requerente identificou os correspondentes locatários.

 

É aos locatários - e não à Requerente - que o Código do IUC investe na qualidade de sujeito passivo do imposto.

 

O IUC configura um imposto indirecto que visa a oneração dos encargos ambientais e viários decorrentes da utilização de viaturas automóveis, em obediência aos princípios da equivalência e da igualdade tributárias e comportando uma mensagem de responsabilidade social.

 

Verifica-se, assim, a existência de pressuposto de potencial de utilização das viaturas, que apenas os locatários satisfazem de forma exclusiva.Pelo que a incidência do IUC radica não na propriedade da viatura, mas antes na sua utilização. O que apenas está ao alcance do locatário.

 

Com efeito, o contrato de locação financeira apresenta uma característica singular: a aquisição de uma viatura automóvel, com o propósito de proceder à sua imediata entrega a uma pessoa singular ou colectiva, de modo a que esta possa fruir do bem de forma autónoma e exclusiva.

 

A AT dispõe da informação susceptível de permitir a identificação do locatário, mormente através da obrigatoriedade de o locador lhe remeter os dados identificativos do locatário, conforme previsto no artigo 19.º do Código do IUC.

 

Ao princípio geral que faz recair a incidência subjectiva do IUC sobre “os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, o legislador adicionou “os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

Há, assim, um reconhecimento legal de que nem sempre da propriedade jurídica de uma viatura automóvel flui a qualidade de sujeito passivo em sede de IUC. Conforme sucede no caso sub iudice, em que os sujeitos passivos são os locatários enquanto proprietários económicos dos bens. Sendo, para efeitos de IUC, equiparados aos proprietários jurídicos de viaturas automóveis não cobertas por contratos de locação financeira.

 

As viaturas automóveis permaneceram, desde o início dos contratos de locação financeira, sob exclusiva fruição económica dos respectivos locatários. Pertencendo-lhes a responsabilidade pela liquidação do IUC.

 

Em suporte deste entendimento de atribuição da qualidade de sujeito passivo do IUC ao locatário, é citada jurisprudência do tribunal arbitral.

 

Foram anexados parecer jurídicos do Prof. Doutor … e do Prof. Doutor ….

 

 

B.      O entendimento da Requerida

A Requerente inflaciona o valor atribuído à jurisprudência arbitral, sendo que a Requerida se rege pelo princípio da legalidade.

Acresce que as decisões arbitrais elencadas pela Requerente não podem ser consideradas como tendo sido proferidas por um tribunal de hierarquia superior, facto que impacta o respectivo grau de precedente persuasivo.

 

A Requerida insurge-se quanto aos pareceres jurídicos convocados pela Requerente, destacando a ínsita falta de independência e imparcialidade.

O Prof. Doutor …e os mandatários da Requerente integram o mesmo escritório de advogados.

E o Prof. Doutor … é presidente do Conselho Fiscal da Requerente.

 

Entrando no cerne da questão controvertida, o Código do IUC apresentou um elemento inovador, vertido na incidência do imposto sobre os proprietários dos veículos, “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontram registados”.

 

O elemento literal é claro e directo. Ao utilizar a expressão “considerando-se como tais” a norma fiscal deixa bem vincada a inexistência de uma presunção. Logo, ao proprietário não assiste o direito de apresentação de prova em contrário, dado inexistir uma presunção passível de ilisão.

 

No ordenamento jurídico-fiscal abundam outras situações análogas, em que o legislador estabelece normas de incidência, objectivas ou subjectivas, em função de uma dada factualidade abstracta. E sem que aos sujeitos passivos assista o direito de, mediante elementos probatórios idóneos, afastar a norma de incidência.

Precisamente por não estarmos perante a figura da presunção, sob pena de se esvaziar o efeito útil da norma jurídica.

 

Verifica-se, assim, uma coincidência entre o elemento literal e o espírito do legislador: considerar como sujeito passivo o proprietário em nome do qual a viatura foi registada.

 

Este enquadramento foi já sufragado pelos tribunais judiciais (processo n.º 210/13.0BEPNF), em que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decidiu que “a propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto”.

 

Porque “independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (…) e da recorrente ter vendido o veículo automóvel (…) o que está em causa é a determinação do facto gerador do imposto e adeterminação da sua incidência subjectiva, que são fixados pelo direito de propriedade doveículo tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”.

 

A venda do veículo (…) é irrelevante. Para a liquidação do IUC (…) e determinação do responsável pelo seu pagamento, os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo automóvel em território nacional e o registo do direito de propriedade na Conservatória do registo Automóvel independentemente da sua alienação efectiva. O alienante tem o dever de no momento da alienação cuidar de proceder ao registo da venda para o novo adquirente, sendo a única forma de assegurar-se que o registo é realizado para o novo adquirente”.

 

Apenas as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto. O IUC considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º, o que denota a sua relação directa com a emissão do certificado de matrícula.

Pelo que a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito activo deste Imposto.

 

O IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos, facto que operou uma transformação estrutural no regime de tributação automóvel. Conforme se pode comprovar pela transcrição da sessão parlamentar de 12 de Março de 2008.

 

O acolhimento da fundamentação aduzida pela Requerente seria não apenas contra legem, mas igualmente contrária à Constituição. Por violação dos princípios da confiança, da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade

 

Efectivamente, a interpretação proposta pela Requerente desvaloriza a realidade registral, inviabilizando um controlo mínimo por parte da Requerida, sendo ofensiva dos basilares princípios da confiança e segurança jurídicas que devem enformar qualquer relação jurídica.

 

A eficiência do sistema fiscal sai prejudicada pelo aumento dos custos de controlo que estariam a cargo da Requerida, os quais teriam sempre de ser contrabalançados com as receitas geradas pelo IUC.

 

O princípio da proporcionalidade é ferido, na medida em que a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda da sua capacidade contributiva (v.g., o registo automóvel, pedido de apreensão de documentos e pedido de cancelamento de matrículas), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.

 

Sem prescindir e por mera cautela, a Requerida deve ser absolvida do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Isto, porque a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida. Antes se encontrando atribuída a várias entidades exteriores, designadamente ao Instituto dos Registos e do Notariado a quem cabe transmitir à Requerida as alterações verificadas na propriedade dos veículos automóveis.

 

Acresce que à Requerida não pode ser imposto qualquer mecanismo de controlo da transmissão de propriedade das viaturas, porquanto o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado.

E não tendo a Requerente cuidado de manter o registo automóvel devidamente actualizado, essa falta de zelo é-lhe exclusivamente imputável.

Em defesa desta fundamentação, é citada a decisão arbitral n.º 26/2013-T.

 

 

C.      Excepções dilatórias invocadas pela Requerida

Entre os actos tributários cuja legalidade é contestada pela Requerente, identifica-se as seguintes 7 notas de liquidação emitidas à «D… - …, S. A.»:

 

Período

Liquidação adicional (n.º)

Valor (€)

2013

2013 …

33,66

2013

2013 …

57,60

2013

2013 …

36,76

2013

2013 …

18,32

2013

2013 …

57,42

2014

2014 …

55,77

2013

2013 …

33,55

 

 

293,08

 

Alegou a Requerente que a referida sociedade comercial foi dissolvida com concomitante partilha imediata do seu património, conforme acta anexa ao pedido de pronúncia arbitral. Pelo que os activos e passivos, mormente os contratos de locação financeira, teriam sido transmitidos para a Requerente.

 

Para o efeito, a Requerente juntou cópia da acta n.º 30 da referida sociedade (de 31 de Dezembro de 2008).

Todavia, a actarefere - por 3 vezes -o facto de a sociedade “na presente data” não “ter já qualquer activo nem passivo”, pelo que se encontra “em condições de poder ser dada como liquidada”.

 

Pelo que a Requerente não logrou apresentar qualquer suporte documental à operação de aquisição dos activos e passivos da sociedade dissolvida. Sendo, consequentemente, parte ilegítima.

 

Do pedido de pronúncia arbitral incluem-se ainda as seguintes notas de liquidação emitidas à «B…, S.A. - Sucursal em Portugal»:

 

Período

Liquidação adicional (n.º)

Valor (€)

2013

2013 …

53,64

2013

2013 …

53,47

 

 

107,11

 

A Requerente alegou que o conjunto dos activos e passivos desta sucursal, de entre os quais se incluem os contratos de locação financeira, foram incorporados na sua esfera jurídica.

 

Tal alegação é suportada em cópia de certidão do registo comercial, da qual consta o encerramento da sucursal e cancelamento da respectiva matrícula (10 de Janeiro de 2007). Pelo que não fica minimamente demonstrado que os contratos de locação financeira foram transmitidos para a Requerente. Razão pela qual o pedido de pronúncia arbitral padece de ilegitimidade processual.

 

 

D.      Alegações finais

As Partes mantiveram os fundamentos de facto e de direito expressos nas peças anteriores.

 

 

III -   Excepções dilatórias

 

A.      «B… – …, S. A.»

Em resposta à ilegitimidade invocada pela Requerida, a Requerente relatou ter ocorrido um lapso na referência, efectuada em acta da assembleia geral, à inexistência de activos e passivos.

 

Foi remetida uma relação dos contratos de locação financeira que terão transitado para a Requerente (juntamente com um balancete de liquidação) por via da liquidação da sociedade. Tendo a correspondente posição contratual (locadora) transitado para a esfera jurídica da Requerente.

Alega a Requerente que o lapso “não faz prova plena da suposta inexistência de activos e passivos na mencionada sociedade liquidada”.

 

Os documentos contabilísticos provam a existência de activos e passivos “quando se procedeu à sua dissolução e liquidação”, pelo que “a circunstância de esses activos terem sido transmitidos ope legis para a esfera de Requerente resulta da própria lei”. Assim, nem seria necessária prova adicional para o demonstrar, dado que a Requerente se teria tornado “responsável pelo passivo superveniente da sociedade extinta”.

 

A Requerente releva ainda a confissão que faz quanto à existência desses activos e passivo no momento da dissolução e liquidação. Uma confissão efectuada em juízo e dotada de plena validade probatória, nos termos do artigo 358.º do código Civil.

 

Acresce que a inexistir transmissão, a Requerente ver-se-ia impossibilitada de exercer os direitos e cumprir as obrigações ínsitas aos contratos de locação financeira, de entre as quais se poderia enumerar a facturação e cobrança da renda mensal ou a alienação e entrega da viatura no final do contrato.

 

A Requerida contraditou, salientando que “não obstante o manancial de documentos juntos pela Requerente, em momento alguma da prova carreada se retira, de forma clara, que os activos da sociedade B… foram incorporados na Requerente”.

Na verdade a Requerente veio juntar os balancetes e demais documentos contabilísticos, contudo, não se infere dos documentos apresentados a incorporação dos activos da sociedade B… na Requerente”.

 

O facto de a Requerente ter pago as liquidações de IUC controvertidas não lhe confere a legitimidade processual.

Desde logo, porque o artigo 41.º da LGT permite a realização de pagamentos por um terceiro, facto de lhe confere um direito de sub-rogação, mas não o interesse em agir ou a legitimidade processual.

 

Quanto à alegação por parte da Requerente que “na circunstância de este contrato não haver sido transmitido, deparar-se-ia a AT com a inexistência da sociedade B…, ficando impossibilitada de proceder à liquidação e respectiva cobrança do IUC”, a Requerida cita acórdãos do STA (processo n.º 0372/09, de 16 de Setembro de 2009 e recurso n.º 1975/02 de 12 Março de 2003).

 

Tendo como enquadramento uma operação de fusão, o STA realça que “a sociedade extinta continua, de resto, a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento. Não implicando o fim da personalidade jurídica de um dado sujeito a extinção dos créditos dos seus credores, nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efectuar um acto tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária. Menos, de exigir o pagamento da obrigação fiscal já antes liquidada. (....) Em súmula, o desaparecimento da personalidade jurídica colectiva do respectivo sujeito passivo não é causa extintiva das obrigações de crédito, não obstando, pois, a que os credores façam valer os seus correspondentes direitos. Assim, a Administração Fiscal, munida de título executivo em que figura como devedora a sociedade extinta, pode fazer prosseguir (e, até, instaurar) acção executiva para a respectiva cobrança, desde que a dívida se tenha tomado exigível”.

 

Por fim, a Requerida identifica uma contradição insanável entre a acta previamente apresentada como meio de prova e a posterior confissão de essa acta constituir um lapso.

Acresce que, no entender da Requerida, a prova deve expressamente constar do pedido de pronúncia arbitral. Pelo que a posterior confissão não poderia ser admitida.

 

B.      «C…, S.A. - Sucursal em Portugal»:

Conforme supra referido, a Requerida optou por não contraditar a documentação que a Requerente protestara juntar aquando da submissão do pedido de pronúncia arbitral e que terminou por juntar em 8 de Maio no seguimento da reunião arbitral.

 

 

C.      Saneador

Começando pela «B… -…, S. A.» a Requerente actua, de facto, na convicção que esses contratos de locação financeira lhe foram transmitidos.

Conforme decorre da prova testemunhal, os contratos de locação foram analisados individualmente, de forma a comprovar a sua validade e eventual existência de dívidas pendentes de regularização. Tendo sido subsequentemente carregados nos sistemas de contabilidade e facturação.

 

Todavia, não foi apresentado qualquer suporte documental susceptível de identificar e caracterizar a operação mediante a qual se operou essa transmissão de activos e passivos.

 

Conforme salienta a Requerida, os balancetes de liquidação(que não estão assinados) não concretizam qualquer prova efectiva, surgindo sem qualquer outra relação documental.

 

 

Com efeito, não foi apresentada a declaração periódica de rendimentos, dado que a dissolução e liquidação patrimonial de uma sociedade configura uma transmissão onerosa. Havendo lugar ao eventual apuramento de mais ou menos-valias (para bens do activo fixo, que não seria o caso dos contratos de locação financeira) ou de um eventual rédito ou gasto (para os restantes elementos patrimoniais). Isto, na medida em que a transmissão se efectua a valor de mercado, o qual poderá divergir do valor líquido contabilístico.

 

Não foi apresentada a Informação Empresarial Simplificada. Ou a declaração de cessação em sede de IVA e de IRC, que poderia permitir a identificação do cessionário do estabelecimento.

 

Quanto à confissão, a respectiva validade está condicionada à revelação de um acto favorável à parte contrária. O que não se verifica no caso em apreço, na medida em que a Requerente pretende confessar um facto que lhe é favorável. E em directa contradição com a acta da assembleia geral que deliberou a dissolução.

 

Já a inquirição testemunhal revelou apenas o desconhecimento quanto ao acto translativo. Tendo a testemunha utilizado várias vezes a expressão “fusão”, quando é certo que essa operação - enquanto sucessão universal e ope legis dos activos e passivos numa óptica de estrita continuidade da titularidade jurídica da sociedade incorporada e em tudo semelhante à sucessão mortis causa- não se realizou.

Com efeito, numa operação de fusão não ocorre a dissolução da sociedade incorporada, ao contrário do que sucedeu no caso em apreciação.

 

A prova testemunhal restringiu-se a matérias de âmbito operacional, quando poderia (deveria) envolver profissionais do sector jurídico e/ou financeiro da Requerente. Os quais, pelo exercício das suas funções estariam mais aptos à identificação (e apresentação de documentação probatória) do mecanismo utilizado na transmissão dos activos e passivos de entre os quais poderiam figurar os contratos de locação financeira.

 

Restaria, por fim, a presunção judicial, em que o tribunal se poderia ancorar em regras de experiência e princípios da lógica, com o propósito de formular juízos de valor quanto a matéria de facto em apreciação.

E, com efeito, não seria de excluir a efectiva transmissão dos contratos de locação financeira. Dado que a actuação da Requerente e dos seus clientes assentou nessa transmissão, na medida em que os direitos e obrigações terão sido reciprocamente cumpridos após a dissolução.

 

Na verdade, as viaturas não “desapareceram” como consequência da dissolução. Os locatários mantiveram-se na sua posse e fruição. As rendas foram facturadas e cobradas.

 

 

A Requerente juntou cópia de citação de execução fiscal dirigida à Requerente “na qualidade de depositária de «B… - …, S. A.»”.

 

Pelo que parece certa a existência de um quadro factual, susceptível de evidenciar a passagem - de facto - dos contratos de locação para a Requerente.

 

Sucede que está em causa não apenas a prova quanto à transmissão dos contratos de locação financeira. Mas, fundamentalmente, a prova quanto ao meio por que operou essa transmissão. Prova essa que não foi estabelecida por via documental ou testemunhal.

 

Ora por maior que possa ser a convicção do tribunal arbitral quanto à transmissão, de facto, da posição contratual, a presunção judicial apenas se pode afirmar a partir da matéria provada. Estando vedado ao intérprete o recurso à presunção judicial para, partindo de factos não provados, estabelecer factos provados.

 

As dívidas fiscais supervenientes à dissolução e liquidação de uma sociedade não podem permanecer “em terra de ninguém”. Sob pena de qualquer liquidação de imposto à sociedade dissolvida ficar votada à inexistência de qualquer meio de defesa.

Conforme sucede no caso em apreço - e antecipando a decisão arbitral - o sujeito passivo do IUC na constância de um contrato de locação financeira é o locatário. E não o proprietário. Pelo que a legitimidade processual carece de ser superada, sob pena de a legalidade dessas dívidas fiscais ser insindicável.

 

Sucede que não cabe ao tribunal suprir as deficiências probatórias na matéria de facto alegada pelas Partes. Particularmente quando essa prova não se apresentaria de difícil configuração ou demonstração.

 

Ora, a Requerente lançou mão de um conjunto de meios probatórios (documentais e testemunhal) pouco ou nada aptos a demonstrar a transmissão jurídica dos activos e passivos. E tendo em conta a tramitação jurídica inerente a um processo de dissolução e liquidação (ou partilha imediata), a par do conjunto de obrigações contabilísticas e fiscais que a acompanham, não seria difícil ou oneroso apresentar evidências documentais da transmissão desses activos e passivos da sociedade dissolvida.

 

Em conclusão procede a excepção invocada pela Requerida, vedando ao tribunal a apreciação da questão substantiva que subjaz a 7 notas de liquidação de IUC.

 

Passando para a «C…, S.A. - Sucursal em Portugal», a Requerente juntou escritura pública de aumento do seu capital social, mediante incorporação, inter alia, dos activos e passivos afectos à sucursal portuguesa do seu accionista «D…, S. A.».

 

Apreciando a excepção invocada pela Requerida, entendemos que a mesma é improcedente.

 

Com efeito, o documento autêntico é apto à demonstração de transmissão dos activos e passivos da sucursal, na medida em que são transmitidos “os bens relativos à unidade de negócio” da sucursal. I. e. foi transmitida a universalidade dos activos e passivos que compõem o estabelecimento comercial afecto à sucursal.

 

Da documentação anexa consta o necessário relatório do revisor oficial de contas, evidenciando a suficiência (existência) dos bens para a realização do capital social da Requerente.

 

Em conclusão, a Requerente adquiriu a universalidade dos activos e passivos afectos à sucursal, de entre os quais constam, forçosamente, os contratos de locação financeira.Pelo que improcede a excepção invocada pela Requerida.

 

 

IV -   Enquadramento fáctico

A.      Factos considerados provados

Em face da prova documental e testemunhal, dá-se como provado que:

a)           A Requerente exerce a actividade económica de locação financeira;

b)           Foram celebrados contratos de locação financeira por prazos que variam entre 48 e 84 meses, que corresponde a 75% do período máximo de vida útil das viaturas. O que permitia a sua correspondente relevação contabilística e fiscal (à data com base na Directriz Contabilística n.º 25 e no Despacho 503/2004 da SEAF);

c)           Os contratos de locação financeira são acompanhados de um contrato-promessa de compra e venda da viatura no final do período contratual. Ao locatário é facultada a denúncia do contrato, caso em que o mesmo incorre na obrigação de indemnizar o locador em montante “igual ao do preço convencionado para a venda do veículo”;

d)           Ao locatário assiste ainda o direito de cumprimento antecipado, com consequente obrigação de pagamento das rendas vincendas;

e)           Em caso de cessão de posição contratual entre locatários (foram identificados dois contratos) o cessionário assume os direitos e obrigações do cedente;

f)            A AT emitiu 29 notas de liquidação de IUC com referência ao ano de 2013. O imposto foi pago pela Requerente;

g)           Duas notas de liquidação foram emitidas à «C…, S. A. - Sucursal em Portugal». Os activos e passivos desta sucursal foram integrados na Requerente, por via de um aumento de capital realizado em espécie. Tendo a Requerente assumido a posição jurídica de sucessora nos contratos de locação financeira anteriormente celebrados pela sucursal;

h)           No momento em que nasceu o facto tributário (primeiro dia do mês da data da matrícula) estava em vigor um contrato de locação financeira, tendo as viaturas automóveis subjacentes permanecido ab initiona posse e fruição dos locatários.

 

B.      Factos não provados

Com relevo para a apreciação do mérito, não ficou provado que a Requerente haja, no exercício do direito de audição prévia, identificado os locatários nos termos e para os efeitos do artigo 19.º do Código do IUC (conforme artigo 45.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

 

V -    Do direito

O cerne da questão controvertida encerra-se na seguinte pergunta: o sujeito passivo do IUC devido na vigência de um contrato de locação financeira é o proprietário (locador) ou o utilizador (locatário)?

 

Na perspectiva da Requerente, são equiparados a proprietários os locatários financeiros a par de outros titulares de direitos de opção de compra por força da celebração de um contrato de locação. Pelo que a incidência subjectiva do IUC recai sobre os locatários com quem a Requerente convencionou contratos de locação financeira.

 

Já para a Requerida o sujeito passivo do imposto não poderá deixar de ser o proprietário em nome do qual o registo se encontra efectuado.

 

Sucede que a supra referida questão de direito se encontra devidamente respondida, por via do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 3.º do Código do IUC:

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

Em face dos factos provados é pacífico que a Requerente e os seus clientes (i) celebraram contratos de locação financeira e (ii) os locatários são titulares do direito de opção de compra da viatura durante ou no termo de vigência do contrato.

 

Em todo o período de vigência dos referidos contratos, as viaturas encontravam-se em posse dos locatários. O que necessariamente inclui o momento em que ocorreram osfactos geradores do IUC, a que se reportam as liquidações controvertidas.

 

Esta matéria já foi objecto de diversas decisões arbitrais, conforme, a título exemplificativo, os processos n.º 232/2014-T, n.º 294/2013-T, n.º 289/2013-T, n.º 286/2013-T, n.º 256/2013-T, n.º 170/2013-T, n.º 73/2013-T, n.º 27/2013-T, n.º 26/2013-T e n.º 14/2013-T.

 

E compreende-se a evidência desta linha jurisprudencial, na medida em que o supra citado n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC é claro e directo. São sujeitos passivos de IUC os locatários de contratos de locação financeira ou qualquer outro instrumento contratual em que esteja prevista a opção de compra da viatura.

 

Esta norma é conjugada com o disposto no n.º 2 do artigo 4.º e n.º 3 do artigo 6.º, dos quais decorre um período de tributação correspondente ao ano que se inicia na data da matrícula e posteriormente em cada um dos seus aniversários. Sendo o IUC exigível no primeiro dia desses períodos de tributação.

 

Fica assim afastado, por determinação expressa do Código do IUC, o primado da propriedade registral, sempre que a mesma for acompanhada de um contrato de locação financeira ou qualquer outro acordo pelo qual o locatário disponha da opção de compra da viatura.

 

Não cumpre a um tribunal analisar a maior ou menor bondade de uma opção legislativa.

Embora sempre se dirá que a mesma vai ao encontro do princípio da equivalência económica que o Código do IUC, logo no seu artigo 1.º, consagra enquanto regra estruturante deste tributo. Vertido na oneração das externalidades negativas, de cariz ambiental e viário, decorrentes da fruição de um bem (viatura automóvel) por determinados sujeitos passivos.

 

O n.º 1 do artigo 3.º identifica esses sujeitos passivos como os proprietários dos veículos, “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Num primeiro momento, poderíamos considerar que o Código do IUC adopta o conceito de “imposto do registo”, fazendo recair o tributo sobre os sujeitos passivos nos termos em que os mesmos se encontrarem identificados para efeitos de registo.

 

Todavia, o princípio da equivalência é reafirmado no n.º 2 desse artigo 3.º. Impondo-se aos locadores, independentemente da modalidade do contrato de locação, a obrigatoriedade de identificação “dos utilizadores dos veículos locados”, conforme o artigo 19.º do Código do IUC.

 

Termos em que a leitura literal do n.º 1 do artigo 3.º carece de ser conjugada com objectivo último da legislação: lograr que o encargo tributário recaia sobre os beneficiários da utilização de viaturas automóveis, de modo a dirimir as externalidades negativas impostas à comunidade nos planos ambiental e viário.

 

Admitir o contrário, implicaria aceitar que o IUC onerasse os proprietários constantes do registo, liberando os reais usufrutuários económicos dos bens.

Contrariando o princípio da equivalência que, insiste-se, o Código do IUC eleva à categoria de regra estruturante e conformadora deste tributo.

 

Acresce que a “concretização de uma regra de igualdade tributária” acolhida na parte final do artigo 1.º, constitui, precisamente, o corolário do princípio da equivalência. In casu, enquanto conformador do princípio da capacidade contributiva, o qual exige que o tributo seja suportado pelos sujeitos passivos que revelem um benefício decorrente da fruição de um bem.

 

Da equiparação do locatário ao proprietário e da obrigatoriedade de envio à AT dos dados de identificação dos locatários, decorre a que estes últimos preenchem a norma de incidência subjectiva do IUC. Pelo que à data da exigibilidade do IUC a Requerente não era sujeito passivo do imposto.

 

Por fim, e quanto à violação dos 4 princípios de dignidade constitucional cuja apreciação a Requerida expressamente solicitou, não se alcança como os mesmos poderão colidir com o n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC.

 

Porque, como vimos, o legislador ordinário consagrou uma regra de equiparação da locação financeira (e outras figuras e modalidades contratuais) ao direito de propriedade. Não se compreendendo como poderia tal equiparação ferir os princípios da confiança, da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário ou sequer da proporcionalidade.

 

De qualquer modo, a Requerida em momento algum alude à citada norma, tudo se passando, no seu entender, como se a mesma pura e simplesmente não existisse. E sendo essa a norma conformadora da decisão arbitral, fica esvaziado o controlo constitucional solicitado pela Requerida.

 

Termos em que as 29 notas de liquidação controvertidas carecem de anulação.

 

 

Juros indemnizatórios

A Requerente solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

 

O artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) vincula a AT, em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, à plena reconstituição da situação que existiria na ausência de ilegalidade, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios. Tudo em linha com a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT postula serem devidos juros indemnizatórios quando se determine, em pedido de pronúncia arbitral, que houve erro imputável à AT de que haja resultado o pagamento de imposto superior ao devido.

 

A incidência subjectiva do IUC que recai sobre o locatário implica o cumprimento de uma concomitante obrigação declarativa por parte do proprietário, conforme estabelecido no artigo 19.º do Código do IUC. Com efeito, sem os dados identificativos dos locatários, a AT ver-se-ia impossibilidade de lhes liquidar o correspondente imposto.

 

Tal significa que a liquidação do IUC ao locatário está dependente de uma actuação prévia do proprietário. Sendo que o Código do IUC não especifica o modo de cumprimento dessa obrigação declarativa.

 

Da matéria probatória não consta qualquer informação quanto ao momento e meio pelo qual a Requerente concretizou a identificação dos locatários. É certo que a Requerente menciona o envio dessa informação aquando do exercício do direito de audição prévia. Mas não acompanha essa alegação de qualquer meio probatório.

 

Há todavia uma certeza: o pedido de pronúncia arbitral referencia os contratos de locação financeira como fundamento da ilegalidade de que padecem as liquidações controvertidas de IUC.

 

A Requerente juntou cópia dos contratos de locação financeira e dos contratos-promessa de opção de compra das viaturas.

E o Anexo A ao pedido de pronúncia arbitral identifica, por matrícula de cada viatura, o número de identificação fiscal de cada locatário e a data de início do contrato de locação financeira.

 

Pelo que após a notificação do pedido de constituição de tribunal arbitral, e em face da matéria probatória no mesmo incluída, a Requerida fica impossibilitada de alegar o desconhecimento da factualidade subjacente.

Passando a ter conhecimento (i) da existência de contratos de locação financeira e de opção de compra da viatura, (ii) do período temporal de vigência desses contratos e (iii) da concreta identificação fiscal dos locatários.

 

Em suma, a AT dispunha da informação necessária para concluir pela incidência subjectiva do IUC na figura dos locatários, bem como dos dados de identificação fiscal destes de modo a notificar-lhes as correspondentes liquidações de IUC.

 

E findo o prazo de 30 dias após o pedido de pronúncia arbitral, a AT manteve os actos tributários inalterados. De que resultou a constituição do tribunal arbitral em 25 de Fevereiro de 2015. Impedindo-se a AT de praticar um novo acto tributário.

 

É precisamente neste momento que ocorre o erro imputável à AT, do qual flui a constituição no dever de pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerida, ao contrário do que alega, não se limitou a seguir o princípio da legalidade, porquanto se lhe impunha a obrigatoriedade de cumprimento do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC. E malgrado o facto de dispor de toda a informação necessária, optou pela manutenção dos actos tributários e consequente constituição do tribunal arbitral.

 

 

Pese embora o n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) consagre um período de contagem de juros que se inicia na data do pagamento indevido, importa reter que o direito a esta remuneração financeira assenta na existência de um erro imputável à AT.

E, conforme salientado, esse erro surge quando a AT, confrontada com a vigência de contratos de locação financeira e a identificação dos locatários, se decide pela manutenção das liquidações controvertidas.

Não existindo, previamente a esse momento, um erro imputável à AT, o período que medeia entre o pagamento indevido e a constituição do tribunal arbitral não é passível de ser considerado para efeitos de contagem de juros indemnizatórios.

 

Face ao exposto, são devidos juros indemnizatórios contados desde 25 de Fevereiro de 2015 até à data do processamento da respectiva nota de crédito, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal sobre o montante de 2.968,41 €, que corresponde ao valor do pedido deduzido das 7 liquidações subtraídas à apreciação do tribunal por via de excepção dilatória.

 

 

Custas

Os fundamentos supra apresentados a propósito do dever de pagamento de juros indemnizatórios são - plenamente - aplicáveis no que tange à responsabilidade pelo pagamento das custas.

A Requerida, tendo a oportunidade (senão mesmo obrigação por obediência ao princípio da legalidade) de revogar os actos tributários, optou pela constituição do tribunal arbitral. Pelo que a existência da lide lhe é inteiramente imputável.

 

Exceptua-se as já referidas 7 liquidações cujo mérito não pôde ser apreciado pelo tribunal arbitral. Pelo que as custas serão calculadas pro rata, nos seguintes termos:

- Requerida:      (2.968,41 / 3.261,49) x 100 = 91%

- Requerente:    (293,08 / 3.261,49) x 100 = 9%

 

 

VI -   Litigância de má-fé

Conforme já identificado, a Requerida pede a condenação da Requerente em litigância de má-fé.

 

Alega a verificação da alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil: “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”.

À Requerente é imputada a apresentação da acta da assembleia geral que deliberou a dissolução, o que foi admitido como um lapso apenas porque a Requerida se deu conta do referido teor da acta. A partir do qual invocou a ilegitimidade processual da Requerente.

 

A Requerente retractou-se, admitiu o lapso e confessou em sentido contrário ao da prova documental por si apresentada.

 

Contraditando esta pretensão, a Requerente salienta ter colmatado o lapso não apenas por confissão, mas adicionalmente através do envio de um balancete de liquidação, tendente à demonstração da existência de património social aquando da dissolução.

E mostra surpresa pelo facto de AT pugnar pela falta de legitimidade, na medida em que a mesma AT citou a Requerente para o pagamento de taxas de portagens “na qualidade de depositária” da sociedade dissolvida.

 

A condenação como litigante de má-fé deve restringir-se às situações em que se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, consciente e voluntariamente, com dolo ou negligência grosseira.

Exteriorizando uma actuação manifestamente reprovável e censurável. Dirigida a impedir a acção da justiça e frustração do interesse da parte contrária. Mediante a ocultação ou distorção de factos que não poderia (ou deveria) ignorar.

 

No caso em apreço, é manifesto o lapso da Requerente. Juntando uma acta que contradiz as suas alegações. Pode esse lapso ser encarado como uma intolerável falta de verdade?

 

Sem ultrapassar a gravidade desse lapso e após a identificação do mesmo pela AT, a Requerida prontamente o admitiu. E apresentou outros documentos aptos, em seu entender, à demonstração da veracidade dos factos por si alegados.

Denotando uma atitude recta e destinada à imediata reparação do dano por si causado.

 

Em suma, não se pode considerar que a conduta da Requerente, vertida num facto isolado, configure uma actuação dolosa e imbuída de um espírito de má-fé.

 

Por fim, a atitude das Partes deve ser analisada num contexto de reciprocidade, à medida que os factos e fundamentos vão sendo alegados e contraditados.

 

Conforme se infere da decisão arbitral, a Requerida também não deveria ter ignorado a existência dos contratos de locação financeira e a identificação dos locatários, direccionando as liquidações de IUC para os sujeitos passivos expressamente consagrados no respectivo Código.

 

 

VII - Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)    Julgar procedente a excepção dilatória referente a 7 notas de liquidação, no valor de 293,08 €;

b)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no valor de 2.968,41 €, anulando os correspondentes 29 actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios, determinando a restituição desse valor à Requerente; e

c)    Julgar procedente o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor referido na alínea anterior e contados a partir de 25 de Fevereiro de 2015.

 

Fixa-se o valor do processo em 3.261,49 €, a que corresponde uma taxa de arbitragem de 612 €.

 

Custas pela Requerida e Requerente nos valores, respectivamente, de 556,92 € (91%) e 55,08 € (9%).

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 7 de Agosto de 2015

 

 

O Tribunal Arbitral Singular

José Luís Ferreira