Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 819/2014-T
Data da decisão: 2015-08-17  IUC  
Valor do pedido: € 6.257,96
Tema: Incidência subjectiva; locação financeira; presunções legais
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Decisão Arbitral

 

 

I. - RELATÓRIO

 

A - PARTES

 

A sociedade A… - …, SA, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, n.º …, … - Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 19 de Dezembro de 2014 e, na mesma data, notificado à AT.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 10-02-2015, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 10-02-2015, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 25-02-2015.

5 - No dia 15 de Julho de 2015, o Tribunal Arbitral considerou dispensada a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, tendo em conta, quer os despachos a este propósito exarados no SGP, quer a circunstância do litígio respeitar, fundamentalmente, a matéria de direito, quer a vontade das partes em dispensar a dita reunião.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

Declare a ilegalidade e consequente anulação, quer dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), quer dos actos de liquidação dos juros compensatórios que lhe estão associados, consubstanciados nas liquidações de que foi notificada, que estão referenciadas no processo, referentes aos anos de 2013, respeitantes aos veículos identificados nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

 

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que é uma instituição financeira de crédito que, em 30-11-2004, incorporou por fusão, quer os activos e passivos, quer os direitos e responsabilidades da B… - …, LDA e da C… - …, LDA.

9 - Que as sociedades incorporadas foram tidas como extintas aquando das referidas fusões, ocorridas nos exercícios de 2003 e 2004, sendo que a partir das datas dessas fusões a Requerente incorporou todos os activos e passivos e todas as responsabilidades que integravam o património das sociedades incorporadas.

10 - Que, no âmbito da sua actividade, concede aos seus clientes financiamentos destinados à compra de veículos automóveis, os quais são formalizados, seja por via da outorga de contrato de mútuo em que o mutuário concede a favor do mutuante, como garantia do integral pagamento da quantia mutuada, uma reserva de propriedade do veículo, seja por via da outorga de contratos de locação financeira.

11 - Que foi notificada para exercer o direito de audição prévia, relativamente às diversas liquidações de IUC, tal como identificadas no processo, referentes ao ano 2013 e respeitantes aos setenta e oito veículos identificados nos autos.

12 - Que, em nome do princípio da economia processual, optou por não exercer o referido direito de audição prévia, uma vez que exerceu o referido direito em processos análogos, referentes à liquidação de IUC relativa a anos anteriores, tendo a Autoridade Tributária mantido o seu enquadramento tributário.

13 - Que procedeu ao pagamento do IUC em todas as situações, em que à data do facto gerador do imposto era proprietária do veículo e o mesmo não se encontrava locado.

14 - Que nas situações em que, à data da génese do facto tributário, não era proprietária do veículo ou em que, nessa data, o veículo se encontrava locado, por via de um contrato de locação financeira, não procedeu ao pagamento do IUC, por entender não ser sujeito passivo desse imposto.

15 - Que dos setenta e oito veículos em causa no processo e nele identificados, sessenta e nove foram alienados em datas anteriores ao ano de 2013 a que se refere o IUC e os restantes nove estavam locados - em regime de locação financeira - no ano de 2013, ou seja, na data a que se reporta a exigibilidade do imposto.

16 - Que o CIUC tem como princípio subjacente à sua tributação o princípio do poluidor-pagador, pelo que o legislador considerou como sujeitos passivos, quer os proprietários dos veículos, quer os locatários financeiros, posto serem estes que têm o potencial poluidor susceptível de gerar custos ambientais para a sociedade.

17 - Que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção legal ilidível, razão pela qual são sujeitos passivos do IUC, nomeadamente os proprietários e os locatários financeiros ainda que não figurem no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo automóvel.

18 - Que, seja o contrato de compra e venda de veículo, seja a locação financeira, são contratos com eficácia real (quod effectum) no sentido de que a transferência da propriedade ou da posse se verifica em consequência do próprio contrato.

19 - Que, como prova de que, nuns casos, não era proprietária dos veículos, à data da génese do facto tributário sujeito a imposto, e que, noutros, era, nessa data, locadora financeira apresentou facturas de venda dos veículos e contratos de locação financeira, documentos que considera bastantes para provar a propriedade e a posse dos veículos no período de tributação em causa, ou seja, o referente ao ano de 2013.

20 - Que, nestas circunstâncias, não é sujeito passivo do IUC, na medida em que não se verifica o pressuposto da incidência pessoal do imposto, o qual é fundamental para que ocorra o surgimento da obrigação fiscal.

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

21 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou, em 06-04-2015, a sua Resposta.

22 - Na referida Resposta, a AT entende que as alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso, notoriamente erradas, na medida em que,

23 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIUC. (Cfr. art.º 7.º da Resposta)

24 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (Cfr. art.º 11.º da Resposta)

25 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 12.º da Resposta)

26 - Considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem. (Cfr. art.ºs 21.º e 23.º da Resposta)

27 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF. (Cfr. art.ºs 24.º e 25.º da Resposta)

28 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (Cfr. art.º 34.º da Resposta)

29 - Sobre a “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente, no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.ºs 57.º e 58.º da Resposta)

30 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 64.º da Resposta)

31 - Neste sentido, refere ser este o entendimento inscrito, nomeadamente, na recomendação n.º 6-B/2012 de 22-06-2012, do Senhor Provedor de Justiça dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

32 - A interpretação veiculada pela Requerente mostra-se, também, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, designadamente porque, entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário, que tem dignidade constitucional, violação que se traduziria num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente, quer a Requerida fazem parte. (Cfr. art.º 130.º da Resposta)

33 - Acrescenta que as facturas juntas aos autos, relativamente a sessenta e nove veículos, enquanto documentos unilateralmente emitidos pela Requerente, não constituem prova suficiente para “abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no art.º 3.º do CIUC”, não sendo aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, como é o caso do contrato de compra e venda de veículos automóveis, referindo ainda que tais facturas levantam “[…] sérias dúvidas sobre a sua veracidade, tais são as discrepâncias que apresentam […]”.Cfr. art.ºs 75.º, 77.º e 94.º da Resposta)

34 - Relativamente às facturas, considera também que as mesmas apresentam no seu descritivo menções diferentes, dado que nos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-… apresentam no seu descritivo a menção “venda de equipamento”, enquanto nas demais facturas está inscrita a menção “venda da viatura”.

35 - Relativamente à factura referente ao veículo com a matrícula …-…-…, considera que a perda total do veículo coberto por seguro automóvel não implica, por si só, a transferência da propriedade do objecto segurado para a empresa seguradora. (Cfr. art.ºs 101.º a 107.º da Resposta)

36 - Sobre o veículo com a matrícula …-…-…, considera não ter sido junta ao pedido de pronúncia arbitral a factura referente à pretensa venda do referido veículo. (Cfr. art.º 95.º da Resposta)

37 - Quanto aos veículos objecto de locação financeira, em número de nove, entende que, em matéria de locação financeira, e para efeitos do art.º 3.º do CIUC, é forçoso que os locadores financeiros, como é o caso da Requerente, cumpram a obrigação estabelecida no art.º 19.º do referido Código, para que se possam exonerar da obrigação de pagamento do imposto, pelo que, não tendo sido cumprida tal obrigação, forçoso é concluir que a Requerente é sujeito passivo do imposto.

38 - Por fim, refere não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”.

39 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação exposta, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

40 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

41 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as questões a decidir são, particularmente, as de saber:

a) Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.

c) Se, na data da exigibilidade do imposto, vigorar um contrato de locação financeira que tem por objecto um automóvel, o sujeito passivo do IUC, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2 do CIUC, é o locatário ou a entidade locadora, proprietária do veículo, em nome da qual o direito de propriedade se encontra registado.

d) Se, no quadro de um contrato de locação financeira que tem por objecto um automóvel, na data da exigibilidade do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.

e) Se, no caso de se concluir pelo estabelecimento duma presunção no n.º 1 do art.º 3 do CIUC, os documentos apresentados (facturas e contratos de locação financeira) como prova do direito invocado, são meios idóneos para ilidir a mencionada presunção.

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

42 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

43 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

44 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

45 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi junta aos autos pela AT, e a prova documental integrante do processo, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.  

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

46 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

47 - A Requerente é uma instituição financeira de crédito que, em 30-11-2004, incorporou por fusão, quer os activos e passivos, quer os direitos e responsabilidades da B… - …, LDA e da C… - …, LDA.

48 - As sociedades incorporadas foram tidas como extintas aquando das referidas fusões, ocorridas nos exercícios de 2003 e 2004, sendo que a partir das datas dessas fusões a Requerente incorporou todos os activos e passivos e todas as responsabilidades que integravam o património das sociedades incorporadas.

49 - A Requerente, tem a sua actividade centrada, substancialmente, na celebração de contratos de locação financeira destinados à compra, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

50 - A Requerente foi notificada de setenta e oito liquidações oficiosas de IUC, referentes ao ano de 2013, tal como identificadas nos autos (Doc. 1), relativas aos veículos referenciados no pedido de pronúncia arbitral.

51 - Sessenta e nove dos veículos identificados no processo foram alienados em datas anteriores ao ano de 2013 a que se refere o IUC, estando os restantes nove veículos, com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…, locados - em regime de locação financeira - no ano de 2013, ou seja, na data a que se reporta a exigibilidade do imposto.

52 - A Requerente, nas situações em que não era proprietária dos veículos, nas datas em que o IUC era exigível, ou nos casos em que, nessas datas, os veículos se encontravam locados, por via de contratos de locação financeira em vigor, não procedeu ao pagamento do referido imposto.

53 - Nas datas relativas à exigibilidade do IUC, a que se reportam as liquidações identificadas nos autos respeitantes ao ano de 2013, a propriedade de sessenta e nove, dos setenta e oito veículos em causa nos autos, havia sido transferida para os, até então, locatários, encontrando-se os restantes nove veículos, nas referidas datas, sob a vigência de contratos de locação financeira.

54 - A Requerente, nos casos em que não era proprietária dos veículos, à data em que o IUC está a ser exigido, apresentou cópias das facturas de venda dos veículos e dos correspondentes contratos de locação financeira, e nos nove casos em que, nessa mesma data, os veículos eram objecto de contratos de locação, apresentou os respectivos contratos de locação financeira.

55 - O veículo com a matrícula …-…-…, objecto do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor N.º …, foi facturado, como Perda Total, à Companhia de Seguros Tranquilidade, SA.

56 - Relativamente ao veículo com a matrícula …-…-… não está junto aos autos a factura referente à sua alegada venda.

57 - As facturas referentes aos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-… apresentam no seu descritivo a menção “venda de equipamento”, enquanto nas demais facturas está inscrita a menção “venda da viatura”.  

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

58 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados, relativamente a cada um deles, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

FACTOS NÃO PROVADOS

59 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

60 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 41.

61 - A questão essencial e decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

62 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, configura uma presunção legal ilidível.

63 - A Requerida, por seu lado, considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

64 - Importará notar, antes de mais, que é pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem, aliás, acolhimento no artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

65 - É comummente aceite que, tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se de diversos meios, importando, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar, desde logo, o seu sentido literal. O referido sentido, como também é pacífico, corresponde ao grau mais baixo da actividade interpretativa, importando, por isso, valorá-lo e aferi-lo à luz de outros critérios, intervindo, a esse propósito, os designados elementos de natureza lógica, sejam de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica.

66 - A propósito da interpretação da lei fiscal, cabe lembrar, como, aliás, a jurisprudência vem assinalando, nomeadamente nos Acórdãos do STA de 05/09/2012 e de 06/02/2013, processos n.ºs 0314/12 e 01000/12, respectivamente, disponíveis em: www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC), enquanto preceito fundamental da hermenêutica jurídica, que, neste quadro, não se pode deixar de considerar.

67 - A actividade interpretativa não é, pois, contornável no respeitante à resolução das dúvidas suscitadas pela aplicação das normas jurídicas em causa.

68 - No entender de FRANCESCO FERRARA, in Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2.ª ed.), Arménio Amado, Editor, Sucessor - Coimbra, 1963, p. 131, a referida actividade interpretativa “[…] é única [e] complexa, de natureza lógica e prática, pois consiste em induzir de certas circunstâncias a vontade legislativa”, acrescentando, ibidem, p.130, que “Mirando à aplicação prática do direito, a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

69 - A finalidade da interpretação, diz-nos também o referido autor, ibidem, pp. 134/135, é “[…] determinar o sentido objectivo da lei […]”. A lei, sendo a expressão da vontade do Estado, é uma “[…] vontade que persiste de modo autónomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação”. Daí que a actividade do interprete deva ser a de “[…] buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris”.

70 - Para MANUEL DE ANDRADE, citando FERRARA, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, p. 16 (2.ª ed.), Arménio Amado, Editor, Sucessor - Coimbra, 1963, “A interpretação procura a voluntas legis, não a voluntas legislatoris […], e procura a vontade actual da lei, não a sua vontade no momento da aplicação: não se trata, pois, de uma vontade do passado, mas de uma vontade sempre presente enquanto a lei não cessa de vigorar. É dizer que a lei, uma vez formada, se destaca do legislador, ganhando consistência autónoma; e, mais do que isso, torna-se entidade viva, que não apenas corpo inanimado […]”.

DO ELEMENTO LITERAL

71 - É neste enquadramento que importará encontrar resposta para as questões decidendas, particularmente para a que visa saber se o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção, começando, desde logo, pelo elemento literal.

72 - Sendo o elemento literal o primeiro que importa considerar, em busca do pensamento legislativo, é, necessariamente, por aí que se deverá começar, procurando alcançar o sentido da expressão “considerando-se como tais as pessoas” a que se alude no referido artigo 3.º, n.º 1 do CIUC.

73 - Dispõe o n.º 1 do referido artigo 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.” (sublinhado nosso)

74 - A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se”, o que suscita a questão de saber se, a tal expressão, pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações do ordenamento jurídico português.

75 - Na verdade, são imensas as normas que consagram presunções, conjugando, para o efeito, aliás, o verbo considerar de diversas formas. Não é, pois, difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”, expressões a que, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, é conferido, imensas vezes, um significado equivalente.

76 - Não se afigurando pertinente voltar a referenciar exemplos reveladores dessas situações, dado que tais exemplos estão abundantemente enunciados nalgumas das decisões dos tribunais arbitrais tributários, designadamente nas proferidas no quadro dos Processos nºs 14/2013 - T, 27/2013 - T e 73/2013 - T, damos aqui os mesmos por inteiramente reproduzidos.

77 - Nestas circunstâncias, sendo as mencionadas expressões recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, pode concluir-se não ser apenas o uso do verbo “presumir” que nos coloca perante uma presunção, mas também o uso de outros termos podem servir de base a presunções, como, designadamente, ocorre com a expressão “considerando-se”, o que, em nosso entender, será justamente o que se verifica no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC.

Trata-se, assim, de um entendimento que, não se afigurando corresponder a uma enviesada leitura da letra da lei, como considera a AT, se revela em sintonia com o disposto no n.º 2 do art.º 9.º do CC, na medida em que assegura, ao pensamento legislativo, o mínimo de correspondência verbal aí exigido.

78 - Na perspectiva literal, face ao que se deixa exposto, dúvidas não há de que a interpretação que considera estabelecida uma presunção ilidível no n.º 1 do art.º 3.º tem total respaldo na formulação aí consagrada, face à mencionada equivalência entre a expressão “considerando-se como tais” e a expressão “presumindo-se como tais”.

O elemento linguístico, como atrás se referiu, sendo o primeiro que deve ser utilizado em busca do pensamento legislativo, deve, porém, a fim de se encontrar o verdadeiro sentido da norma, ser submetido ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam tais elementos de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica).

79 - Com efeito, como se retira da obra de MANUEL DE ANDRADE, atrás citada, p. 28, “[…] a análise puramente linguística dum texto legal é apenas o começo […], o primeiro grau […] ou o primeiro acto da interpretação. Por outras palavras, só nos fornece o provável pensamento e vontade legislativa […] ou, melhor, a delimitação gramatical da possível consistência da lei […], o quadro dentro do qual reside o seu verdadeiro conteúdo”.

80 - Assim sendo, vejamos, então, o elemento racional (ou teleológico).

DO ELEMENTO HISTÓRICO E RACIONAL (OU TELEOLÓGICO)

81 - Atendendo aos elementos de interpretação de pendor histórico, cabe, desde logo, lembrar o que, expressamente, vem exarado na exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei n.º 22-A/2007 de 29/06, quando aí se refere que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador […] consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”.

82 - Neste quadro, parece claro que a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel só poderá conviver com um sujeito passivo do imposto, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos viários e ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência, inscrito no art.º 1.º do CIUC.

83 - O referido princípio da equivalência, que informa o actual Imposto Único de Circulação, tem, ao menos na parte em que especificamente respeita ao ambiente, subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido princípio tem, aliás, de algum modo, assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 66.º da Constituição.

84 - O que se visa alcançar por via do referido princípio é internalizar as externalidades ambientais negativas, o que, afinal, no caso dos autos, mais não significa do que fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários, enquanto sujeitos “económico - utilizadores”, como custos que só eles deverão suportar.

85 - Regressando ao mencionado princípio da equivalência, dir-se-á que o mesmo tem, na economia do CIUC, um papel absolutamente estruturante, nele se alicerçando o edifício normativo do Código em questão. O referido princípio constitui, pois, um fim legalmente consagrado que o intérprete não pode deixar de perseguir.

86 - Relativamente ao referido princípio, cabe notar o que nos diz Sérgio Vasques, quando, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 122, a propósito da concretização técnica desse princípio considera que “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve corresponder ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública; ou ao custo que o contribuinte imputa à colectividade pela sua própria actividade”.

87 - Abordando especificamente o IUC, acrescenta o mencionado autor, op. cit., que ”Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também”, acrescentando que a concretização do dito princípio “[…] dita outras exigências ainda no tocante à incidência subjectiva do imposto […]”.

88 - Face ao que vem de referir-se, resulta claro que a tributação dos reais e efectivos poluidores corresponde a uma importante finalidade visada pela lei, no caso pelo CIUC, finalidade que, no dizer de Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, p. 130, deve estar sempre diante dos olhos do jurista, dado que, como o mencionado autor aí refere, “[…] a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”.

89 - Assim, deve notar-se que, seja face aos referidos elementos históricos, seja à luz dos elementos de carácter racional ou teleológico de interpretação que se deixam referenciados, impõe-se, igualmente, concluir que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC só poderá consagrar uma presunção ilidível.

90 - Caberá ainda considerar o elemento sistemático de interpretação.

DO ELEMENTO SISTEMÁTICO

91 - Sobre o elemento sistemático diz-nos BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, que “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.

92 - É sabido que um princípio jurídico, na circunstância o estruturante princípio da equivalência, não existe isoladamente, antes está ligado por um nexo íntimo com outros princípios que integram o diploma legal onde se insere, no caso, com os demais princípios corporizados no sistema inscrito no CIUC. Nesse sentido, cada artigo de um dado diploma legal, no caso do CIUC, só será compreensível se o situarmos perante os demais artigos que o seguem ou antecedem.

93 - No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do referido Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em que têm assentamento em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida.

94 - O elemento sistemático de interpretação e a interacção entre os diversos artigos e princípios que integram o sistema inscrito no CIUC apelam, também, ao entendimento de que o estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC não pode deixar de consubstanciar uma presunção.

95 - Dispõe o n.º 1 do art.º 9.º do CC que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas.

Neste contexto, as considerações formuladas sobre os mencionados elementos de interpretação, sejam os de carácter literal ou os de pendor histórico, sejam os de natureza racional ou sistemática, todos apontam no sentido de que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, estabelece uma presunção, o que significa que os sujeitos passivos do IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se, como tais, as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, a final, vir a ser outros.

Dir-se-á, aliás, que o estabelecimento da presunção na mencionada norma corresponderá à única interpretação que se coaduna com o princípio da equivalência, atrás mencionado.

96 - Ainda a propósito da presunção que vem sendo referida e que se entende estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º, do CIUC, cabe notar o que vem escrito no preâmbulo do recém-publicado Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, quando, referindo-se aos veículos automóveis, considera que “A não regularização do registo de propriedade apresenta graves consequências, quer para quem permaneceu proprietário no registo, quer para quem adquiriu e não promoveu o registo a seu favor, como também para as diversas entidades públicas que assentam as suas decisões sobre titularidades que presumem ser substantivamente verdadeiras”. (sublinhado nosso)

97 - Aqui chegados, cabe lembrar o disposto no art.º 73.º da LGT, quando estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, (sublinhado nosso), o que significa que a presunção legal, que se afigura estar estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, será necessariamente ilidível.

98 - Neste quadro, os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, e apenas em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados.

99 - Com efeito, se o proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado, vier, como ocorre no presente processo, indicar e provar quem eram os proprietários dos veículos em causa, nada justifica, em nosso entendimento, que o anterior proprietário seja responsabilizado pelo pagamento do IUC que for devido.

100 - Acresce, ser esta interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC a que, em nossa opinião, melhor se ajusta aos princípios a que a AT deve subordinar a sua actividade, nomeadamente ao princípio do inquisitório, em ordem à descoberta da verdade material.

101 - A propósito do referido princípio do inquisitório, cabe aludir aos ensinamentos de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488/489, quando, em anotações ao citado art.º 58.º, referem que cabe à administração um papel dinâmico na recolha dos elementos com relevância para a decisão, acrescentando que a “[…] falta de diligências reputadas necessárias para a construção da base fáctica da decisão afectará esta não só na hipótese de serem obrigatórias (violação do princípio da igualdade), mas também se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração deveria ter colhido […]”.

O princípio do inquisitório, acrescentam os referidos autores, idem, “[…] tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão […]”.

102 - A verdade material, consubstanciada, no presente caso, na circunstância de sessenta e nove dos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral terem sido vendidos pela Requerente em momento anterior ao da exigibilidade do imposto, ou seja, à data a partir da qual o credor tributário podia fazer valer, perante o devedor, o seu direito ao pagamento do imposto, e os restantes nove veículos serem, nessa data, objecto de contratos de locação financeira era do conhecimento da AT.

103 - Não se diga, como faz a AT, que o estabelecimento de uma presunção no art.º 3.º do CIUC e as consequências daí resultantes ofenderiam o princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que conduziriam, nomeadamente, ao “entorpecimento do desempenho dos seus serviços, […]”. (Cfr. art.º 130.º da Resposta)

A eficiência da Administração Pública em geral, ou da AT em particular, em sentido corrente, corresponderá à capacidade/metodologia de trabalho orientada para a optimização do trabalho executado ou dos serviços prestados, o que significará produzir o máximo, em quantidade e qualidade, com o mínimo de custos, nada tendo a ver com a observância de princípios legalmente consagrados e com o respeito pelos direitos dos cidadãos, seja, ou não, na qualidade de contribuintes.

104 - Em sentido técnico, dir-se-á que o princípio da eficiência do sistema tributário, é, comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual como é sabido, impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488, nas anotações ao artigo 55.º da LGT, trata-se de um princípio que obriga “[…] a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.

Neste quadro, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados em razão dos meios disponíveis, ou melhor, com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância dos princípios a que a Administração Tributária deve subordinar a sua actividade, designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material, não podendo, naturalmente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita com prejuízo dos direitos dos cidadãos.

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

105 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

106 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

107 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

108 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

109 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

110 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

111 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

112 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

113 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

114 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, verem-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

115 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

116 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que os vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova das referidas vendas, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

L - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

117 - Importa, antes de mais, notar que o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, com a última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Janeiro, dispõe no seu art.º 9.º que são, nomeadamente, obrigações do locador as de conceder o gozo do bem para os fins a que se destina e o de vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato, conforme, respectivamente, as alíneas b) e c) do seu n.º 1.

118 - Por outro lado, face ao estabelecido no art.º 10 º do referido diploma legal, nomeadamente nas alíneas a) dos seus n.ºs 1 e 2, ficamos a saber que são obrigações do locatário pagar as rendas e usar e fruir o bem locado, o que significa que, na vigência de um contrato de locação financeira que tenha por objecto um veículo, só o locatário tem o seu gozo exclusivo.

119 - As obrigações do locatário, à luz das referidas normas, apontam, claramente, no sentido de que é esse sujeito contratual que tem o exclusivo gozo do veículo objecto do contrato de locação financeira, sendo ele que o usa como se fora o verdadeiro proprietário desse bem.

120 - A interpretação do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, face a tudo o que, a este propósito, atrás se deixou dito, tendo em conta, particularmente, a relevância legalmente conferida ao princípio da equivalência, não comporta a tributação, em IUC, do locador, que mais não é do que o proprietário formal do veículo, não tendo, consequentemente, qualquer potencial poluidor, o que significa que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis devem ser assumidos pelos seus reais utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. O locatário, esse sim, tem o pleno uso e fruição do veículo, conforme legalmente estabelecido, sendo o seu verdadeiro utilizador e efectivo gerador dos danos ambientais, devendo, assim, responder pelo correspondente imposto, sendo este o entendimento que se deve colher do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC.

121 - Assim, a interpretação do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC só permitirá perspectivar o locatário como o responsável pelo pagamento do IUC, importando, a este propósito notar o disposto no art.º 19.º do CIUC, quando, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3.º do referido Código, ou seja, para efeitos da incidência subjectiva, vem impor às entidades que procedem à locação financeira a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, o que revela, nomeadamente, que, para efeitos da referida incidência subjectiva, se pretendeu conhecer quem eram, afinal, os reais utilizadores dos veículos locados, para que fossem eles, e não outros, a suportar o imposto único de circulação.

122 - Face ao que vem de referir-se, é nosso entendimento que, se vigorar um contrato de locação financeira na data da exigibilidade do imposto, que tenha como objecto um veículo automóvel, o sujeito passivo desse imposto é, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 3º do CIUC, o locatário, e não o locador.

123 - Neste quadro, excepção feita ao veículo com a matrícula …-…-…, objecto do contrato de locação financeira n.º …, assinado em 14-08-2007, cujo termo ocorreu em 08-08-2012, consequentemente antes da data da exigibilidade do correspondente IUC, que se refere ao ano de 2013, todos os demais contratos relativos aos oito veículos restantes, com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…, estavam vigentes às datas da exigibilidade do IUC, não sendo o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, dado que, face ao que já se referiu, a mesma não era, então, sujeito passivo do imposto.

M - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC AQUANDO DA ALIENAÇÃO DO VEÍCULO OBJECTO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

124 - Antes de mais, importa considerar algumas situações particulares relacionadas com algumas facturas e veículos.

Vejamos,

125 - Relativamente ao veículo com a matrícula …-…-…, objecto do contrato de locação financeira n.º …, vendido, como Perda Total, à Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, tal como consta da factura n. º …, de 02-07-2002, importará saber se foram, ou não, observados os procedimentos, específica e legalmente, previstos a este propósito.

126 - Era, nomeadamente, esperável que, nestas circunstâncias, a referida Companhia de Seguros avaliasse o veículo sinistrado; considerasse, ou não, no quadro das relações contratualmente estabelecidas, o veículo como Perda Total; atribuísse, em caso de Perda Total, uma indemnização pertinente ao caso; colocasse à disposição da Requerente o montante correspondente à indemnização; desagregasse tal montante, caso o salvado ficasse na posse da aludida Companhia de Seguros, evidenciando o montante da indemnização, pela Perda Total, e o montante relativo ao valor do Salvado, cujo somatório corresponderia ao montante colocado à disposição da Requerente.

127 - Os referidos procedimentos especiais, atinentes aos casos em que os veículos intervenientes em acidentes são considerados em situação de Perda Total, decorrem, designa e particularmente, do que se dispõe no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, que regula as condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e resseguradora e do n.º 1, do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, relativo ao Sistema Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel.

128 - No caso em apreço, ou seja, no que respeita ao veículo com a matrícula …-…-…, não se encontra no processo qualquer documentação capaz de sustentar a verificação dos específicos procedimentos atinentes à situação em causa, considerando-se, assim, como não demonstrado que, à data da exigibilidade do IUC, a Requerente não era sujeito passivo desse imposto, sendo, assim, responsável pelo seu pagamento.

129 - Quanto ao veículo com a matrícula …-…-…, constata-se a inexistência de factura que sustente a alegada venda do referido veículo, não ficando, assim, demonstrado que, à data da exigibilidade do correspondente IUC, a Requerente não era sujeito passivo desse imposto.

130 - Quanto às facturas-recibo juntas ao processo, relativamente à venda dos veículos, importa referir que nem todas elas apresentam, como, aliás, nota a AT, identidade no seu descritivo, dado que se numas vem exarada a menção “venda da viatura”, noutras está inscrita a menção “venda de equipamento”, sendo que em todos os casos vem, porém, referenciada a matrícula do correspondente veículo.

 131 - Trata-se, com efeito, da utilização de diversa terminologia para referenciar a mesma realidade, o que, de resto, se verifica também nos contratos de locação financeira identificados nos autos, onde são, indistintamente, usados os termos viatura, bem e equipamento para designar o mesmo objecto contratual, qual seja o respectivo veículo automóvel, como, designadamente, se pode verificar nos contratos n.ºs … e …, onde se usam os termos bem e equipamento para aludir aos veículos a adquirir por cada um dos locatários.

132 - Postas que estão as referidas particularidades, refira-se que, no respeitante aos sessenta e sete veículos restantes, tendo em conta o que se referiu sobre os veículos com as matrículas …-…-… e …-…-…, a Requerente relativamente à sua alienação, juntou as respectivas facturas de venda e os correspondentes contratos de locação financeira, documentos que devem ser perspectivados de forma conjunta e articuladamente, tendo em mente a certeza histórico-empírica da prova, devendo notar-se, também, que cada uma das facturas-recibo, para além de conterem todos os elementos legalmente exigidos, indicam o n.º do contrato de locação financeira a que respeita o veículo locado - agora vendido - bem como o nome do comprador, que corresponde ao do respectivo locatário.

Os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas-recibo que suportam as vendas relativas aos sessenta e sete veículos atrás referenciados, ou seja, os veículos cuja propriedade se transferiu para os ex - locatários em datas anteriores àquelas em que o IUC era exigível, corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, documentos que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art.º 75.º da LGT. Decorre daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos não era a Requerente, mas sim os ex - locatários, não sendo pois, a mesma responsável pelo pagamento do imposto em causa.

N - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

133 - Relativamente aos contratos de locação financeira vigentes à data da exigibilidade do imposto, alegadamente em número de nove, mas que, a final, se reconduzem a oito, na medida em que deles se deve excepcionar, como atrás já se notou, o contrato de locação financeira n.º …, referente ao veículo com a matrícula …-…-…, assinado em 14-08-2007, cujo termo ocorreu em 08-08-2012, consequentemente antes da data da exigibilidade do correspondente IUC, deve entender-se que tais contratos são meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade dos locatários, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, ou seja, para efeitos da sua equiparação a proprietários dos veículos e da sua, consequente, vinculação ao pagamento do imposto em causa. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.

SOBRE AS FACTURA

134 - Tendo sempre em conta a natureza verbal de que se podem revestir os contratos de compra e venda de veículos automóveis, a prova da venda desse bem poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas relativas às vendas dos veículos, devendo lembrar-se que os elementos necessários para efectivação do registo são realidade diversa da prova do negócio sujeito a registo.

135 - Sobre o valor das facturas como documentos capazes de provar as vendas de veículos automóveis, cabe ainda lembrar o disposto no Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, quando, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 2.º, vem, expressamente, considerar as facturas como documentos adequados a fazer prova da venda de veículos, o que é bem revelador das preocupações inscritas na lei, relativamente às consequências negativas decorrentes da não regularização do registo de propriedade dos veículos e, consequentemente, da necessidade de regularizar tais situações.

136 - Como meio de prova de que procedeu à venda dos sessenta e sete veículos atrás aludidos, objecto dos contratos de locação financeira identificados no presente processo, em datas anteriores às da exigibilidade do imposto, a Requerente, para além dos contratos de locação financeira, juntou cópias das facturas-recibo de venda desses veículos, muitas delas processadas por Programas Certificados, identificados pelos n.ºs …/DGCI e …/AT, facturas que, adiante-se, desde já, não permitem considerar que contenham elementos indiciadores de que as correspondentes vendas não foram, na realidade, concretizadas.

137 - As facturas-recibo juntas aos autos, como prova da venda dos veículos, tendo em conta o objecto social da Requerente e a sua actividade empresarial, centrada, substancialmente, na celebração de contratos de locação financeira, findos os quais a propriedade dos aludidos veículos é, por norma, transmitida aos respectivos locatários/adquirentes, mostram-se totalmente ajustadas à mencionada realidade empresarial, sendo absolutamente verosímil a venda dos veículos que as facturas apresentadas visam provar, não se identificando, de todo, elementos que corporizem qualquer contrato simulado, antes permitem concluir estarmos perante facturas que reproduzem a real e verdadeira venda dos veículos às pessoas nelas indicadas.

138 - Dir-se-á, mesmo, que, no caso dos autos, face à referida actividade empresarial da Requerente não será de estranhar, bem pelo contrário, a transferência da propriedade dos veículos identificados nos autos.

139 - Assim, nada permite considerar que os elementos inscritos nas referidas facturas, nomeadamente os que respeitam à identificação dos veículos e dos locatários/adquirentes, bem como os referentes às datas de venda, anteriores à data da exigibilidade do correspondente IUC, são desconformes com a realidade que contratualmente ocorreu, tudo indicando que reflectem e provam os factos nelas mencionados, ou seja, a efectiva venda dos veículos às pessoas nelas indicadas. Acresce que,

140 - As facturas, sendo documentos comerciais indispensáveis, são, igualmente, documentos contabilísticos essenciais, com relevantes implicações no domínio fiscal, devendo notar-se que, no caso dos autos, tendo a Requerente, como tem, uma actividade de natureza empresarial, as ditas facturas estão subordinados a rigorosas regras legais, sejam de ordem comercial, sejam de ordem contabilística e fiscal.

141 - Os documentos em causa nos autos, inscrevendo-se, naturalmente, no quadro das relações comerciais entre duas entidades, no caso entre a Requerente e os ex - locatários/adquirentes dos veículos, visam, por outro lado, e no caso, demonstrar, junto da Administração Tributária, a existência dos negócios em causa, o que lhes confere uma dimensão e valor qualitativamente diferentes, dado que, verificadas certas condições, a legislação tributária entendeu considerá-los como verdadeiros.

142 - Como já se sublinhou, a legislação tributária, designadamente a que atrás se deixa mencionada, reconhece às facturas credibilidade probatória, devendo salientar-se, porque não é questão de somenos, bem pelo contrário, trata-se de questão fundamental, que, tendo tais facturas sido emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, o que não é questionado pela Requerida, a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui-lhe uma presunção de veracidade.

143 - Assim sendo, face à presunção de veracidade conferida, no domínio das relações jurídico-tributárias, aos factos inscritos nos aludidos documentos e sendo a transmissão dos veículos aos seus ex - locatários/adquirentes tida como verdadeira, caberia à AT, face ao disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar a falsidade de tais documentos ou a simulação das vendas neles mencionadas.

144 - Os documentos apresentados pela Requerente, enquanto meios destinados a fazer prova das transacções dos veículos em causa, gozando, assim, da mencionada presunção de veracidade, afiguram-se com idoneidade bastante, em ordem à demonstração das referidas transacções, constituindo, a nosso ver, um meio de prova adequado e capaz de ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC.

145 - Face ao que vem de referir-se, e tendo em conta, quer a presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, quer a transferência de propriedade dos veículos em questão, por mero efeito do contrato, antes da data da exigibilidade do imposto, quer o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, os actos tributários em crise, não podem merecer o nosso acordo, seja porque não se teve em conta uma adequada interpretação e aplicação das normas legais de incidência subjectiva, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de direito, seja porque os referidos actos assentaram numa matéria de facto, claramente divergente da efectiva realidade, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de facto.

146 - Nestas circunstâncias, tendo em conta, por um lado, que a presunção consagrada no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC foi ilidida e que, por outro, os veículos em questão no presente processo foram vendidos em data anterior à da exigibilidade do imposto, ou seja, ao momento em que a Administração Tributária pode exigir a prestação tributária, não se pode deixar de considerar que, aquando da exigibilidade do imposto, face ao disposto no n.º 3 do artigo 6.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIUC, a Requerente não era sujeito passivo do imposto em questão.

147 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consubstancia uma presunção, nem tendo em conta os elementos probatórios que lhe foram apresentados, como resulta do processo, está a proceder à liquidação ilegal do IUC, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do referido art.º 3.º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

148 - Em suma, dir-se-á, em consonância com o que atrás se deixa exposto, que excepão feita às liquidações que não se configuram ilegais, quais sejam as que se referem ao veículo com a matrícula …-…-…, objecto do contrato de locação financeira n.º …, assinado em 14-08-2007, cujo termo ocorreu em 08-08-2012; ao veículo considerado como Perda Total, com a matrícula …-…-…, objecto do contrato de locação financeira n.º …, €, e ao veículo com a matrícula …-…-…, para o qual não se logrou a apresentação de prova que sustente a sua alegada venda, todas as restantes liquidações, seja porque, em oito casos, existiam contratos de locação financeira vigentes à data da exigibilidade do IUC, seja porque, nos casos restantes, à data da exigibilidade do referido imposto, a Requerente não era o verdadeiro e efectivo proprietário dos veículos em questão. Note-se que o montante de IUC liquidado, com referência aos três mencionados veículos, corresponde, respectivamente, à quantia de € 57,41, de € 18,32 e de € 53,44, o que totaliza € 129,17.

149 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar parcialmente procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC, respeitantes a todos os veículos identificados nos autos e referentes ao ano de 2013, à excepção dos veículos com as matrículas …-…-…; …-…-… e …-…-…;

- Anular, consequentemente, os actos de liquidação de IUC, referentes ao ano de 2013, respeitantes aos veículos, tal como atrás se deixam mencionados;

- Condenar a Requerente e a Requerida em custas, que se fixam, para cada uma, na proporção de 2% para Requerente e de 98% para a Requerida.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.257,96.

 

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 17 de Agosto de 2015

O Árbitro

António Correia Valente