Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 835/2014-T
Data da decisão: 2015-05-27   
Valor do pedido: € 6.476,00
Tema: IUC - Incidência subjetiva; presunções legais
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Decisão Arbitral[1]

 

Requerente – A…, S.A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 25 de Fevereiro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.           RELATÓRIO

 

1.1.   A…, S.A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, nº …, em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 22 de Dezembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e n.º 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.   A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral:

 

1.2.1.     “Declare a ilegalidade das liquidações de IUC identificadas (…), respeitantes aos anos de 2009 e 2010, no valor total de EUR 6.476,00”, e,

1.2.2.     Mande a Requerente ser, em consequência, “(…) reembolsada do montante desembolsado, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

1.3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23 de Dezembro de 2014 e foi notificado à Requerida, em 26 de Dezembro de 2014.

 

1.4.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 10 de Fevereiro de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.   Em 10 de Fevereiro de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de Fevereiro de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e (querendo) solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.   Em 27 de Março de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por Excepção e por Impugnação.

 

1.8.      Em matéria de Excepção, a Requerida alegou:

 

1.8.1.     A incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, porquanto resulta “(…) claro que se encontra fora da esfera da arbitragem tributária a emissão de qualquer juízo sobre a constitucionalidade do artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, por violação do princípio da igualdade”;

1.8.2.     A ilegitimidade passiva da Requerida, porquanto esta defende que “considerando que a competência para efetivar o cancelamento oficioso das matrículas se insere nas competências do Instituto da Mobilidade Terrestre”, e sendo “(…) a Requerida (…) uma entidade estranha ao procedimento (…)”, este “(…) será sempre imputável ao proprietário, ao IMT ou mesmo ao IRN”.

 

1.9.      Adicionalmente, em matéria de Impugnação, a Requerida impugna os argumentos apresentados pela Requerente, concluindo a sua resposta no sentido de que “(…) devem ser julgadas procedentes, por provadas, as exceções invocadas, as quais dão lugar à absolvição da instância (…)” e “caso assim não se entenda, sempre deverá ser julgado improcedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

1.10.   Em 31 de Março de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de marcar o dia 13 de Abril de 2015 como data para a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo a Requerente apresentado, em 6 de Abril de 2015, requerimento no sentido de pedir a alteração dessa data, por impossibilidade de comparência do seu mandatário, tendo a Requerida sido notificada de tal requerimento, por despacho arbitral datado de 8 de Abril de 2015, no sentido de reagendar a data da referida reunião para o dia 27 de Abril de 2015.

 

1.11.   Em 9 de Abril de 2015, a Requerida juntou aos autos o Processo Administrativo, com excepção de um documento em Excel da autoria da Requerente que, por constar de CD, não podia ser inserido na plataforma de gestão processual do CAAD, tendo por isso sido requerida a sua admissão aos autos.

 

1.12.   O requerimento acima referido mereceu a concordância deste Tribunal Arbitral, através do despacho datado de 16 de Abril de 2015, no qual se admite a disponibilização do referido CD na reunião, a realizar no CAAD, em 27 de Abril de 2015.

 

1.13.   Em 27 de Abril de 2015, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT, foi realizada a primeira reunião arbitral, no CAAD, da qual foi lavrada a corresponde acta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

1.14.   No âmbito desta reunião, à qual compareceram os mandatários de ambas as Partes, “a Requerida procedeu à entrega de um CD (…) conforme ordenado pelo despacho arbitral de 16 de Abril de 2015” (vide pontos 1.11. e 1.12., supra), tendo sido entregue uma cópia ao árbitro e ficando outra cópia à guarda do CAAD.

 

1.15.   Por outro lado, no âmbito da reunião acima referida, foi notificada a Requerente para “no prazo de dez dias, se pronunciar sobre as excepções deduzidas pela Requerida”, tendo ainda sido decidido, com o acordo das Partes, que ambas prescindiam da apresentação de alegação (orais ou escritas).

 

1.16.   Por fim, na referida reunião, foi designado o dia 27 de Maio de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

1.17.   Em 7 de Maio de 2015, a Requerente apresentou, por escrito, resposta às excepções deduzidas pela Requerida.

 

1.18.   Em 26 de Maio de 2015, a Requerente comunicou ao CAAD o pagamento da taxa arbitral subsequente, efectuado a 13 de Maio de 2015.

 

2.           CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral “a declaração de ilegalidade das liquidações de IUC (…) identificadas (…), respeitantes aos anos de 2009 e 2010, no valor total de € 6.476,00 (…)”.

 

Da cumulação de pedidos

 

2.2.   A Requerente dado que pretende “ver apreciada questão relativa à incidência subjetiva do IUC no ano da matrícula dos veículos (…)”, defende que “a procedência dos pedidos (…) depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito”, razão pela qual requer “que seja admitida a (…) cumulação de pedidos”.

 

Dos factos

 

2.3.   Prossegue a Requerente referindo que “é a distribuidora oficial em Portugal da marca de automóveis A…” e que “no âmbito da sua atividade (…) importa os automóveis da referida marca e, posteriormente, procede à alienação dos mesmos aos seus clientes”.

 

2.4.   Refere ainda a Requerente que “para efeitos da venda dos automóveis em condições de circulação imediata (…) requer junto dos serviços competentes a atribuição das respetivas matrículas (…) em data anterior ou na mesma data da alienação das viaturas”, estando “(…) obrigada a efetuar o registo inicial da propriedade do veículo em seu nome”.

 

2.5.   Posteriormente, a Requerente “(…) aliena e regista as (…)  viaturas em nome dos seus clientes”.

 

2.6.   Em 2013, a Requerente “foi notificada pela administração tributária para exercer o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC (…) identificadas (…)” porquanto, “no entendimento dos serviços da administração tributária (…) era (…) a proprietário/locatário (…) das diversas viaturas então identificadas e, como tal, responsável pelo pagamento do IUC (…)”.

 

2.7.   Segunda a Requerente, apesar de ter exercido “(…) oportunamente o direito de audição prévia à emissão das aludidas liquidações de IUC, invocando que já não era a proprietária daqueles veículos há mais de 10 anos e que requerera o seu cancelamento em 25.01.2010 (…) viria a ser notificada do despacho através do qual se determinava a manutenção da intenção de liquidar o IUC em apreço”, tendo sido ainda notificada “(…) dos atos tributários (…) identificados, no valor total de
€ 6.476,00, acrescidos de juros compensatórios
”.

 

2.8.   Com efeito, segundo a Requerente “estão em causa veículos de categoria C, matriculados entre os anos de 1966 e 1979 e alienados (…) há mais de 10 anos (…)”, pelo que reitera a Requerente que “logo que constatou que a propriedade dos veículos acima mencionados continuava a ser-lhe associada (…) requereu o cancelamento das respetivas matrículas com referência a 25.01.2010, o que pode ser atestado através de consulta junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P”.

2.9.   A Requerente “não obstante a plena convicção da ilegalidade das liquidações em apreço (…) procedeu ao pagamento voluntário do imposto, ao abrigo do regime excecional de dívidas fiscais e à segurança social (…) beneficiando da dispensa de pagamento dos correspondentes juros compensatórios (…)”.

 

2.10.   E “foi por não se conformar com os atos tributários em apreço que deduziu a respetiva reclamação graciosa” a qual veio a ser indeferida “pelo ofício nº …, de 3.10.2014, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa” pelo facto de, no entender da Requerente, a Requerida “persistir (…) no entendimento de que (…) o IUC é devido e exigível ao proprietário do veículo que conste identificado no certificado de matrícula ou registo, no primeiro dia do período de tributação, que em caso de primeira matrícula do veículo corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula (…)”.

 

2.11.   “A Requerente não se conforma com tal entendimento, pelo que deduz o presente pedido de constituição de tribunal arbitral”.

 

Do Direito

 

2.12.   Com efeito, “os atos tributários em apreço respeitam a IUC devido sobre 31 veículos matriculados entre os anos de 1966 e 1979, alienados pela Reclamante há mais de 10 anos (…) conforme se conclui através de análise dos inventários (…)”.

 

2.13.   Contudo, prossegue a Requerente, “no entendimento dos serviços da administração tributária, os veículos em causa eram propriedade” da Requerente “(…) até à data de cancelamento das matrículas, ocorrida em 25-01-2010 (…), razão pela qual consideram” que a Requerente “é o sujeito passivo do imposto sobre o qual recaía a obrigação de pagamento do imposto”.

 

2.14.   “Sucede que (…) tal entendimento não tem colhimento na lei, razão pela qual são ilegais os atos tributários em crise”.

 

2.15.   Na verdade, argumenta a Requerente que “inexiste na presente data qualquer obrigação de (…) possuir a documentação referente às vendas dos veículos em apreço e, por conseguinte, não pode extrair-se da falta dessa documentação a conclusão de que (…) era proprietária dos aludidos veículos”.

 

2.16.   “Assim, não constando aquelas viaturas dos seus inventários e não existindo qualquer obrigação de manutenção da documentação que atesta a sua venda, deve concluir-se que” a Requerente “não foi sua proprietária nos anos a que respeita o imposto e, como tal, as liquidações em apreço padecem de ilegalidade”.

 

2.17.   A esta conclusão não obsta, segundo a Requerente, “a circunstância de os veículos se encontrarem registados até 25.01.2010 em nome da” Requerente pois, “o registo da propriedade não é facto constitutivo do direito e limita-se a presumir a sua existência, podendo ser afastado mediante prova em contrário”.

2.18.   Ora, no caso em apreço, os veículos em causa já não eram propriedade da Requerente pois foram “alienados por meio de contratos de compra e venda entre a” Requerente “e os seus clientes (…)”.

 

2.19.   “Efetivamente, os veículos em apreço foram alienados por meio de contratos de compra e venda (…)”, que “não seguiram a forma escrita” mas sendo “contratos com eficácia real (…) a transmissão da propriedade opera por mero efeito do contrato”.

 

2.20.   Por outro lado, refere a Requerente que “embora o direito de propriedade dos veículos automóveis esteja sujeito a registo (…) tal registo não tem caráter constitutivo”, constituindo “presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (...) presunção esta que é ilidível, admitindo (…) prova em contrário (…)”.[2]

 

2.21.   Nestes termos, conclui a Requerente que “a função do registo é (…) dar publicidade à situação dos veículos, não tendo aquele natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, não constituindo condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador”.[3]

 

2.22.   Deste modo, “se os adquirentes, novos proprietários dos veículos, não providenciarem o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor, podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário (…)”, não podendo a Requerida “prevalecer-se da ausência de atualização do registo do direito de propriedade para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante de que os veículos em causa não são sua propriedade”.

 

2.23.   Assim, “resultando provado dos documentos juntos” que a Requerente “já não era proprietária dos veículos em causa (…) só pode concluir-se não ser esta o sujeito passivo do imposto”, “sendo (…) ilegais os atos tributários em apreço, devendo ser anulados”.

 

2.24.   Não obstante, defende a Requerente que caso assim não se entenda, “as viaturas em apreço não estão sujeitas a IUC, o que também inquina de ilegalidade os presentes atos tributários” porquanto o Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de Maio “estabeleceu um regime transitório e excecional para o cancelamento de matrículas de veículos que não disponham do certificado de destruição ou desmantelamento qualificado (…)” mas “o facto de não ter sido previsto (…) cancelamento para as matrículas anteriores a 1 de janeiro de 1980 levaria a concluir que tais veículos não estariam sujeitos a IUC”.

 

2.25.   Contudo, segundo a Requerente, o legislador “olvidou-se que (…) os automóveis das categorias C e D estão sujeitos a imposto, independentemente do ano da matrícula”, ficando “aquém do que pretendia”.

 

2.26.   No entanto, conclui a Requerente que “da interpretação do artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 78/2008, conforme com o seu elemento teleológico, se impõe que o regime de cancelamento oficioso de matrículas aí previsto se aplique também aos veículos das categorias C e D matriculados antes de janeiro de 1980 (…)”.

 

2.27.   Assim, reitera a Requerente que “estando em causa veículos da categoria C matriculados entre os anos de 1966 e 1979, só poderá entender-se que,
impondo-se o cancelamento obrigatório das respetivas matrículas, não se encontram os mesmos sujeitos a IUC (…)
”.

 

2.28.   “Caso assim não se entenda (…) sempre o nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008 será inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (…) por prever que apenas devem ser canceladas oficiosamente as matrículas das categorias C e D atribuídas entre 1 de janeiro de 1980 e 31 de dezembro de 2000, e não as anteriores, excluindo de imposto os veículos no primeiro caso e tributando-os no segundo (…)”.[4]

 

2.29.   Por fim, e sem prejuízo de todo o exposto, argumenta a Requerente que “sempre se dirá que, estando em causa automóveis da categoria C, as viaturas em causa só estão sujeitas a tributação (…) se afetas ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria ou ao aluguer sem condutor que possua estas finalidades” o que “sempre se concluiria, no caso em apreço, pela não sujeição a IUC das viaturas em causa por as mesmas não se destinarem àquelas finalidades” porquanto, tratando-se a Requerente “de uma sociedade que se dedica à comercialização de automóveis e que não está autorizada à realização de outro tipo de atividade, é evidente que as viaturas em causa não estão afetas às aludidas finalidades” “o que, deste modo, é quanto basta para inquinar de ilegalidade os presentes atos tributários”.

 

Do pagamento voluntário e juros indemnizatórios

 

2.30.   “Não obstante a plena convicção da ilegalidade das liquidações em apreço, a Reclamante procedeu ao seu pagamento voluntário, ao abrigo do regime excecional de dívidas fiscais e à segurança social (…), beneficiando da dispensa de pagamento dos correspondentes juros compensatórios”.

 

2.31.   Assim, “sendo procedente o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, como não poderá deixar de ser decidido, deve a Requerente ser reembolsada do montante indevidamente pago”, acrescido de “(…) juros indemnizatórios cujo reconhecimento igualmente se requer”.

 

3.           RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida na resposta apresentada defendeu-se por Excepção e Impugnação tendo, em síntese, apresentado os seguintes argumentos:

 

POR EXCEPÇÃO

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

3.2.   Neste âmbito, alega a Requerida que, em matéria do pedido “de anulação das liquidações (…) mediante a suscitação (…) da questão da violação do artigo 2º do CIUC, quando articulado com o artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, diploma que veio estabelecer um regime transitório e excecional para o cancelamento de matrículas de veículos que não disponham do certificado de destruição ou desmantelamento qualificado, (…) importa (…) suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral Singular porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei” pelo que “(…) resulta claramente que se encontra fora da esfera da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao cancelamento oficioso de matrículas, ou seja, de matéria que não só está a montante do ato tributário, como não é sequer matéria que se insira nas próprias competências legais da Requerida”.

 

3.3.   Segundo a Requerida, “o que transparece da análise do próprio Decreto-Lei 78/2008 é a competência do Instituto da Mobilidade Terrestre” (IMT) “para a apreciação daquelas questões”, resultando “(…) claro que se encontra fora da esfera da arbitragem tributária a emissão de qualquer juízo sobre a constitucionalidade do artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, por violação do princípio da igualdade”, consubstanciando “(…) uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo”, conduzindo “(…) à absolvição da instância quanto à pretensão em causa”.

 

Da ilegitimidade passiva da Requerida

 

3.4.   Nesta matéria, a Requerida defende que “por via do seu pedido de pronúncia arbitral vem a Requerente requerer a aplicação do regime do cancelamento oficioso das matrículas anteriores a janeiro de 1980 (…)” mas, “considerando que a competência para efetivar o cancelamento oficioso das matrículas se insere nas competências do IMT”, “forçoso é concluir pela existência de um premente interesse em agir (…) por parte do IMT e do Instituto dos Registos e do Notariado” (IRN) “no presente pleito”, pelo que “(…) a Requerida é uma entidade estranha ao procedimento de cancelamento oficioso das matrículas anteriores a janeiro de 1980”, “o qual será sempre imputável ao proprietário, ao IMT ou mesmo ao IRN”.

 

3.5.   Assim, vem a Requerida requerer “(…) a intervenção principal provocada daquelas entidades no presente processo arbitral (…).

 

3.6.   Contudo, dado que “não só o IMT e o IRN não se encontram representados no presente processo, como também não existe acto de vinculação do IMT ou do IRN à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (…)”, entende a Requerida que se verifica a existência de:

 

3.6.1.     “Ilegitimidade passiva da Requerida, representada pelo seu dirigente máximo, para estar em juízo”;

3.6.2.     “Interesse em agir (contradizer) do IMT ou do IRN, porquanto têm um interesse pessoal e directo no resultado deste litígio” e,

3.6.2.     “Impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva, através de um incidente de intervenção principal provocada, face à não vinculação do IMT ou do IRN à jurisdição do CAAD”.

 

3.7.   Nestes termos, e quanto a esta excepção da ilegitimidade, conclui a Requerida “que deve considerar-se procedente a exceção invocada e absolver-se a Recorrida do pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

Quanto ao erro sobre os pressupostos

 

3.8.   Nesta matéria, entende a Requerida que “as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” dado que “o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC, (…) em todo o sistema jurídico-fiscal e (…) ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e (…) em todo o CIUC”.

 

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

3.9.      A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” (…) porquanto esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

 

3.10.   Nestes termos, prossegue a Requerida que “é imperativo concluir que (…) o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como (…) proprietários (…), as pessoas em nome das quais os (…) os veículos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.

 

3.11.   Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel[5] pelo que, para a Requerida, “ o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

3.12.   Neste âmbito, entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

3.13.   Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

3.14.   Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.

3.15.   Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.

 

3.16.   “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou contrato de compra e venda, locação financeira, aluguer de longa duração, ou outro com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” e, por isso, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

3.17.   Neste sentido, alega a Requerida que, tendo em consideração o teor dos debates Parlamentares[6] em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, “resulta inequivocamente que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, de modo a “evitar os problemas (…) relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário”.

 

3.18.   De acordo com a posição defendida pela Requerida, “o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade (…)”.[7]

 

3.19.   Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei” na medida em que, à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC”.

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

3.20.   Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

3.21.   “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”, “apreciação esta que consubstancia a análise de uma questão (…) de facto.

 

3.22.   Com efeito, segundo a Requerida, “tendo em vista tal ilisão a Requerente construiu um ideário argumentativo” que “não é minimamente apto a proceder”.

 

3.23.   Em abono da sua defesa, cita a Requerida a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo, constituído no âmbito do processo nº 63/2014-T, no sentido de que “(…) a parte a favor do qual exista uma presunção legal, a qual constitui prova plena, não tem de provar o facto a que ela conduz. (…) Nesta situação (…) a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta a parte contrária opor contraprova (…). Ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são verdadeiros”.

 

3.24.   Pelo que afirma a Requerida que “prova (…) subministrada pela Requerente não é minimamente apta a demonstrar a transferência da propriedade dos veículos (…) em momento anterior ao facto gerador do imposto”.[8]

 

Quanto à ilegalidade das liquidações por violação do artigo 2º do Código do IUC em articulação com o artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008

 

3.25.   Neste âmbito, reafirmando a Requerida “a incompetência do presente Tribunal Arbitral Singular para apreciar a questão suscitada pela Requerente, uma vez que tal questão extravasa as competências que estão reservadas por lei ao CAAD (…)”, reitera que “(…) não assiste qualquer razão à Requerente” porquanto:

 

3.25.1.      “Em primeiro lugar, (…) o artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, de 6 de maio, insere-se na liberdade de conformação legislativa do legislador que (…) de forma expressa e intencional, tomou a opção de prever um regime de cancelamento oficioso das matrículas referentes a veículos matriculados entre 1 de Janeiro de 1980 e 31 de Dezembro de 2000”;

3.25.2.      “Em segundo lugar, (…) o artigo 2º do Decreto-Lei 78/2008 é perentório ao referir que o regime de cancelamento de matrículas nele previsto só pode ocorrer até ao dia 2008-12-31, ou seja, o regime consagrado no Decreto-Lei 78/2008 constituiu um regime transitório e excecional para o cancelamento de matrículas, conforme referem inequivocamente o seu preâmbulo e o seu artigo 1º” pelo que “(…) à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral o Decreto-Lei 78/2008 já há muito que havia deixado de vigorar na ordem jurídica portuguesa”;

3.25.3.      “Em terceiro lugar, porque a Requerente pretende que se opere o cancelamento oficioso das matrículas ao abrigo do artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, considerando, por um lado, que este diploma legal (i) foi publicado a 2008-05-06, (ii) foi disponibilizado naquela mesma data e (iii) entrou em vigor no dia seguinte (…) e considerando, por outro lado, que o diploma apenas vigoraria até 2008-12-31, por força do estatuído no seu artigo 2º” pelo que “forçoso é concluir que o propugnado cancelamento oficioso das matrículas teria forçosamente de ocorrer algures entre 2008-05-07 e 2008-12-31” mas “(…) o cancelamento das matrículas apenas foi requerido a 2010-01-25”, alegando a Requerida que este Tribunal Arbitral Singular não tem “poderes para simultaneamente (i) anular os cancelamentos requeridos pela Requerente em 2010, (ii) operar em 2015 um cancelamento reportado algures entre 2008-05-07 e 2008-12-31 e (iii) repristinar um decreto-lei cuja vigência terminou a 2008-12-31”;

3.25.4.      “Em quarto lugar, a tese da Requerente não tem qualquer acolhimento na letra do artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008” pois “na realidade, o entendimento defendido (…) não passa de uma tentativa de interpretação analógica da lei que (…) não é admitida por lei”;

3.25.5.      “Em quinto e último lugar, ainda que por absurdo todos os argumentos até aqui expendidos (…) não procedessem, a posição defendida pela Requerente estaria sempre condenada ao insucesso”.

 

Quanto à inconstitucionalidade do artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, por violação do princípio da igualdade

 

3.26.   Neste âmbito, reafirma a Requerida a “a incompetência do presente Tribunal Arbitral Singular para apreciar a questão suscitada pela Requerente, uma vez que tal questão extravasa as competências que estão reservadas por lei ao CAAD”, mais afirmando que “não assiste qualquer razão à Requerente, sendo inteiramente aqui aplicáveis parte dos argumentos já expendidos (…)”.

 

Quanto à inconstitucionalidade do artigo 2º/1-c) e d) do Código do IUC por violação do princípio da igualdade

 

3.27.   Nesta matéria, defende a Requerida que não assiste razão à Requerente porquanto “as categorias C e D não podem ser equiparadas à categoria A, pois tratam-se de veículos automóveis com uma natureza e funções perfeitamente distintas e isto é quanto basta para concluir pela inexistência de uma ofensa ao constitucional”.[9]

 

Quanto à ilegalidade das liquidações de IUC, por violação do artigo 2º/1-c) do Código do IUC

 

3.28.   Também neste ponto, não concorda a Requerida com o alegado pela Requerente, porquanto, “não é pelo facto da Requerente pretensamente se dedicar apenas à comercialização de automóveis que se retira automaticamente daí a conclusão que as viaturas em causa não se destinavam ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria ou ao aluguer sem condutor que possuam essas finalidades”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

3.29.   Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

3.30.   A este respeito, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…).[10]

 

3.31.   “Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” pelo que, consequentemente, “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

3.32.   “O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios (…)” porquanto, no entender da Requerida, se “(…) os atos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários (…) não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços” pelo que “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”.

 

3.33.   Nestes termos, conclui a Requerida que “devem ser julgadas procedentes, por provadas, as exceções invocadas, as quais dão lugar à absolvição da instância (…) e caso assim não se entenda, sempre deverá ser julgado improcedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

 

4.           RESPOSTA DA REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA

 

4.1.   A Requerente, em resposta às excepções deduzidas pela Requerida, por estas se tratarem de excepções que obstam “ao conhecimento do mérito do pedido”, apresentou resposta às mesmas, nela deduzindo os seguintes argumentos:

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

4.2.   No que diz respeito a esta excepção, entende a Requerente que “não assiste razão à Requerida” pois, “contrariamente ao que invoca a Requerida, a Requerente peticiona nos autos a apreciação da legalidade das liquidações de IUC (…), matéria da competência dos tribunais arbitrais (…)”, clarificando ainda a Requerente que, “no âmbito da apreciação da legalidade das liquidações de imposto em crise nos autos se coloca uma questão de interpretação da norma de incidência objetiva aplicável (…)”.

 

4.3.   Segundo a Requerente, “o (…) artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de maio, é trazido à colação, na medida em que se afigura pertinente na interpretação da norma de incidência objetiva do imposto, isto é, o referido artigo 2º, nº 1, alínea c), do CIUC”, não peticionando a Requerente “o cancelamento oficioso das matrículas anteriores a 1 de janeiro de 1980, ao contrário do que se afirma na douta Resposta, mas sim a anulação das liquidações de IUC referentes aos veículos com aquelas matrículas”.

 

4.4.   Reitera a Requerente que, “de facto, o que (…) invoca é que o artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de maio, deve ser interpretado no sentido de ser igualmente aplicável aos veículos matriculados antes de 1 de janeiro de 1980 e, deste modo, que os mesmos não estariam sujeitos a IUC, donde decorre a ilegalidade das liquidações de IUC em crise”, “pelo que, a questão sobre a qual o Tribunal é chamado a pronunciar-se se circunscreve, sempre, à legalidade das liquidações de IUC”.

 

4.5.   Neste âmbito, esclarece ainda a Requerente que “(…) entendimento contrário àquele se traduz na inconstitucionalidade do artigo 2º, nº 1, alíneas c) e d), do CIUC, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que dele resulta um tratamento discriminatório injustificado entre os automóveis de mercadorias matriculados entre 1 de janeiro de 1980 e 31 de dezembro de 2000 e os matriculados antes de 1 de janeiro de 1980, sujeitando a tributação estes últimos, e excluindo de tributação os primeiros, bem como um tratamento diferenciado injustificado entre os automóveis ligeiros de passageiros e os automóveis de mercadorias, sujeitando a tributação estes últimos, e excluindo de tributação os primeiros que tenham sido matriculados antes de 1 janeiro de 1981”.

 

4.6.   Assim, “com este fundamento invoca a Requerente que a aludida norma, constante do artigo 2º, nº 1, alíneas c) e d), do CIUC, deve ser desaplicada e os atos tributários anulados”, “pelo que, também nesta sede, o Tribunal é chamado a pronunciar-se sobre a legalidade das liquidações de IUC emitidas com fundamento na norma considerada inconstitucional ou numa interpretação inconstitucional da mesma”.

 

4.7.   Concluindo a Requerente que “(…) deverá ser julgada improcedente a exceção invocada pela Requerida”.

 

Da ilegitimidade passiva da Requerida

 

4.8.   No que diz respeito à excepção da ilegitimidade passiva invocada pela Requerida, entende a Requerente que a mesma “deve (…) ser julgada improcedente, porquanto, conforme acima se clarificou (…), está em causa (…) a apreciação da legalidade das liquidações de IUC (…) identificadas, sendo a Requerida (…) a entidade competente para proceder à liquidação do imposto e, consequentemente, para proceder à anulação das liquidações por si emitidas”.

 

4.9.   Nestes termos, reitera a Requerente que “a Requerida tem em interesse em agir (…) razão pela qual é parte legítima no processo”, pelo que “(…) deve ser julgada improcedente a invocada exceção de ilegitimidade passiva (…).

 

4.10. Assim, conclui a Requerente a Resposta às excepções invocadas pela Requerida no sentido de que “(…) deverão ser julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela Requerida e ser julgado procedente o pedido de constituição do tribunal arbitral, condenando-se a Requerida na anulação dos atos tributários em crise (…), com o consequente reembolso do montante desembolsado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

5.           APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS

 

5.1.   De acordo com o disposto no artigo 608º do Código de Processo Civil (CPC) em vigor, aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).

 

5.2.      Tendo a Requerida, na sua Resposta, alegado excepções que, a procederem, podem obstar ao conhecimento do mérito da causa, torna-se necessário que este Tribunal Arbitral se pronuncie sobre as seguintes questões prévias:

 

5.2.1.         Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;

5.2.2.         Ilegitimidade passiva da Requerida para estar em juízo dado que tem interesse em agir (contradizer) o IMT ou o IRN (porquanto têm um interesse pessoal e directo no resultado deste litígio) e dada a impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva, através de um incidente de intervenção principal provocada (face à não vinculação do IMT ou do IRN à jurisdição do CAAD).

 

5.3.      Neste âmbito, tendo em consideração que a determinação da competência material dos tribunais deve preceder o conhecimento de qualquer outra matéria, conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do 96º do CPC (subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29º do RJAT), deverá esta excepção ser analisada em primeiro lugar.

 

5.4.      No caso de ser julgada procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral ficará prejudicado o conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva, tendo em consideração o facto de, cada uma delas, por si só, representar um obstáculo intransponível à apreciação do mérito da causa, justificando uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].

 

Da incompetência material do CAAD

 

5.5.      No âmbito desta excepção, alega a Requerida que tendo (em seu entender), a Requerente apresentado um pedido “de anulação das liquidações (…) mediante a suscitação (…) da questão da violação do artigo 2º do CIUC (…) articulado com o artigo 5º/3 do Decreto-Lei 78/2008, diploma que veio estabelecer um regime transitório e excecional para o cancelamento de matrículas de veículos que não disponham do certificado de destruição ou desmantelamento qualificado (…) a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei” pelo que “(…) resulta claramente que se encontra fora da esfera da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao cancelamento oficioso de matrículas (…)”.

 

5.6.      A este respeito, a Requerente veio esclarecer que “peticiona nos autos a apreciação da legalidade das liquidações de IUC (…), matéria da competência dos tribunais arbitrais (…)”, clarificando ainda que, “no âmbito da apreciação da legalidade das liquidações de imposto em crise (…) se coloca uma questão de interpretação da norma de incidência objetiva aplicável (…)” pelo que “o (…) artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de maio, é trazido à colação, na medida em que se afigura pertinente na interpretação da norma de incidência objetiva do (….) IUC”, concluindo que não se peticiona “o cancelamento oficioso das matrículas anteriores a 1 de janeiro de 1980 (…) mas sim a anulação das liquidações de IUC referentes aos veículos com aquelas matrículas(sublinhado nosso).

 

5.7.      De facto, de acordo com a leitura do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, o que é requerido é a “declaração de ilegalidade” das liquidações identificadas nos autos, com as consequências daí decorrentes, ou seja, anulação dos actos tributários respectivos e o consequente reembolso das quantias pagas a título de imposto, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

5.8.      Ora, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a)           A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de acros de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

5.9.      Adicionalmente, “a AT está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida” e não excepcionada (vide abaixo ponto 5.11.), como é o caso do IUC.

 

5.10.   Com efeito, o artigo 4º nº 1 do RJAT remete a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais para portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março), nos termos da qual, estão vinculadas à jurisdição arbitral:

 

a)           A Direcção Geral das Contribuições e Impostos (DGCI)[11] e,

b)           A Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo (DGAIEC).

 

5.11.   Assim, nos termos do disposto na referida Portaria, a Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida (artigo 2,º nº 1 do RJAT), com excepção das seguintes (sublinhado nosso):

 

a)           “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT”;

b)           “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”;

c)           “Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação” e,

d)           “Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.

 

5.12.   Nestes termos, a situação em análise nos presentes autos, é abrangida nas competências dos tribunais arbitrais face ao disposto no artigo 2º do RJAT [vide ponto 5.8., alínea a), supra], pelo que entende este Tribunal ser materialmente competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral apresentado, pelo que improcede a excepção suscitada pela Requerida de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

Da ilegitimidade passiva da Requerida

 

5.13.   A Requerida vem declarar-se parte ilegítima para ser demandada no presente processo arbitral, porque considera que a legitimidade passiva para intervir no litígio será do IRN e do IMTT.

 

5.14.   Com efeito, refere a Requerida na sua resposta que a Requerente pede no seu pedido de pronúncia arbitral “a aplicação do regime do cancelamento oficioso das matrículas anteriores a janeiro de 1980 (…)” mas, “considerando que a competência para efetivar o cancelamento oficioso das matrículas se insere nas competências do IMT”, “forçoso é concluir pela existência de um premente interesse em agir (…) por parte do (…) IMT e do (…) IRN no presente pleito”.

 

5.15.   Ora, sendo “(…) a Requerida (…) uma entidade estranha ao procedimento de cancelamento oficioso das matrículas anteriores a janeiro de 1980”, “o qual será sempre imputável ao proprietário, ao IMT ou mesmo ao IRN”, vem requerer “(…) a intervenção principal provocada daquelas entidades no presente processo arbitral (…)”.

 

5.16.   Contudo, dado que “(…) não existe acto de vinculação do IMT ou do IRN à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (…)”, verifica-se a “impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva, através de um incidente de intervenção principal provocada (…)”, conclui a Requerida “que deve considerar-se procedente a exceção invocada (…)”.

 

5.17.   Ora, a decisão sobre a excepção suscitada pela Requerida implica necessariamente a análise e avaliação do pedido e da causa de pedir, tal como formulados pela Requerente.

 

5.18.   No direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo.[12]

 

5.19.   Como pressuposto processual (geral), ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, no direito adjectivo o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.

 

5.20.   Tal como no direito substantivo, haverá que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos nº 1 e 2 do artigo 30º do CPC, ou seja, em função do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu).[13]

 

5.21.   Ainda dentro da regra acima enunciada, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.

 

5.22.   Dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (sublinhado nosso).

 

5.23.   O normativo transcrito visou pôr termo à “clássica” discussão no nosso direito processual civil, entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, quanto à necessidade de se saber se “a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objectivos, isto é, abstraindo apenas da efectiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjectivos, isto é, com abstracção também da sua efectiva titularidade (sublinhado nosso).

 

5.24.   Se é verdade que o legislador adoptou a segunda tese, também cumpre referir que Barbosa de Magalhães nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.

 

5.25.   De acordo com a tese prevalecente, como bem sintetizam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[14], ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.

 

5.26.   Feitos estes considerandos legais, há que analisar o pedido, formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de IUC identificadas nos autos, respeitantes aos anos de 2009 e 2010, com o objectivo de aferir a legitimidade passiva da Requerida.

 

5.27.   Neste âmbito, será importante dar resposta a algumas questões de modo a melhor definir quem tem interesse em ser demandada no processo, tendo em consideração o pedido efectuado pela Requerente (vide ponto anterior):

 

5.27.1.      A Requerida tinha legitimidade para proceder às liquidações de IUC dos anos em causa (2009 e 2010)? E para proceder à sua anulação?

5.27.2.      A Requerida tem legitimidade para proceder à devolução do IUC e proceder ao pagamento de juros indemnizatórios, se for considerado que as liquidações de IUC são ilegais e, consequentemente, o imposto foi indevidamente suportado pela Requerente?

 

5.28.   Quanto á legitimidade da Requerida para ser demandada relativamente ao pedido de pronúncia, dando resposta à questão acima formulada no ponto 5.27.1., cumpre analisar os argumentos que a seguir se apresentam.

 

5.29.   De acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho (diploma que aprova o Código do IUC), “a competência relativa à administração do IUC cabe (…) à Direcção-Geral dos Impostos (…)”, tendo esta entidade, de acordo com o disposto no artigo 5º daquele diploma, “(…) celebrado protocolos com o IRN e o IMTT (…), com vista à troca de informação necessária à liquidação e fiscalização (…) do IUC” (sublinhado nosso).

 

5.30.   Com efeito, de acordo com o disposto na versão actualizada do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, estão sujeitos a registo, entre outros, “o direito de propriedade”, “a extinção ou a modificação de direitos (…) anteriormente registados”, “quaisquer outros factos jurídicos sujeitos por lei a registo”, sendo “obrigatório o registo do direito de propriedade e o registo da mudança de nome e da residência habitual (…) dos proprietários (…)”.

 

5.31.   Em termos gerais, segundo o mesmo diploma, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor (..), tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo considerados veículos, para efeitos de registo, “os veículos a motor (…) que, nos termos do Código da Estrada, estejam sujeitos a matrícula”.

 

5.32.   Assim, “a cada veículo corresponde um certificado de matrícula”, do qual “devem constar todos os registos em vigor (…)”, podendo os Conservadores que “tenham conhecimento de que as anotações do certificado de matrícula estão incompletas ou desactualizadas”, “notificar o respectivo titular para o apresentar na Conservatória dentro do prazo que lhe for designado (…)” (sublinhado nosso).

 

5.33.   Neste âmbito, “o registo automóvel encontra-se organizado em ficheiro central informatizado, tendo essa base de dados por finalidade organizar e manter actualizada a informação respeitante à situação jurídica desses bens (…)” tendo, “acesso à informação constante do registo de automóveis (…) a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (…)”, podendo neste caso ser autorizada a consulta, para prossecução das respectivas atribuições legais e estatutárias, (…)” (sublinhado nosso).

 

5.34.   “A comunicação e a consulta previstas no ponto anterior estão condicionadas à celebração de protocolo com a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado que defina, face às atribuições legais ou estatutárias das entidades interessadas, os limites e condições das comunicações e consulta” (sublinhado nosso).

 

5.35.   Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, “a competência para a liquidação do IUC é da Autoridade Tributária e Aduaneira” (sublinhado nosso).

 

5.36.   Assim, no que diz respeito ao pedido formulado pela Requerente, é afirmativa a resposta à questão que acima colocámos no ponto 5.27.1. de que a Requerida tinha legitimidade para proceder às liquidações de IUC relativas aos anos de 2009 e 2010 e, nestes termos, cabendo-lhe a competência de administrar o imposto, terá também legitimidade para proceder à anulação daqueles liquidações, se feridas de ilegalidade (vide Capítulo 8.).

 

5.37.   E se tem legitimidade passiva nesta matéria, não fará qualquer sentido analisar a questão da “intervenção principal provocada daquelas entidades (IMTT e IRN) no presente processo arbitral, porque prejudicada.

5.38.   Ainda quanto á legitimidade da Requerida para ser demandada relativamente ao pedido de pronúncia, dando resposta à questão acima formulada no ponto 5.27.2., será importante ter em consideração o disposto no artigo 100º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT.

 

5.39.   Com efeito, nos termos da legislação referida no ponto anterior “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (…), nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso).[15]

 

5.40.   Assim, face ao acima exposto (ainda no que diz respeito ao pedido formulado pela Requerente), é afirmativa a resposta à questão que acima colocámos no ponto 5.27.2. de que a Requerida tem legitimidade para proceder à devolução do IUC e proceder ao pagamento de juros indemnizatórios, se as liquidações de IUC vieram a ser consideradas ilegais e, em consequência, o imposto tiver sido indevidamente suportado pela Requerente (vide Capítulo 8.).

 

5.41.   Nestes termos, face ao acima concluído nos pontos 5.28. a 5.36. e 5.37. a 5.40., entende este Tribunal que a Requerida tem legitimidade passiva para ser demandada em Juízo, pelo que improcede a excepção da ilegitimidade passiva da Requerida quanto ao pedido formulado pela Requerente.

 

6.           SANEADOR

 

6.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

6.2.      O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), e artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

6.3.      Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, no âmbito do conhecimento da excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral, considera-se que o mesmo é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

6.4.      As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.

 

6.5.      Tendo em consideração a análise efectuada no capítulo anterior, no âmbito do conhecimento da excepção da ilegitimidade passiva da Requerida, considera-se que ambas as partes são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

6.6.      A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a sua procedência depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

6.7.   Não foram identificadas nulidades no processo.

 

6.8.   Não existem outras excepções nem outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.

 

6.9.   Nestes termos, serão as seguintes as questões a decidir:

 

6.9.1.     O artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, enquanto sujeitos passivos de imposto, de modo a afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas (singulares ou colectivas) em nome das quais os mesmos se encontrem registados?

6.9.2.     A Requerente conseguiu demonstrar, em matéria de procedimento arbitral, que não era, à data das liquidações de IUC objecto deste processo, a proprietária das viaturas objecto daquelas liquidações (e identificadas no ponto 7.3. do Capítulo seguinte), logrando ilidir a presunção referida no ponto anterior?

6.9.3.     As liquidações de IUC efectuadas pela Requerida enfermam, em consequência, de ilegalidade, face ao disposto na legislação aplicável?

 

7.     MATÉRIA DE FACTO

 

7.1.      Dos factos provados

 

7.2.      A Requerente é a distribuidora oficial em Portugal da marca de automóveis A… e, no âmbito da sua actividade, procede:

 

7.2.1.         À importação de automóveis da referida marca;

7.2.2.         À posterior alienação dos referidos automóveis aos seus clientes;

7.2.3.         Ao requerimento da matrícula, em data anterior ou na mesma data da alienação das viaturas, e ao registo inicial, em seu nome, da propriedade dos veículos.

 

7.3.      A Requerente, no âmbito da sua actividade, foi notificada, em 2013, das liquidações oficiosas de IUC, respeitantes aos anos de 2009 e 2010, acrescidas dos juros compensatórios, e a seguir identificadas, cujo data limite para pagamento era o dia 10 de Dezembro de 2013:

 

 

 

7.4.      A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, por escrito, relativo às liquidações de IUC acima identificadas, em 11 de Outubro de 2013 (conforme Doc. nº 3 anexo à Reclamação Graciosa).[16]

 

7.5.      A Requerente foi notificada do Ofício nº …, de 25 de Outubro de 2013, referente à “audição prévia relativa ao IUC do ano 2009 e 2010” respeitante às viaturas acima identificadas (vide ponto 7.3, supra) e à intenção de manter as referidas liquidações de imposto (Doc. nº 4 da Reclamação Graciosa)[17].

 

7.6.      A Requerente efectuou o pagamento do valor do IUC de todas as liquidações, acima identificadas, num total de EUR 6.476,00, em 18 de Dezembro de 2013[18][19], ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de dívidas Fiscais e à Segurança Social (Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro), beneficiando assim da dispensa de pagamento dos correspondentes juros compensatórios associados, num total de
EUR 1.149,36.

 

7.7.      A Requerente apresentou, em 31 de Março de 2014, Reclamação Graciosa
(nº …2014…) relativa às liquidações de IUC acima identificadas, no sentido de requerer a anulação do IUC e dos respectivos juros compensatórios, invocando para tal que “as liquidações respeitam a veículos matriculados entre os anos de 1966 e 1979, veículos alienados há mais de 10 anos, que não constam do seu inventário e, na presente data, já não existe obrigação de possuir a documentação referente à venda dos mesmos pelo que, não pode extrair-se da falta dessa documentação a conclusão de que era proprietária dos aludidos veículos” (conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos).

 

7.8.      A Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada no ponto anterior, através do Ofício nº …, de 14 de Agosto de 2014, através do qual foi também notificada para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT (conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos).

 

7.9.      A Requerente não exerceu o direito de audição prévia referido no ponto anterior, tendo sido notificada da decisão, datada de 30 de Setembro de 2014, através do Ofício nº …, de 3 de Outubro de 2014, no sentido de indeferir a referida Reclamação Graciosa (conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos).

 

7.10.   A Requerente solicitou o cancelamento das matrículas, objecto das liquidações de IUC em análise, a 25 de Janeiro de 2010.

 

7.11.   Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

7.12.   Dos factos não provados

 

7.13.   Não ficou provado, para efeitos da tese argumentativa apresentada pela Requerente (e acima identificada no ponto 2.29.) que as viaturas objecto das liquidações de IUC em análise não estavam afectas às finalidades previstas no artigo 2º, nº 1, alínea c) do respectivo Código.

 

7.14.   Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

8.           FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

8.1.      A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral, em geral, e aos pedidos que dele fazem parte, em concreto, será a verificação da legalidade das liquidações de IUC notificadas à Requerente, tendo por esta sido solicitado o deferimento da reclamação graciosa nº …2014…, a anulação dos actos tributários identificados, bem como o reembolso do valor de imposto pago, acrescido de juros compensatórios.

 

8.2.      A título preliminar, e no que diz respeito ao pedido de deferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, refira-se que o artigo 2º do RJAT fixa quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o Tribunal Arbitral, encontrando-se entre as competências aí definidas “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos” [abrangida pelo nº 1, alínea a) daquele artigo], não se restringindo a jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.

 

8.3.      Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

8.4.      Assim, “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos, elencados no artigo 2º do RJAT, efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau (…), resulta com segurança da referência que naquela norma é feita”, nomeadamente, aos actos de liquidação de tributos, “que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais”.[20]

 

8.5.      Não obstante o artigo 2º do RJAT (“competência dos tribunais arbitrais”) não incluir, expressamente, a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de reclamação graciosa, o facto de a alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT fazer referência aos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial (incluindo o indeferimento de reclamação graciosa), deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles nºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados no já citado artigo 2º do RJAT.

 

8.6.      Ainda quanto a esta matéria, como salienta Jorge Lopes de Sousa[21], nos comentários ao disposto no artigo 97º do CPPT, “resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação de um acto de liquidação [acto de indeferimento de reclamação graciosa (…)] o meio adequado é o processo de impugnação (…)”, se o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (sublinhado nosso), o que acontece no caso em análise.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

8.7.      Retomando o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, não ser já a proprietária dos veículos e, consequentemente, não assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

8.8.   Com efeito, considera a Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, porquanto de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração da alienação das viaturas na origem das liquidações de IUC em data anterior à data da verificação do facto gerador do imposto nos anos de 2009 e 2010.

 

8.9.   Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3º, nº1 do Código do IUC, não comporta qualquer presunção legal e que, pelo contrário, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.

 

8.10. Ora, sendo esta a questão principal a decidir nos presentes autos, será necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código, e assumir uma posição sobre a referida norma de incidência subjectiva de modo a aferir se a mesma estabelece ou não uma presunção legal.

 

8.11. Nesta contenda, se a referida presunção estiver aí consagrada, há que verificar se a mesma é susceptível de ser ilidida (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, se consagra de forma expressa e inilidível, que as pessoas em nome das quais os veículos estão registados são os proprietários, para efeitos de incidência subjectiva do IUC (conforme defende a Requerida).

 

8.12. Preliminarmente, e com vista à apreciação desta matéria, deverá ter-se presente que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com ou sem registo.

 

8.13. Neste âmbito, são três os artigos do Código Civil que importa ter em consideração a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel, a saber:

 

8.13.1.   Artigo 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “(…) o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”;

8.13.2.   Artigo 879º, alínea a), nos termos da qual se prevê como como efeitos essenciais do contrato de compra e venda “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito”;

8.13.3.   Artigo 408º, nº 1, que estabelece que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.

 

8.14. Estamos, assim, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, o que no caso dos veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato.

 

8.15. No âmbito dos contratos com eficácia real, cite-se Pires de Lima e Antunes Varela, em anotações ao artigo 408º do Código Civil, quando defendem que “(…) os contratos ditos reais por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (…) se distinguem-se dos chamados contratos reais, que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação”.[22]

 

8.16. Neste âmbito, estamos perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

 

8.17. Também a jurisprudência têm defendido, face ao disposto no artigo 408º, nº 1 do Código Civil que "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei".[23]

 

8.18. Neste caso estará o contrato de compra e venda de veículo automóvel [vide artigos 874° e 879º, alínea a) do Código Civil], o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.[24]

 

8.19. Tendo o contrato de compra e venda, face ao acima referido, natureza real, com as mencionadas consequências, haverá também que considerar o valor jurídico do registo automóvel (objecto desse contrato), na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

 

8.20. Com efeito, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, considera que quanto ao registo de veículos aquele “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor (…), tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo que, de acordo com o Código do Registo Predial (aplicável ex vi artigo 29º do RJAT), “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

 

8.21. Assim, afigura-se pois, segura a conclusão de que o registo definitivo é uma presunção ilidível da existência do direito, que pode ser afastada, ou seja, que admite prova em contrário.

 

8.22. Não obstante, refira-se que, no Código do IUC não existe qualquer disposição que exija o registo, enquanto condição de validade dos contratos.

 

8.23. Todavia, e antes de passar a interpretar o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, é relevante ter presente o disposto no artigo 11º da LGT, na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.

 

8.24. Com efeito, para que possamos concluir se o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra (i) uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do imposto com base no Registo Automóvel ou se (ii) o Legislador pretendeu, expressa e intencionalmente, determinar, com base no Registo Automóvel, quem deve ser considerado o sujeito passivo do IUC, é fundamental em primeiro lugar atentar na letra da Lei.

 

8.25. Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (sublinhado nosso).

 

Elemento Literal

 

8.26. Ora, de acordo com o elemento literal da norma referida, a problemática centra-se na expressão “considerando-se como tais” utilizada pelo legislador.

 

8.27. De facto, a letra da Lei não refere a expressão “presumindo-se”, conforme constava nos diplomas antecedentes ao presente Código, sendo assim questionável se a natureza de presunção continua ou não a estar presente na norma em análise.

 

8.28. Neste sentido, a título de exemplo, verifica-se, que no artigo 243º, nº 3 do Código Civil e nos artigos 45º, nº 6 e 89º-A, nº 4 da LGT, também é utilizada a expressão “considera-se” e, no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação, se considera que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma em apreço.[25]

 

Elemento Histórico

 

8.29. Assim, e ainda no âmbito dos elementos da interpretação de acordo com o artigo 9º do Código Civil, importa atender também ao elemento histórico.

 

8.30. O legislador, na definição da incidência subjectiva do Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA), impostos abolidos pelo IUC, estabelecia que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" (sublinhado nosso).

 

8.31. Nestes termos, quanto a este elemento de interpretação fica demonstrado que os antecedentes do Código do IUC consagraram uma presunção de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários registados na Conservatória do Registo Automóvel.

 

8.32. No que diz respeito ao IUC, não obstante continuar a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência, abandonando a expressão
"(…) presumindo- se como tais, (…)” em favor da expressão "(…) considerando-se como tais (…)".

 

8.33. Em consequência, fica claro que o entendimento subjacente ao disposto naquele artigo do Código do IUC prevê uma presunção ilidível, relativamente à qual a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo da norma.[26] [27]

 

8.34. Se for adoptado o entendimento perfilhado em anteriores decisões [28] sobre a mesma matéria, entendemos que deve ser concluído que, de facto, o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra uma presunção, pois não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção.

 

8.35. Na verdade, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão, porquanto:

 

8.35.1.   Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se adapte ao respectivo conceito legal (vertido no artigo 349º do Código Civil), sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita, revelada pela utilização da expressão "presumem-se", ou apenas implícita.[29] [30]

8.35.2.   Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na CRP, nomeadamente, o princípio igualdade, cuja relevância é pertinente no caso em análise.

              Com efeito, no plano tributário, o princípio da igualdade traduz-se na generalidade e abstracção da norma que cria os elementos essenciais do tributo, de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

 

8.36. Neste âmbito, “a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo".[31]

 

8.37. É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo, estabelecida no nº 1, do artigo 3º do Código do IUC.

 

8.38. Com efeito, no que respeita à importância do Registo Automóvel, importa referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo.

 

8.39. Com isto, podemos considerar que o registo não tem natureza constitutiva do direito mas sim natureza declarativa, pelo que se conclui que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

8.40. A propriedade é assim adquirida mediante a celebração de contrato de compra e venda, de acordo com o disposto no artigo 879º, alínea a), do Código Civil, nos termos do qual se prevê que um dos efeitos deste contrato assenta na transmissão da coisa ou da titularidade do direito.

 

Elemento Racional e Teleológico

 

8.41. Por fim, no que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o IUC tem subjacente o princípio da equivalência, consagrado no artigo 1º do respectivo Código.

 

8.42. Este princípio veio corporizar as preocupações ambientais ao estabelecer que o imposto deve onerar os contribuintes pelos custos ambientais e viários provocados pela circulação automóvel, ou seja, quem polui tem de pagar (princípio que também subjaz ao artigo 66º, nº 2, alínea h) da CRP e ao disposto no Direito Comunitário[32]).

 

8.43. Com efeito, o que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio é fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

8.44. Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.

 

8.45. Assim, esta imputação do encargo fiscal aos sujeitos que só, aparentemente, estão nessas condições, enviesa a ratio legis de que devem ser os efectivos proprietários que devem suportar o respectivo imposto, dado serem estes os reais poluidores.

 

8.46. Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.

 

8.47. Nestes termos, correspondendo a tributação (em sede de IUC) dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, à luz dos elementos de carácter racional e teleológicos de interpretação, impõe-se concluir que o nº 1, do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível.[33]

 

8.48. Em resumo, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se como tais” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se como tais” devendo, assim, entender-se que (e
reitera-se) o disposto no nº 1, do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção legal.

8.49. Ora, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei (ou o julgador), tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

 

8.50. Deste modo, as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1 do Código Civil).

 

8.51. Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil).

 

8.52. Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.

 

8.53. Na verdade, estas presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio (previsto no artigo 64º do CPPT) ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

8.54. Adicionalmente, refira-se que no que diz respeito à efectiva consagração, no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, de uma presunção ilidível já se pronunciaram diversas decisões arbitrais.[34]

 

8.55. Nestes termos, a resposta que deverá ser dada à questão formulada no ponto 6.9.1., supra será afirmativa de que o artigo 3º do Código do IUC consagra, efectivamente, uma presunção ilidível quanto aos proprietários dos veículos automóveis, de modo a ser possível afastar (ilidir) a convicção (presunção) de que são considerados como proprietários as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.[35]

 

Da ilisão da presunção

 

8.56. Concluindo-se, assim, que o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida por parte da Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73º, da LGT.

 

8.57. Assim, em geral, deve a pessoa (singular ou colectiva) que está inscrita no registo como proprietária do veículo (e que, nesse sentido, é considerada pela Autoridade Tributária como sendo o sujeito passivo de IUC), demonstrar mediante elementos de prova disponíveis que não é o real proprietário do veículo e, bem assim, que a propriedade foi transferida para outrem.

 

8.58. Nesta matéria, o que a Requerente invoca, segundo resulta dos autos, é que “já não era proprietária daqueles veículos há mais de 10 anos e que requerera o seu cancelamento em 25.01.2010 (…)”, “(…) conforme resulta dos inventários referentes aos últimos dez exercícios (…)”.

 

8.59. Para efeitos de prova de que ocorreu a transmissão da propriedade dos veículos referidos no ponto anterior, a Requerente juntou cópia dos seus inventários, a 31 de Dezembro, dos últimos 10 anos (de 2003 a 2012), em ficheiro informático em formato Excel (cujo CD foi entregue ao CAAD na reunião havia em 27 de Abril de 2015, conforme descrito no ponto 1.14., do Capítulo 1.), sendo necessário aferir que valor deve ser reconhecido aos elementos disponibilizados para provar a transmissão, por parte da Requerente, da propriedade dos veículos objecto de liquidação de IUC.

 

8.60. Em condições de cumprimento da lei, sempre que ocorre uma compra e venda de um veículo, deve ser preenchido um documento bilateral destinado ao registo automóvel (cujo preenchimento não constitui formalidade essencial do negócio) e que contém uma declaração assinada por ambas as partes quanto à celebração do contrato.

 

8.61. E precisamente porque a compra e venda de uma coisa móvel é um negócio não formal, aos serviços do Registo Automóvel basta este instrumento particular como prova para se proceder à alteração do registo (que pode ser promovida pelo vendedor, em nome do adquirente, munido de uma simples cópia dessa declaração).

 

8.62. Quando o vendedor é uma entidade que se dedica ao comércio de veículos automóveis (como é o caso da Requerente), este pode promover o registo, em nome do adquirente, através de um simples requerimento, conforme previsto no artigo 25º, nº 1, alíneas c) e d) do Regulamento do Registo Automóvel.

 

8.63. Ora, o que a Requerente pretende no processo não é meramente ilidir uma presunção fiscal mas sim ilidir a presunção de veracidade dos factos que se encontram registados publicamente (e para finalidades de interesse público).

 

8.64. Neste âmbito, refere a Requerente que estando, em termos gerais, “(…) obrigada a conservar os livros, registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte” durante o prazo de 10 anos (face ao disposto no artigo 123º do Código do IRC, na redacção anterior à dada pela Lei nº 2/2014 de 16 de Janeiro), “inexiste na presente data qualquer obrigação de (…) possuir a documentação referente às vendas dos veículos em apreço e, por conseguinte, não pode extrair-se da falta dessa documentação a conclusão de que (…) era proprietária dos (…) veículos”.

 

8.65. Contudo, tal como a doutrina e a jurisprudência têm repetidamente afirmado, “actuando a administração tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação”, cabendo-lhe “(…) em princípio, o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (…) da sua actuação (…).  Em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos” (sublinhado nosso).[36]

 

8.66. Ora, o pressuposto da tributação levada a cabo pela Requerida foi, de acordo com o indicado no Registo Automóvel, de que a Requerente era, para efeitos do disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, a legítima proprietária das viaturas relativamente às quais foi liquidado o imposto respeitante aos anos de 2009 e 2010, cuja verificação da legalidade é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

8.67. Como acima vimos (vide ponto 8.22. a ponto 8.55., supra), o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC consagra uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, por força do disposto no artigo 73º da LGT pelo que, face à verificação de tal pressuposto da liquidação, legitimador da actuação da Requerida, cabe à Requerente apresentar prova bastante da ilegitimidade dos actos tributários, caso em que as liquidações do imposto não se poderia manter na ordem jurídica.

 

8.68. Neste âmbito, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[37], “o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto”.

 

8.69. Assim, caso se considere que a prova apresentada pela Requerente não seja capaz de ilidir a presunção legal acima referida, sempre se impõe-se ao julgador decidir a causa em sintonia com as regras do ónus da prova, convertendo-se “o non liquet do julgador (…) contra a parte que tem o ónus de prova, de acordo com o dever de decisão que lhe é imposto pelo artigo 8º, nº 1, do Código Civil”.[38]

 

8.70.Ou seja, não há lugar a qualquer inversão do ónus da prova que impende sobre a Requerente (com vista a ilidir a presunção acima referida), tendo como justificação o facto de estar já desonerada da obrigação de manutenção na sua posse da documentação contabilística gerada há mais de 10 anos, porquanto não pode
daí extrair-se de que já não era proprietária dos veículos objecto de liquidação de IUC (dado que essa presunção de propriedade advém do disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, podendo ser ilidida mediante prova em contrário), pelo que será necessário analisar a prova anexada.

 

8.71. Com efeito, a Requerente apresentou, para efeitos de ilidir a presunção legal acima referida, a título de prova documental, ficheiro informático em formato Excel contendo informação, unilateralmente preparada pela Requerente, relativa ao alegado stock de viaturas automóveis da Requerente, a 31 de Dezembro dos anos de 2003 a 2012, com dados respeitantes ao "Modelo“, “Nº de Chassis”, “Matrícula” e “Data de Stock”.

 

8.72. Ora, dado o carácter particular e unilateral da informação referida no ponto anterior, bem como o facto de, para a sua emissão não se ter verificado qualquer intervenção do comprador, isto significa que da mesma não se pode extrair que houve transmissão da propriedade dos veículos objecto das liquidações de IUC, invalidando com isso qualquer valor probatório da mesma.[39]

 

8.73. Em consequência, à documentação em análise, que se resume a uma listagem em formato Excel, não pode ser reconhecido qualquer valor probatório como mecanismo para ilidir a presunção, ou seja, comprovando a alegada transferência de propriedade das viaturas.

 

8.74. Neste âmbito, refira-se que a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do Código Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, o que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova, tendo de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.

 

8.75. No caso em análise, não tendo sido anexadas ao processo, nomeadamente, cópia dos contratos de compra e venda, cópia do documento comprovativo de pagamento do preço (cheque ou comprovativo de transferência do montante que foi recebido pela venda de cada uma viatura), cópia de factura-recibo ou de factura e de recibo, a transmissão da propriedade efectiva das viaturas não conseguiu ser comprovada.

 

8.76. Assim, só com a apresentação de tais documentos (com presunção de veracidade e idoneidade), é que teria havido força bastante para ilidir a presunção que resulta das liquidações, de acordo com o disposto no artigo 73º da LGT.

 

8.77. Nestes termos, será forçoso concluir que a Requerente não conseguiu provar a transmissão da propriedade dos veículos que constituem o objecto das liquidações de IUC que fazem parte do Pedido Arbitral e, em consequência, não conseguiu ilidir a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel.

 

8.78. Consequentemente, a Requerente não conseguiu demonstrar que, à data das liquidações de IUC, não era a proprietária das viaturas objecto daquelas liquidações (e identificadas no ponto 7.3., supra), sendo negativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.9.2., ou seja, que a Requerente não conseguiu ilidir a presunção prevista no artigo 3º do Código do IUC.

 

8.79. Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, a Requerida era competente para liquidar o imposto à Requerente, enquanto pessoa em nome do qual os veículos objecto das liquidações se encontravam registados (de acordo com o disposto no artigo 3º do Código do IUC).

 

8.80. Em consequência, será também negativa a resposta à questão acima formulada no ponto 6.9.3., ou seja, as liquidações de IUC efectuadas pela Requerida não enfermam, em consequência do acima exposto, de ilegalidade não devendo, por isso, ser anuladas.

 

Da ilegalidade das liquidações por violação do artigo 2º do Código do IUC em articulação com o artigo 5º, nº 3 do Decreto-Lei nº 78/2008

 

8.81. Nesta matéria, face ao teor do artigo 5º nº 3 do Decreto-Lei nº 78/2008, de que “serão cancelados oficiosamente as matrículas de veículos matriculados entre 1 de Janeiro de 1980 e 31 de Dezembro de 2000 que não tenham sido submetidos a inspecção periódica obrigatória desde 1 de Janeiro de 2003” e tendo em conta:

 

8.81.1.   Que esta matéria relativa ao cancelamento oficioso acima referido não está abrangida nas competências dos tribunais arbitrais, face ao disposto no artigo 2º do RJAT e,

8.81.2.   O esclarecimento apresentado pela Requerente (em sede de Resposta às excepções deduzidas pela Requerida), de que se trata apenas de um argumento “(…) trazido à colação na medida em que se afigura pertinente na interpretação da norma de incidência objectiva do imposto (…)”, dado que “a questão sobre a qual o Tribunal é chamado a pronunciar-se se circunscreve (…) à legalidade das liquidações de IUC”, este argumento ficará excluído da análise efectuada para efeitos desta decisão arbitral.

 

Da inconstitucionalidade do artigo 5º, nº 3 do Decreto-Lei nº 78/2008 e do artigo 2º, nº 1 alínea c) e d) do Código do IUC, ambos por violação do princípio da igualdade

 

8.82.  No que diz respeito à alegada inconstitucionalidade dos artigos acima referidos, “(…) por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP (…)”, tratando-se de uma questão de inconstitucionalidade abstracta [e, por isso, matéria que apenas cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, no âmbito dos seus poderes exclusivos de fiscalização abstracta da constitucionalidade das leis (artigo 281º da CRP), ficará também este argumento excluído da análise efectuada para efeitos desta decisão arbitral.[40]

 

Quanto à ilegalidade das liquidações de IUC, por violação do artigo 2º, nº 1, alínea c) do Código do IUC

 

8.83.  De acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 e 3 do Código do IUC, “o imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:

 

a)           Categoria A - Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg (…);

b)           Categoria B - Automóveis de passageiros (….) e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg (…);

c)           Categoria C - Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500 kg, afectos ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades;

d)           Categoria D - Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500 kg, afectos ao transporte público de mercadorias, ao transporte por conta de outrem, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades;

e)           Categoria E - Motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos (…);

f)            Categoria F - Embarcações de recreio de uso particular (…);

g)           Categoria G - Aeronaves de uso particular.

 

(…) Presumem-se afectos ao transporte particular de mercadorias ou ao transporte por conta própria os veículos relativamente aos quais se não comprove a afectação ao transporte público de mercadorias ou ao transporte por conta de outrem (…)” (sublinhado nosso).

 

8.84.   Ora, neste âmbito, argumenta a Requerente que “(…) estando em causa automóveis da categoria C, as viaturas (…) só estão sujeitas a tributação (…) se afetas ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria ou ao aluguer sem condutor que possua estas finalidades” o que “sempre se concluiria, no caso em apreço, pela não sujeição a IUC das viaturas (…) as mesmas não se destinarem àquelas finalidades” porquanto, tratando-se a Requerente “de uma sociedade que se dedica à comercialização de automóveis (…) não está autorizada à realização de outro tipo de atividade” sendo “evidente que as viaturas em causa não estão afetas às aludidas finalidades” “o que (…) é quanto basta para inquinar de ilegalidade os presentes atos tributários”.

 

8.85.Quanto a esta questão, a Requerida veio contrapor referindo que:

 

8.85.1.   “A Requerente alega mas não comprova (…) que a mesma se dedica à comercialização de automóveis (…)”, não servindo o objecto social, por si só, “(…) para inquinar de ilegalidade os atos tributários (…);

8.85.2.   Quanto à interpretação do artigo 2º do Código do IUC, “estão sempre sujeitos a IUC os veículos automóveis afectos ao transporte de mercadorias, ao transporte por conta própria ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades” residindo a diferença na natureza desse transporte (particular ou público), servindo esta para agravar o nível de tributação incidente sobre os veículos da categoria C.

 

8.86    Nesta matéria, face ao teor da legislação aplicável, e tendo em consideração a ausência de prova produzida pela Requerente quanto à sustentabilidade do argumento em análise, ficará também este excluído da análise efectuada para efeitos desta decisão arbitral.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

8.87. Por último, no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o direito aos mesmos ficará prejudicado pela conclusão assumida no ponto 8.80., supra, porquanto se entendeu que, face ao acima exposto, as liquidações objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral não enfermam de ilegalidade e, por isso, não devem ser anuladas, tendo em consideração a insuficiente prova apresentada pela Requerente para ilidir a presunção consagrada no artigo 3º do Código do IUC[41].

 

8.88. Em consonância com o ponto anterior, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

8.89. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

8.90. Assim, as Partes devem ser condenadas tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, ou seja, sendo-lhes atribuída a responsabilidade por custas, na proporção em que forem parte vencida.

 

8.91. Nestes termos, deverá ser imputada à Requerente a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.

 

9.           DECISÃO

 

9.1.   De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

9.2.   Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC em vigor).

 

9.3.   No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerente.

 

9.4.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões definidas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

9.4.1.     Julgar improcedente a excepção, deduzida pela Requerida, relativa à incompetência material deste tribunal;

9.4.2.     Julgar improcedente a excepção, deduzida pela Requerida, relativa à ilegitimidade passiva;

9.4.3.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente mantendo-se, em consequência, na ordem jurídica, os respectivos actos tributários;

9.4.4.     Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso das quantias pagas pela Requerente, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, porque prejudicado pela decisão do ponto anterior;

9.4.5.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor EUR 6.476,00.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Maio de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] A Requerente cita entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos processos
nº 03B4369 e 07B4528, de 19.02.2004 e 29.01.2008.

[3] Neste sentido, a Requerente cita a decisão arbitral proferida no processo nº 27/2013-T.

[4] Neste sentido, a Requerente cita o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2004, de 16 de junho de 2004, que sustenta que “(…) o controlo judicial do comportamento do legislador, com o objectivo de determinar se este, adoptando determinada solução normativa, se conteve dentro dos parâmetros decorrentes do princípio constitucional da igualdade, expresso no artigo 13º da CRP, pressupõe uma compreensão aprofundada dos fins visados com essa solução. Significa isto que, estando nestes casos sempre em causa um juízo de comparação entre duas realidades, só através da determinação dos objectivos visados é possível compreender se esta ou aquela solução – quando implica, à luz dessa comparação, um tratamento desigual – se configura como arbitrária, estando, em função disso, constitucionalmente vedada (…)”.

[5] Para reforço deste entendimento, a Requerida cita a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (tendo anexado cópia deste decisão com a Resposta apresentada - Doc. nº 2), nos termos da qual “a falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 3º, n.º 1, do CIUC) se mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva”.

[6] Neste âmbito, a Requerida cita o debate Parlamentar de 12 de Março de 2008 (In Diário da Assembleia da República, 1.ª Série, n.º 58, de 13 de Março de 2008, págs. 59 e sgts.).

[7] A Requerida cita, nesta matéria a Recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça, datada de 22 de Junho de 2012, dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações, nos termos da qual se refere “com a entrada em vigor deste regime, os sujeitos passivos do imposto passaram a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”, sendo o IUC “devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”.

[8] Neste âmbito, a Requerida cita a decisão arbitral proferida no processo nº 130/2014-T, no sentido que “no caso dos autos as Requerentes são empresas com uma dimensão assinalável no mercado e com uma boa assessoria contabilística e fiscal, pelo que, era justificável senão mesmo exigível que as vendas de viaturas usadas ou o seu abate fosse devidamente documentado e mesmo de imediato submetido ao registo automóvel evitando futuras ocorrências geradoras de eventuais prejuízos e responsabilidades para as empresas (…)”.

[9] Nesta matéria, a Requerida cita o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 563/96, no sentido que “o princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas, sob pena de, assim não sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes (…). Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar (…)”.

[10] Neste âmbito, a Requerida cita a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo nº 26/2013-T.

[11] Neste âmbito, refira-se que, tendo o Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro, aprovado a estrutura orgânica da Autoridade Tributária [entidade que resultou da fusão da DGCI com a DGAIE e com a Direcção Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA)], e tendo esta fusão produzido efeitos desde 1 de Janeiro de 2012, todas as referências efectuadas na legislação, após aquela data, quer à DGCI, quer à DGAIEC, quer à DGITA se consideram feitas à Autoridade Tributária [artigo 12º nº 2 alínea a) do Decreto-Lei acima referido].

[12] Neste sentido, vide AC TRC Processo nº 1223/10.0TBTMR.C1 de 6 de Dezembro de 2011.

[13] Neste sentido, vide Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, página 52.

[14] Vide obra citada, página 52.

 

[15] Neste sentido, vide também a Decisão Arbitral do CAAD proferida no P27/2013-T.

 

[16] Conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos.

[17] Conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos.

[18] Neste âmbito, não foi obtida evidência do comprovativo de pagamento relativo à liquidação nº 2009 …, referente ao IUC/2009 da viatura matrícula …-…-…, no montante de imposto de
EUR 48,00, porquanto a respectiva cópia está incluída na documentação anexada aos autos.

[19] Conforme informação disponível no Processo Administrativo junto aos autos.

[20] Neste sentido, vide Decisão Arbitral do CAAD P65/2012-T (adaptado).

[21] Vide CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 18 a) ao artigo 97º, página 53.

[22] Vide artigos 1129º, 1142º e 1185º do Código Civil.

[23] Neste sentido, vide AC STJ Processo 03B4369, de 19/02/2004.

[24] Neste sentido, vide AC STJ de 3/3/98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, página 117.

[25] Atente-se que, no que se refere à segunda disposição legal referida, Jorge Lopes de Sousa considera estar em causa uma presunção ilidível de notificação, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, S.A., Lisboa 2011, página 388).

 

[26] Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa afirma que “em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão presume-se ou por expressão semelhante” (in CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 589) (sublinhado nosso).

[27] Também no mesmo sentido, A. Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes (in “Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação”, Coimbra Editora, 2009, página 187) consideram que “não houve alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICI e ICA.

[28] Neste sentido vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 34/2014-T e 42/2014-T.

[29] Neste sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, página 586.

[30] Vide AC STA Processo 441/11, de 29 de Fevereiro de 2012 e AC STA Processo 381/12, de 2 de Maio de 2012.

[31] Vide AC TC Processo 343/97, de 29 de Abril.

[32] Com a assinatura, em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastrich, do Tratado da União Europeia, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental (vide artigo 130º-R, nº 2).

[33] Neste âmbito, segundo Francesco Ferrara (in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, página 130), “(…) a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

[34] Vide, nomeadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T e 67/2014-T e 115/2014-T.

[35] Neste âmbito, vide AC TCAS 08300/14, de 19 de Março de 2015, nos termos do qual se pode ler que “o IUC está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artigo 3º, nº 1, do Código do IUC, norma onde se (…) consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73º, da LGT” (sublinhado nosso).

[36] Neste âmbito, vide VIEIRA DE ANDRADE, in “A Justiça Administrativa” (Lições), 2º edição, pág. 269.

[37] Vide Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 304.

[38] Nesta matéria, vide AC STA Processo nº 0474/11, de 5 de Julho de 2012 (com as necessárias adaptações).

[39] Neste âmbito, vide AC TRL, Processo nº 224338/08.7YIPRT.L1-8, de 4 de Fevereiro de 2010.

[40] Vide, com as necessárias adaptações, Decisão Arbitral nº 75/2012, de 30 de Novembro

[41] Com efeito, nos processos arbitrais tributários só há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2 e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso). No caso em análise, ao promover as liquidações oficiosas do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento do disposto no
nº 1, do artigo 3º do Código do IUC que (como acima já foi analisado), imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando erro, atentas as circunstâncias descritas, que lhe fosse imputável.