Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 709/2014-T
Data da decisão: 2015-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 434.623,15
Tema: Encargos financeiros não dedutíveis, artigo 87.º, n.º 4, alínea g) do CIRC, preços de transferência
Versão em PDF

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Carla Castelo Trindade e Professor Doutor Jorge Júlio Landeiro Vaz (que substituiu o anterior árbitro, Sra Professora Doutora Ana Maria Rodrigues, substituição ocorrida por despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 30-4-2015), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

            I – RELATÓRIO

            A…, S.A., contribuinte fiscal nº …, com sede na rua … nº…, …, … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), veio, nos termos conjugados dos artigos 2º,nº1, alínea a) e 10º nº1, alínea a), do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e 102º, nº1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante ”CPPT”), apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

           

            Pedido e seus fundamentos

            A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação e cobrança de IRC, no montante de € 434 623,15, correspondente às seguintes liquidações:

 

            a) Nº 2014 …, de 14/05/2014, relativa a Retenções na Fonte, em IRC, no montante de € 384 594,29, sobre juros relativos ao exercício de 2010; e,

            b) Nº 2014 …, de 14/05/2014, relativa a juros compensatórios, no montante de € 50 028,86.

 

            Alega a Requerente estar apenas em causa determinar se juros resultantes de empréstimo celebrado entre a Requerente, como mutuária e a sua accionista única, a B…, como mutuante, se venceram ou não no exercício de 2010, no entendimento de que só esse vencimento determinaria, nos termos da lei interna, mais concretamente do art.º 7.º, n.º s 1, 2 e 3 al. a) 1) do Código do IRS, ex vi art.º 94.º, n.º 5 do Código do IRC, a sujeição desses rendimentos a retenção na fonte.

            Ora, segundo a Requerente, só se tornaram devidos esses juros em 2013 e consequentemente, durante o exercício de 2010 nenhuma quantia foi paga à B… a título de juros (cfr. artigo 20.º da PI e ponto 17 da Resposta).

            E quanto ao cálculo destes juros, previa-se que os mesmos fossem calculados anualmente, de acordo com as taxas previstas no contrato de Empréstimo, sendo a taxa prevista para os juros calculados com referência a 2010 de 8,62% (cfr. cláusula 4.1 do contrato junto como doc. n.º 3 com a PI, artigos 12.º a 18.º da PI e ponto 12 da Resposta).

            No que respeita à capitalização, até 31 de dezembro de 2009, a Requerente capitalizou os juros calculados, ou seja, tomou como base de cálculo dos juros relativos a um determinado período, o montante do capital em dívida acrescido dos juros que havia contabilizado até ao início desse período (cfr. tabela que se encontra junta no Anexo I, pág. 25 do RFI e tabela junta como doc. n.º 6 à PI).

            Contudo, a partir de 31 de dezembro de 2009, aquele procedimento foi alterado, passando o cálculo dos juros a ter por base o capital em dívida acrescido dos juros contabilizados apenas até 31 de dezembro de 2009.

            Assim, os juros calculados e contabilizados em 2010, no valor total de € 4.764.133,40 e que estão na origem da liquidação contestada, não foram acrescidos ao valor do capital em dívida e dos juros calculados até 2009, para efeitos de cálculo dos juros dos períodos seguintes, desde logo, de 2011 (tal como resulta do Anexo I, págs. 19 e 25 do RFI e ainda da tabela junta como doc. n.º 6 com a PI).

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e absolvida a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

            As partes apresentaram alegações escritas em que defenderam e reforçaram, no essencial, as posições anteriormente defendidas nos respectivos articulados.

 

            A Requerente juntou, “(...) para os efeitos tidos por convenientes (...)”, no decurso do processo, após apresentação dos articulados e alegações a decisão arbitral proferida no Processo nº 711/2014-T, do CAAD transitada em julgado em 7/06/2015.

 

            A Requerida opôs-se à admissão desse documento e anexo, alegando, no essencial e em síntese, tal não ter quaisquer repercussões neste processo além de que a junção ocorreu após encerramento da discussão da matéria de facto e, consequentemente, sem ser possível o contraditório relativamente a eventual impacto daquela decisão na que irá ser proferida neste processo.

 

            Tal junção foi indeferida por despacho de 10-10-2015.

 

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4º e 10º, nº2, do mesmo diploma e art. 1º da

Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).

            O Tribunal é competente e o processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

            II – FUNDAMENTAÇÃO

                        Matéria de facto

                        Como nota prévia deverá deixar-se assinalado, na linha de entendimento da Jurisprudência (cfr., v. g., o recente Ac do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-3-2015 – Proc nº 8300/14 in www.dgsi.pt) que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário). Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C. Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

            Nesta linha, considera o Tribunal provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma pessoa coletiva residente, com uma actividade comercial centrada nas seguintes áreas de negócio: (i) tintas decorativas; (ii) isolamento térmico; e (iii) Repintura Automóvel.
  2. Em 2004, o capital social da Requerente foi integralmente adquirido por uma sociedade de Direito francês, B… S.A.S. (à data, C… S.A.S.), com sede em … Avenue …, … …, França (doravante designada por “B…”).
  3. A B… tal como a Requerente, integram um grupo económico internacional especializado em várias áreas de negócio, nomeadamente no sector das tintas, onde se enquadra a actividade da Requerente (doravante, “Grupo B”).
  4. Em 29/10/2004, para amortizar um empréstimo que tinha contraído junto do Banco Espírito Santo Investimento, a B…, na qualidade de mutuante e a Requerente, na qualidade de mutuária, celebraram um contrato de mútuo oneroso – o “Intercompany Loan Agreement” – no montante inicial de €47 308 663,30 – doravante ”Empréstimo”.
  5. Foram fixados no contrato reembolsos semestrais de capital, até 06/11/2012, prevendo-se assim, uma maturidade de 8 anos para o empréstimo.
  6. No que respeita aos juros, previu-se o seu vencimento e pagamento com periodicidades mensais, trimestrais, ou semestrais, conforme notificação prévia por parte da mutuante.
  7. Previa-se para o efeito, a aplicação de uma taxa anual de 7,98%.
  8. Esse contrato foi alterado com efeitos a partir de 27/04/2006.
  9. Em conformidade com a versão do contrato que, a partir dessa data, regeu a relação entre as empresas, o capital mutuado era de €40 700 000,00.
  10. O reembolso do capital mutuado devia ser integralmente efectuado em 06/11/2012.
  11. Relativamente aos juros manteve-se a taxa de 7,98% ao ano.
  12. No que respeita ao seu vencimento, foi acordado que os juros seriam realizados com uma periodicidade mensal, trimestral, semestral ou em nove meses, conforme notificação da entidade mutuante.
  13. Estabeleceu-se ainda que no último dia de cada período de juros seriam pagos os juros acumulados.
  14. Em 22/12/2009, os termos do contrato foram novamente alterados.
  15. O montante indicado no contrato como capital mutuado continuou a ser de €40 700 000,00.
  16. A data fixada para o reembolso desse montante – capital mutuado – passou a ser 27/04/2013 (ou seja oito anos e meio desde o início do empréstimo).
  17. No que respeita aos juros, determinou-se que os juros seriam pagos na data do pagamento do capital (27/04/2013).
  18. Regulou–se, também, a taxa de juros, fixando–se no respectivo Anexo 1, uma taxa anual, para os anos de 2009 a 2013.
  19. A taxa de juro praticada, no que respeita ao exercício ora em causa, foi de 8,62%.
  20. Nesta alteração ao contrato, diversamente do que ocorria nas versões anteriores, não foi feita qualquer referência expressa ao período dos juros (vencimentos).
  21. É essa a versão do contrato em vigor em 2010, objecto dos presentes autos.
  22. Em 31/01/2010, o capital em dívida era de € 34 330 663,30 e o valor dos juros calculados até 31/12/2009 ascendia a € 20 227 179,99, donde resulta que o montante a considerar para cálculo dos juros (à mencionada taxa de 8,62%) era à data, de € 54 557 843,29.
  23. Em 14/12/2010 foi efectuado um reembolso parcial do capital mutuado, no valor de € 1 000 000,00, passando o capital em dívida a ser de € 33 330 663,30 e o montante para cálculo dos juros (que inclui o valor dos juros calculados até 31/12/2009) ascendia a € 53 557 843,29.
  24. Os encargos com juros em 2010 ascenderam a €4 764 133,40.
  25. Em 2013, foi amortizado o capital remanescente e foi paga a totalidade dos juros do Empréstimo, que apenas se venceram nessa data (a do pagamento do capital em 2013).
  26.  A Requerente nada pagou à B… em 2010 a título de juros do sobredito empréstimo.
  27. Nos termos da Ordem de Serviço Nº OI2013…, a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária efectuou uma inspecção à Requerente, inicialmente de âmbito parcial e posteriormente alargado, que se traduziu no Projecto de Relatório de Inspecção (doravante “PRI”), de 19/03/2013, notificado à Requerente em  26/03/2013, através do ofício nº …, nos termos do qual, a AT veio propor as seguintes correcções, com referência ao exercício de 2010.

 

(i)              Correcção relativa a encargos financeiros:

            Correcção no montante de € 2 927 752,32, respeitante aos juros contabilizados pela Requerente como gastos do período relativos ao Empréstimo, os quais foram considerados excessivos e, portanto, não dedutíveis ao abrigo do regime de preços de transferência (cf. Artigo 63º, nº 1 do Código de IRC) cfr pág. 18 do PRI.

(ii)            Retenções na Fonte de IRC:

            Falta de retenção na fonte de IRC no montante de € 384 594,29, resultante do entendimento propugnado pela A.T. de que os juros relativos ao empréstimo se vencem no final de cada exercício económico e não na data do reembolso de capital, tal como estipulado contratualmente.

28. Na sequência dessa falta de retenção na fonte, a Requerente foi notificada da “demonstração da liquidação na fonte de IR” e da “demonstração da liquidação de juros de IR”, na importância total global de €434 623,15, tendo procedido ao respectivo pagamento em 11-7-2014.

 

            Fundamentação da fixação da matéria de facto

            Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo e nos demais documentos juntos aos autos e não impugnados em articulação com a posição assumida pelas partes no processo.

 

            Factos não provados

            Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.

            Não se provou designadamente que a Requerente tenha pago juros à mutuante do contrato aludido em 4., dos factos provados, com as sucessivas alterações.

 

            Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos que constam do processo administrativo instrutor, tudo analisado criticamente e em articulação com a posição das partes espelhada nos respetivos articulados apresentados.

 

Matéria de direito

Os actos tributários objecto da presente impugnação são, como se viu, as liquidações de IRC nºs 2014 …, de 14-5-2014, na importância de €384 594,29 relativa a retenções na fonte que seriam devidas, segundo a AT, decorrentes de juros de empréstimo vencidos no exercício de 2010 e nº 2014 …, de 14-5-2014, relativa a juros compensatórios emergentes da anterior liquidação.

As liquidações têm origem numa correcção efectuada pela Direcção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da ordem de serviço nº OI2013…, em discordância no que concerne ao enquadramento jurídico-tributário dos juros devidos pela ora Requerente a uma sociedade sem sede nem estabelecimento estável em Portugal, no âmbito de um contrato de mútuo.

Assim é que a Requerente pede a anulação daquelas liquidações e a consequente restituição do imposto pago, invocando vício de violação de lei por erro da AT quanto aos factos e quanto ao direito.

A AT, por sua vez, pugna pela legalidade das liquidações controvertidas, por consubstanciar uma correcta aplicação do direito aos factos.

No cerne da questão está saber ou determinar se se venceram (e/ou foram pagos) ou não em 2010 os juros resultantes de mútuo celebrado entre a Requerente, como mutuária e a sociedade comercial de direito francês e accionista única a Requerente, B…, SAS (anteriormente denominada, C… SAS), sendo que só em caso afirmativo – que a Requerente contesta – é que tais rendimentos obrigariam a retenção na fonte nos termos da Lei, mais concretamente, dos artigos 7º-1, 2 e 3/a), do CIRS, aplicável ex vi artigo 94º-5, do CIRC.

                       

            Assinale-se preliminarmente que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes conforme tem sido repetidamente afirmado pela Jurisprudência (vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094, também publicados em www.dgsi.pt).

Para melhor facilidade expositiva, transcrevem-se as disposições legais essenciais aplicadas e aplicáveis:

Artigo 94º, do CIRC

Retenção na fonte

                        (…)

                        6 — A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.

Artigo 7º, do CIRS

Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E

 

            1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.

 

            2 - Tratando-se de mútuos, de depósitos e de aberturas de crédito, considera-se que os juros, incluindo os parcialmente presumidos, se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital, salvo quanto aos juros totalmente presumidos, cujo vencimento se considera ter lugar em 31 de dezembro de cada ano ou na data do reembolso, se anterior.

 

            3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:

 

            a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:

 

            1) Ao vencimento, para os rendimentos referidos na alínea a), com exceção do reporte, na alínea b), com exceção dos reembolsos antecipados dos depósitos ou de certificados de depósitos, na alínea c), com exceção dos certificados de consignação, e nas alíneas d), e), g) e q), neste último caso relativamente a juros vencidos durante o decurso da operação;

 

            2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação;

 

            3) Ao apuramento do respetivo quantitativo, para os rendimentos do contrato de reporte, dos juros, no caso de reembolso antecipado dos depósitos ou de certificados de depósitos, e dos referidos nas alíneas f), m), n), o) e p);

            (….).

 

            A obrigação de retenção na fonte sendo devida, ocorre assim no momento do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos (juros), sendo aplicáveis as taxas que se encontrarem em vigor nesse momento.

            Ou seja: ainda que vencidos e exigíveis num determinado ano ou exercício, os juros só estão sujeitos à obrigação tributária de pagamento de importo (no caos, através do mecanismo da retenção na fonte) quando e se ocorrer o seu pagamento.

            No caso, ficou demonstrado que por sucessivos acordos entre mutuária (a Requerente) e mutuante, designadamente o de 22-12-2009, foi fixada como data de vencimento dos juros em dívida o dia 27-4-2013, data em que foi também acordado o reembolso do capital.

            Ou seja: ficou efectivamente demonstrado que em 2010 não foi paga pela Requerente à entidade mutuante os juros que serviram da base às liquidações objecto da presente impugnação.

            Pressupondo o dever de retenção o efectivo pagamento, não demonstrado este não subsiste ou existe aquele.

            Pagamento ou cumprimento duma obrigação, civil ou tributária e vencimento desta, não são ou podem não ser ou ocorrer em datas coincidentes na medida em que vencimento pressupõe apenas o momento a partir do qual pode ser exigível o cumprimento ou pagamento. Tudo partindo do pressuposto que se está perante obrigações pecuniárias naturalmente.

            E, relativamente às consequências, a diferença entre vencimento e pagamento é assinalável: o primeiro, torna apenas exigível a obrigação e o segundo, extingue-a.

            Ora, in casu, ficou demonstrado que nem o vencimento nem o cumprimento (pagamento de juros) ocorreram em 2010 porquanto havia sido acordado em 2009 diferir para 2013 o vencimento.

            Naturalmente que não se ignora a existência no caso de relações privilegiadas entre mutuante e mutuária e que poderão ter influenciado a escolha da data mais conveniente para o reembolso de juros, designadamente para lograr obter isenção fiscal – Cfr artigo 63º-4, do CIRC.

            Mas não foi à luz do regime de preços de transferência que foi sustentada a liquidação da retenção nem tão pouco ao abrigo da cláusula geral anti-abuso.

            Pelo assim exposto e sem necessidade de outras considerações, a liquidação Nº 2014 …, de 14/05/2014, relativa a retenções na fonte, em IRC, no montante de € 384 594,29, sobre juros relativos ao exercício de 2010 enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

            A consequente anulação dessa liquidação implica a anulação automática da liquidação de juros compensatórios emergentes da mesma Nº 2014 …, de 14/05/2014, relativa a juros compensatórios, no montante de € 50 028,86.

 

Juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 434 623,15, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

A Requerente pagou as quantias liquidadas, como se refere em 27., da matéria de facto fixada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se, como o tem feito unanimemente a jurisprudência arbitral, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, incluindo o arbitral, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir aos Requerentes e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (11-7-2014), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

III – DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das sobreditas liquidações (retenção na fonte e juros compensatórios);

b) Anular as liquidações e “demonstração da liquidação na fonte de IR” e da “demonstração da liquidação de juros de IR”, na importância total global de €434 623,15 e

c) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir (€434.623,15), desde a data do pagamento (11-7-2014), até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo, como se disse, da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 434 623,15.

 

Lisboa, 13-10-2015

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Carla Castelo Trindade

(Vogal)

 

Jorge Júlio Landeiro Vaz

(Vogal)