Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 346/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  Selo  
Valor do pedido: € 23.863,13
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; terreno para construção; intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

1.    RELATÓRIO

 

FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A…, NIPC …, com sede no Largo …, n.º …, ….º, …-…, em Lisboa (área do Serviço de Finanças de Lisboa 3), legalmente representado por B…, SA, com sede na mesma morada e com o NIPC … (doravante designado por Requerente), vem, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, efetuada nos termos da verba 28.1, da TGIS, da quantia de € 23 863,13 e relativa ao prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Lisboa, de que é proprietário, com a consequente anulação dos documentos de cobrança respetivos.

 

Cumulativamente, pede o Requerente a condenação da Requerida no pagamento de indemnização da quantia de € 1 582,60, pela prestação de garantia indevida tendo em vista a suspensão dos processos de execução fiscal instaurados pela falta de pagamento voluntário de cada uma das três prestações em que a liquidação impugnada foi exigida, atribuindo ao pedido o valor económico de € 25 445,78.

São os seguintes os fundamentos do pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012:

a.    (…) a Requerente pretende que o Tribunal declare a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo emitida ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativa ao ano de 2012, cobrada através de 3 documentos de cobrança, dos quais resultou a coleta total de € 23.863,13, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico (…) e reclamação graciosa (…) pelo que (…), assiste legitimidade processual à Requerente para deduzir o presente pedido de Constituição de Tribunal Arbitral. (…) o Recurso Hierárquico e a Reclamação Graciosa supra identificados, apenas se referem à primeira prestação, tendo os Recursos Hierárquicos referentes à 2.ª e 3.ª prestação sido arquivados pela AT por se ter entendido versarem sobre o mesmo assunto que a 1.ª prestação (…), motivo pelo qual se pede a constituição do Tribunal Arbitral para declarar a ilegalidade da liquidação e das respetivas 3 notas de cobrança relativas à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012 (…);

b.    O objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral refere-se aos seguintes atos tributários: - Ato de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de imposto de 2012 (…) cobrado em três prestações: 1.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,39 (…); 2.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,37 (…); 3.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,37 (…);

c.    Os referidos atos de liquidação/documentos de cobrança de Imposto do Selo padecem de vício de ilegalidade, na medida em que violam o disposto no artigo 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…);

d.   A Requerente é dona e legítima proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo …, da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, com um valor patrimonial tributário de € 1. 677.130,00 (…);

e.    O referido imóvel foi objeto de liquidação do Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28.1, da TGIS, relativos ao período de 2012 (…); [n]ão se conformando com estas liquidações, a Requerente contestou os documentos de cobrança relativos à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, tendo a AT indeferido o pedido de anulação dos mesmos (…);

f.     Não concorda a Requerente com a liquidação do Imposto do Selo sobre o imóvel supra identificado. (…) no entendimento da Requerente, a verba 28.1, da TGIS não pode aplicar-se ao artigo … na medida em que se este se encontra descrito na matriz como um terreno para construção e não como um prédio com afetação habitacional, como exigia a letra da norma no ano do imposto em causa (2012);

g.    (…) A verba 28 da TGIS, na redação em vigor até 31 de dezembro de 2013, não tributa os terrenos para construção, mas apenas a: “28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %”;

h.    Ora, se é verdade que o referido artigo … tem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros (…) não reúne o outro requisito essencial exigido pela verba 28.1 da TGIS para ser tributado em sede de Imposto do Selo, que é a afetação habitacional. Com efeito (…) está classificado como terreno para construção e não como um prédio urbano afeto à habitação;

i.      É verdade que o Código do Imposto do Selo não esclarece o que seja afetação habitacional para efeitos desta norma de incidência, mas também não dizia, na redação em vigor até 31 de dezembro de 2013, que a mesma se aplicava aos terrenos para construção;

j.      (…) Os terrenos para construção apenas passam a subsumir-se na Verba 28 da TGIS a partir de 1 de janeiro de 2014 (…); [o] artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, contempla uma alteração à verba 28.1 da TGIS, com o intuito de passar a tributar os terrenos para construção, no entanto apenas entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014;

k.    (…) o próprio legislador reconhece, assim, que a norma de incidência não permitia, até 31 de dezembro de 2013, a tributação dos terrenos para construção ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, e altera a norma no sentido de passar a tributar também, a partir de 1 de janeiro de 2014, “os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”;

l.      (…) Até 1 de janeiro de 2014, não existe fundamento legal para tributar os terrenos para construção, na medida em que a norma apenas tributava os prédios com afetação habitacional e a alteração introduzida pela pelo Orçamento do Estado para 2014 não pode ter aplicação retroativa;

m.  Como é referido na sentença arbitral n.º 215/2013-T, de 21 de abril de 2014, “e não se diga que tal alteração legislativa assume a natureza jurídica de uma norma interpretativa, e, como tal retroativa. Com efeito, como afirma Oliveira Ascensão, para que uma lei seja interpretativa é necessário que (1) exista uma dúvida na doutrina e/ou jurisprudência quanto ao sentido da lei anterior; (2) que a lei posterior venha a optar por uma das interpretações em contenda, e que (2) que a lei posterior tenha por fim interpretar a lei antiga, devendo esse fim resultar inequivocamente do seu texto (…). Nenhum dos requisitos se encontra preenchido no caso concreto (…) “(…) Está-se, portanto, e no entendimento deste Tribunal, perante alteração inovadora à norma da verba 28.1 da TGIS, o que implica que tal alteração apenas produzirá os seus efeitos a partir do ano de 2014 em diante” (sublinhado no original);

n.    (…) Assim (…), está a AT impedida de aplicar a nova redação da verba 28.1 da TGIS ao imposto liquidado em anos anteriores (…) por força do princípio da não retroatividade da lei fiscal, com assento no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa;

o.    (…) A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que aditou à TGIS a Verba 28 (…) em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afetação habitacional. E adita o n.º 2 ao artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, no qual se estipula que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”;

p.    (…) no ordenamento jurídico português a classificação dos prédios encontra-se prevista apenas no CIMI(…). De acordo com o artigo 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em Habitacionais; Comerciais, industriais ou para serviços; Terrenos para construção; Outros. Ora, como vemos, os prédios urbanos habitacionais e os terrenos para construção são duas classes diferentes de prédios urbanos (…);

q.    Refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI que “Habitacionais comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”. Ou seja, exige uma edificação e destino normal que se subentende como utilização normal atual e não potencial e futura;

r.     (…) Ora, no caso dos terrenos para construção, não se pode dizer que tenham (…) afetação habitacional, na medida em que esta afetação tem que ser efetiva e não meramente potencial e futura, sob pena de se estar a tributar realidades futuras e incertas ou até de se estar a tributar um facto tributário inexistente;

s.     Com efeito, qualquer ato tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta (ocorrida na vida real), a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto; [e]sta situação factual e concreta (da vida real) define-se como facto tributário (encarado no seu elemento objetivo, material e quantitativo), o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal;

t.     (…) o pressuposto material que leva a aplicar a norma de incidência é a existência de um prédio urbano com afetação habitacional efetiva no momento em que se aplica a norma de incidência (…), no caso de uma construção de um prédio destinado à habitação, que as obras estejam concluídas;

u.    (…) os terrenos para construção cabem na definição de prédio urbano, à semelhança do que sucede com os prédios destinados a habitação. No entanto, são conceitos que se não confundem nem podem confundir-se. Na verdade, os terrenos para construção podem vir a ter como afetação habitação ou não;

v.    Nem sequer o licenciamento da obra pode ser indicador da afetação do terreno à habitação, seja porque, na maioria das situações, a construção autorizada prevê para o mesmo edifício a utilização para fins comerciais ou serviços, seja porque o licenciamento não é por si só uma garantia de construção e, consequentemente, que se verifique uma efetiva utilização habitacional;

w.  (…) entende a Requerente que, mesmo com a obtenção do alvará, não se pode dizer que o prédio tem afetação habitacional (…). Ao contrário do que tem defendido a AT, não é pelo facto de no cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se remeter (artigo 40.º, n.º 5) para o coeficiente de afetação (habitação, serviços, etc.), como meras afetações potenciais e futuras, que o terreno para construção passa a poder ser subsumível na factispecie da verba 28.1 da TGIS como prédio com afetação habitacional;

x.    (…) Como refere o artigo 9.º do Código Civil “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”;

y.    Ora, pela exposição de motivos da lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, fica clara a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos para construção. O Governo, ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII terá dito, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: “Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas (sublinhado nosso – no original) de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013” (…);

z.     Fica, assim, demonstrado, que os terrenos para construção não têm afetação habitacional, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS (…) na redação em vigor até 31 de dezembro de 2013, pelo que as liquidações de Imposto do Selo ora contestadas deverão ser anuladas por serem ilegais e deverá ser reposta a situação anterior à emissão das mesmas;

aa. (…) A Requerente não procedeu ao pagamento do Imposto do Selo liquidado oficiosamente pela AT, supra identificado, pelo que o Serviço de Finanças de Lisboa - 3 instaurou os cometentes processos de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva das 3 prestações de Imposto do Selo do ano de 2012;

bb.     De modo e com vista à suspensão dos processos de execução fiscal (…) n.º[s] … 2014 …, … 2014 … e … 2013 …) a ora Requerente prestou garantia idónea (…); [r]efere o artigo 53.º da LGT que em caso de erro imputável aos serviços, a ora Requerente direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia apresentada para suspender processo de execução fiscal, sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida;

cc.  Ora, dispõe o artigo 171.º do CPPT que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”. Refere o n.º 2 do mesmo artigo que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”;

dd.    (…) a anulação dos atos de liquidação de imposto em causa nos presentes autos deverá também resultar, nos termos dos artigos mencionados, na indemnização pela garantia indevidamente prestada; [t]odavia, esses prejuízos só poderão ser apurados com exatidão no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia. Até ao momento a Requerente estima ter despendido o montante de € 1.582,65 com estes processos de execução fiscal, valores esses apurados com nos extratos da Caixa Geral de Depósitos cujas cópias se juntam (…) e que foi calculado tendo por base a respetiva proporção face à totalidade dos 11 processos de execução fiscal incluídos na garantia bancária. Junta-se (…) ficheiro excel demonstrativo dos cálculos efetuados;

ee.  Conforme referido na decisão arbitral no âmbito do Processo 202/2014-T, de 16 de outubro “conforme reiterada jurisprudência arbitral o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vais ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indenização por garantia indevida.” (…);

ff.  (…) A Requerente tem direito a indemnização correspondente à totalidade dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida dos juros à taxa dos juros legais calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que foram suportados até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia;

gg.    (…) O valor da utilidade económica do pedido é o valor correspondente ao imposto indevidamente liquidado, no montante de € 23.863,13, acrescido dos custos incorridos com a garantia bancária (…) Valor da ação: € 25.445,78 (vinte e cinco mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos).

 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

A.    Por exceção

a.    “A Requerente (…) identifica (no artigo 4.º da p. i.) como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o: 1.º “Ato de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de imposto de 2012 (…) cobrado em três prestações: 1.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,39 (…); 2.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,37 (…): 3.ª prestação – Documento n.º 2013 …, de 22 de março de 2013, com o montante de € 7.954,37 (…);

b.    A Requerente volta a reforçar o objeto do presente pedido de pronúncia, ao referir (…) que «pretende seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação do Imposto do Selo identificado (…) e, em consequência, sejam anulados os documentos de cobrança respetivos, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º,n.º 1, alínea a), ambos do RJAT.»;

c.    Ademais o próprio pedido formulado reconhece e é absolutamente consentâneo com essa evidência; a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal declare «a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo que deu origem a três documentos de cobrança»;

d.   Acontece, que se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação do ato tributário de liquidação em sede arbitral;

e.    O artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

f.     Desse normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária – cf. o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT;

g.    Tendo em atenção a disposição prevista no n.º 2 do artigo 85.º do CPPT, temos que a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 30-11-2013; [o]ra o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 01-06-2015; [l]ogo, o pedido formulado é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer;

h.    (…) tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação direta (ou seja, do ato primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de liquidação onde tivesse sido prolatada a decisão de a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um ato de segundo grau);

i.      (…) A ora Requerente impugnou administrativamente o ato tributário de liquidação; [a] Administração Tributária indeferiu/negou a revisão do ato na dimensão que lhe tinha sido solicitada; [a]contece que, não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido;

j.      Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, página 121 [e página 122]) é peremptório, ao afirmar que: “(…) Embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações.”  (…) Aliás, é inequívoco, pelo que se disse em relação às decisões de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos, que se incluem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são objeto imediato da pretensão impugnatória (…) apreciação da legalidade de aos primários através da apreciação da legalidade de atos de segundo grau é patente na referência que no artigo 2.º do RJAT se faz a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, pois, relativamente a esses atos, é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação”;

k.    Não o tendo feito, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação;

l.      (…) Tendo por base o disposto nos artigos 660.º, n.º 2 e 661.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (artigos 608.º, n.º 2 e 609.º do CPC vigente) refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª Edição, Volume II, 2011, pág. 319/319 que: «(…) para além de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer na sentença de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar em objecto ou em quantidade superior ao que tiver sido pedido» (…) [e]  José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume 2º, 2ª Edição, pág. 681: «Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida» [e pág. 682] «O objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido»;

m.  O que significará, no concreto caso dos autos, que o Tribunal, no acórdão que vier a proferir não poderá condenar naquilo que não tiver sido pedido;

n.    Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação direta do ato de liquidação de IS, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; [o] que desde já se requer.

 

B.     Por impugnação:

o.    O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação da liquidação de Imposto do Selo para o ano de 2012, no montante global de € 23.863,13 relativa a um imóvel, melhor identificado na Petição Inicial e documentação anexa (…) com o valor patrimonial cifrado em € 1.677.130,00, com a colecta de imposto no valor de € 23.863,13;

p.    Ainda que sem referir especificamente as normas que considera violadas, parece entender a Requerente que a liquidação em causa é ilegal por violação do art. 1º do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e do art. 6º, nº 1 al. f), i), da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro;

q.    Considera a Requerente que o conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não pode ser considerado prédio afecto a habitação, ao abrigo do disposto no art. 1º, nº 1, do CIS e da mesma Verba 28 (…) não assiste qualquer razão à Requerente, impugnando-se desde já a totalidade dos argumentos por si aduzidos;

r.     É entendimento da AT que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o ato de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12;

s.     A Lei nº 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00;

t.     Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional em sede de IS, há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do CIS na redação dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10; Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28º da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI;

u.    (…) o art. 6º, nº 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção (…); A noção de afectação do prédio urbano encontra sustento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

v.    Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI;

w.  Esclarece o artigo 45.º, n.º 2 do CIMI que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Para o efeito, impõe o n.º 3 do artigo 37.º do CIMI a apresentação do alvará de loteamento ou, na falta deste, do alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva;

x.    Neste sentido veja-se o Acórdão nº 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul: “O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art. 45º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projeto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. Art. 6º, nº 3 do CIMI). “Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do nº 2 do art. 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção”;

y.    Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações: a. Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9º do CC, ex vi art. 11º da LGT. b. O art. 67º nº 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI. c. A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção; d. A própria verba 28 TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI;

z.    A AT entende, assim, que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma;

aa.  (…) a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno (…) Assim, a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das construções autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, atender à afectação dessas mesmas edificações;

bb.    Por fim, e quanto a todo o argumentário da Requerente no sentido de que a introdução pela Lei de Orçamento de Estado para 2014 (Lei 83-C/2013, 31/12) da tributação expressa dos terrenos para construção teve (e tem) carácter inovatório - sendo por isso um indício claro e irrefutável de que, antes do ano de 2014 aquela tributação não havia sido querida pelo legislador nem se refletia, de todo, na lei - cumpre afirmar que não lhe assiste razão;

cc. Pois que, embora a mencionada Lei nada refira quanto à sua natureza (se inovatória, se interpretativa), certo é que o carácter interpretativo resulta nitidamente da utilização dos conceitos legalmente previstos no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, em especial nas alíneas a) e c), porquanto reforçam o entendimento segundo o qual a noção de “prédios com afectação habitacional” pretendia, por um lado, abranger não só os prédios habitacionais, mas também outra realidade, nomeadamente os terrenos para construção e, por outro, afastar os restantes prédios urbanos com distinta afectação;

dd.   Caso contrário, na reformulação da norma, ter-se-ia o legislador, certamente, limitado a acrescentar os terrenos para construção, não alterando a expressão anteriormente existente por considera-la equivalente ao conceito de prédios habitacionais, o que não se verificou;

ee. Com efeito, a intenção daquela alteração foi determinar, de modo inequívoco, o sentido e alcance da norma precedente e resolver a polémica preexistente, impondo-se uma aplicação da lei 55-A/2012, de 29/10, em conformidade com o entendimento defendido pela AT;

ff.  No que concerne ao pedido de indemnização por garantia indevida, o mesmo deverá improceder na íntegra, na exata medida em que improcederá o pedido principal da Requerente; Caso assim não se entenda, e mesmo que o pedido de pronúncia deduzido venha a obter provimento, ainda assim se dirá que não é devido qualquer valor por prestação de garantia, pois a Requerente não logra provar os encargos que concretamente suportou;

gg.    (…) a Requerente «estima ter despendido o montante de € 1.582,65» com os três processos de execução fiscal instaurados (… 2014 …; … 2014 …; … 2013 …) por falta de pagamento do ato tributário de liquidação sub judice, de acordo com os extractos da Caixa Geral de Depósitos (CGD) (documento n.º 10) e bem como de acordo com a tabela excel efectuada pela parte (documento n.º 11) [m]as da documentação junta ao pedido de pronúncia não se vislumbram, com exatidão, os valores efetivamente suportados com a garantia bancária, em ordem a obter a suspensão dos processos de execução fiscal;

hh.    À Requerente pertence o ónus de provar os ditos valores (…); A este propósito, o Acórdão do TCA Sul, processo n.º 03485/09, de 26-01-2010, refere no sumário que: «VI) – Tratando-se de erro imputável aos serviços da Administração Fiscal o contribuinte terá direito a ser indemnizado pela prestação de garantia bancária indevida para suspender a execução (n.º 1 e 2 do art. 53.º da Lei geral Tributária) desde que peticione a atribuição dessa indemnização e se faça prova dos encargos suportados.»;

ii.    Termos em que (…): a. Deve a Requerida ser absolvida da presente instância, atenta a exceção dilatória de intempestividade, motivada pela tardia apresentação do pedido de pronúncia, cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT; Sem conceder, b. Deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, bem como o pedido de indemnização por garantia indevida, absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos.”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 1 de junho de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 2 de junho de 2015.

 

A Requerente declarou não pretender designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 12 de agosto de 2015 e é materialmente competente para decidir o litígio.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Por despacho arbitral de 28 de setembro de 2015, foi determinada a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e o prosseguimento do processo com alegações escritas sucessivas, pelo prazo de 10 dias.

 

Nas suas alegações, veio o Requerente defender a tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, porquanto foi apresentado dentro do prazo de 90 dias a contar da data da notificação do indeferimento do recurso hierárquico, como se prevê no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e que não seria necessário o pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, porquanto o objeto do processo é, mediatamente, o ato de liquidação, não se estando, no caso dos autos, perante uma situação de reclamação necessária.

 

As alegações produzidas pela AT reiteram os argumentos já expressos na contestação.

 

2.    MATÉRIA DE FACTO

 

2.1. Factos que se consideram provados:

2.1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia …, concelho de Lisboa, descrito na matriz como “terreno para construção”;

2.1.2. De acordo com a caderneta predial urbana emitida em 4 de fevereiro de 2015 pelo Serviço de Finanças de Lisboa 5, o valor patrimonial tributário do prédio identificado é atualmente de € 1 677 10,00, atribuído na avaliação efetuada em 11 de fevereiro de 2013 (ficha de avaliação n.º …), tendo por base a declaração modelo 1 de IMI n.º …, apresentada em 17 de dezembro de 2012;

2.1.3. A liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, emitida em 22 de março de 2013, pela quantia de € 23 863,13, para pagamento voluntário em três prestações anuais, até 30 de abril de 2013, 31 de julho de 2013 e 30 de novembro de 2013, nos valores de € 7 954,39, € 7 954,37 e € 7 954,37, respetivamente, incidiu sobre o anterior valor patrimonial tributário do prédio, de € 2 386 313,34, como consta dos documentos de cobrança;

2.1.4. Em 28 de agosto de 2013, o Requerente apresentou dois requerimentos que viriam a dar origem à abertura dos processos de reclamação graciosa n.º … 2013 … e n.º … 2013 …, em que pediu, respetivamente, a anulação da 1.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, da quantia de € 7 954,39 (nota de cobrança n.º 2013 …) e a anulação da 2.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, da quantia de € 7 954,37 (nota de cobrança n.º 2013 …);

2.1.5. Ambas as reclamações graciosas foram indeferidas, por despachos de 27 de novembro de 2013; da decisão de indeferimento do processo de reclamação graciosa n.º … 2013 …, notificada ao Requerente através do ofício n.º … da Direção de Finanças de Lisboa, de 2 de dezembro de 2013 e por este recebido no dia imediato, consta expressamente que “Mais se esclarece que, em sequência da atualização do VPT, se encontra já substituída a liquidação ora reclamada, para o montante a pagar de € 16 771,30 (de acordo com o peticionado), sendo consequentemente corrigidos os documentos de cobrança respetivos”;

2.1.6. Em reação contra as decisões de indeferimento das reclamações graciosas identificadas, o Requerente apresentou, em 27 de dezembro de 2013, as petições de recurso hierárquico que viriam a dar origem aos processos n.ºs … 2014… (reclamação graciosa n.º … 2013 …), referente à 1.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, e … 2014 … (reclamação graciosa n.º … 2013 …), referente à 2.ª prestação da mesma liquidação de Imposto do Selo;

2.1.7. O recurso hierárquico n.º … 2014 …, referente à 1.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, da quantia de € 7 954,39, foi indeferido por despacho da Senhora Diretora de Serviços do IMT, de 20 de fevereiro de 2015, notificado ao Requerente pelo ofício n.º … da Direção de Finanças de Lisboa, de 10 de março de 2015, remetido por carta registada com aviso de recepção (registo RD … PT);

2.1.8. Da informação n.º …, da DSIMT, sobre que assentou a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º … 2014… consta que “15. (…) apesar de a Recorrente ter, por via administrativa, atacado a 1.ª nota de cobrança o que está aqui em causa é a apreciação de uma alegada ilegalidade da liquidação que esteve na origem daquele documento e dos restantes dois que se lhe seguiram (…). 16. Sendo o ato de liquidação do imposto do selo (verba 28.1) um ato único e indivisível, a decisão tomada nesta sede quanto a esta 1.ª prestação afetará inevitavelmente a liquidação que lhe deu origem e consequentemente as duas restantes. Com efeito, há uma só liquidação cuja forma de pagamento, por opção legal, se desdobra em três prestações; 17. Ora, o que está na base da instauração de um procedimento de reclamação graciosa é uma suposta ilegalidade do ato tributário de liquidação oriundo da verba 28 da TGIS e não as notas de cobrança que dela derivaram (sublinhado nosso);

2.1.9. O recurso hierárquico n.º … 2014 …, relativo à 2.ª prestação da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, da quantia de € 7 954,37, foi arquivado por inutilidade, nos termos do artigo 112.º, do CPA, por se considerar que “(…) o ato de liquidação aqui em causa já foi alvo de pronúncia e decisão no procedimento de recurso hierárquico n.º … 2014 … (…)”, decisão notificada ao Requerente pelo ofício n.º … da Direção de Finanças de Lisboa, de 10 de março de 2015, remetido por carta registada com aviso de recepção (registo RD … PT);

2.1.10. Em 30 de janeiro de 2014, o Requerente apresentou reclamação graciosa que deu origem à abertura do processo n.º … 2014 …;

2.1.11. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … 2014 … (despacho de 16 de setembro de 2014) foi interposto recurso hierárquico, em 20 de outubro de 2014, registado sob o n.º … 2014 …;

 2.1.12. A informação n.º I2015 …, da DSIMT, que serviu de base à decisão de arquivamento do recurso hierárquico n.º … 2014 …, por inutilidade (despacho da Senhora Diretora de Serviços do IMT, de 26 de fevereiro de 2015), notificada ao Requerente pelo ofício n.º … da Direção de Finanças de Lisboa, de 10 de março de 2015, remetido por carta registada com aviso de recepção (registo RD … PT), contém as seguintes referências: “(…) 3. Conclui requerendo a revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (…); (…) 16. Esta nova liquidação fixaria o imposto a pagar em € 16.771,30; 21. Nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 115.º do CIMI há lugar a revisão oficiosa da liquidação em consequência da nova avaliação (…) implicou que a AT procedesse, oficiosamente à emissão de uma nova liquidação, corretiva da anterior, reduzindo-se o valor a pagar; 26. (…) Na prática, a liquidação em causa opera a cura, por reforma da liquidação inicial, retroagindo os seus efeitos à data do ato reformado (…); 31 (…) comparando as petições do primeiro recurso hierárquico apresentado (…) e do que agora se aprecia (…), resulta claro que (…) a Recorrente pretende obter o mesmo efeito jurídico (…)”;

2.1.13. A liquidação impugnada encontra-se em fase de cobrança coerciva.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, bem como da resposta prestada pela Requerida e do PA a ela anexo.

 

2.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

3.        MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1.   DA INTEPESTIVIDADE DO PEDIDO

Traduzindo-se a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, invocada pela Requerida, numa exceção dilatória, que obsta ao prosseguimento do processo (artigo 89.º, n.º 1, alínea h), do CPTA, de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 576.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, de acordo com disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), deve a mesma ser apreciada prioritariamente, por força do disposto no n.º 1 do artigo 608.º, do CPC.

A ilegalidade de um ato de liquidação pode ser sindicada através dos meios impugnatórios administrativos e/ou judiciais legalmente previstos, tendo em vista a sua anulação total ou parcial.

Porque os atos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos (artigo 60.º, do CPPT), podem ser diretamente sindicados pela via judicial, só havendo lugar a reclamação necessária nos casos em que há como que uma “administrativização” dos atos dos particulares como acontece, em certas circunstâncias, com a autoliquidação (artigo 131.º, do CPPT), com a retenção na fonte (artigo 132.º, do CPPT) com os pagamentos por conta (artigo 133.º, do CPPT), para além dos casos de impugnação com fundamento em matéria de classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias (artigo 133.º - A, do CPPT) e de impugnação de valores patrimoniais (artigo 134.º, do CPPT).

Fora dos casos de obrigatoriedade de reclamação prévia, pode o contribuinte obter a anulação total ou parcial do ato de liquidação pela via administrativa, mediante reclamação graciosa (artigos 68.º e seguintes, do CPPT) ou pedido de revisão (artigo 78.º, da LGT) e, da decisão do seu indeferimento, através de recurso hierárquico facultativo (artigos 80.º, da LGT e 66.º, 67.º e 76.º, do CPPT) ou, em alternativa, de impugnação judicial (artigos 95.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT).

Optando o sujeito passivo pelo recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou do pedido de revisão do ato tributário e, sendo o recurso hierárquico indeferido, da decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade do ato de liquidação, cabe impugnação judicial, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT[1].

Do mesmo modo, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, ao estabelecer os prazos para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, faz referência ao pedido que tenha por objeto a decisão do recurso hierárquico, mas há de ser o recurso hierárquico em que foi apreciada a legalidade do ato que, em concreto, é impugnado no pedido de pronúncia arbitral e não de um ato tributário que não tenha sido previamente sindicado pela via administrativa.

É que o pedido de pronúncia arbitral apresentado na sequência do indeferimento, expresso ou tácito, do recurso hierárquico, embora tenha por objeto imediato a decisão de indeferimento, tem sempre como objeto mediato o ato tributário cuja declaração de ilegalidade se pretende e foi previamente suscitada perante o órgão da AT competente para a decisão.

Cabe, assim, no caso concreto dos autos, saber se o ato tributário aqui impugnado foi previamente sindicado pela via administrativa e se, caso o não tenha sido, ainda é tempestivo o pedido de pronúncia arbitral em que é pedida a declaração da sua ilegalidade, atendendo ao termo do prazo para pagamento voluntário.

Porém, é o próprio Requerente quem, ao requerer ao tribunal arbitral a declaração da ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo do ano de 2012, se refere a “atos de liquidação/documentos de cobrança” (ponto 6, da p. i.), requer que “sejam anulados os documentos de cobrança” (ponto 5, da p. i.) e informa ter apresentado reclamação graciosa e recurso hierárquico por cada uma das prestações através das quais a dívida de imposto foi exigida (ponto 3, da p. i.), juntando cópias das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico relativos à primeira prestação em que se subdividiu aquela liquidação.

Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 68.º, do CPPT, “O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte, incluindo, nos termos da lei, os substitutos e responsáveis” e não a anulação de cada uma das prestações em que a cobrança do imposto é efetuada.

A relação jurídico-tributária foi moldada sobre a relação jurídica obrigacional e tem por objeto imediato uma prestação pecuniária (cfr. o artigo 40.º, n.º 1, da LGT), cujo valor, em regra, equivale ao valor da liquidação de imposto (do ato tributário). Nesse sentido é aquele termo utilizado no arrigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, em que se determina que o prazo para apresentação da impugnação judicial é de três meses contados do “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, como se conclui da remissão contida no artigo 70.º, n.º 1, do mesmo Código, segundo o qual “1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º”, em que se inclui o termo do prazo para pagamento da liquidação cuja anulação total ou parcial é pedida.

O termo “prestação” ou “prestação debitória” é, nas palavras de Antunes Varela, “o meio que satisfaz o interesse do credor, que lhe proporciona a vantagem a que ele tem direito”, sendo “o fulcro da obrigação, o seu alvo prático[2]

No entanto, segundo a lição de Braz Teixeira, em matéria tributária, “É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.”[3] (sublinhado nosso).

As prestações em que se divide uma liquidação de Imposto do Selo estão naquela primeira situação: dos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 1 e 120.º, ambos do Código do IMI, aplicáveis por remissão do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, resulta que, nas situações a que se refere a verba 28 da TGIS, é efetuada uma única liquidação anual, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.

Assim sendo, será de concluir que, não tendo as reclamações graciosas nem os recursos hierárquicos apresentados pelo Requerente tido por objeto o ato de liquidação de Imposto do Selo agora sindicado, mas antes cada uma das prestações em que a liquidação se subdividiu, que não são autonomamente anuláveis, o presente pedido de pronúncia arbitral traduz-se numa impugnação direta daquele ato tributário, que deveria ter sido apresentada dentro do prazo de 90 dias a contar do “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, por remissão do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Não pode, por isso, atender-se ao prazo de 90 dias a contar da notificação de decisão de um recurso hierárquico cujo objeto é diverso daquele sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral, que, deste modo, se revela intempestivo.

 

3.2.  O valor económico do pedido

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT. E, os termos da alínea a) do n.º 1, do artigo 97.º-A do CPPT, o valor da causa “Quando seja impugnada a liquidação, [é] o da importância cuja anulação se pretende”.

Fixa-se, assim o valor da causa em € 23 863,13 (vinte e três mil, oitocentos e sessenta e três mil euros e treze cêntimos), por ser esse o valor da liquidação do Imposto do Selo impugnada.

 

4.        DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se em, julgando intempestivo o pedido de pronúncia arbitral, por caducidade do direito de ação, absolver a AT da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 23 863,13 (vinte e três mil, oitocentos e sessenta e três mil euros e treze cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2015.

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Neste sentido, cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, 6.ª Edição 2011, anotado e comentado, Áreas Editora, Lisboa, pág. 153.

 

[2] VARELA, Antunes, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 80/81.

[3] TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1995,

págs. 243 e 244.