Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 52/2015-T
Data da decisão: 2015-10-01  IRS  
Valor do pedido: € 26.720,53
Tema: IRS – Tributação de mais-valias
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 52/2015- T

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRS, tributação de mais-valias.

 

       I.             RELATÓRIO

 

1.      Em 30 de janeiro de 2015, A…, contribuinte n.º …, doravante identificado por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2.       No referido pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:

 

a)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014 … e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 … no montante de € 17 248,00, referente ao ano de 2011;

 

b)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … , e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, no montante de € 9 472,53, referente ao ano de 2012.

 

 

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 2 de fevereiro de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).

 

4.      O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      Após serem ouvidas as partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT por despacho de 9 de julho de 2015.

 

6.      Na sequência de notificação para o efeito, a Entidade Requerida apresentou as suas alegações em 14 de setembro de 2015.

 

7.      O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que o momento da tributação dos ganhos em apreciação no presente processo se reporta ao momento em que foi realizado o negócio de venda, o que se verificou em 17 de Setembro de 2009.

 

8.      O Requerente entende que para efeitos de tributação de mais-valias mobiliárias, o facto tributário ocorre no momento em que tem lugar a alienação e, bem assim que a aplicação de uma lei que passou a tributar mais-valias que antes estavam excluídas de tributação ou a aplicar uma taxa mais gravosa, a factos anteriores à entrada em vigor da lei, constitui uma aplicação retroativa da lei e, por isso ilegal. Entende ainda o Requerente que o facto tributário deve ser localizado no tempo de acordo com a respetiva norma de incidência e não de acordo com uma norma de determinação do rendimento coletável.

 

9.      Neste pressuposto, o Requerente sustenta que uma vez que detinha a participação em causa há mais de doze meses, qualquer mais-valia estava excluída de tributação em conformidade com a lei em vigor em 2009, pelo que a sua tributação em função das alterações introduzidas em 2010 viola o número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

10.  Na sua Resposta, a Entidade Requerida, invocou, a caducidade do direito de ação em virtude de se ter promovido a impugnação direta dos atos de liquidação cuja legalidade se contesta, sem se sindicar a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa anteriormente deduzida contra aqueles mesmos atos de liquidação.

 

11.   A Entidade Requerida sustenta ainda a improcedência do pedido com fundamento na circunstância do facto tributário não ter ocorrido em 2009, estando em causa um ato de formação sucessiva e não automática, porquanto o pagamento das ações transacionadas ficou sujeita a uma condição suspensiva de verificação incerta à data da alienação.

 

12.  Para a Entidade Requerida no caso vertente a concretização da mais-valia não se esgotou com o recebimento da parte fixa em 2009 mas foi-se concretizando em 2011 e 2012 com o recebimento das partes variáveis acordadas, em função do valor anual de vendas da empresa B…, SA, donde resultava a impossibilidade de determinar o valor a receber na altura da alienação.

 

    II.              SANEADOR

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer da exceção invocada e do mérito do pedido.

 

 III.            OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

                                i.            apreciação da caducidade do direito de ação;

                              ii.            aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses a uma transação verificada no ano de 2009, cujo preço foi parcialmente pago em 2011 e 2012.

 

 

 IV.            MATÉRIA DE FACTO

 Factos provados

13.  Em ação de inspeção levada a cabo pela Direção de Finanças de ... com o objetivo de analisar a aplicação do regime de neutralidade fiscal nas cisões e fusões verificou-se que a sociedade C…, Lda registou uma cisão simples, destacando uma parte do seu património para constituir a sociedade B…, SA, que por sua vez no ano de 2010, foi incorporada na sociedade D…, SA – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

14.  Em 15 de Julho de 2009, A…, E…, F… e G…, os futuros acionistas da sociedade a constituir – B…, SA- assinaram um contrato promessa de venda da totalidade das ações desta nova sociedade, com o outro acionista D…, SA, por um preço global dividido em parcelas fixas (1.333.000,00 €) e variáveis (2,50% do valor anual das vendas da B…, SA, caso este fosse inferior a 2.250.000,00 € e 5,00% se o valor anual das vendas fosse igual ou superior a 2.250.000,00 €, nos exercícios de 2010, 2011 e 2012) – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

15.  Em 17 de Setembro de 2009, após o registo da cisão simples, foi assinado o contrato de venda das referidas ações – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

16.  De acordo com o Relatório de Inspeção “foi confirmado pelo sujeito passivo A…, que o valor de venda que consta no contrato de compra e venda das acções é o mesmo que consta no contrato promessa de compra e venda das acções” – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

17.  Relativamente à parcela variável do contrato – e que foi recebida em 2011 (18. 883,47€ e 51.587,87€) e 2012 (35.214,42€) – não foram por A… declaradas quaisquer importâncias – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

18.  Do Relatório de Inspeção “resultou o apuramento de IRS em falta de 14.094,27€ (70.471,34€*20%) para o ano de 2011 e de 8.803,61€ (35.214,42€*25%) para o ano de 2012” – pág. 10 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

19.  Em 29 de Março de 2014, foi emitido em nome de a…, o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, do ano de 2011, no valor de 17.230,00€, que integra as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014 … - junto como Doc. 1 com a petição do Requerente; 

 

20.  Na mesma data, foi emitido em nome de A…, o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, do ano de 2012, no valor de 9.472,53€, que integra a liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … - junto como Doc. 2 com a petição do Requerente;

 

21.  O Requerente deduziu reclamação graciosa contras os acimas indicados atos de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios, que foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças de 3 de Novembro de 2014, conforme notificação promovida por Ofício da mesma data, da Direção de Finanças de ....

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

 

Factos não provados

 

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

    V.            DO DIREITO

 

        i.            Da caducidade do direito de ação

22.  A Entidade Requerida invoca na sua Resposta como exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa a alegada intempestividade do pedido formulado no presente processo.

 

23.  Sustenta a exceção invocada na circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter unicamente por objeto os atos de liquidação de IRS n.ºs 2014 … e 2014 …, referentes aos anos de 2011 e 2012, correspondentes demonstrações de acerto de contas e demonstrações de liquidação de juros, e no facto de ser requerido a final apenas a declaração de ilegalidade daqueles mesmos atos e consequente anulação.

 

24.  No pedido de pronúncia arbitral não são suscitados vícios próprios com referência à decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

25.  Para a Entidade Requerida, uma vez que não foi requerida a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que antecedeu o presente pedido arbitral é o mesmo intempestivo por se encontrar ultrapassado o prazo de impugnação direta dos atos em apreciação.

 

26.  Conforme resulta provado nos autos e não é contestado pelas partes, o presente pedido arbitral foi apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação ora em apreciação.

 

27.  A Entidade Requerida sustenta que não tendo sido requerida a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral deve ser contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário, e não da notificação da referida decisão de indeferimento.

 

28.  Não se pode acompanhar a posição adotada pela Entidade Requerida quanto a esta questão.

 

29.  Quando, como é o caso, não esteja em causa a apreciação de atos de fixação da matéria tributável, de determinação da matéria coletável ou de fixação de valores patrimoniais, o pedido de pronúncia arbitral tem necessariamente por objeto a declaração de ilegalidade de atos de liquidação (em sentido lato, abrangendo os de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), conforme resulta expressamente do número 1, do artigo 2.º e do número 1, do artigo 13.º do RJAT.

 

30.  O objeto do pedido de pronúncia arbitral não se confunde com o prazo para se formular o pedido de pronúncia arbitral regulado no artigo 10.º do RJAT.

 

31.  No caso vertente está em causa a apreciação da legalidade de atos de liquidação, pelo que de acordo com o referido número 1, do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral pode ter lugar no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário ou, no mesmo prazo de 90 dias, mas contados da notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma, sendo este último prazo aplicável no caso da notificação da decisão de reclamação graciosa (cf. ainda as alíneas a) e e) do número 1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).

 

32.  Dos preceitos citados resulta assim que um pedido de pronúncia arbitral que tenha por objeto a declaração de ilegalidade de atos de liquidação pode ser apresentado no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário ou da notificação da decisão da reclamação graciosa deduzida contra esse mesmo ato de liquidação.

 

33.  É certo que a doutrina entende que “embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações” (SOUSA, Jorge Lopes de – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 121).

 

34.  Esta interpretação permite – como resulta expressamente do comentário citado - estender a competência dos tribunais arbitrais à apreciação dos atos de segundo ou terceiro grau.

 

35.  A doutrina avança neste contexto que “(…) nestes casos o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação” (SOUSA, Jorge Lopes de – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 121).

 

36.  E, é com base neste entendimento, que a Entidade Requerida sustenta no caso vertente a caducidade do direito de ação.

 

37.  Sem prejuízo do que seguidamente melhor se desenvolverá, importa antes de tudo referir que, estando em causa matéria processual, considerações não diretamente reflectivas na lei não se podem sobrepor às expetativas fundadas dos contribuintes, baseadas nos próprios textos da lei – e, como resulta do supra exposto – o RJAT não obriga à impugnação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

 

38.  Na análise de questão semelhante, Lopes de Sousa não hesita em concluir que considerações de coerência apenas podem ser utilizadas “quando dessa utilização não resultem restrições dos direitos de impugnação que têm apoio no teor dos textos legais, que podem servir de base, razoavelmente, a expectativas dos cidadãos quanto aos prazos de que dispõem para impugnar os actos que lesem os seus direitos ou interesses legítimos.”, sob pena de violação do “direito à tutela judicial efetiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP), que impõe que tal tutela seja, antes de mais, acessível aos interessados, o que tem como corolário que estes não possam ser surpreendidos por interpretações restritivas sobre termos de exercício dos direitos de impugnação contenciosa, com que não possam razoavelmente contar” (SOUSA, Jorge Lopes de - Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág. 152).

 

39.  Ou seja, aceita-se que considerações de coerência possam servir de base a interpretações no sentido da ampliação dos prazos de exercício dos direitos de impugnação, mas já não a interpretações que resultem em restrição desses mesmos direitos.

 

40.  Não obstante, e voltando à questão abordada de que o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau refira-se que esta é a interpretação adotada em face das disposições que regulam a impugnação judicial, que - ao contrário da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT - preveem expressamente a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários (cf. alínea c), do número 1, do artigo 97.º do Código do Procedimento e Processo Tributário e alíneas a) e j) do artigo 101.º da Lei Geral Tributária).

 

41.  Porém, mesmo neste contexto a jurisprudência não é pacífica, tendo sido defendido que “a impugnação judicial, ainda que deduzida na sequência do indeferimento de uma reclamação graciosa visa única e exclusivamente o acto tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no Processo n.º 021089, de 24-09-1997, in www.dgsi.pt).

 

42.  Com efeito, como se referiu no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-09-97 – Recurso nº 21089, quando o contribuinte deduz impugnação judicial do indeferimento da reclamação está a atacar “o acto de liquidação e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, o qual pode ser impugnado com base em qualquer fundamento, pelo que o impugnante não está obrigado a atacar o fundamento invocado pela administração para indeferir a reclamação graciosa” (Acórdão do STA de 14-6-95, Recurso n.° 18985, AP-DR de 14-8-97, página 1710, citado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0975/09, de 25 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).

 

43.  Outros Acórdãos, mesmo quando concluem que a reclamação constitui o objeto imediato da impugnação e a liquidação o seu objeto mediato, não deixam de esclarecer que “tal diferenciação não tem relevo”.

 

44.  Atente-se neste contexto ao teor do seguinte Acórdão, também do Supremo Tribunal Administrativo, que se debruça diretamente sobre a definição do objeto da impugnação contenciosa do indeferimento da reclamação e do subsequente recurso hierárquico (se a própria liquidação, se a decisão do procedimento gracioso, se ambas): “ 11. Assim, do indeferimento da reclamação, sem dúvida que emerge a manutenção do acto tributário de liquidação. Todavia, também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial, nos termos expostos. Propendemos, até, ao entendimento de que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato - cfr. o acórdão deste STA, de 7 de Junho de 2000 – recurso n.º 21.556. Todavia, tal diferenciação não tem relevo uma vez que, assim sendo, os dois integram o conhecimento do tribunal: o acórdão do STA de 6 de Novembro de 1996 – recurso n.º 20.519, seguido pelo aresto daquela mesma data proferido no recurso n.º 24.803, considera objecto imediato da impugnação o acto de liquidação mas logo acrescenta que aí se conhece tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem. (…) Mas, assim sendo, é de concluir que, deduzida reclamação graciosa da liquidação e interposto subsequente recurso hierárquico, cabe ainda impugnação judicial da decisão deste, salvo se outra já tiver sido deduzida, tendo por objecto, mediato ou imediato, o mesmo acto tributário de liquidação”. Aplicando esta doutrina ao caso concreto dos autos desde logo dela decorre que, anulando-se a liquidação, cai necessariamente a decisão da reclamação, pelo que não é necessário anulá-la nem substituir a respectiva decisão (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0975/09, de 25 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).

 

45.  Ora, se anuladas as liquidações contestadas cai necessariamente a decisão da reclamação contra as mesmas deduzidas, não se encontra fundamento para se fazer depender a apreciação da legalidade das liquidações contestadas, da impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

46.  Em suma, no caso vertente, o pedido foi apresentado contra os atos de liquidação cuja legalidade se contesta - não se pretendendo ver imputados quaisquer vícios ao ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses mesmos atos de liquidação, ato esse que tem mera natureza confirmativa – no prazo legal de 90 dias, contados da notificação da decisão de reclamação, conforme expressamente previsto no número 1, do artigo 10.º do RJAT e na alínea e) do número 1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que se julga improcedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Entidade Requerida.

 

      ii.            Da apreciação da legalidade dos atos de liquidação

47.  A questão a decidir no presente processo prende-se, no essencial, com a determinação se a exclusão de tributação de mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, em vigor em 2009, é aplicável aos ganhos cujos montantes foram recebidos nos anos de 2011 e 2012, com referência a uma transmissão verificada em 17 de Setembro de 2009.

 

48.  Para o Requerente, no caso de tributação de mais-valias, estamos perante um tributo de obrigação única, que incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente.

 

49.  E, fundando-se na alínea b), do número 1, do artigo 10.º do Código do IRS, o Requerente sustenta que os ganhos se devem considerar obtidos no momento do ato de alienação das partes sociais - que se verificou em 17 de Setembro 2009 - data em que estavam, ainda, excluídas de tributação as mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

 

50.  Mais conclui, que tributar ao abrigo da lei em vigor uma realidade, que à data da sua efetivação se encontrava excluída de tributação é constitucionalmente vedado pelo número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

51.  Por sua vez a Entidade Requerida contrapõe estar-se perante um facto complexo de formação sucessiva em que a perfeição da alienação onerosa das partes sociais – o facto tributário em concreto – se protelou para um momento ulterior à celebração do contrato em si – aquando do pagamento das prestações variáveis em 2011 e 2012 – implicando a correspetiva tributação.

 

52.  Conforme seguidamente melhor se desenvolverá, acompanha-se o entendimento do Requerente que no caso de tributação de mais-valias o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo da realização da mais-valia, aceitando-se também que em regra a realização da mais-valia se verifica no momento da alienação.

 

53.  Há no entanto situações em que o ganho não é obtido no momento da alienação e nesta hipótese a realização da mais-valia não se verifica nesse momento.

 

54.  Enquadram-se nestas situações os casos em que os ganhos sejam efetivamente recebidos em momento posterior, nomeadamente por se ter acordado o pagamento em prestações ou por se ter condicionado o pagamento de parte ou a totalidade do preço à verificação de uma determinada condição.

 

55.  Porém, antes de se entrar diretamente na apreciação da questão importa ter em atenção o regime de tributação das mais-valias em sede de IRS, aplicável nos anos em questão, ou seja entre 2009 e 2012.

 

56.  Em 2009, os ganhos obtidos que resultassem da alienação onerosa de partes sociais constituam mais-valias, considerando-se os ganhos obtidos no momento da prática dos atos (cf. alínea b), do número 1 e número 3, do artigo 10.º do Código do IRS - na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro).

 

57.  Estavam, então, excluídas de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (cf. número 2, do artigo 10.º do Código do IRS - na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro).

 

58.  O Código do IRS foi subsequentemente alterado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho – que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – e que determinou a revogação do número 2, do artigo 10.º do Código do IRS, ao abrigo do qual se excluíam de tributação as referidas mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (cf. artigo 1.º e 5.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).

 

59.  É esta alteração de regime que revoga a anterior exclusão de tributação que torna no caso vertente relevante a determinação do momento em que se verifica o facto tributário, uma vez que a legalidade dos atos em apreciação é contestada, por se entender ser aplicável o número 2, do artigo 10.º do Código do IRS, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

60.  O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto sobre os rendimentos das pessoas singulares, por ser um imposto periódico - a configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura - e, por ser anual – incide sobre o valor anual dos rendimentos de cada uma das respetivas categorias, resultando o rendimento coletável do englobamento desses mesmos rendimentos, depois de feitas as deduções e os abatimentos legalmente previstos (cf. número 1, do artigo 1.º e número 1 do artigo 22.º do Código do IRS).

 

61.   O facto de o IRS “ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo (Como os rendimentos das categorias A, B, F e H, em que os rendimentos e respetivas deduções se vão sucedendo no tempo, sendo o imposto liquidado em função dos escalões e taxas marginais que resultam da agregação destas categorias.), já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01292/14, em 16-09-2015, in www.dgsi.pt).

 

62.  Como já avançado, a alínea b), do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS insere no campo de incidência da tributação os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais.

 

63.  Esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, não é o simples aumento do valor dos ativos em que se materializam que constitui o facto gerador, o facto gerador está em regra associado à alienação onerosa do ativo.

 

64.  Como já esclarecido pelo Supremo Tribunal Administrativo “em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de partes sociais, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação. Por conseguinte, as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respetivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna-se claro que a mais-valia se reporta a cada ganho de per si. Razão por que, (…), consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01292/14, em 16-09-2015, in www.dgsi.pt).

 

65.  E, a este entendimento “não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias” (cf. Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01078/12, em 08-01-2014, in www.dgsi.pt).

 

66.  Para o Acórdão acima citado trata-se “de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012]. Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável (…)” (cf. Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01078/12, de 08-01-2014, in www.dgsi.pt).

 

67.  Esta característica é comum às demais mais-valias, já que nas alíneas do número 1, do artigo 10.º se exige a alienação onerosa do ativo ou uma operação equiparada.

 

68.  No que respeita “ao momento em que o imposto é exigível – definição que é essencial para imputar a mais-valia tributável a um determinado ano - rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1”. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do acto que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.” (cf. XAVIER DE BASTOS - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 397 e 427).

 

69.  A lei prevê exceções a esta regra reguladas no número 3, do mesmo artigo 10.º do Código do IRS.

 

70.  Acresce que, Código do IRS adota na construção do conceito de rendimento tributário a conceção de rendimento-acréscimo.

 

71.  Nesta conceção o rendimento de um período é o somatório de todos os incrementos patrimoniais líquidos verificados no período, quer os que provém da participação na atividade produtiva – e que constituem rendimento-produto – quer os que não são imputáveis à produção.

 

72.  Há, assim, um alargamento “da base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos”(cf. Preâmbulo do Código do IRS).

 

73.  As mais-valias constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, sendo – como já avançado - um dos princípios gerais da sua tributação o princípio da realização, de acordo com o qual só há tributação quando a mais-valia é realizada, ou seja, em regra quando o ativo é transacionado.

 

74.  Mas do princípio da realização resulta ainda que só são tributados “os acréscimos patrimoniais realizados – os que se traduzem num aumento líquido dos meios monetários do seu titular (cash basis)” (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 32).

 

75.  A tributação independente deste aumento líquido de meios monetários do seu titular não só não resultaria na tributação de rendimentos efetivos, como poderia levar à liquidação de imposto superior ao efetivo acréscimo de rendimento do ano, na medida em que o valor efetivamente recebido não fosse suficiente para cobrir os respetivos encargos fiscais.

 

76.  Deste modo, e conforme sustentado em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, da globalidade das normas do IRS decorre que ele deve incidir apenas sobre o rendimento efetivo e, em cada ano, apenas sobre o rendimento efetivo desse ano.

 

77.   O que impõe que, o número 3 do artigo 10° do Código do IRS deva ser interpretado não como determinando, no ano da prática do ato, a tributação de rendimentos não efetivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma mera presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do ato.

 

78.  Ora, as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário (cf. número 1, do artigo 73.º da Lei Geral Tributária).

 

 

79.  E, como resulta dos factos provados, os valores sujeitos a tributação que estão na base dos atos de liquidação cuja legalidade se contesta, foram apenas recebidos em 2011 e 2012.

 

80.  Na situação em apreciação, no referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, estava em causa a venda de quotas de uma sociedade, em que foi convencionado que parte do preço seria pago em prestações ao longo dos anos seguintes, tendo sido apreciado se, o quantitativo de IRS (categoria G) referente às mais-valias obtidas em consequência da alienação das referidas quotas, devia ser fixado com base na quantia efetivamente recebida nesse mesmo ato ou pelo total do preço fixado na respetiva escritura de cessão de quotas e que não foi nesse ano totalmente recebido.

 

81.  Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que o número 3 do artigo 10° do Código do IRS não pode ser interpretado “sem atender ao carácter globalizante da tributação de IRS, de que se fala no preâmbulo do CIRS (nº3) e aos princípios essenciais em que assenta este imposto, como o impõe o princípio da "unidade do sistema jurídico". "Dos três factores interpretativos a que se refere o n° 1 do artº 9°, este é sem dúvida o mais importante. A sua consideração como factor decisivo ser-nos-ia imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica (…). Ora e como é sabido, a introdução do IRS teve em vista não só a obtenção de uma receita mais elevada, através do alargamento da sua base de incidência, mas também que esse aumento se fizesse sem prejuízo da justiça e equidade. E por ser assim, é que o legislador acolheu um conceito amplo de rendimento, ao mesmo tempo que determinou que a tributação incidisse, fundamentalmente, sobre o rendimento real efectivo. Assim o impõe, de facto, o artº 107°, n° 2 da CRP e vem também afirmado, em termos gerais, no artº 4°, n° 4 da Lei n° 106/88 de 12/9, que autorizou o Governo a aprovar o CIRS. Por outro lado, um dos princípios também determinantes, em matéria de IRS, é o da anualidade, entendido este no sentido de que os rendimentos que ele procura tributar são todos aqueles que, em cada ano, são nele auferidos ou postos à disposição do seu titular (cfr . artºs 1º, 21º, n° 1 e 41º, n° 1 do CIRS). Deste modo, da globalidade das normas do IRS decorre que, em relação a cada contribuinte e em cada ano, o IRS incide não só sobre o rendimento efectivo, mas também sobre o que nele aquele obteve. E se assim é, importa interpretar o prédito artº 10°, nºs 1, al. b) e 3 não como determinando, no acto da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são os auferidos no momento da prática do acto” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, em 9 de Abril de 2003, www.dgsi.pt).

 

82.  Transpondo esta interpretação – que se acompanha - para o caso vertente, importa concluir que no ano de 1999, no que aos cálculos das mais-valias respeita, só se pode atender ao rendimento efetivamente recebido naquele ano e que corresponde ao valor colocado à disposição do Requerente aquando da celebração do contrato de compra e venda das ações (no ano de 2009 não era ainda sequer possível saber se haveria lugar a ulteriores ganhos nos anos seguintes e em que valor).

 

83.  Em hipóteses como a presente, desde que demonstrado que parte do valor só foi recebido nos anos seguintes, é no momento que se verificou o efetivo recebimento, que se deve considerar realizado o acréscimo patrimonial e por consequência o facto tributário.

 

84.  Em suma, com referência à parte do preço que no contrato se convencione pagar em prestações nos anos seguintes ou que esteja dependente da verificação de uma determinada condição, só há lugar à realização de mais-valia se e quando o valor for efetivamente recebido.

85.  Em virtude do exposto, tendo ficado demonstrado que parte do valor obtido com a transmissão das partes sociais só foi recebido em 2011 e 2012 é, em cada um desses momentos que se realizou o respetivo ganho e, por consequência que se verificou o facto tributário.

 

86.  Ora, nos anos de 2011 e 2012 já não estavam excluídas de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, não padecendo consequentemente os atos contestados da ilegalidade invocada.

 

87.  Do mesmo modo, que não padecem de inconstitucionalidade, por violação do número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, pois os atos de liquidação resultam da aplicação das normas legais em vigor no momento da verificação dos respetivos factos tributários.

 

88.  Em face do exposto julga-se improcedente o pedido de anulação dos atos cuja legalidade se contesta.

 

 

 VI.            DECISÃO

 Em face do supra exposto, decide-se:

 

i)                    Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, suscitada pela Entidade Requerida na sua Resposta;

ii)                  Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Fixa-se o valor do processo em € 26 720,53 (vinte e seis mil e setecentos e vinte euros e cinquenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo do Requerente, no montante de € 1 530.00 € (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado improcedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 1 de outubro de 2015

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].

 

 

A Árbitra

(Ana Moutinho Nascimento)

 

 

 

 

 

 

                                                                                                         

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 52/2015- T

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRS, tributação de mais-valias.

 

       I.             RELATÓRIO

 

1.      Em 30 de janeiro de 2015, A…, contribuinte n.º …, doravante identificado por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2.       No referido pedido de pronúncia arbitral o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:

 

a)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014 … e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 … no montante de € 17 248,00, referente ao ano de 2011;

 

b)      a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … , e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, no montante de € 9 472,53, referente ao ano de 2012.

 

 

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 2 de fevereiro de 2015, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, subsequentemente, foi promovida a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Entidade Requerida).

 

4.      O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      Após serem ouvidas as partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT por despacho de 9 de julho de 2015.

 

6.      Na sequência de notificação para o efeito, a Entidade Requerida apresentou as suas alegações em 14 de setembro de 2015.

 

7.      O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que o momento da tributação dos ganhos em apreciação no presente processo se reporta ao momento em que foi realizado o negócio de venda, o que se verificou em 17 de Setembro de 2009.

 

8.      O Requerente entende que para efeitos de tributação de mais-valias mobiliárias, o facto tributário ocorre no momento em que tem lugar a alienação e, bem assim que a aplicação de uma lei que passou a tributar mais-valias que antes estavam excluídas de tributação ou a aplicar uma taxa mais gravosa, a factos anteriores à entrada em vigor da lei, constitui uma aplicação retroativa da lei e, por isso ilegal. Entende ainda o Requerente que o facto tributário deve ser localizado no tempo de acordo com a respetiva norma de incidência e não de acordo com uma norma de determinação do rendimento coletável.

 

9.      Neste pressuposto, o Requerente sustenta que uma vez que detinha a participação em causa há mais de doze meses, qualquer mais-valia estava excluída de tributação em conformidade com a lei em vigor em 2009, pelo que a sua tributação em função das alterações introduzidas em 2010 viola o número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

10.  Na sua Resposta, a Entidade Requerida, invocou, a caducidade do direito de ação em virtude de se ter promovido a impugnação direta dos atos de liquidação cuja legalidade se contesta, sem se sindicar a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa anteriormente deduzida contra aqueles mesmos atos de liquidação.

 

11.   A Entidade Requerida sustenta ainda a improcedência do pedido com fundamento na circunstância do facto tributário não ter ocorrido em 2009, estando em causa um ato de formação sucessiva e não automática, porquanto o pagamento das ações transacionadas ficou sujeita a uma condição suspensiva de verificação incerta à data da alienação.

 

12.  Para a Entidade Requerida no caso vertente a concretização da mais-valia não se esgotou com o recebimento da parte fixa em 2009 mas foi-se concretizando em 2011 e 2012 com o recebimento das partes variáveis acordadas, em função do valor anual de vendas da empresa B…, SA, donde resultava a impossibilidade de determinar o valor a receber na altura da alienação.

 

    II.              SANEADOR

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer da exceção invocada e do mérito do pedido.

 

 III.            OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

                                i.            apreciação da caducidade do direito de ação;

                              ii.            aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses a uma transação verificada no ano de 2009, cujo preço foi parcialmente pago em 2011 e 2012.

 

 

 IV.            MATÉRIA DE FACTO

 Factos provados

13.  Em ação de inspeção levada a cabo pela Direção de Finanças de ... com o objetivo de analisar a aplicação do regime de neutralidade fiscal nas cisões e fusões verificou-se que a sociedade C…, Lda registou uma cisão simples, destacando uma parte do seu património para constituir a sociedade B…, SA, que por sua vez no ano de 2010, foi incorporada na sociedade D…, SA – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

14.  Em 15 de Julho de 2009, A…, E…, F… e G…, os futuros acionistas da sociedade a constituir – B…, SA- assinaram um contrato promessa de venda da totalidade das ações desta nova sociedade, com o outro acionista D…, SA, por um preço global dividido em parcelas fixas (1.333.000,00 €) e variáveis (2,50% do valor anual das vendas da B…, SA, caso este fosse inferior a 2.250.000,00 € e 5,00% se o valor anual das vendas fosse igual ou superior a 2.250.000,00 €, nos exercícios de 2010, 2011 e 2012) – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

15.  Em 17 de Setembro de 2009, após o registo da cisão simples, foi assinado o contrato de venda das referidas ações – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

16.  De acordo com o Relatório de Inspeção “foi confirmado pelo sujeito passivo A…, que o valor de venda que consta no contrato de compra e venda das acções é o mesmo que consta no contrato promessa de compra e venda das acções” – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

17.  Relativamente à parcela variável do contrato – e que foi recebida em 2011 (18. 883,47€ e 51.587,87€) e 2012 (35.214,42€) – não foram por A… declaradas quaisquer importâncias – pág. 5 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

18.  Do Relatório de Inspeção “resultou o apuramento de IRS em falta de 14.094,27€ (70.471,34€*20%) para o ano de 2011 e de 8.803,61€ (35.214,42€*25%) para o ano de 2012” – pág. 10 do Relatório de Inspeção, junto como Doc. 3 com a petição do Requerente; 

 

19.  Em 29 de Março de 2014, foi emitido em nome de a…, o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, do ano de 2011, no valor de 17.230,00€, que integra as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014 … e 2014 … - junto como Doc. 1 com a petição do Requerente; 

 

20.  Na mesma data, foi emitido em nome de A…, o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, do ano de 2012, no valor de 9.472,53€, que integra a liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … - junto como Doc. 2 com a petição do Requerente;

 

21.  O Requerente deduziu reclamação graciosa contras os acimas indicados atos de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios, que foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças de 3 de Novembro de 2014, conforme notificação promovida por Ofício da mesma data, da Direção de Finanças de ....

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

 

Factos não provados

 

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

    V.            DO DIREITO

 

        i.            Da caducidade do direito de ação

22.  A Entidade Requerida invoca na sua Resposta como exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa a alegada intempestividade do pedido formulado no presente processo.

 

23.  Sustenta a exceção invocada na circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter unicamente por objeto os atos de liquidação de IRS n.ºs 2014 … e 2014 …, referentes aos anos de 2011 e 2012, correspondentes demonstrações de acerto de contas e demonstrações de liquidação de juros, e no facto de ser requerido a final apenas a declaração de ilegalidade daqueles mesmos atos e consequente anulação.

 

24.  No pedido de pronúncia arbitral não são suscitados vícios próprios com referência à decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

25.  Para a Entidade Requerida, uma vez que não foi requerida a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que antecedeu o presente pedido arbitral é o mesmo intempestivo por se encontrar ultrapassado o prazo de impugnação direta dos atos em apreciação.

 

26.  Conforme resulta provado nos autos e não é contestado pelas partes, o presente pedido arbitral foi apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação ora em apreciação.

 

27.  A Entidade Requerida sustenta que não tendo sido requerida a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral deve ser contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário, e não da notificação da referida decisão de indeferimento.

 

28.  Não se pode acompanhar a posição adotada pela Entidade Requerida quanto a esta questão.

 

29.  Quando, como é o caso, não esteja em causa a apreciação de atos de fixação da matéria tributável, de determinação da matéria coletável ou de fixação de valores patrimoniais, o pedido de pronúncia arbitral tem necessariamente por objeto a declaração de ilegalidade de atos de liquidação (em sentido lato, abrangendo os de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), conforme resulta expressamente do número 1, do artigo 2.º e do número 1, do artigo 13.º do RJAT.

 

30.  O objeto do pedido de pronúncia arbitral não se confunde com o prazo para se formular o pedido de pronúncia arbitral regulado no artigo 10.º do RJAT.

 

31.  No caso vertente está em causa a apreciação da legalidade de atos de liquidação, pelo que de acordo com o referido número 1, do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral pode ter lugar no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário ou, no mesmo prazo de 90 dias, mas contados da notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma, sendo este último prazo aplicável no caso da notificação da decisão de reclamação graciosa (cf. ainda as alíneas a) e e) do número 1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).

 

32.  Dos preceitos citados resulta assim que um pedido de pronúncia arbitral que tenha por objeto a declaração de ilegalidade de atos de liquidação pode ser apresentado no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário ou da notificação da decisão da reclamação graciosa deduzida contra esse mesmo ato de liquidação.

 

33.  É certo que a doutrina entende que “embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações” (SOUSA, Jorge Lopes de – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 121).

 

34.  Esta interpretação permite – como resulta expressamente do comentário citado - estender a competência dos tribunais arbitrais à apreciação dos atos de segundo ou terceiro grau.

 

35.  A doutrina avança neste contexto que “(…) nestes casos o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação” (SOUSA, Jorge Lopes de – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 121).

 

36.  E, é com base neste entendimento, que a Entidade Requerida sustenta no caso vertente a caducidade do direito de ação.

 

37.  Sem prejuízo do que seguidamente melhor se desenvolverá, importa antes de tudo referir que, estando em causa matéria processual, considerações não diretamente reflectivas na lei não se podem sobrepor às expetativas fundadas dos contribuintes, baseadas nos próprios textos da lei – e, como resulta do supra exposto – o RJAT não obriga à impugnação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

 

38.  Na análise de questão semelhante, Lopes de Sousa não hesita em concluir que considerações de coerência apenas podem ser utilizadas “quando dessa utilização não resultem restrições dos direitos de impugnação que têm apoio no teor dos textos legais, que podem servir de base, razoavelmente, a expectativas dos cidadãos quanto aos prazos de que dispõem para impugnar os actos que lesem os seus direitos ou interesses legítimos.”, sob pena de violação do “direito à tutela judicial efetiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP), que impõe que tal tutela seja, antes de mais, acessível aos interessados, o que tem como corolário que estes não possam ser surpreendidos por interpretações restritivas sobre termos de exercício dos direitos de impugnação contenciosa, com que não possam razoavelmente contar” (SOUSA, Jorge Lopes de - Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág. 152).

 

39.  Ou seja, aceita-se que considerações de coerência possam servir de base a interpretações no sentido da ampliação dos prazos de exercício dos direitos de impugnação, mas já não a interpretações que resultem em restrição desses mesmos direitos.

 

40.  Não obstante, e voltando à questão abordada de que o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau refira-se que esta é a interpretação adotada em face das disposições que regulam a impugnação judicial, que - ao contrário da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT - preveem expressamente a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários (cf. alínea c), do número 1, do artigo 97.º do Código do Procedimento e Processo Tributário e alíneas a) e j) do artigo 101.º da Lei Geral Tributária).

 

41.  Porém, mesmo neste contexto a jurisprudência não é pacífica, tendo sido defendido que “a impugnação judicial, ainda que deduzida na sequência do indeferimento de uma reclamação graciosa visa única e exclusivamente o acto tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no Processo n.º 021089, de 24-09-1997, in www.dgsi.pt).

 

42.  Com efeito, como se referiu no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-09-97 – Recurso nº 21089, quando o contribuinte deduz impugnação judicial do indeferimento da reclamação está a atacar “o acto de liquidação e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, o qual pode ser impugnado com base em qualquer fundamento, pelo que o impugnante não está obrigado a atacar o fundamento invocado pela administração para indeferir a reclamação graciosa” (Acórdão do STA de 14-6-95, Recurso n.° 18985, AP-DR de 14-8-97, página 1710, citado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0975/09, de 25 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).

 

43.  Outros Acórdãos, mesmo quando concluem que a reclamação constitui o objeto imediato da impugnação e a liquidação o seu objeto mediato, não deixam de esclarecer que “tal diferenciação não tem relevo”.

 

44.  Atente-se neste contexto ao teor do seguinte Acórdão, também do Supremo Tribunal Administrativo, que se debruça diretamente sobre a definição do objeto da impugnação contenciosa do indeferimento da reclamação e do subsequente recurso hierárquico (se a própria liquidação, se a decisão do procedimento gracioso, se ambas): “ 11. Assim, do indeferimento da reclamação, sem dúvida que emerge a manutenção do acto tributário de liquidação. Todavia, também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial, nos termos expostos. Propendemos, até, ao entendimento de que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato - cfr. o acórdão deste STA, de 7 de Junho de 2000 – recurso n.º 21.556. Todavia, tal diferenciação não tem relevo uma vez que, assim sendo, os dois integram o conhecimento do tribunal: o acórdão do STA de 6 de Novembro de 1996 – recurso n.º 20.519, seguido pelo aresto daquela mesma data proferido no recurso n.º 24.803, considera objecto imediato da impugnação o acto de liquidação mas logo acrescenta que aí se conhece tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem. (…) Mas, assim sendo, é de concluir que, deduzida reclamação graciosa da liquidação e interposto subsequente recurso hierárquico, cabe ainda impugnação judicial da decisão deste, salvo se outra já tiver sido deduzida, tendo por objecto, mediato ou imediato, o mesmo acto tributário de liquidação”. Aplicando esta doutrina ao caso concreto dos autos desde logo dela decorre que, anulando-se a liquidação, cai necessariamente a decisão da reclamação, pelo que não é necessário anulá-la nem substituir a respectiva decisão (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0975/09, de 25 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt).

 

45.  Ora, se anuladas as liquidações contestadas cai necessariamente a decisão da reclamação contra as mesmas deduzidas, não se encontra fundamento para se fazer depender a apreciação da legalidade das liquidações contestadas, da impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

46.  Em suma, no caso vertente, o pedido foi apresentado contra os atos de liquidação cuja legalidade se contesta - não se pretendendo ver imputados quaisquer vícios ao ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esses mesmos atos de liquidação, ato esse que tem mera natureza confirmativa – no prazo legal de 90 dias, contados da notificação da decisão de reclamação, conforme expressamente previsto no número 1, do artigo 10.º do RJAT e na alínea e) do número 1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que se julga improcedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Entidade Requerida.

 

      ii.            Da apreciação da legalidade dos atos de liquidação

47.  A questão a decidir no presente processo prende-se, no essencial, com a determinação se a exclusão de tributação de mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, em vigor em 2009, é aplicável aos ganhos cujos montantes foram recebidos nos anos de 2011 e 2012, com referência a uma transmissão verificada em 17 de Setembro de 2009.

 

48.  Para o Requerente, no caso de tributação de mais-valias, estamos perante um tributo de obrigação única, que incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente.

 

49.  E, fundando-se na alínea b), do número 1, do artigo 10.º do Código do IRS, o Requerente sustenta que os ganhos se devem considerar obtidos no momento do ato de alienação das partes sociais - que se verificou em 17 de Setembro 2009 - data em que estavam, ainda, excluídas de tributação as mais-valias provenientes de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

 

50.  Mais conclui, que tributar ao abrigo da lei em vigor uma realidade, que à data da sua efetivação se encontrava excluída de tributação é constitucionalmente vedado pelo número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

51.  Por sua vez a Entidade Requerida contrapõe estar-se perante um facto complexo de formação sucessiva em que a perfeição da alienação onerosa das partes sociais – o facto tributário em concreto – se protelou para um momento ulterior à celebração do contrato em si – aquando do pagamento das prestações variáveis em 2011 e 2012 – implicando a correspetiva tributação.

 

52.  Conforme seguidamente melhor se desenvolverá, acompanha-se o entendimento do Requerente que no caso de tributação de mais-valias o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo da realização da mais-valia, aceitando-se também que em regra a realização da mais-valia se verifica no momento da alienação.

 

53.  Há no entanto situações em que o ganho não é obtido no momento da alienação e nesta hipótese a realização da mais-valia não se verifica nesse momento.

 

54.  Enquadram-se nestas situações os casos em que os ganhos sejam efetivamente recebidos em momento posterior, nomeadamente por se ter acordado o pagamento em prestações ou por se ter condicionado o pagamento de parte ou a totalidade do preço à verificação de uma determinada condição.

 

55.  Porém, antes de se entrar diretamente na apreciação da questão importa ter em atenção o regime de tributação das mais-valias em sede de IRS, aplicável nos anos em questão, ou seja entre 2009 e 2012.

 

56.  Em 2009, os ganhos obtidos que resultassem da alienação onerosa de partes sociais constituam mais-valias, considerando-se os ganhos obtidos no momento da prática dos atos (cf. alínea b), do número 1 e número 3, do artigo 10.º do Código do IRS - na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro).

 

57.  Estavam, então, excluídas de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (cf. número 2, do artigo 10.º do Código do IRS - na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro).

 

58.  O Código do IRS foi subsequentemente alterado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho – que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – e que determinou a revogação do número 2, do artigo 10.º do Código do IRS, ao abrigo do qual se excluíam de tributação as referidas mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (cf. artigo 1.º e 5.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).

 

59.  É esta alteração de regime que revoga a anterior exclusão de tributação que torna no caso vertente relevante a determinação do momento em que se verifica o facto tributário, uma vez que a legalidade dos atos em apreciação é contestada, por se entender ser aplicável o número 2, do artigo 10.º do Código do IRS, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

60.  O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto sobre os rendimentos das pessoas singulares, por ser um imposto periódico - a configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura - e, por ser anual – incide sobre o valor anual dos rendimentos de cada uma das respetivas categorias, resultando o rendimento coletável do englobamento desses mesmos rendimentos, depois de feitas as deduções e os abatimentos legalmente previstos (cf. número 1, do artigo 1.º e número 1 do artigo 22.º do Código do IRS).

 

61.   O facto de o IRS “ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo (Como os rendimentos das categorias A, B, F e H, em que os rendimentos e respetivas deduções se vão sucedendo no tempo, sendo o imposto liquidado em função dos escalões e taxas marginais que resultam da agregação destas categorias.), já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01292/14, em 16-09-2015, in www.dgsi.pt).

 

62.  Como já avançado, a alínea b), do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS insere no campo de incidência da tributação os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais.

 

63.  Esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, não é o simples aumento do valor dos ativos em que se materializam que constitui o facto gerador, o facto gerador está em regra associado à alienação onerosa do ativo.

 

64.  Como já esclarecido pelo Supremo Tribunal Administrativo “em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de partes sociais, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação. Por conseguinte, as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respetivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna-se claro que a mais-valia se reporta a cada ganho de per si. Razão por que, (…), consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 01292/14, em 16-09-2015, in www.dgsi.pt).

 

65.  E, a este entendimento “não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias” (cf. Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01078/12, em 08-01-2014, in www.dgsi.pt).

 

66.  Para o Acórdão acima citado trata-se “de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012]. Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável (…)” (cf. Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01078/12, de 08-01-2014, in www.dgsi.pt).

 

67.  Esta característica é comum às demais mais-valias, já que nas alíneas do número 1, do artigo 10.º se exige a alienação onerosa do ativo ou uma operação equiparada.

 

68.  No que respeita “ao momento em que o imposto é exigível – definição que é essencial para imputar a mais-valia tributável a um determinado ano - rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1”. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do acto que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.” (cf. XAVIER DE BASTOS - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 397 e 427).

 

69.  A lei prevê exceções a esta regra reguladas no número 3, do mesmo artigo 10.º do Código do IRS.

 

70.  Acresce que, Código do IRS adota na construção do conceito de rendimento tributário a conceção de rendimento-acréscimo.

 

71.  Nesta conceção o rendimento de um período é o somatório de todos os incrementos patrimoniais líquidos verificados no período, quer os que provém da participação na atividade produtiva – e que constituem rendimento-produto – quer os que não são imputáveis à produção.

 

72.  Há, assim, um alargamento “da base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos”(cf. Preâmbulo do Código do IRS).

 

73.  As mais-valias constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, sendo – como já avançado - um dos princípios gerais da sua tributação o princípio da realização, de acordo com o qual só há tributação quando a mais-valia é realizada, ou seja, em regra quando o ativo é transacionado.

 

74.  Mas do princípio da realização resulta ainda que só são tributados “os acréscimos patrimoniais realizados – os que se traduzem num aumento líquido dos meios monetários do seu titular (cash basis)” (cf. Xavier de Bastos - IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 32).

 

75.  A tributação independente deste aumento líquido de meios monetários do seu titular não só não resultaria na tributação de rendimentos efetivos, como poderia levar à liquidação de imposto superior ao efetivo acréscimo de rendimento do ano, na medida em que o valor efetivamente recebido não fosse suficiente para cobrir os respetivos encargos fiscais.

 

76.  Deste modo, e conforme sustentado em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, da globalidade das normas do IRS decorre que ele deve incidir apenas sobre o rendimento efetivo e, em cada ano, apenas sobre o rendimento efetivo desse ano.

 

77.   O que impõe que, o número 3 do artigo 10° do Código do IRS deva ser interpretado não como determinando, no ano da prática do ato, a tributação de rendimentos não efetivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma mera presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do ato.

 

78.  Ora, as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário (cf. número 1, do artigo 73.º da Lei Geral Tributária).

 

 

79.  E, como resulta dos factos provados, os valores sujeitos a tributação que estão na base dos atos de liquidação cuja legalidade se contesta, foram apenas recebidos em 2011 e 2012.

 

80.  Na situação em apreciação, no referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, estava em causa a venda de quotas de uma sociedade, em que foi convencionado que parte do preço seria pago em prestações ao longo dos anos seguintes, tendo sido apreciado se, o quantitativo de IRS (categoria G) referente às mais-valias obtidas em consequência da alienação das referidas quotas, devia ser fixado com base na quantia efetivamente recebida nesse mesmo ato ou pelo total do preço fixado na respetiva escritura de cessão de quotas e que não foi nesse ano totalmente recebido.

 

81.  Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que o número 3 do artigo 10° do Código do IRS não pode ser interpretado “sem atender ao carácter globalizante da tributação de IRS, de que se fala no preâmbulo do CIRS (nº3) e aos princípios essenciais em que assenta este imposto, como o impõe o princípio da "unidade do sistema jurídico". "Dos três factores interpretativos a que se refere o n° 1 do artº 9°, este é sem dúvida o mais importante. A sua consideração como factor decisivo ser-nos-ia imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica (…). Ora e como é sabido, a introdução do IRS teve em vista não só a obtenção de uma receita mais elevada, através do alargamento da sua base de incidência, mas também que esse aumento se fizesse sem prejuízo da justiça e equidade. E por ser assim, é que o legislador acolheu um conceito amplo de rendimento, ao mesmo tempo que determinou que a tributação incidisse, fundamentalmente, sobre o rendimento real efectivo. Assim o impõe, de facto, o artº 107°, n° 2 da CRP e vem também afirmado, em termos gerais, no artº 4°, n° 4 da Lei n° 106/88 de 12/9, que autorizou o Governo a aprovar o CIRS. Por outro lado, um dos princípios também determinantes, em matéria de IRS, é o da anualidade, entendido este no sentido de que os rendimentos que ele procura tributar são todos aqueles que, em cada ano, são nele auferidos ou postos à disposição do seu titular (cfr . artºs 1º, 21º, n° 1 e 41º, n° 1 do CIRS). Deste modo, da globalidade das normas do IRS decorre que, em relação a cada contribuinte e em cada ano, o IRS incide não só sobre o rendimento efectivo, mas também sobre o que nele aquele obteve. E se assim é, importa interpretar o prédito artº 10°, nºs 1, al. b) e 3 não como determinando, no acto da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são os auferidos no momento da prática do acto” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, em 9 de Abril de 2003, www.dgsi.pt).

 

82.  Transpondo esta interpretação – que se acompanha - para o caso vertente, importa concluir que no ano de 1999, no que aos cálculos das mais-valias respeita, só se pode atender ao rendimento efetivamente recebido naquele ano e que corresponde ao valor colocado à disposição do Requerente aquando da celebração do contrato de compra e venda das ações (no ano de 2009 não era ainda sequer possível saber se haveria lugar a ulteriores ganhos nos anos seguintes e em que valor).

 

83.  Em hipóteses como a presente, desde que demonstrado que parte do valor só foi recebido nos anos seguintes, é no momento que se verificou o efetivo recebimento, que se deve considerar realizado o acréscimo patrimonial e por consequência o facto tributário.

 

84.  Em suma, com referência à parte do preço que no contrato se convencione pagar em prestações nos anos seguintes ou que esteja dependente da verificação de uma determinada condição, só há lugar à realização de mais-valia se e quando o valor for efetivamente recebido.

85.  Em virtude do exposto, tendo ficado demonstrado que parte do valor obtido com a transmissão das partes sociais só foi recebido em 2011 e 2012 é, em cada um desses momentos que se realizou o respetivo ganho e, por consequência que se verificou o facto tributário.

 

86.  Ora, nos anos de 2011 e 2012 já não estavam excluídas de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, não padecendo consequentemente os atos contestados da ilegalidade invocada.

 

87.  Do mesmo modo, que não padecem de inconstitucionalidade, por violação do número 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, pois os atos de liquidação resultam da aplicação das normas legais em vigor no momento da verificação dos respetivos factos tributários.

 

88.  Em face do exposto julga-se improcedente o pedido de anulação dos atos cuja legalidade se contesta.

 

 

 VI.            DECISÃO

 Em face do supra exposto, decide-se:

 

i)                    Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, suscitada pela Entidade Requerida na sua Resposta;

ii)                  Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Fixa-se o valor do processo em € 26 720,53 (vinte e seis mil e setecentos e vinte euros e cinquenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do número 1, do artigo 29.º do RJAT, e do número 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo do Requerente, no montante de € 1 530.00 € (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado improcedente, e em cumprimento do disposto no número 2, do artigo 12.º, e número 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do disposto no número 4, do artigo 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 1 de outubro de 2015

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária].

 

 

A Árbitra

(Ana Moutinho Nascimento)