Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2015-T
Data da decisão: 2015-10-30  Selo  
Valor do pedido: € 21.062,29
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A… com sede na …, … …, ….º andar, fracção M, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de identificação de pessoa colectiva …, apresentou em 20/04/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012 (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), e a que correspondem os documentos com o n.º 2012 …, n.º 2013 …, n.º 2013 … e n.º 2013 …, nos montantes de € 7.020,76, € 4.680,51, € 4.680,51 e € 4.680,51, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 12/05/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 30/06/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 30/06/2015, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 17/09/2015 a AT apresentou a resposta, acompanhada de um requerimento no qual solicitou a dispensa de realização da reunião descrita no artigo 18.º do RJAT.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 21/09/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  Em 01/10/2015 a Requerente apresentou requerimento aos autos contendo alegações escritas.

 

1.8.  A AT não apresentou alegações escritas facultativas.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º RJAT, contado a partir da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa apresentada pela Requerente com referência às liquidações de Imposto do Selo identificadas acima, pelo que é tempestivo.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral (e alegações escritas subsequentes) e a da AT na sua resposta.

 

Em síntese, a Requerente entende que:

 

a)      “A (…) Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IS (…)” n.º 2012 …, n.º 2013 …, n.º 2013 … e n.º 2013 …;

 

b)      “As Liquidações reportam-se ao ano de 2012 (1.ª a 3.ª prestações) e a norma de incidência em que as mesmas se baseiam é a Verba 28 da TGIS, a qual foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” [sublinhado da Requerente];

 

c)      “A aprovação da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 implicou um aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo, nomeadamente através da concretização da referida Verba 28, a qual sujeitou à tributação de IS os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário conste da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros).”;

 

d)     “Basta uma leitura (…) para concluir que o critério que se deve ter por relevante na distinção entre “prédios rústicos” e “urbanos” deve incidir, essencialmente, na sua afectação ou destino normal (…),”;

 

e)      bem como que os terrenos para construção são expressamente excluídos do conceito de prédios rústicos, constituindo, antes sim, uma espécie autónoma de prédios urbanos, de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI.” [sublinhado da Requerente];

 

f)       “(…) crê a Requerente que a pretensão do legislador reside numa definição de «terreno para construção”, baseada em pressupostos de natureza objectiva e subjectiva isto porque, de acordo com a Lei, são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação previa ou emitida informação previa favorável.” [sublinhado da Requerente];

 

g)      Ora, um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para tal como ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.” [sublinhado da Requerente];

 

h)      “A expressão “com afectação habitacional” deve conter a ideia de uma funcionalidade real e presente pelo que,”;

 

i)        “Da norma em causa não se poderá extrair a interpretação vertida pela Autoridade Tributária de que, a opção do legislador pela expressão “afectação habitacional” tem em vista integrar outras realidades para além das que são identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.”;

 

j)        “(…) o facto de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação (entre outras, como é o caso dos autos), ainda que a mesma deva ser considerada na sua avaliação, isso não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.” [sublinhado da Requerente];

 

k)      “(…) resultando do artigo 6.º, do CIMI uma clara distinção ente prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo da verba 28 da TGIS, como “prédios com afectação habitacional”!” [sublinhado da Requerente];

 

l)        Assim, a “afectação habitacional” implica a efectiva e concreta afectação de um prédio urbano a esse fim – sendo esse o seu destino normal – e não apenas uma expectativa ou potencialidade de um prédio urbano de um dia, mediante determinadas condições, vir a ter uma afectação habitacional! [sublinhado da Requerente];

 

m)    Ora, os terrenos para construção sem edificação, não cumprem por si esta afectação habitacional (i) ou porque não tem licença de utilização ou (ii) porque, de acordo com a natureza das coisas, não estão em condições de serem habitados, sendo o seu destino normal serem objecto de construção a edificar, como sucede nos Lotes 24 e 25 do prédio em questão. [sublinhado da Requerente];

 

n)      “Face ao exposto, não crê a Requerente que fosse intenção do legislador visar abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não resultam da classificação plasmada no artigo 6.º do CIMI, pois se assim não fosse tê-lo-ia expressamente feito, o que não sucedeu!”.

 

Doutro modo, sustenta a AT que:

 

a)      “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do Código do Imposto de Selo, e aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 28.”;

 

b)      “Com esta alteração legislativa, o imposto do selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.”;

 

c)      “A noção de afectação de prédio urbano encontrará assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a afectação do imóvel (finalidade) incorporará valor ao imóvel, constituindo um factor de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;

 

d)     “Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI”;

 

e)      “(…) para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido esta ordem de considerações:

 

a.      Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do CC, ex vi art. 11.º da LGT.

 

b.      O art. 67.º n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

c.       A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

 

d.      A própria verba 28 TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.”;

 

f)       “Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional.” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1  do CIMI.”;

 

g)      “(…) considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…) em virtude de a construção ainda não estar efectivada.”;

 

h)      “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”;

 

i)        “A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.”;

 

j)        “Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.”;

 

k)       Com efeito, “(…) a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.”;

 

l)        “Por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”.

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      A Requerente é proprietária do prédio urbano da espécie “terreno para construção” inscrito na matriz predial respectiva da União das Freguesias de …, … e … sob o artigo U-… (anterior artigo …).

 

4.1.2.      De acordo com o referido alvará de loteamento, o terreno a que corresponde o prédio em questão, além da habitação, destinar-se-á ao comércio, serviços e estacionamento automóvel.

 

4.1.3.      O valor patrimonial tributário (VPT) do prédio urbano em causa, aquando da data das liquidações identificadas acima, ascende a € 1.404.152,50.

 

4.1.4.      A Requerente efectuou o pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, (documento n.º 2012 …), no montante de € 7.020,76 em 20/12/2012.

 

4.1.5.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, 1.ª prestação (documento n.º 2013 …), no montante de € 4.680,51, terminou em 30/04/2013, tendo a Requerente efectuado o pagamento nessa data.

 

4.1.6.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, 2.ª prestação (documento n.º 2013 …), no montante de € 4.680,51, terminou em 31/07/2013, tendo a Requerente efectuado o pagamento nessa data.

 

4.1.7.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2012, 3.ª prestação (documento n.º 2013 …), no montante de € 4.680,51, terminou em 30/11/2013, tendo a Requerente efectuado o pagamento em 28/11/2013.

 

4.1.8.      A Requerente apresentou, em 18/04/2013, reclamação graciosa contra os actos de liquidação de Imposto do Selo n.° 2012 … e n.º 2013 …, requerendo a anulação dos mesmos.

 

4.1.9.      Em 13/06/2013, a AT pronunciou-se pela proposta de indeferimento da referida reclamação graciosa, tendo a Requerente exercido o competente direito de audição prévia em 28/06/2013.

 

4.1.10.  Em 14/07/2013, a AT indeferiu a reclamação graciosa identificada em 4.1.8.

 

4.1.11.  Em 22/08/2013, a Requerente apresentou recurso hierárquico contra os actos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2012, requerendo a anulação dos mesmos.

 

4.1.12.  Em 20/01/2015, A AT indeferiu o recurso hierárquico identificado em 4.1.11.

 

4.1.13.  Em 20/04/2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2012

 

No caso em apreço, questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em saber se no âmbito de incidência do Imposto do Selo a que se refere a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (Tabela Geral) se contêm, ou não, os terrenos para construção. Ou seja, se para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie são susceptíveis de serem considerados, ou não, “prédios urbanos com afectação habitacional”.

 

Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e a jurisprudência arbitral em sentido contrário. [1] [2]

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão do STA, de 9 de Abril de 2014, proferido no Processo n.º 1870/13, senão vejamos: [3]

 

“O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.” [sublinhados nossos].

 

“Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (…), como a que está em causa nos presentes autos.” [sublinhado nosso].

 

“Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da (…)” AT “(…), porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

De facto, “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.” [sublinhado nosso].

 

“E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.”. [4]

 

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).”.

 

“Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).”.

 

Nesta medida, “(…) atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.” [sublinhados nossos].

 

“Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

 

Reitera-se, uma vez mais, esta jurisprudência, uma vez que não foram apresentados novos fundamentos que infirmem a orientação jurisprudencial propugnada.

 

Por todo o exposto, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como “terreno para construção” à data do facto tributário relativo ao ano de 2012, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de Imposto do Selo de 2012, com todas as consequências legais.

 

 

6.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo, constantes dos identificados documentos de cobrança, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT a restituir à Requerente o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 21.062,29;

d)     Condenar a AT em custas.

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 21.062,29 (vinte e um mil e sessenta e dois euros e vinte e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 30 de Outubro de 2015

 

 

O árbitro,

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.

[2] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos números 218/2013-T, 247/2013-T, 66/2014-T e 202/2014-T, disponíveis em https://caad.org.pt/.

[3] Ex vi do Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 021/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] Conforme aponta Andreia Gabriel Pereira, “(…) visou-se criar uma tributação específica para os titulares das denominadas «casas de luxo», o que, aliás, é possível inferir do facto de a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incidir apenas sobre os prédios destinados à habitação (e, marginalmente, sobre os prédios detidos por residentes em paraísos fiscais). Foi assim que aquela Verba foi apresentada à opinião pública e por esta percepcionada.”. Op. Cit. pág. 237.