DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Carla Castelo Trindade e Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-02-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… - …, S.A., com sede na Rua …, nº …, - … - … LISBOA, inscrito na competente Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com o capital social de € 375.000,00 (doravante "A"), entidade gestora do B…, NIPC …, registado Junto da CMVM sob o código … (doravante "B"), veio, nos termos dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária, 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 43.º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, 129.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e 2.º, 3.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e sejam anuladas as seguintes liquidações:
a) Liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) operada através do Ofício n.º … do Serviço de Finanças de ... (Entrada Geral nº 2014…), datado de 12/08/2014 e notificado ao Requerente em 14/08/2014, no montante de € 519.572,60;
b) Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2010 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30/09/2014, no montante de € 11.255,85;
c) Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2011 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30/09/2014, no montante de € 6 15.007,80;
d) Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2012 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30/09/2014, no montante de € 13.525,78.
e) Parcialmente da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2013 …, notificada ao Requerente em 1-10-2014, no montante de € 11.593,53.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15-12-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-02-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-02-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a matéria relativa à isenção de IMI e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição do pedido.
O Requerente respondeu à excepção.
Em 13-05-2015, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
As partes apresentaram alegações.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Há que apreciar, previamente, a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. Questão da incompetência material
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral por, em suma, estar em causa a apreciação de uma isenção de IMI e, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira não estar abrangido no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.
Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Compreenda-se a este propósito que uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação de IMI (e IMT), que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.
Por isso, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) O B…, NIPC …, tem como entidade gestora a Requerente A… - …, S.A., NIF …;
b) O B… é um fundo fechado, autorizado através da Portaria nº. …/95, publicado na II Série do Diário da República de …-…-1995;
c) O B… tem o Regulamento de Gestão que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere o seguinte:
"A política de investimento do B… é vocacionada para a aquisição de imóveis afectos à actividade turística para efeitos de arrendamento, tais como:
• de animação turística com carácter Inovador;
• hoteleiros e de animação turística que envolvam a recuperação de património arquitectónico histórico e cultural;
• hoteleiros que necessitem de modernização e redimensionamento;
• turísticos que envolvam a recuperação de imóveis não concluídos, cujas obras se encontrem paradas há mais de cinco anos e que constituam factor de degradação ambiental;
• saneamento financeiro de empreendimentos economicamente viáveis,"
d) O B… elaborou o Relatório de Actividade relativo ao exercício findo em 31-12-2010, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, onde se indica, além do mais que os participantes no Fundo, no exercício de 2010, são os seguintes:
;
e) O B… elaborou o Relatório de Gestão relativo ao exercício de 2013, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, onde se refere que os participantes no B… são os seguintes:
f) O B… elaborou o Relatório e Contas relativo ao exercício de 2013, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, que a A…, entidade gestora do B…, é uma empresa pública de capital maioritariamente público cuja missão consiste na concretização de políticas públicas visando o fortalecimento da competitividade do turismo nacional, intervindo sobre a componente Imobiliária das empresas do sector;
g) O objectivo essencial deste fundo de investimento imobiliário é o reforço da capacidade financeira das empresas turísticas que concretiza através de operações que consistem na aquisição a empresas turísticas e concomitante arrendamento às mesmas dos imóveis afectos à actividade turística (depoimentos das testemunhas);
h) Na A… - …, S.A. foi elaborada a comunicação interna que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa ao imóvel referido no Relatório da Inspecção Tributária, referindo uma reunião de quadros da A… com representantes legais da C… - …, Lda, com o objectivo de analisar uma operação de compra e venda e de arrendamento por um dos fundos de investimento Imobiliário geridos pela A…, de um Imóvel onde seria instalado um hotel, indicando-se as seguintes características:
Imóvel: hotel de 5***** com 38 quartos
localização: praia do …, concelho de ...
unidade integrada num resort (que corresponde à 2ª fase do projecto …) que Inclui ainda: complexo de piscinas interiores e exteriores, SPA, vários restaurantes, salas de reuniões, espaços comerciais, aldeamento turístico (132 moradias/apartamentos de diversas tipologias).
investimento total: 32M€ (do qual hotel (12ME), apartamentos turísticos;2,5M€), aldeamento turístico (I7,5M€)
calendarização prevista:
• obtenção da LUT; num prazo de cerca de 4 meses
• abertura: Abril de 2010;
e da operação proposta:
• aquisição do imóvel após obtenção da LUT
• B operação seria previamente aprovada pela A… de modo a que os promotores obtivessem um financiamento Intercalar
• valor de aquisição: 6Me-8M€, em função de negociações a encetar corno Barclays a fim de desonerar o Imóvel
(...)
O projecto tem tido o apoio financeira de Barclays, Atendendo á situação do mercado imobiliário o projecto enfrenta a uma situação de falta de liquidez: estimando-se que para a conclusão do Hotel é necessário um valor de cerca de 3M€.
Os promotores propuseram à D… um Investimento de 5M€.
2.
Face ao acima exposto e atendendo a que a liquidez do E… (parte afecta ao turismo) é de cerca de 41,5 M€ mas os projectos em análise ascendem a cerca de 84 ME (dos quais o valor de cerca de 15M€ foi Já aprovado em sede de CE), consideramos, salvo melhor opinião, que se deverá proceder à análise da operação proposta no âmbito do B… ou B… II. Importa ainda referir que será analisada, em documento próprio, a escolha do Fundo (B… Ou B… II) através do qual esta operação poderá ser realizada, face à actual liquidez dos Fundos e carteira de projectos em análise.»
i) Em 03-12-2009, foi efectuada uma reunião da Comissão Executiva da A… - …, S.A. em que foi deliberada a aprovação da aquisição do imóvel referido pelo valor de 6,5 M€ e o seu arrendamento, por um prazo de 15 anos e renda indexada à Euribor a 12 meses: acrescida de 2%. (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) Em carta datada de 10-12-2009, a Requerente dirigiu à C… – …, S.A. (doravante «C…»), a carta que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Na sequência dos contactos havidos com V.Exa., e da análise da operação proposta, vimos por esta melo Informar que a Comissão Executiva da A…-…, S.A., por deliberação de 3 de Dezembro de 2009, aprovou a realização às operação de aquisição com arrendamento subsequente do imóvel "Hotel …", nas seguintes condições:
1. O B… II adquirirá o imóvel à C…-…, S,A. (C…) pelo valor de € 6.500,000,00 (seis milhões e quinhentos mil euros);
2. O B… II dará de arrendamento à F…-…, S.A. (F…), por um período de quinze anos, renovável, o imóvel, pelo valor Igual ao da soma do produto do valor de aquisição com a taxa EURlBOR a 12 meses acrescida de dois por cento e do valor correspondente a melo por cento do volume de negócios;
3. A sociedade F… e a C… deterão, ao fim de quinze anos, a opção de compra do Imóvel, pelo valor de € 8.127.000 (oito milhões, cento e vinte e sete mil euros);
4. Será entregue, pela F…, garantia bancária, para garantia da obrigação de pagamento das rendas e de outras eventuais obrigações definidas no contrato de arrendamento. A garantia será emitida pelo valor da renda anual e deverá ser anualmente renovada pelo valor global das rendas devidas para cada um dos anos subsequentes;
5. Será mantido válido e actualizado, por conta e encargo da arrendatária, por todo o tempo do arrendamento, seguro contra todos os riscos, designadamente incêndio, inundações e outras calamidades, relativo ao imóvel, a favor do senhorio, com cláusula da reversão para o senhorio da indemnização decorrente de tal ou tais sinistros;
6. O Imóvel será entregue livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidade.
Importa salientar que deverá ser comprovado, mediante declaração electrónica do IAPMEI, que a C… e a F… são PME nos termos do Decreto-Lei nº 372/2003, de 6 de Novembro e da Recomendação da Comissão 2003/361/CE, de 6 de Maio e que, durante a vigência do arrendamento, a F… não sofrerá alterações na estrutura accionista que tenham implicações na sua qualificação como PME.
k) Em carta datada de 05-01-2010, a Requerente dirigiu à C… - …, S.A., a carta que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Na sequência dos contactos havidos com V.Exa., e da reunião do passado dia 17 de Dezembro de 2009, vimos por este meio informar que a Comissão Executiva da A…-…, S,A., por deliberação de 22 de Dezembro de 2009, decidiu, relativamente à operação de aquisição com arrendamento subsequente do imóvel "Hotel …", aprovada em 3 de Dezembro de 2009 nos termos descritos na carta de 10 de Dezembro de 2009, com a Refª Nº …/2009, autorizar que:
« o contrato de arrendamento seja celebrado com a C…-…, S.A. (C…), como Inquilina;
• na actualização anual da renda, nos termos previstos no ponto 3. da carta acima referida, o volume de negócios considerado corresponda ao valor total das receitas obtidas no hotel no ano civil Imediatamente anterior, sendo que o valor das receitas de alimentação e bebidas considerado não poderá exceder, em cada ano, o valor indicado na tabela apresentada em anexo;
• no primeiro ano de vigência do arrendamento o pagamento da renda relativa aos quatro primeiros mesas seja efectuado entre o nono e o décimo segundo mês desse mesmo ano;
• a opção de compra do imóvel, prevista no ponto S. da carta acima referida, seja detida pela C… ou por sociedade a Indicar previamente por esta ao senhorio, que tenha por objecto a exploração de estabelecimentos hoteleiros;
a opção de compra do Imóvel possa ser exercida a partir do terceiro ano de vigência do arrendamento de acordo com a seguinte fórmula -8.127.000€X[(1,01)^(-n)], em que n é o número de anos que faltam para cumprir o prazo de duração efectiva do arrendamento, contando-se, para este efeito, como completos independentemente do número de meses em falta.
Na expectativa da V. resposta, apresentamos os nossos melhores cumprimentos e colocamo-nos à disposição para prestar qualquer esclarecimento que entendam ser necessário.
l) Após a aprovação do Investimento, a C… pode utilizar uma tranche do crédito hipotecário contratado com o Barclays Bank e originalmente destinada à construção do aldeamento turístico para financiar a conclusão das obras de construção do hotel, assumindo o compromisso de reembolsar esta tranche destinada ao aldeamento turístico através de um financiamento adicional e Intercalar a contratar com aquele banco (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal);
m) Em 09-04-2010, a Câmara Municipal de ... emitiu o alvará de utilização n.º …/2010, pelo qual autoriza a utilização como hotel do prédio urbano designado por Lote …, sito em …, freguesia de …, concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e Inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo … (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) Em 23-06-2010, a C… formalizou com o Barclays Bank Pic. um empréstimo bancário, adicional e Intercalar - sob a forma de abertura de crédito com hipoteca - no montante de € 6,5000.000,00, concedida pelo prazo de 6 meses (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
o) Esta abertura de crédito teve como único objectivo a antecipação dos fundos resultantes do financiamento já aprovado com o B… o que se viria a concretizar em Novembro de 2010 (prova testemunhal);
p) Em 21-09-2010, a C… requereu ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças do concelho de ..., isenção de IMI pelo período de 7 anos, relativamente ao prédio acima referido, com fundamento em ter sido atribuída a título definitivo utilidade turística ao Hotel …, pelo prazo de 7 anos (página 9 do documento «PA2.pdf» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Em 22-09-2010, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças do concelho de ...
«Analisados os documentos juntos ao processo reputados por convenientes para a decisão, nomeadamente o Despacho nº …/2010 do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República,2ª Série, nº …,de … de … de 2010, que concede a utilidade turística a título definitivo ao Hotel …, sito em … - ... - propriedade da requerente, e, no uso da competência que me é dada pelo já mencionado nº 4 do art. 47º do EBF, conjugado com o nº 2 do mesmo artigo, concedo a isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis, pelo período de 7 (sete) anos ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, deste concelho, sob o artigo nº …, contados a partir da data da concessão da utilidade turística/data do alvará de utilização …/2010.emitido pela Câmara Municipal de ... em 9 de Abril de 2010 e.com término em 9 de Abril de 2017» (página 11 do documento «PA2.pdf» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
r) O Despacho referido na alínea anterior foi notificado à C… através de ofício datado de 22-09-2010 (página 12 do documento «PA2.pdf» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
s) Em 12-11-2010, a A… procedeu à autoliquidação do IMT referente à aquisição do referido prédio urbano gozando de isenção deste imposto (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
t) A A… requereu, em 23-11-2010 ao Serviço de Finanças de Lisboa-… a renúncia à isenção de IVA na aquisição do Hotel …, tendo instruído este pedido com vários documentos, entre os quais, se encontram o comprovativo da liquidação do IMT, com referência expressa ao benefício consagrado no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro e a minuta do contrato de arrendamento (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) Em 25-11-2010, o B… adquiriu à C…, pelo preço de € 7.000.000, o prédio urbano designado por Lote …, sito em …, freguesia de …, concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e Inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo … (resultante do anterior artigo matricial …) tendo simultaneamente arrendado o imóvel adquirido à ante proprietária (documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
v) Na sequência da aquisição do imóvel, o Serviço de Finanças de ... procedeu à alteração do respectivo titular a favor do Requerente tendo, nessa ocasião, mantido a Isenção de IMI resultante do art. 47.º do EBF (documento n.º 15-A junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
w) Na sequência de uma Ordem de Serviço interna com o n.º …2013…, de 27-08-2013, emitida pela Direcção de Finanças de Faro, no âmbito da autorização concedida, nos termos do artigo 17.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), pela Direcção de Finanças de Lisboa, foi iniciada em 03-04-2014 uma acção de inspecção ao B…, que foi concluída em 05-05-2014;
x) O início e o termo do procedimento de inspecção não foram notificados ao Requerente, nem lhe foi dado conhecimento da OI2013…;
y) Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou um Relatório da Inspecção Tributária em que, além do mais, se refere o seguinte:
1. Em 2010/11/25, por escritura pública de compra e venda e Arrendamento [Livro … - A, Folhas 90 a 93 e documento complementar e respetivos anexos folhas 242 a 265) lavrada no Cartório Notarial de … (NIF …), o sujeito passivo B… Gerido Por A… - … SA (B…), NIPC …, representado pelo A… - … SA, NIPC…, adquiriu o prédio urbano, composto por um conjunto de dez edifícios, com dois pisos e logradouro com piscina, destinado a Hotel, designado por lote …, sito em …, freguesia …, concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e com o valor patrimonial de €3.751.950,00.
2. É referido na citada escritura que o sujeito passivo, B…, dá de arrendamento o prédio urbano identificado à sociedade alienante, C… - …, SA, NIPC …, (a qual toma de arrendamento para fins não habitacionais e com prazo certo), nos termos exarados no documento complementar.
3. É ainda referido que se encontram arquivados os certificados de renúncia à isenção de IVA quer pela sua transmissão do referido imóvel, comprovativo de que a sociedade alienante manifestou intenção, ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, sendo o IVA devido pelo adquirente, quer na locação do mesmo, comprovativo que o B…, manifestou a intenção, ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do IVA nas referidas operações relativas a bens imóveis.
4. A aquisição do referido imóvel foi efetuada à sociedade C… - …, SA, pelo montante total de €7.000.000,00, tendo indevidamente beneficiado da isenção de IMT, previstas no artigo 20.º do DL 423/83, de 05 de dezembro, referente a Utilidade Turística.
5. No documento complementar à respetiva escritura, folha 242 verso alínea c), é referido que no imóvel identificado (artigo …)"....... no qual se encontra instalado o estabelecimento hoteleiro denominado "Hotel …...."
6. Efetivamente, por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2010/07/12, despacho n.º …/2010 publicado no Diário da República n.º …, 2a Série, de 2010/…/…, foi atribuída utilidade turística a título definitivo ao "Hotel …", nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.
7. Sendo requerente a sociedade C… - …, SA (NIPC …), foi-lhe atribuída uma validade de 7 anos a contar da data do alvará de utilização para fins turísticos, n.º …/2010, emitido pela Câmara Municipal de ... em 2010/04/09, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.
8. A isenção de IMT baseou-se no estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83 de 5 de Dezembro, o qual refere que: "São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a titulo prévio...".
9. Da leitura desse dispositivo legal excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados, que não sejam objeto de remodelação ou ampliação. A intenção em conceder tais benefícios a estas aquisições visa, tão-somente, fomentar o investimento e impulsionar a atividade turística para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos, não sendo aplicável à mera aquisição de imóveis que constituem ou integrem empreendimentos já construídos e instalados.
10. Aliás, este entendimento vai de acordo com a decisão emanada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013, processo nº 968/12 - 2a Secção (publicado no DR nº 44, 1.ª Série, de 4 de Março de 2013), proferido em julgamento ampliado, nos termos do artigo 148º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), no qual se pode ler:
"Resulta patente das considerações do Grupo de Trabalho que o legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas &m data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento." (parágrafo 5.º da folha 1211)
".., afigura-se evidente que o adquirente das frações não se toma, por tal facto. um cofinanciador do empreendimento, com a responsabilidade da instalação, uma vez que está a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial, como qualquer consumidor final, quer a aquisição seja concretizada em planta quer depois de instalado/construído o empreendimento." {parágrafo 9 da folha 1211)
"..., os promotores dos empreendimentos são os únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração." (parágrafo 11 da folha 1211)
"O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades." (parágrafo 13 da folha 1211)
"... no conceito de instalação não pode estar incluída a aquisição de unidades de alojamento que fazem parte do empreendimento, porque essa aquisição é feita tendo em vista a sua exploração a qual só pode ocorrer após o acto final do procedimento de instalação, ..."(parágrafo 12 da folha 1212)
11. Ora, por tudo o atrás mencionado, considera-se que a isenção de IMT em apreço foi indevidamente reconhecida, uma vez que a aquisição do imóvel em causa "Hotel…’' por parte do adquirente não se destinou à instalação do estabelecimento/empreendimento, o qual já se encontrava devidamente instalado.
12. Assim, o reconhecimento indevido desta situação resultou na falta de entrega de IMT, no montante de €455.000,00, como a seguir se demonstra:
13. Em sede de Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI), verifica-se que a sociedade C… -…, SA, nos termos do citado artigo 47.º do EBF, requereu em 2011/01/07 a isenção do referido imóvel (artigo 3584) da freguesia de …, por um período de 7 anos, a qual foi reconhecida pelo período de 2010 a 2016 inclusive, conforme despacho de 2011/01/10 do Chefe de Finanças do Serviço da ....
14. O referido artigo 47.º do EBF, dispõe no seu número 1 que "Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha s/do atribuída a utilidade turística."
15. Refere ainda o seu número 4 que "Nos casos previstos neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data de publicação do despacho de atribuição da utilidade turística."
16. Consultado o sistema do Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI), constata-se que a respetiva fração beneficia de isenção por utilidade turística, com início em 2010 e término em 2016, nos termos do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
17. O sujeito passivo ao adquirir a propriedade, titularidade, do imóvel à sociedade C… — …, SA, e para usufruir da isenção consagrada no 47.º EBF, deveria ter dado cumprimento ao disposto no número 4 do citado artigo, isto é, apresentado requerimento à Administração Tributária (anterior DGCl), dentro do prazo legal, a solicitar isenção à entidade competente para o seu reconhecimento, Chefe de Finanças da área da situação do prédio, o que não se verificou.
18. Ora, não tendo sido efetuado tal procedimento, resulta que a partir do momento em que o imóvel é objeto de transmissão da sua propriedade, titularidade, para o sujeito passivo, a isenção anteriormente reconhecida cessa, não se transmitindo ao adquirente desta, isto é, não acompanha o imóvel, sendo necessário a apresentação do pedido para reconhecimento da mesma, nos termos do já citado n.º 4 do artigo 47.º do EBF, tendo a omissão deste procedimento como consequência a perda do benefício da isenção por utilidade turística daquele imóvel.
19. O sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), à data de 2010/12/31 era proprietário do referido imóvel, imóvel este que, a partir da data da sua aquisição, por mudança de proprietário, não aproveita a isenção requerida e reconhecida à sociedade C… - …, SA.
(...)
O Decreto-lei n.º423/83, de 5 de dezembro, constituiu um instrumento jurídico de fomento e incentivo ao investimento no sector do turismo, que se quer de qualidade. Este impulso que se pretendeu dar ao sector do turismo, está bem patente desde logo no artigo 5º.
Com efeito, a lei apenas reconhece a possibilidade de ser atribuída a utilidade turística a empreendimentos que resultem de um direto investimento, traduzido quer na construção de empreendimentos novos, quer na remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais, quer na realização de obras conducentes ao aumento da capacidade em, pelo menos, 50%.
Por esse motivo, o legislador entendeu atribuir benefícios fiscais em sede de imposto de sisa (atual IMT) e do selo, às empresas proprietárias que realizam o esforço do investimento.
Pretendeu o legislador impulsionar este sector de atividade, prevendo isenção/redução de pagamento de sisa/selo, mediante determinadas condições, a quem cria estabelecimentos turísticos, e não a quem se limita a comprar prédios/frações pertencentes a empreendimentos já instalados.
Quando o legislador diz, no n.º 1 do artigo 20.º, com destino à instalacão" tal significa que se trata apenas de aquisições de prédios efetuadas com o intuito de neles construir/melhorar empreendimentos turísticos, e não a aquisição de prédios / frações integradas em empreendimentos já construídos e instalados.
Este entendimento e interpretação perfilhados pela Administração Tributária, e que decorre do elemento histórico, racional/teleológico, mas também literal das normas jurídicas em apreço, é o entendimento também perfilhado pelo TCA do Sul, Acórdão n.º 4424/10, de 2011/10/18 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013.
A aquisição do prédio destinado a Hotel por parte do sujeito passivo, o arrendamento pelo prazo de 15 anos à ante proprietária e a opção de compra concedida, configura uma operação e uma modalidade de financiamento (parágrafos 33.º, 34.º e 35.º).
A referida operação de financiamento enquadra-se no âmbito do objectivo essencial do sujeito passivo (parágrafo 16.º, 17.º), fundo de investimento imobiliário, de contribuir para o reforço da capacidade financeira das empresas turísticas, através da aquisição e arrendamento de imóveis afetos à atividade turística (parágrafo 36-º).
Como refere desde logo o sujeito passivo (parágrafo 18.º), estas operações permitem por um lado a separação entre a propriedade dos ativos imobiliários e a respectiva gestão e, por outro a dotação das empresas de liquidez financeira imediata, pelo que o está em causa não é a aquisição de prédio com o intuito de nele construir/melhorar empreendimento turístico mas sim de garantir condições no investimento/financiamento realizado por parte do B….
No entanto é a empresa ante proprietária, C…, quem promoveu a instalação e realizou o esforço do investimento (conforme é referido pelo sujeito passivo parágrafo 41.º a 50,º) não sendo relevante para efeitos do benefício da referida isenção de IMT o financiamento desse investimento, como suscita o sujeito passivo no seu parágrafo 51º, referindo que em termos de substância económica, o investimento/financiamento do B… se destinou à instalação do estabelecimento hoteleiro, tendo financiado o investimento imobiliário realizado pela C… naquele empreendimento turístico, nem facto de ter verificado ou não a repercussão do referido imposto (52.º a 56.º), referindo que quem beneficia em termos económicos e financeiros com a isenção de IMT de que goza a aquisição do Hotel é a C…, o promotor/construtor do empreendimento turístico, pois não tem que suportar o encargo correspondente a este imposto nas rendas cobradas pelo B….
Não se torna também relevante o facto do prédio continuar afeto a exploração turística, já que a operação em si mesma cai fora da previsão estabelecida no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, que reconhece a isenção do pagamento do imposto da sisa/IMT.
Em sede de IMl, e como é referido, e bem, pelo sujeito passivo (72.º a 74.º) foi incorretamente referido no ponto 13 do capítulo III que a sociedade C… requereu em 2011/01/07, quando deveria ler sido referido 2010/09/21, a isenção do referido imóvel (artigo 3584) da freguesia de …, por um período de 7 anos, a qual foi reconhecida pelo período de 2010 a 2016 inclusive, conforme despacho de 2011/01/10, quando deveria ter sido referido de 2010/09/22 do Chefe de Finanças do Serviço da ....
Em relação às questões suscitadas pelo sujeito passivo e coma já foi referido do capítulo III, o sujeito passivo ao adquirir a propriedade, titularidade, do imóvel à sociedade C…- …, SA, e para usufruir da isenção consagrada no 47.º EBF, deveria ter dado cumprimento ao disposto no número 4 do citado artigo, isto é, ter apresentado requerimento à Administração Tributaria devidamente documentado para usufruir dos efeitos da atribuição da utilidade turística, no prazo de sessenta dias a contar da aquisição do imóvel.
Com efeito, para usufruir da isenção em sede fiscal, é necessário o impulso do interessado através da apresentação do requerimento à Administração tributária, dentro do prazo legal, a solicitar a isenção à entidade competente para o seu reconhecimento Chefe de finanças da área da situação do prédio.
Ora, não tendo sido efetuado tal procedimento, e como já foi referido no capítulo III (no ponto 18) resulta que a partir do momento em que o imóvel é objeto de transmissão da sua propriedade, titularidade, para o sujeito passivo, a isenção anteriormente reconhecida cessa, não se transmitindo ao adquirente desta, isto é, não acompanha o imóvel, sendo necessário a apresentação do pedido para reconhecimento da mesma, nos termos do já citado n.º 4 do artigo 47.º do EBF, tendo a omissão deste procedimento como consequência a perda do beneficio da isenção por utilidade turística daquele imóvel.
O sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), à data de 2010/12/31 era proprietário do referido imóvel, imóvel este que, a partir da data da sua aquisição, por mudança de proprietário, não aproveita a isenção requerida e reconhecida à sociedade C… - …, SA
Com efeito e em matéria de reconhecimento de benefícios fiscais, a partir do momento que o imóvel para o qual foi anteriormente reconhecida isenção, tenha sido objecto de transmissão, transitando para a esfera jurídica de outrem, a isenção anteriormente reconhecida não se transmite, portanto não persegue o prédio, é necessário haver impulso por parte do adquirente através da apresentação de um requerimento, acompanhado dos documentos necessários que comprovem, certifiquem o facto determinante da isenção, dirigido ao Chefe de Finanças da área da situação do mesmo, dentro do prazo dos sessenta dias.
Face ao exposto, ao já referido no capítulo III e verificando-se que não tendo o sujeito passivo apresentado requerimento a solicitar a isenção, nos termos do artigo 47.º do EBF, resulta que o referido imóvel, em 2010/12/31, já não beneficiava da isenção por utilidade turística, pelo que, o sujeito passivo encontra-se a beneficiar indevidamente da referida isenção desde o ano de 2010.
O B…, como refere o sujeito passivo (parágrafo 7,º), é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, cuja constituição foi autorizada pela Portaria n.º …/95 (2.a Série), do Gabinete do Secretario de Estado Adjunto e do Tesouro, publicada no Diário da República, II Série, de …/…/1995 que aprovou o respetivo regulamento de gestão.
No ano de 2010 e com a entrada em vigor da lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, através do seu artigo 109.º, foi alterado artigo 49.º do Estatuto dos benefícios fiscais, revogando-se o seu n.º 2 e limitando-se a aplicação das isenções previstas no seu n.º 1, referentes ao imposto municipal sobre imóveis e ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
Assim, face ao exposto e não existindo nenhuma causa de exclusão de tributação, são de manter as correções propostas no capítulo III em sede de IMT e IMI.
z) Através de ofício datado de 12-08-14, recebido em 14-08-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou o Requerente nos termos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:
Por escritura de compra e venda e arrendamento lavrada no Cartório Notarial do Dr. …, em 25 de Novembro de 2010, a fls. 90 a 93 do liv. nº …, adquiriu pelo preço de €7.000.000,00, o prédio urbano destinado a Hotel, designado por lote nº …, sito em …, …, freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de ..., sob o artigo nº …, com isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nos termos do art.º 20º do DL 423/83, de 5 de Dezembro, referente a Utilidade Turística.
Em face do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro na sequência da Ordem de Serviço nº OI2013…, sancionado por despacho de 2014-07-02 do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, cuja cópia se anexa, foi verificado que beneficiou indevidamente da isenção de IMT ao abrigo do disposto nº 1 do art.º 20º do DL 423/83, de 5/12, no montante de €455.000,00 (€7.000.000,00 * 6,5%).
Assim, fica notificado, nos termos do nº 1 do art. 38º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do art 36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para nos 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de receção, solicitar neste Serviço de Finanças, documento de cobrança para efectuar o pagamento da quantia de €519.572,60 (quinhentos e dezanove mil, quinhentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos), sendo €455.000,00 de IMT e €64.572,60 de juros compensatórios contados da data da escritura (2010-11-25) até à data da análise efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária (2014-06-11), que correspondem a 1295 dias, à taxa de 4%.
Da liquidação do IMT poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º, 99º e 102º do CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do nº 3 do art.º 38º do CIMT.
aa) Ainda na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou as seguintes liquidações de IMI:
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2010 …, datada de 13-08-2014 e notificada ao Requerente em 30-09-2014, no montante de € 11.255,85;
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2011 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30-09-2014, no montante de 6 15.007,80;
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2012 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30-09-2014, no montante de € 13.525,78;
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2013 …, notificada ao Requerente em 1-10-2014, em que se inclui o montante de e 11.593,53, relativo ao prédio sito no Município de ..., referido no Relatório da Inspecção Tributária;
bb) Na sequência de requerimento da C… - …, S. A., pelo Despacho n.º …/2010, de …-…-2010, do Senhor Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de …-…-2010, cujo teor se dá como reproduzido, foi atribuída utilidade turística ao Hotel …, pelo prazo de 7 anos;
cc) Em 09-09-2014, o Requerente pagou a quantia de € 519.572,60 relativa à liquidação de IMT com o n.º de identificação de documento … (página 5 do documento «PA2.pdf», do processo administrativo e documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
dd) Em 01-10-2014, o Requerente pagou as quantias de € 11.255,85, € 15.007,80, e € 13.525,78 correspondentes às liquidações de IMI n.ºs n.º 2010 …, 2011 … e 2012 …, respectivamente (documentos juntos às respectivas liquidações com o pedido de pronúncia arbitral);
ee) Em 09-10-2014, o Requerente pagou a quantia de € 30.968,76, correspondente à liquidação n.º 2013 …, em que se inclui a de € 11.593,53 relativa à parte da liquidação correspondente ao imóvel referido no Relatório da Inspecção Tributária (documento juntos liquidação com o pedido de pronúncia arbitral);
ff) Ao celebrar o contrato de aquisição e arrendamento do imóvel referido no Relatório da Inspecção Tributária, o Requerente estava convencido de que seriam aplicáveis isenções de IMT e IMI, tendo o montante das rendas sido determinado com base nesse pressuposto;
gg) A Administração Tributária só a partir de 2010 começou a aplicar o entendimento de que nas situações do tipo da que é objecto do contrato celebrado pelo Requerente com a C… não eram aplicáveis as isenções de IMT e IMI;
hh) Em 24-11-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou se a escritura de compra e venda e arrendamento do imóvel foi obtida mediante diligência realizada pela Administração Tributária junto do Cartório Notarial … ou lhe foi por este enviada oficiosamente.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo e na prova testemunhal.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.
3. Matéria de direito
3.1. Ordem de conhecimento de vícios
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à declaração de IRS vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
A imputação de vícios numa relação de subsidiariedade é permitida pelo artigo 101.º do CPPT.
Está subjacente ao estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios uma opção legislativa no sentido de a procedência de um dos vícios prejudicar o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios, seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se processasse.
No caso em apreço, o Requerente imputa vícios à liquidação de IMT segundo uma ordem de subsidiariedade, como decorre da 2.ª parte do artigo 78.º, da 2.ª parte do artigo 135.º e 2.ª parte do artigo 167.º do pedido de pronúncia arbitral, em que, depois de arguir o vício de preterição de formalidade legal essencial, refere que:
Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite, e sem conceder, sempre se dirá que a liquidação de IMT n.º 2014… de 14 de Agosto de 2014 é ilegal por violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (realce nosso).
(...)
Ainda que assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se admite, e sem conceder, sempre se dirá que a referida liquidação de IMT relativa à aquisição do Hotel … é inconstitucional pois viola o princípio da confiança legítima ínsito ao conceito de Estado de Direito fixado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (realce nosso).
(...)
Ainda que assim não se considere, o que só por mero dever de patrocínio se concebe e sem conceder, sempre se dirá que a liquidação de IMT n.º 2014… de 14 de Agosto de 2014 ao revogar o benefício concedido ao abrigo do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, é ilegal por violação do disposto nos artigos 140.º e 141.º do Código de Procedimento Administrativo (realce nosso).
Aquelas expressões «caso assim não se entenda», «ainda que assim não se entenda» e «ainda que assim não se considere» revelam que o Requerente apenas pretende que sejam apreciados os vícios de violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança e de ilegalidade da revogação do benefício se isenção de IMT, que também imputa à liquidação de IMT, se não proceder o vício de preterição de formalidade legal.
Em relação às liquidações de IMI o Requerente imputa em primeiro lugar vício de violação do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e, depois, cumulativamente vício de violação do mesmo artigo e do artigo 15.º, n.º 2, do EBF.
3.2. Vício de falta de notificação do início e fim da inspecção tributária
O Requerente imputa à liquidação de IMT vício procedimental, por não ter sido notificado do início e do fim da inspecção tributária, que entende dever ser qualificada como externa.
De harmonia com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o procedimento de inspecção é «externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso» e é «interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos».
Nos termos do artigo 49.º do RCPIT, «o procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início».
Como resulta daquele artigo 13.º, n.º 1, não é apenas o local onde se realizam os actos de inspecção que releva para qualificar o procedimento como interno ou externo, sendo também decisiva a actividade que nele se desenvolve, pelo que, sempre que a actividade não se reduza a mera análise formal e de coerência de documentos que tenham sido apresentados à Autoridade Tributária e Aduaneira estar-se-á perante procedimento externo.
Aquela referência à análise formal e de coerência de documentos como única actividade que pode ser realizada num procedimento de inspecção interno mostra que este tem por objecto os elementos declarados e apresentados à Autoridade Tributária e Aduaneira pelos sujeitos passivos, traduzindo-se na mera verificação da sua correcção formal e sua adequação para confirmar os elementos declarados ( [1] ).
No caso em apreço, não se apurou como chegou ao poder da Autoridade Tributária e Aduaneira a escritura pública em que se baseia o Relatório da Inspecção Tributária, que, aliás, nem consta do processo administrativo enviado ao Tribunal Arbitral. Acresce que a actividade desenvolvida não se limita a uma análise formal e de coerência de documentos que estivessem em poder da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que, só por si, impede que se qualifique a inspecção como interna.
Por isso, o Requerente tem razão ao defender que o procedimento de inspecção deve ser qualificado como externo, pelo que, nos termos do artigo 49.º do RCPIT, deveria ser notificado o seu início ao Requerente com uma antecedência mínima de cinco dias.
Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-02-2014, proferido no processo n.º 07343/14, na linha de outros arestos que cita, «a qualificação dada pela Administração Fiscal a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração Tributária efectivamente praticar. Numa situação em que os actos materialmente praticados revelam a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um procedimento externo “de facto”, embora formalmente qualificado como interno, os vícios referentes à falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo artº.49, nº.1, do R.C.P.I.T., bem como a ausência de ordem de serviço exigida pelo artº.46, nº.2, do mesmo diploma, devem ter como consequência, nomeadamente, a invalidade de uma eventual liquidação que venha a realizar-se, assim levando à sua anulação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/07/2012, proc.5289/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/02/2014, proc.7026/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.385 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha e Outro, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.81 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.91 e seg.)».
Por outro lado, a tese sustentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas alegações, ao dizer que «a situação dos autos cabe, isso sim, na previsão do artigo 50.º alínea a) do RCPIT», acaba por confirmar a natureza externa do procedimento de inspecção. Na verdade, este artigo 50.º, n.º 1, alínea a), visa dispensar a notificação prévia quando «o procedimento vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário» e só há lugar a notificação prévia nos procedimentos externos.
De qualquer modo, como entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul «decorrendo do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas que o procedimento não visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva, estamos perante uma inspecção materialmente externa. A dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção de análise sobre a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas». ( [2] )
Isto é, em face da definição de inspecção interna que resulta do artigo 13.º, alínea a), do RCPIT, não é só o local onde se realizam os actos de inspecção que caracteriza esse tipo de inspecção, mas também, e primacialmente, o seu conteúdo, que tem de se limitar a uma análise se documentos, sem dela retirar qualquer consequência.
O que tem como corolário que, se a Autoridade Tributária e Aduaneira, através desse análise, entende que há razão para efectuar algo mais, designadamente efectuar uma correcção e uma subsequente liquidação, o fim e âmbito da inspecção tem de ser alterado, nos termos do artigo 15.º do RCPIT que estabelece que «os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada».
Para além disso, esta conclusão de que a uma inspecção que não se limite a análise formal e de coerência de documentos tem de ser aplicado o regime da inspecção externa, designadamente a notificação ao sujeito passivo do seu início, é corroborada pelo facto de o RCPIT atribuir direitos àquele direitos que só podem ser adequadamente exercidos durante o processo inspectivo se tiver conhecimento do seu início, como é o caso da possibilidade de solicitar a alteração do âmbito e da extensão do procedimento (artigo 15.º., n.º- 2, do RCPIT) ou proceder à regularização da situação tributária durante o procedimento de inspecção, com redução de coima (artigo 62.º, n.º 4, do RCPIT e 29.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias).
A isto acresce, relativamente à própria localização da prática dos actos de inspecção, que, no caso em apreço, o processo administrativo que a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a este Tribunal Arbitral, tem manifestas omissões instrutórias, pois dele não constam sequer a escritura e documentos anexos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para liquidar o IMT, nem qualquer documento que permita apurar a forma como ela chegou ao poder da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por isso, sendo afirmado pelo Requerente no presente processo que a escritura foi obtida necessariamente através de uma diligência junto do cartório notarial em que foi celebrada a escritura, o facto de não ser revelado no processo a forma como foram obtidos os documentos torna impossível, na prática, à Requerente a prova desses factos, sendo a impossibilidade culposa e imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois tem o dever legal de organizar e apresentar ao Tribunal Arbitral o processo administrativo com todos os documentos que serviram de base à decisão (artigo 17.º, n.º 2, do RJAT).
Assim, por força do estabelecido no artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, é sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus da prova da forma de obtenção da escritura e documentos anexos que refere no Relatório da Inspecção Tributária.
Nestes termos, tem de considerar-se processualmente assente que, como afirma o Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou pelo menos uma diligência junto do cartório notarial onde foi celebrada a escritura, para a obter.
Assim, está-se perante uma inspecção externa, cujo início não foi comunicado ao Requerente, como impõe o artigo 49.º, n.º 1, do RCPIT, o que constitui irregularidade procedimental que afecta a decisão do procedimento.
Por outro lado, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «a irregularidade no procedimento inspectivo, ficou sanada com a intervenção da Requerente no procedimento, sem que a mesma tenha sido invocada», não tem suporte legal, pois, como decorre do teor expresso do artigo 66.º da LGT, embora os contribuintes e demais interessados possam, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer actos ou omissões da administração tributária, «os interessados podem recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade», inclusivamente procedimentais.
Como resulta da matéria de facto fixada, o Requerente não foi notificado do início da inspecção realizada com base na Ordem de Serviço OI2013…, de 27-08-2013, pelo que ocorreu um vício procedimental que implica a anulabilidade do procedimento de inspecção e dos actos de liquidação com base nele praticados.
3.3. Vícios de conhecimento prejudicado
Procedendo o vício procedimental imputado a liquidação de IMT, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de violação de lei que o Requerente lhe imputa a título subsidiários, como se referiu no ponto 3.1. deste acórdão.
3.4. Vícios de violação dos artigos 15.º, n.º 2, e 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais imputado às liquidações de IMI
O Requerente imputa às liquidações de IMI, separadamente, vícios de violação do artigo 47.º do EBF, em primeiro lugar, por no Relatório da Inspecção Tributária se ter entendido que devia ter requerido isenção de IMI após a celebração da escritura de aquisição do prédio e, em segundo lugar, por violação do mesmo artigo cumulativamente com o artigo 15.º, n.º2, do mesmo Código, por o benefício fiscal que foi reconhecido à C… ser transmissível.
As duas questões estão relacionadas, pois se o benefício fiscal for transmissível não haverá necessidade de o Requerente pedir o seu reconhecimento pelo que se apreciará em primeiro lugar a questão da transmissibilidade do benefício fiscal.
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou liquidações de IMI referentes ao prédio adquirido pelo B… à C..., relativas aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, por entender o seguinte, em suma:
– a sociedade C… -…, SA, nos termos do citado artigo 47.º do EBF, requereu em 2011/01/07 a isenção do referido imóvel (artigo …) da freguesia de …, por um período de 7 anos, a qual foi reconhecida pelo período de 2010 a 2016 inclusive, conforme despacho de 2011/01/10 do Chefe de Finanças do Serviço da ...;
– Consultado o sistema do Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI), constata-se que a respectiva fracção beneficia de isenção por utilidade turística, com início em 2010 e término em 2016, nos termos do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);
– O sujeito passivo ao adquirir a propriedade, titularidade, do imóvel à sociedade C… — …, SA, e para usufruir da isenção consagrada no 47.º EBF, deveria ter dado cumprimento ao disposto no número 4 do citado artigo, isto é, apresentado requerimento à Administração Tributária (anterior DGCI), dentro do prazo legal, a solicitar isenção à entidade competente para o seu reconhecimento, Chefe de Finanças da área da situação do prédio, o que não se verificou.
– não tendo sido efectuado tal procedimento, resulta que a partir do momento em que o imóvel é objecto de transmissão da sua propriedade, titularidade, para o sujeito passivo, a isenção anteriormente reconhecida cessa, não se transmitindo ao adquirente desta, isto é, não acompanha o imóvel, sendo necessário a apresentação do pedido para reconhecimento da mesma, nos termos do já citado n.º 4 do artigo 47.º do EBF, tendo a omissão deste procedimento como consequência a perda do benefício da isenção por utilidade turística daquele imóvel.
– O sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), à data de 2010/12/31 era proprietário do referido imóvel, imóvel este que, a partir da data da sua aquisição, por mudança de proprietário, não aproveita a isenção requerida e reconhecida à sociedade C… - …, SA.
O Requerente entende que este entendimento viola o disposto nos artigos 15.º, n.º 2, e 47.º do CIMI.
Estes artigos estabelecem o seguinte, nas redacções vigentes a partir de Abril de 2010:
Artigo 15.º
Transmissão dos benefícios fiscais
1 - O direito aos benefícios fiscais, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal.
2 - É transmissível inter vivos o direito aos benefícios fiscais objectivos que sejam indissociáveis do regime jurídico aplicável a certos bens, designadamente os que beneficiem os rendimentos de obrigações, títulos de dívida pública e os prédios sujeitos ao regime de renda limitada.
3 - É igualmente transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por acto ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou colectivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.
Artigo 47.º ( )
Prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.
2 - Os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio beneficiam da isenção prevista no número anterior, a partir da data da atribuição da utilidade turística, desde que tenha sido observado o prazo fixado para a abertura ou reabertura ao público do empreendimento ou para o termo das obras.
3 - Os prédios urbanos afectos ao turismo de habitação beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos contado a partir do termo das respectivas obras.
4 - Nos casos previstos neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.
5 - Se o pedido for apresentado para além do prazo referido no número anterior, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, porém, no ano em que findaria, caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo.
6 - Em todos os aspectos que não estejam regulados no presente artigo ou no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
Como resulta do texto do n.º 1 do artigo 47.º, a isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, é reconhecida aos «prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística o benefício fiscal».
Trata-se, por isso, de uma isenção objectiva, cujo reconhecimento é efectuado pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 47.º.
Decorre desde logo do teor deste n.º 4 que, uma vez recorrido e reconhecido o benefício fiscal, o prédio a quem foi reconhecido goza dele pelo período d0 sete anos, sem necessidade de novo requerimento, mesmo neste sentido casos de alteração da propriedade.
Na verdade, nem se compreenderia outra solução, pois, se o benefício fiscal está reconhecido ao prédio pelo período referido, é indiferente quem venha ser seu proprietário durante o período referido.
Por outro lado, tratando-se de um benefício fiscal objectivo indissociável do regime jurídico aplicável aos prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística, o benefício fiscal e transmissível para quem seja transferida a propriedade do prédio.
Por isso, tem de se concluir que as liquidações de IMI violam o disposto nos referidos artigos 15.º, n.º 2, e 47.º, n.ºs 1 e 4, do EBF, o que justifica a sua anulação por vício de violação de lei.
3.5. Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).
Assim, a liquidação de juros compensatórios teve como pressupostos as liquidações do IMT e do IMI.
Enfermando as liquidações de vícios que justificam a sua anulação, as liquidações de juros compensatórios enfermam desses mesmos vícios pelo que também têm, de ser anuladas.
4. Juros indemnizatórios
O Requerente pede ainda que seja determinado o reembolso das quantias que pagou «no montante total de € 570.955,56, acrescido de juros indemnizatórios, a taxa legal vencidos desde 9 de Setembro de 2014 até integral reembolso destas importâncias».
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que, na sequência da declaração de ilegalidade das liquidações efectuadas, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade das liquidações é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou ilegalmente.
Consequentemente, a Requerente têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data que refere, 09-09-2014, até ao reembolso da quantia paga.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral;
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em
a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:
b) Anular as seguintes liquidações de IMI
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2010 …, datada de 13-08-2014 e notificada ao Requerente em 30-09-2014, no montante de € 11.255,85;
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2011 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30-09-2014, no montante de 6 15.007,80;
– Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2012 …, datado de 13-08-2014 e notificado ao Requerente em 30-09-2014, no montante de € 13.525,78;
c) Anular parcialmente a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis n.º 2013 …, notificada ao Requerente em 1-10-2014, relativamente ao montante de e 11.593,53, relativo ao prédio sito no Município de ..., referido no Relatório da Inspecção Tributária;
d) Anular a liquidação de IMT a que se refere o documento n.º …, no montante de € 517.572,60;
e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o Requerente da quantia de € 570.955,56, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data que refere, 09-09-2014, até ao reembolso da quantia paga.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 570.955,56.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 12 de Julho de 2015
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Carla Castelo Trindade)
(Tomás Cantista Tavares)
(vencido conforme declaração junta)
Declaração de voto
1. Votei vencido, pelas razões descritas infra, por discordar da tese sufragada na decisão arbitrai - segundo a qual, a obtenção pela AT de cópia de escritura pública durante inspeção, transforma-a automaticamente em externa, com necessidade de prévia notificação expressa dessa natureza ao contribuinte, sob pena de vício de procedimento que contamina, por ilegalidade, a consequente liquidação de imposto.
2. A lei distingue dois tipos de inspeção (externa e interna) consoante o âmbito e abrangência da atividade inspetiva (art. 13." do RCPIT): na interna, os atos de inspeção realizam-se apenas nos serviços da AT com a análise da regularidade e validade dos documentos; na externa, ao invés, a AT obtém e analisa informações e documentos, do contribuinte e de terceiros (ou na sua posse), obtidos por deslocação ou solicitação.
3. A lei assaca relevantes diferenças a cada tipo de inspeção, em especial: a inspeção externa requer uma notificação expressa ao contribuinte, a comunicar-lhe o seu início (art. 49.° do RCPIT); e o prazo de caducidade das liquidações prorroga-se pelo tempo que decorrer a inspeção externa (até 6 meses) - art. 46.°, n.° 1, da LCT.
Compreende-se que assim seja: o dever de cooperação (do contribuinte e de terceiros), com entrega de informações e documentos e permitindo deslocação da AT às suas instalações, pressupõe prévio conhecimento da existência de inspeção (assegurado com aquela notificação) - art. 9.° e 10.° do RCPIT; e nas ínspeções externas, mais complexas e demoradas (até por efeito da deslocação e colaboração de terceiros), comprime-se parcialmente a garantia do contribuinte de caducidade da liquidação, em função das características e necessidades da inspeção externa.
4- No caso dos autos, a AT, em inspeção interna, juntou uma escritura pública à fundamentação, e procedeu a liquidação de impostos com base em meras razões de direito (interpretação jurídica de benefícios fiscais); ou seja, não existem discrepâncias entre as declarações da escritura e os registos do contribuinte.
5. A lei comprime parcialmente a autonomia contratual, na modalidade de liberdade de forma, ao exigir, sob pena de nulidade, que certos negócios, tidos como mais relevantes, revistam uma forma solene (documento autêntico ou escritura pública), com intervenção de terceiro especializado (o notário), não só como garantia da correção das declarações de vontade dos intervenientes, como também para guardar no tempo a prova pública desse ato, por tutela dos próprios e de terceiros (art. 363.°, 364.° e 369.° a 371.° do Código Civil).
Por conseguinte, uma das funções do notário é a de disponibilizar o texto da escritura a qualquer pessoa que o solicite (AT incluída), como documento da sua autoria (por si efetuado e guardado). É essa a tradução prática da natureza pública do documento.
6. Para mim, a obtenção pela AT da escritura pública não transforma, fpso facto, as averiguações em curso em inspeção externa. Ela mantém-se interna (com desnecessidade de específica notificação prévia ao contribuinte), com base em argumentação literal, lógica e teleológica.
7. Literal: segundo o art. 13.° do RCPIT, a inspeção é interna quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da AT através da análise formal e de coerência de documentos (ai. a)); e é externa, quando haja atos de inspeção nas instalações do i) sujeito passivo, ii) demais obrigados tributários, íii) terceiros que mantenham relações económicas com o sujeito passivo iv) ou em qualquer outro local a que a AT tenha acesso (ai. b)).
Advogo que a obtenção pela AT de escritura pública não é um ato de inspeção nos termos do art. 13." do RCPIT (compilação de informações e documentos particulares junto do próprio ou de terceiros), mas tão-somente o conhecimento de um documento público, que o sistema jurídico pretende de livre acesso a todas as pessoas. Assim, a AT ao obter esse documento não está a aceder a informação privada do próprio ou de terceiros - aquela a que se destinam os atos de inspeção; nem o notário a presta no exercício do dever de colaboração de génese tributária (art. 9." do RCPIT), mas fá-lo em obediência à natureza pública dos documentos autênticos, numa imposição jurídica não fiscal.
8. O argumento teleológico brota da razão de ser da inspeção externa e da natureza jurídica dos documentos autênticos.
Quando, em sede de inspeção tributária, a AT pode obter documentos e informações privadas do próprio ou de terceiro (habitualmente com deslocação), estando as entidades sujeitas ao dever de colaboração de génese fiscal - é curial que tais atos sejam precedidos de notificação legitimadora. Mas se tal informação é solicitada a entidades com dever de colaboração público, de génese não fiscal, não se vê a necessidade de tal notificação legitimadora, até porque tal dever de colaboração já existe independentemente de qualquer imposição de fonte tributária.
Por outro lado, e como referi acima, a natureza pública do documento autêntico faz com que a sua obtenção pela AT não se reconduza a um ato de inspeção propriamente dito, mas apenas ao conhecimento de um documento público, de livre acesso por todos, para tutela de interesses públicos (e não fiscais),
g. O argumento lógico - teste de bom senso à interpretação da lei - arranca do insólito provocado pela interpretação veiculada pela sentença arbitral: se a AT, numa inspeção interna, acede e utiliza elementos informativos de um artigo de jornal, em papel ou on-line, ou até registos de mais antigos, obtidos do arquivo físico de tais periódicos, tal significa que a inspeção passa a ser automaticamente externa, sob pena anulação da liquidação consequente? Penso que não, porque tais atos e informações são do domínio público, de acesso independentemente de qualquer dever de colaboração de genes fiscal. E se é assim com os jornais, deve sê-lo ainda com mais propriedade jurídica com os atos e documentos públicos, por imposição legal.
E que tutela se presta às garantias do contribuinte, ao permitir-se com isso a prorrogação do prazo de caducidade do direito à liquidação? Com a interpretação da decisão arbitral pode abrir-se o flanco a expedientes dilatórios da inspeção (obter uma escritura, ou artigo antigo do jornal) apenas para a transformar em externa, na mira de abusivamente prorrogar a caducidade iminente do direito à liquidação.
10. O teor da escritura pública nada acrescenta ao objeto da fundamentação. A questão material deste processo não arranca da análise da escritura ou da sua discrepância face aos elementos e registos do contribuinte. Mas se tal sucedesse, então a AT, depois de obtida a escritura, transformaria a inspeção em externa, para obter novos dados e informações do contribuinte ou de terceiros, com vista à comprovação da real situação factual, tal como dispõe o art. 15.° do RCPIT.
11. E ainda que toda esta interpretação não vingasse - hipótese admitida à cautela - sempre dispensaria a necessidade de notificação prévia (e portanto a liquidação não seria ilegal, por vício de procedimento), nos termos do art. 50,°, n.° 1, ai. a), do RCPIT.
Lisboa, 12 de Julho de 2015
Tomás Cantista Tavares
[1] Neste sentido, podem ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-03-2012, processo n.º 04371/10, e JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, página 81.
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-03-2012, processo n.º 04371/10