DECISÃO ARBITRAL
Em cumprimento do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido em 11-7-2019 e que declarou a nulidade do acórdão arbitral de 3-11-2015, acordam os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Doutor Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte nova
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., com sede na Rua..., nº..., ..., ...– ... ..., ..., pessoa colectiva nº..., ao abrigo do preceituado pelo artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigos 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1, al. a) e nº 2, do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), veio apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a auto liquidação de IRC do ano de 2009, apresentada em 22 de fevereiro de 2013 e de que resultou um valor de imposto de 208.744,09 euros, que a Requerente pagou.
Alega a Requerente a fundamentar o pedido e no essencial:
- Foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para proceder à apresentação da declaração de rendimentos nomeadamente respeitante ao ano de 2009 e subsequente liquidação de IRC, com a cominação de que, caso não o fizesse, incorreria numa situação suscetível de configurar uma contraordenação. (Doc. 1);
- Face a essa notificação e embora discordando do teor da mesma, a ora Requerente apresentou, em 22 de fevereiro de 2013, a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009, procedeu à autoliquidação do IRC desse ano e procedeu ainda ao pagamento do correspondente imposto, no valor de 208.744,09 euros e 22.589,87 euro a título de juros compensatórios (Doc 3);
- Considerando desde o início que se encontrava isenta de IRC, não devendo, por isso, qualquer valor de imposto, a ora Requerente reclamou, em 24.06.2013, do acto de autoliquidação de IRC de 2009. (Doc. 4)
- Reclamação que veio a ser indeferida por despacho de 30 de dezembro de 2013 proferido pelo substituto do Diretor de Finanças de Lisboa. (Doc. 5)
- Inconformada com tal decisão, a ora Requerente interpôs dessa decisão, em 03.02.2014, o adequado recurso hierárquico. (Doc. 6)
- Recurso hierárquico que viria também a ser indeferido por despacho de 30 de outubro de 2014, proferido pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRC (Doc. 7).
- Para motivar tais indeferimentos, veio a recorrida, basicamente, sustentar que a ora Requerente não é isenta de IRC, por a mesma não se encontrar registada como Instituição Particular de Solidariedade Social ou entidade legalmente equiparada na Direcção Geral da Segurança Social.
- Discordando deste entendimento, a ora Requerente pretende, com a presente ação, ver revogada a decisão de 30 de outubro de 2014, proferido pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRC, que indeferiu o recurso hierárquico, por entender que a mesma se encontra eivada de vícios de violação de lei, e, em consequência, ver anulado o acto de autoliquidação de IRC de 2009.
- A ora Requerente é uma Congregação Religiosa, canonicamente ereta, que desenvolve, para além da atividade religiosa, uma atividade de promoção e proteção da saúde, num estabelecimento que lhe pertence denominado “B...”.
- A ora Requerente encontra-se organizada por Províncias Nacionais, sendo que a Província Portuguesa é a sede internacional da Congregação, a primeira registada em Portugal em 1876 e tem atividades a nível mundial.
- As primeiras Constituições da Requerente datam de 18 de Outubro de 1901, das quais resulta como finalidade primeira «tratar de enfermos tanto nos hospitais, como em casa d’elles», característica que permanece com a aprovação dos seus Estatutos em 21/09/1937 e posteriormente com a celebração da Concordata de 1940 e a respetiva participação, em 6 de Novembro de 1940, ao Governo Civil do Porto, em que releva como finalidade «dedicar-se à assistência sanitária aos doentes e a outros serviços de beneficiência e assistência social». (Doc. 8)
- A Requerente foi assim reconhecida em Portugal, para além dos seus fins religiosos, como uma instituição de beneficência e assistência social.
- No estabelecimento “B...”, especialmente preparado e licenciado para esse efeito, são assim prestados pela Requerente cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelos quais recebe, naturalmente, o devido pagamento, embora nunca com fins lucrativos.
- É, pois, sobretudo do exercício dessa atividade que resultam os proveitos declarados na declaração de rendimentos de 2009 apresentada em 22 de fevereiro de 2013.
- E de que resultou a autoliquidação de IRC de 2009 e o subsequente pagamento à recorrida da quantia global de 231.333,96 euros (IRC e juros compensatórios).
- Note-se que, por entender que se encontrava abrangida pelo artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC), quanto à atividade da área de saúde desenvolvida na “B...”, estando, nesse contexto, isenta de IRC, a ora Requerente havia já solicitado anteriormente a emissão de uma certidão comprovativa da sua isenção de IRC. (Doc. 9)
- Pedido que visava apenas melhor documentar o entendimento que a ora Requerida já havia transmitido em 8 de Novembro de 2007. (Doc. 10)
- Não obstante, a ora Requerida, através da Subdiretora Geral dos Impostos, veio indeferir o pedido em causa em 21 de Fevereiro de 2011, razão pela qual a Requerente, através da sua mandatária e ora subscritora do presente requerimento, interpôs dessa decisão o adequado recurso hierárquico (Doc. 11 e 12).
- Apesar do tempo já decorrido, a mandatária da ora Requerente e subscritora do presente requerimento não foi ainda notificada de qualquer decisão sobre o referido recurso hierárquico, tal como determina o artigo 40º do CPPT (Doc. 13).
- Sendo certo que, ainda nos termos dessa disposição legal, do cumprimento dessa formalidade depende a produção de efeitos do acto praticado.
- Todavia, e sempre sem que a mandatária da Requerente tenha sido notificada da decisão quanto ao recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu o pedido de emissão de certidão de isenção de IRC, a verdade é que, como atrás já se referiu, a Requerente foi notificada pela Direção de Finanças para apresentar a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009 (e também em relação a 2010 e 2011), de que resultou a autoliquidação que ora se impugna.
- Tal como atrás se refere, o nº 1 do artigo 40º do CPPT determina que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.
- Apesar de já decorridos mais de 3 anos desde que a Requerente, através da sua mandatária e subscritora do presente requerimento, interpôs recurso hierárquico da decisão que indeferiu a reclamação formulada sobre o indeferimento do pedido de certidão de isenção de IRC, a verdade é que aquela não foi notificada de qualquer decisão até à data.
- A não notificação de qualquer decisão a esse respeito mantém, assim, em discussão no foro administrativo a questão da isenção de IRC da Requerente, até porque qualquer decisão que porventura tivesse sido tomada, e não notificada, não teria produzido quaisquer efeitos, tal como abundantemente a nossa jurisprudência assim tem decidido (v.d. acórdãos nºs 0927/10 de 04.05.2011 e 0409/12 de 16.05.2012 do STA).
- O que significa que o acto da Requerida que levou a exigir a liquidação de IRC de 2009 e o subsequente acto de autoliquidação labora, desde logo, num erro nos seus pressupostos de facto: o de que pela administração terá já sido decidido, valida e eficazmente, o pedido de emissão da certidão de isenção de IRC que a Requerente formulou em Julho de 2007.
- Algo que, como se vê, não corresponde, de todo, à realidade!
- Com efeito, a mandatária da ora Requerente nos autos de recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu a reclamação apresentada quanto à decisão de não emitir a certidão de isenção de IRC continua sem ser notificada de qualquer decisão final sobre o mesmo, pelo que qualquer decisão que possa ter sido tomada não produz qualquer efeito, mormente o de motivar o juízo da ora Requerida que levou a ora Requerente ao acto de autoliquidação de IRC de 2009.
- Deste modo, a ora Requerida, ao fundamentar a sua exigência de liquidação de IRC de 2009 no pressuposto de que a Requerente não seria isenta de IRC, fundamentada num alegado acto que, em violação do disposto no nº 1 do artigo 40º do CPPT, não foi notificado à mandatária da Requerente, mais não faz do invalidar o acto que exigiu a liquidação do IRC de 2009 e que levou à autoliquidação da Requerente, precisamente porque o mesmo assenta num facto e num juízo que não produziu ainda qualquer efeito e que, por isso, não pode fundamentar o acto em apreço.
- Ora, tal como é reconhecido doutrinaria e jurisprudencialmente, o erro nos pressupostos de facto constitui um vício de violação de lei, susceptível de motivar, sem mais, a anulação do acto inquinado – a autoliquidação de IRC de 2009.
VIOLAÇÃO DE LEI
- Mas ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese académica, sempre se dirá que, na verdade, a ora Requerente é manifestamente isenta de IRC, ao contrário do que sustenta a recorrida na decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
- Com efeito, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC) são isentas de IRC as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades conexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas.
- A Concordata de 18 de Maio de 2004, celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé (“Concordata de 2004”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, veio introduzir profundas alterações ao regime fiscal existente, no que constituiu uma opção clara do legislador de sujeitar a tributação rendimentos que se encontravam anteriormente isentos e de abandonar o conceito de isenção total e abrangente.
- Sumariamente, apenas os donativos monetários e em espécie que se destinem à realização de fins religiosos se qualificam como rendimentos não sujeitos, para efeitos do estabelecido na Concordata de 2004.
- Todos os outros rendimentos auferidos pelas entidades religiosas poderão beneficiar de isenção de IRC, em virtude do disposto no artigo 10.º do Código deste Imposto, desde que estas entidades se qualifiquem, adicionalmente, como:
- a) Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
- b) Instituições Particulares de Solidariedade Social (“IPSS”) e entidades conexas, bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas;
- c) Pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
- Tendo a Requerente sido canonicamente erigida, constituída e participada à autoridade competente, em data anterior à da entrada em vigor da Concordata, a sua personalidade é reconhecida pelo Estado nos termos do artigo 10.º, número 2 da Concordata.
- Mais, por prosseguir, para além dos fins religiosos, actividades de assistência e solidariedade, nomeadamente na área da promoção e proteção da saúde, sem fins lucrativos, a Requerente é equiparada a uma IPSS, nomeadamente para efeitos fiscais, e no exercício daquelas atividades, conforme o disposto nos artigos 12.º e 26.º, número 5 da Concordata.
- A Requerente, enquanto organização ou instituição religiosa que se propõe exercer e que exerce actividades como a protecção e promoção da saúde, assim como na área da educação e formação profissional dos cidadãos, é igualmente equiparada a IPSS nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 40.º do Decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto das IPSS.
- Com efeito, desde sempre que aquela desenvolve actividades de carácter social, nomeadamente na área da promoção e da protecção da saúde, em particular na “B...”, desde a sua génese, ou seja, em momento muito anterior ao DL 119/83, prestando cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelo que é forçoso concluir que passou a ser considerada uma IPSS, independentemente da forma que tenha adoptado, ex vi do disposto nos citados artigos 1º, alínea e) e 94º, nº 5 do referido diploma - Estatuto Jurídico das IPSS.
- A ora Requerente, não sendo formalmente uma IPSS, é, pois, para todos os efeitos, designadamente fiscais, equiparada a uma IPSS nos termos dos artigos 10.º, número 2, 12.º e 26.º, número 5 da Concordata e artigos 1.º, número 1, alíneas e) e f) do artigo 1º e 40.º do Estatuto das IPSS.
- É aliás esse o enquadramento da declaração junta com o pedido de certidão em que o próprio Ministério da Saúde reconhece a actividade da B... como legalmente equiparada a IPSS, estabelecimento integrante da Congregação.
- Esta mesma conclusão é corroborada, inequivocamente, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) nos seus Acórdãos de 7 de Janeiro de 2009 (Processo nº 0812/08) e de 18 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 725/11).
- Aliás, importa referir que a fundamentação da decisão agora em causa é contraditória com os próprios termos da legislação aplicável.
- Tal como já se referiu, o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não se limita, meramente, a sujeitar as entidades aí previstas ao Estatuto das IPSS.
- Com efeito, são equiparáveis a IPSS as pessoas colectivas religiosas que prosseguem os fins das IPSS a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, fins esses que, nos termos da lei, justificam que estas entidades se encontrem isentas de IRC, nas actividades referidas.
- Para além disso, o facto de a Requerente se encontrar, por força do artigo 40º do mesmo diploma, sujeita ao estatuto previsto no mesmo, não obriga a que a mesma proceda ao registo previsto para as IPSS, facto aliás desproporcionado pois é a actividade que é isenta, sendo que essa mesma actividade, porque claramente não detentora de autonomia e de personalidade jurídica, não pode lograr obter o registo que pretende a recorrida.
- Por outro lado, se assim fosse, não existiriam pessoas colectivas legalmente equiparadas a IPSS, ou entidades religiosas que para além dos fins religiosos, prosseguissem actividades sociais, mas antes e apenas IPSS.
- Ou seja, as pessoas colectivas – organizações e instituições religiosas - que, não sendo IPSS, prosseguem actividades típicas das IPSS, como é o caso da Requerente, têm, assim, duas opções: ou pretendem ter a natureza de IPSS e podem proceder ao registo que resulta do artigo 7º daquele diploma legal ou não pretendem ter essa natureza e basta-lhes efectuar o registo que a sua natureza determina.
- Ora, sendo a Requerente uma entidade religiosa, apenas se encontra a mesma obrigada à comunicação a que se refere o artigo 45º, comunicação essa já há muito feita, enquadrados pelos artigos 10º, 12º e 26, nº 5 da Concordata de 2004.
- Decorre claramente do regime definido, que a adopção da forma de uma das entidades previstas no artigo 10º do CIRC é uma faculdade, e que não fica prejudicada a atribuição às pessoas colectivas religiosas dos direitos legalmente previstos para essas entidades, caso estas não adoptem a forma daquelas.
- Por outro lado, salienta-se que o que está em causa, no que à isenção de IRC está subjacente, tem a ver com a actividade desenvolvida pela recorrente ao nível da prestação de cuidados de saúde através da “B...”, estabelecimento detido por aquela.
- Em cujo contexto, aliás, a Direcção Geral de Saúde considerou já assente a equiparação da actividade da recorrente a uma IPSS.
- Isto tudo significa que a equiparação a IPSS não ocorre apenas por força de legislações específicas como aquela que se aplica às Casas do Povo e Cooperativas de Solidariedade Social, como erradamente a recorrida defende.
- A equiparação a IPSS ocorre mesmo por força do que se encontra estatuído no próprio artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não sendo, por isso, esta norma apenas um meio de sujeitar entidades que não revestem a natureza de IPSS ao estatuto destas últimas.
- Com efeito, não parece fazer sentido que se submetam as pessoas colectivas que desenvolvem as actividades previstas no artigo 1º daquele diploma ao Estatuto das IPSS e que depois se diga que essa não é uma forma de equiparação a essas mesmas IPSS.
- Aliás, neste sentido, importa ter em atenção o entendimento que a Direcção de Finanças de Lisboa já assumiu, nos termos do qual concluiu que a Requerente, no contexto do desenvolvimento da actividade de prestação de cuidados de saúde da “B...”, é uma entidade equiparada a IPSS, fundamentando-se, precisamente, nos referidos artigos 40º e 45º do Decreto-Lei n.º 119/83, nos termos do documento já junto ao presente requerimento.
- E mais concluiu aquela Direcção de Finanças que a isenção de IRC, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do CIRC, é uma realidade automática, que não carece de reconhecimento ministerial!
- O que, aliás, se encontra em linha com o que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em 7 de Janeiro de 2009, em cujo acórdão refere que “ao qualificar a Recorrida como “pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS”, isenta de IRC nos termos da alínea b) do art.º 10.º do CIRC, o acórdão recorrido faz correcta interpretação e aplicação do citado normativo e do artigo 95.º/5 do DL n.º 119/83, de 25 de Fev., já que tal disposição legal equipara a IPSS as pessoas jurídicas canonicamente erectas, juridicamente reconhecidas e que exerçam finalidades subsumíveis ao n.º 1 do seu artigo 1.º, já existentes à data da entrada em vigor desse diploma legal e que não tenham querido usar da faculdade de adoptar uma das formas jurídicas definidas para as IPSS”.
- Refere, ainda, o mesmo acórdão que «…o acórdão recorrido, com os fundamentos dele constantes, considerou que o aqui recorrido preenchia, de facto, os requisitos de inserção no último segmento da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, isto é, para efeitos de isenção de IRC devia ser tido como pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS. E isso porque, sendo uma pessoa jurídica canonicamente erecta, com personalidade jurídica reconhecida nos termos legais antes da vigência do DL 119/83, de 25/2, e prosseguindo, além da finalidade religiosa, atividade enquadrável na al. f) do n.º 1 do artigo 1.º do referido diploma legal – educação e formação profissional dos cidadãos -, e apesar de não ter usado da faculdade conferida pelo n.º 5 do artigo 94.º do DL 119/83 de se constituir em verdadeira IPSS, não poder deixar de se considerar entidade legalmente equiparada a IPSS do ponto de vista substantivo e beneficiar, assim, dos benefícios próprios destas que a lei resolva conceder –lhe.»
- Bem como o douto Acórdão nº 0725/11 de 18 de Janeiro de 2012, consultável em www.dgsi.pt, que especifica « Logo, sendo claras as disposições que determinam a aplicação de benefícios e regime fiscal das pessoas colectivas privadas às pessoas jurídicas canónicas, consagradas nos art. 12.º 26.º/5 da Concordata, não pode o intérprete querer fazer valer uma interpretação manifestamente contrária à letra da lei..»
- E ainda, «ora segundo o art. 40.° do Estatuto das IPSS (decreto-lei 119/83, de 25.02), as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham prosseguir actividades dirigidas à realização de fins de solidariedade social, ficam sujeitas, quanto ao exercício destas actividades, ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS. Estas entidades podem, pois, ser qualificadas como IPSS se, para além dos fins religiosos, também prosseguirem fins de solidariedade social (art. 40.°, do Estatuto das IPSS).
As organizações religiosas assumem pois a qualidade de IPSS nos termos das demais instituições, sejam elas civis ou religiosas. O reconhecimento desta qualidade significa a sua inserção numa categoria especial de pessoas colectivas - as pessoas colectivas de solidariedade social (Cf. Licínio Lopes, As Instituições Particulares de Solidariedade Social, Almedina, pags. 185-191.).
Assim sendo forçoso é concluir que as organizações e instituições religiosas e seus institutos que se proponham, para além dos fins religiosos, outros fins enquadráveis no artigo 1.° do diploma, são legalmente equiparadas, nos termos dos artigos 40º e 41.° do Estatuto das IPSS, a instituições particulares de solidariedade social. E sendo equiparadas a IPSS, beneficiam de uma isenção automática de IRC nos termos do artº 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC (Também neste sentido Isabel Marques da Silva, ob. cit., pag. 179 e Miguel Cortês Pinto de Melo Marques, IPSS, Uma abordagem Fiscal, revista Fiscalidade, Março 2010, pag. 45)
- Por tudo o que se deixou exposto, sendo a Requerente uma pessoa colectiva canónica que prossegue actividades sociais é equiparada, quanto a essas actividades, a uma IPSS e encontra-se a mesma automaticamente isenta de IRC, de acordo com o preceituado na alínea b), do número 1, do artigo 10.º deste Código, nas actividades enquadráveis no artigo 1º e 1º - A, bem como, artigo 40º do DL 119/83, republicado pelo DL 172-A/2014.
- No caso em apreço, actividades de saúde e educação.
- Aliás, importa salientar que a fundamentação da decisão ora impugnada não analisa os dispositivos legais que enformam o enquadramento da Requerente, limitando-se apenas a invocar um pretenso registo que sabe claramente não existir e, por outro lado, refere ainda que os acórdãos citados se aplicam apenas aos casos julgados, sem sequer percepcionar que a matéria em causa, em termos abstractos, é exactamente a mesma, merecendo assim o mesmo tratamento.
- Assim, ao concluir que, apesar de toda a exposição efectuada e documentação junta aos presentes autos, a recorrente não demonstra encontrar-se isenta de IRC, na actividade em causa, quando é evidente exactamente o contrário, a decisão mais não faz do que violar a norma constante da alínea b), do número 1, do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, por não aplicá-la ao caso concreto.
- E por isso, não querendo a recorrida admitir a ilegalidade do acto de autoliquidação do IRC de 2009 e esgotados os procedimentos administrativos para esse efeito, não resta alternativa à Requerente que não seja a de, por esta via, fazer valer o seu direito à isenção de IRC na actividade social da Requerente – educação e saúde – ora em apreço, requerendo que, face à isenção de IRC, seja aquele acto anulado.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
- Nos termos do disposto no artigo 43º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento a divida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
- E o artigo 100º da LGT também prescreve a obrigactoriedade de a AT repor a situação que se verificaria no caso de não ter sido cometida qualquer ilegalidade o que, consoante os casos, implicará o pagamento de juros indemnizatórios.
- Neste sentido, para que seja reconhecido à Requerente o direito de receber juros indemnizatórios terão que se verificar os seguintes pressupostos: a) erro imputável aos serviços no apuramento do imposto devido, b) que do referido erro resulte o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, c) que o erro dos serviços seja analisado em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
- Ora, a ilegalidade – por falta de fundamentação – e o erro de cálculo – pois não teve em consideração todas as possíveis e legais deduções específicas – do acto de liquidação adicional ficou plenamente demonstrada nos presentes autos.
- No que se refere ao requisito erro dos serviços parece curial que se conclua que o mesmo existe.
- Assim, à Requerente são devidos juros indemnizatórios desde a data da decisão da impugnação judicial, nos termos do nº 2 do artigo 61º do CPPT.
- Termos em que, reconhecendo-se a isenção de IRC por parte da Requerente, deverá ser revogada a decisão de 30 de outubro de 2014 da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRC, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Requerente, e anulado o acto de autoliquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas de 2009, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
Em 28-4-2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Coletivo.
Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, tendo-a apresentado no prazo legal, suscitando o que denomina “questão prejudicial” e impugna os fundamentos do pedido.
a) A “questão prejudicial” é configurada pela AT nos seguintes termos:
- O pedido principal dos presentes autos, para anulação da liquidação de IRC ora controvertida, tem como causa de pedir o disposto na 2ª parte da alínea b) do nº 1 do art. 10º do CIRC, uma vez que a Requerente sustenta a sua pretensão no facto de se considerar uma entidade legalmente equiparada a IPSS e, por essa via, beneficiar da isenção de IRC ali prevista;
- A pretendida qualidade da Requerente enquanto “entidade legalmente equiparada a IPSS” constitui, deste modo, uma questão controvertida de cuja decisão depende a solução a dar ao pedido principal;
- E porque esta questão preenche os pressupostos, como de seguida se verá, de dependência, autonomia e necessidade, constitui uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no art. 15º do CPTA, “ex vis” alínea d) do nº 1 do art. 29º do RJAT;
- Desde logo, trata-se de uma questão que representa um antecedente lógico-jurídico da decisão da questão principal, ou seja, o pretendido benefício fiscal constitui uma matéria de direito tributário que depende do entendimento que, a montante, vier a ser acolhido quanto ao enquadramento da Requerente naquele perfil de entidade legalmente equiparada a IPSS;
- Mais, constitui uma questão autónoma, no sentido de, por si só, pelo seu objeto ou natureza, legitimar a instauração de uma acão independente, sendo competente para a sua apreciação a título principal, com a consequente produção de caso julgado material, os tribunais de jurisdição administrativa;
- Na verdade, o presente tribunal arbitral, constituído sob a égide do CAAD, não tem competência para julgar a questão ora em apreço a título principal, conforme decorre do disposto no art.º 2.º do RJAT;
- Como consequência desta autonomia, veja-se que a DSIRC indeferiu o pedido de certidão apresentado pela Requerente para reconhecimento daquela isenção (despacho de 21/02/2011, da Subdiretora-Geral, exarado na informação n.º 0350/2011 da DSIRC), com fundamento na informação prestada pela Direção-Geral da Segurança Social, por ser esta a entidade competente para o registo e controlo das IPSS e das entidades equiparadas a IPSS no âmbito da saúde;
- Ou seja, muito embora tenha uma natureza automática, a isenção prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 10º do CIRC pressupõe o preenchimento de pressupostos que extravasam o âmbito tributário, e cujo controlo envolve a aplicação de outros ramos do direito e de outras entidades legalmente competentes para efeitos do reconhecimento de pressupostos de que depende aquela isenção;
- Por fim, a questão ora em análise apresenta-se como necessária, no sentido de a sua resolução ser plausível e não meramente dilatória.
b) Por impugnação:
- A A... está sujeita a IRC, excepto quanto às prestações previstas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 26.º da Nova Concordata, pelo que para se enquadrar na isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º do Código do IRC (CIRC), tem de cumprir os pressupostos desse artigo;
- O presente pedido deverá ser de indeferir, uma vez que a referida entidade não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada (natureza que não lhe é conferida pela Nova Concordata, nem pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro), nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, não cumprindo assim todos os requisitos para poder beneficiar da isenção aí prevista.”
- A Requerente procedeu à regularização da sua situação jurídico-tributária entregando, a 19/02/2013, a sua declaração de rendimentos mod. 22 referente a IRC de 2009, autoliquidando a quantia de € 208.744,09 de imposto e 22.589,87 de juros compensatórios, num total de € 231.333,96;
- A reclamação foi indeferida por despacho de 30/12/2013, do Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS mas antes sujeita-as ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS;
O Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social compete à Direção Geral da Segurança Social;
De igual modo as organizações e instituições religiosas estão abrangidas pela obrigatoriedade de registo previsto no Decreto-Lei n.º 119/83 para efeitos de poderem ser consideradas entidades legalmente equiparadas a IPSS e, consequentemente, usufruir de isenções fiscais;
O reconhecimento previsto no art.º 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 não deve ser confundido com o registo a que se refere o art.º 7.º do mesmo diploma legal;
Remete para anterior informação da DSIRC prestada no âmbito de um pedido de certidão recusado à ora Requerente, de harmonia com a qual não existe, quer no Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, quer da nova Concordata, qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o art.º 45.º daquele Decreto-Lei, que efectuar o registo no termos do art.º 7.º do mesmo diploma legal, junto da Direcção Geral da Segurança Social, por ser esta a entidade competente, de acordo com a Portaria n.º 466/86, de 25/08;
No âmbito daquele pedido de certidão foi solicitada a colaboração da DGSS que informou que a ora Requerente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade legalmente equiparada a IPSS;
De harmonia com o estatuído no art.º 342.º do CC e no art.º 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito recai sobre quem o invoque;
Não tendo a Requerente efectuado a prova dos requisitos de que depende a isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, foi o seu pedido recusado.
- Por requerimento de 05/02/2014, a ora Requerente recorreu hierarquicamente daquela decisão, com os mesmos fundamentos, tendo a AT indeferido o recurso hierárquico por despacho de despacho de 30/10/2014, da Directora de Serviços da DIRC, por subdelegação de competências.
Por despacho de 17/08/2015, o Tribunal considerou, nos termos do artigo 16.º, al. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 26/10/2015 para a prolação da decisão arbitral, tendo sido o prazo prorrogado nos termos do despacho de 26/10/2015.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
Questão prévia suscitada pela AT
Pretende a AT que existe e subsiste a necessidade de, em ação ou processo autónomo [para o qual não é materialmente competente este Tribunal mas antes os Tribunais Administrativos e Fiscais – artigo 2º, do RJAT], com enquadramento no artigo 15º, CPTA, ex vi artigo 29º-1/d), do RJAT, apurar se a Requerente é ou não uma entidade equiparada a IPSS, pese embora a natureza automática da isenção prevista no artigo 10º-1/b) do CIRC, porquanto tal isenção obriga ao “(...). preenchimento de pressupostos que extravasam o âmbito tributário e cujo conteúdo envolve a aplicação de outros ramos do direito de outras entidades legalmente competentes para efeitos do reconhecimento de pressupostos de que depende aquela isenção (...)”.
Vejamos então se procede ou não a defesa da Requerida neste particular.
Entende-se por “causa prejudicial” aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está (ou deva ser) apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá efetivamente ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial (cfr. V. g., artigo 92º, CPC).
No caso, é, claramente, objeto de impugnação, por violação de lei (erro nos pressupostos de facto e/ou violação do artigo 10º-1/b), do CIRC), o ato de autoliquidação de IRC de 2009.
Não se antevê, para apreciação deste alegado vício do ato tributário e do pedido de anulação do mesmo, que tal esteja dependente de qualquer procedimento de apuramento prévio em ação autónoma da competência da jurisdição administrativa.
Não pode ser confundido o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com as limitações de competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD em relação a actos de segundo ou terceiro graus que comportem a apreciação da legalidade de actos primários.
A problemática dos actos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, neste aspecto, com a questão de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta
No que respeita a esta questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”
“(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”.
Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é, no caso, o acto de autoliquidação de IRC, ou, mais exactamente, a apreciação da (i)legalidade do acto de autoliquidação IRC e não as decisões da AT em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico.
Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.
Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente da alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º quando refere expressamente a “decisão de recurso hierárquico” (sublinhado nosso) e está também, ao que se julga, no facto de o acto de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem.
Ou seja: não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras ainda: esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral [Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]: “(...)“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.
66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.
67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.
68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (...)”
Improcede, deste modo, a questão prévia suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Cumpre apreciar o mérito do pedido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos essenciais provados
Os factos essenciais para o objeto do processo que o Tribunal considera provados, em face da posição das partes nos articulados, dos documentos incorporados nos autos e do processo administrativo instrutor, são os seguintes:
a) Em cumprimento ordem de serviço, foi efectuada pela AT uma ação inspetiva interna à Requerente tendo por âmbito o IRC de 2009, 2010 e 2011, uma vez que a Requerente, embora enquadrada no regime geral do IRC (art. 17º CIRC), não tinha feito a entrega da declaração de rendimentos modelo 22 nem da declaração anual de informação contabilística e fiscal, referentes a 2009;
b) Por ofício de 19/12/2012, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada para, ao abrigo do princípio da colaboração, exibir os livros de escrituração e toda a documentação relativa à actividade exercida nos anos de 2009, 2010 e 2011, bem como para regularizar a falta de entrega das respectivas declarações de rendimentos modelo 22 referentes a IRS daqueles exercícios;
c) No âmbito daquela ação inspectiva verificou a AT o seguinte, quanto às actividades exercidas e pelas quais se encontra inscrita no Registo de Contribuintes (as referências são do Relatório de Inspeção integrado no processo administrativo instrutor):
“A referida entidade iniciou a sua atividade na data de 1985-09-01 e de acordo com o declarado, encontra-se inscrita nas seguintes actividades (Anexo I, 5 págs):
- Actividade Principal: “Actividades de Organizações Religiosas”, CAE 94910
- Actividade Secundária: “Actividades Prática Médica Clínica Geral, Ambulatório”, CAE 86210
- Actividade Secundária: “Actividades dos Estabelecimentos de Saúde com Internamento”, CAE 86100
- Actividade Secundária: “Ensino Básico (3.º Ciclo) e Secundário Geral”, CAE 85310
d) Mais se verificou, quanto ao pedido de certidão que havia apresentado, com vista ao reconhecimento do seu direito à isenção de IRC prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, o que se transcreve:
De acordo com a “Informação n.º 2340/2010”, a A..., NIPC..., requereu a isenção em IRC, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, relativamente à actividade desenvolvida na “B...”, referindo que esta se trata de entidade legalmente equiparada a IPSS, nos termos dos artigos 40.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro.
Ora, a “B...”, é um estabelecimento que pertence à B... (B...), através do qual esta exerce a actividade de prestação de serviços de saúde, ou seja, é a B... que é susceptível de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art.º 15.º da Lei Geral Tributária), sendo que apenas existe um único NIPC... .
Deste modo, tratando-se a isenção do art.º 10.º do CIRC, de uma isenção subjectiva, a qual é concedida em função da qualidade ou natureza da pessoa beneficiada, é a Congregação que tem de verificar os requisitos da isenção.
e) Aquele pedido de certidão foi recusado, de harmonia com a decisão de indeferimento, não notificada à Requerente, exarada por despacho de Subdiretora-Geral de 21/02/2011, na informação n.º 350/2011, de 14/01/2011, tendo a ação inspectiva referido o seguinte no seu relatório final:
Face ao acima descrito destacam-se os seguintes parágrafos da “Informação n.º 2340/2010”:
“(…) . Refere o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS), que “As organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no n.º 1 ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades, ao regime estabelecido no (…) Estatuto”.
Ora, as IPSS são constituídas para prosseguir, a título principal, os fins previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro. Estas podem ainda prosseguir, de modo secundário, outros fins não lucrativos que com aqueles sejam compatíveis, no entanto, o regime previsto no Estatuto das IPSS não se aplica em tudo o que respeite exclusivamente a esses fins (n.º 2 e n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 119/83).
No caso concreto das organizações e instituições religiosas, em regra, estas prosseguem, a título principal, fins religiosos, e não os fins previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto das IPSS.
Assim, afigura-se que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS, tem, sim, como objectivo sujeitá-las ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS.
(…)
21. (…), nos termos do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, e da Nova Concordata, afigura-se que não existe qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas e, no caso concreto, as entidades canonicamente erectas, às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, que efectuar o registo nos termos do artigo 7.º desse mesmo Decreto-Lei, junto da DGSS, a qual é a entidade competente para o mesmo, conforme Portaria n.º 466/86, de 25 de Agosto.
22. Assim, para se enquadrar na isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, a A... tem de cumprir os pressupostos desse artigo, nomeadamente, estar registada como IPSS (…).
23. Mais se informa que se contactou a DGSS, dada a sua competência na área das IPSS, para que esclarecessem todas as dúvidas quanto à detenção ou não, por parte da A..., da qualidade de IPSS. A referida Direcção-Geral, através do ofício S/..., de 2010-10-28, informou-nos o seguinte:
“…não consta nesta Direcção-Geral o registo da “A...” como instituição particular de solidariedade social, pelo que se presume nunca ter sido feita a participação a que alude o art.º 45.º do estatuto das IPSS (…), ou seja, a referida instituição nunca adquiriu personalidade jurídica na ordem jurídica civil.”
(…)
24. Ora, verificando-se que a A... não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada, nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, e sendo essa uma condição sine qua non da isenção prevista no referido artigo, somos de parecer em indeferir o presente pedido.
(…)
26. (…) As pessoas jurídicas canónicas (…) quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade (n.º 5 do artigo 26.º da Nova Concordata).
27.Assim, a requerente está abrangida pelas não sujeições e isenções estabelecidas no artigo 26.º da Nova Concordata, no entanto, estes são desagravamentos fiscais que se referem apenas aos rendimentos ali especificamente previstos, pelo que em relação a quaisquer outros rendimentos, nomeadamente, rendimentos provenientes das actividades referidas no n.º 5 daquele artigo, a A... está sujeita a IRC e, à partida, dele não isenta.
(…)
CONCLUSÃO
A A... está sujeita a IRC, excepto quanto às prestações previstas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 26.º da Nova Concordata, pelo que para se enquadrar na isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º do Código do IRC (CIRC), tem de cumprir os pressupostos desse artigo.
Face ao exposto, o presente pedido deverá ser de indeferir, uma vez que a referida entidade não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada (natureza que não lhe é conferida pela Nova Concordata, nem pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro), nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, não cumprindo assim todos os requisitos para poder beneficiar da isenção aí prevista.”
f) A Requerente procedeu à regularização da sua situação jurídico-tributária entregando, a 19/02/2013, a sua declaração de rendimentos mod. 22 referente a IRC de 2009, autoliquidando a quantia de € 208.744,09 de imposto e 22.589,87 de juros compensatórios, num total de € 231.333,96;
g) Por requerimento de 19/07/2013, a Requerente reclamou graciosamente da sua autoliquidação de IRC 2009, invocando vício de violação de lei por entender poder beneficiar da isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC relativamente à actividade desenvolvida no estabelecimento “B...”, invocando os art.os 40.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 (Estatuto das IPSS), e art.º 12.º e 26º, n.º 5, da Concordata, defendendo o seu estatuto de pessoa colectiva legalmente equipara a IPSS, para efeitos daquele normativo legal.
h) A reclamação foi indeferida por despacho de 30/12/2013, do Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS mas antes sujeita-as ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS;
O Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social compete à Direção Geral da Segurança Social;
De igual modo as organizações e instituições religiosas estão abrangidas pela obrigatoriedade de registo previsto no Decreto-Lei n.º 119/83 para efeitos de poderem ser consideradas entidades legalmente equiparadas a IPSS e, consequentemente, usufruir de isenções fiscais;
O reconhecimento previsto no art.º 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 não deve ser confundido com o registo a que se refere o art.º 7.º do mesmo diploma legal;
i) O antecedente despacho remete para anterior informação da DSIRC prestada no âmbito de um pedido de certidão recusado à ora Requerente, de harmonia com a qual não existe, quer no Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, quer da nova Concordata, qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o art.º 45.º daquele Decreto-Lei, que efectuar o registo no termos do art.º 7.º do mesmo diploma legal, junto da Direcção Geral da Segurança Social, por ser esta a entidade competente, de acordo com a Portaria n.º 466/86, de 25/08;
j) No âmbito daquele pedido de certidão foi solicitada a colaboração da DGSS que informou que a ora Requerente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade legalmente equiparada a IPSS;
k) Considerando que a Requerente não efectuou a prova dos requisitos de que depende a isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, foi o seu pedido recusado.
l) Por requerimento de 05/02/2014, a ora Requerente recorreu hierarquicamente daquela decisão, com os mesmos e sobreditos fundamentos, tendo a AT indeferido o recurso hierárquico por despacho de 30/10/2014, da Directora de Serviços da DIRC, por subdelegação de competências.
m)Em Dezembro de 2012, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para proceder à apresentação da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009 e subsequente liquidação de IRC, com a cominação de que, caso não o fizesse, incorreria numa situação suscetível de configurar uma contraordenação. (Doc. 1);
n) Face a essa notificação e embora discordando do teor da mesma, a ora Requerente apresentou, em 22 de fevereiro de 2013, a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009, procedeu à autoliquidação do IRC desse ano e procedeu ainda ao pagamento, em 2-5-2013, do correspondente imposto, no valor de 208.744,09 euros e 22.589,87 euro a título de juros compensatórios (Doc 3).
Não há outros factos essenciais provados e/ou não provados essenciais para apreciação do pedido.
Motivação para a fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção relativamente ao sobredito quadro factual fundado na análise dos documentos juntos por ambas as partes e no processo administrativo instrutor junto pela AT, tudo conjugado com a circunstância de não se surpreenderem nos respetivos articulados divergências substanciais quanto à realidade dos factos.
II – FUNDAMENTAÇÃO (Cont.)
O Direito
Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente.
A questão jurídica principal que é colocada tem a ver com a possibilidade de aplicação da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do Código do IRC (CIRC).
O artigo 10.º CIRC refere três grandes situações de isenção:
a) Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;
b) Instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas àquelas equiparadas (sublinhado nosso)
c) Pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade, social ou defesa do meio ambiente.
As duas primeiras isenções são automáticas (após cumprimento dos seus requisitos) e a terceira depende de reconhecimento por parte do “membro do Governo responsável pela pasta das finanças”. Assim no caso da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRC basta que se verifiquem os requisitos do artigo para que possa existir uma isenção.
Desta forma a isenção será concedida caso se esteja perante uma instituição particular de solidariedade social, ou uma pessoa coletiva que lhe seja equiparada. São consideradas entidades equiparadas as instituições religiosas que para além dos fins religiosos prossigam outros fins que sejam enquadráveis no artigo 1.º do Estatuto das IPSS (Decreto-lei n.º 118/93 de 25 de Fevereiro). Importa para este efeito tomar em atenção a consideração na alínea e) do n.º 1 do art. 1 do Estatuto das IPSS da promoção e proteção da saúde, nomeadamente através de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação.
De acordo com o artigo 3º da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, “o reconhecimento por parte do Estado da personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante.”
De harmonia com o artigo 4º da mesma Concordata, (...)“As associações ou organizações a que se refere o artigo anterior, podem adquirir bens e dispor deles nos mesmos termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente, as outras pessoas morais perpétuas, e administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente Autoridade eclesiástica. Se porém, além de fins religiosos, se propuserem também fins de assistência e beneficência em cumprimento de deveres estatutários ou de encargos que onerem heranças, legados ou doações, ficam, na parte respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se tornará efectivo através do Ordinário competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza(...).”
De acordo ainda com o artigo 10º/2 da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, “O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1º, 8º e 9º nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata(...)”.
A Requerente foi constituída em 1901 e os primeiros Estatutos foram aprovados em 1937, ou seja, em data muito anterior à celebração da Concordata de 2004, não se aplicando, pois, o número 3 do artigo 10º desta Concordata, que estipula que as pessoas jurídicas canónicas constituídas após a celebração da Concordata terão de estar inscritas em registo próprio do Estado.
Nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei 119/83, “as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades” ao disposto no mesmo Decreto-Lei (Estatuto das IPSS).
As actividades da Requerente enquadram-se assim no citado artigo 1º, alínea e), no contexto da promoção e protecção da saúde.
De acordo com o artigo 10º/1 do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, estão isentas de IRC: “(...) b) As instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas(...)”.
9. Como tal, não existe qualquer dúvida de que a Requerente é equiparada a IPSS, para os efeitos do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, pelo que no meu entender, deverá ter ganho de causa.
Para além desta determinação o artigo 40º do mesmo Estatuto prevê que as entidades religiosas que para além dos fins religiosos (a distinção entre fins religiosos e fins diversos dos religiosos está prevista na Lei de Liberdade Religiosa – Lei 16/2001 de 22 de Junho) se proponham a cumprir atividades prevista no artigo 1.º ficam sujeitas “quanto ao exercício daquelas atividades, ao regime estabelecido no presente Estatuto”(sublinhado nosso).
As atividades de prestação de serviços daquelas entidades religiosas relacionados com a saúde encontram-se entre as que têm fins diferentes dos religiosos e, a esta luz, gozam dos mesmos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza (artigo 12.º da Concordata de 2004; artigo 4.º da Concordata de 1940). De uma forma específica, o n.º 5 do artigo 26.º da Concordata de 2004, as pessoas jurídicas canónicas que se dediquem a outros fins quer não os religiosos ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade (reforçando a aplicabilidade ao caso concreto do artigo 10.º CIRC).
Para se aplicar a isenção prevista no artigo 10.º CIRC não basta ser pessoa jurídica canónica, pois não está prevista a atribuição do benefício fiscal a essas entidades. Também terá de ser uma IPSS ou uma pessoas coletiva equiparada, o que implica que uma instituição religiosa não terá de formalmente ser uma IPSS, bastando que seja materialmente equiparada a esta. Assim, independentemente de ter sido exercida a faculdade de se constituir como uma IPSS estas entidades poderão ser consideradas para efeito da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º CIRC.
Como existe uma determinação legal (art. 40.º do Estatuto das IPSS) que sujeita as entidades religiosas que exerçam atividades para além dos fins religiosos ao regime legal do Estatuto das IPSS, parece evidente que quando isso suceda se enquadram na isenção do artigo 10.º, do CIRC.
Em jeito de resumo: é aplicável o disposto no artigo 10º-1/b), do CIRC às entidades canonicamente eretas, desde que a sua existência tenha sido comunicada às entidades civis e prossiga também fins religiosos (cfr Acórdão do STA de 07-01-2009 relativo ao processo 0812/08; Acórdão do STA de 18-01-2012 relativo ao processo 0725/11 e Isabel Marques da Silva, “As Implicações Fiscais da Nova Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa” in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”, págs. 178 e ss.).
Daí que o AT de liquidação de IRC/2009 objeto deste pedido de pronúncia, enferma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 10º-1/b – 2ªa parte, do CIRC e 1º-1/e) e f), do artigo 40º do Estatuto das IPSS aprovado pelo DL nº 119/83, de 25 de Fevereiro.
A alegada inconstitucionalidade da interpretação relativa ao artigo 10º/2-b), do CIRC
Alega a AT na Resposta (artigos 101º a 111º) que, em síntese, discorda da submissão da Requerente ao estatuto de entidade equiparada a IPSS, entendendo que seria inconstitucional o seu enquadramento no disposto no art. 10º, 2º b) CIRC, que isenta de IRC "as instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas" por violação dos princípios da igualdade e da legalidade.
Nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei 119/83 (Estatuto das IPSS), “as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades ao regime estabelecido no presente Estatuto”. Ora, as actividades da Requerente enquadram-se no artigo 1º, alínea e), no contexto da promoção e protecção da saúde, pelo que se verifica a equiparação legal ao estatuto das IPSS exigida pelo art. 10º, nº2, b) CIRC.
Em relação à violação do princípio da igualdade invoca a AT que a Requerente não se encontra sujeita à obrigação de registo prevista no art. 7º do Estatuto das IPSS. É manifesto, no entanto, que tal não constitui qualquer violação do princípio da igualdade, uma vez que o art. 10º, nº2, b), do CIRC abrange não apenas as IPSS, mas também as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas, sendo claro que estas últimas não estão sujeitas a qualquer registo, não deixando, no entanto, de se lhes aplicar esse regime, por força do art. 40º do Estatuto. Por outro lado, o que o princípio da igualdade impõe é que sejam tratadas de forma igual situações iguais, sendo manifesto que a equiparação de uma pessoa colectiva religiosa às IPSS, como é o caso da requerente, deve implicar igualmente uma equiparação de tratamento fiscal, como a lei expressamente determina.
Também não se verifica qualquer violação do princípio da legalidade, uma vez que não ocorre qualquer aplicação analógica de normas que estabelecem benefícios fiscais pelo facto de a lei não definir em que é que consiste uma entidade legalmente equiparada a IPSS. O que existe é uma mera interpretação, nem sequer extensiva de um conceito jurídico que se encontra previsto na lei fiscal, com base no qual o legislador determinou uma isenção de IRS. Cabe ao intérprete nesse caso atribuir a isenção fiscal em conformidade com a interpretação do preceito legislativo, não lhe sendo permitido recusar a aplicação da lei com fundamento na sua obscuridade (art. 8º, nº2, CC).
Neste caso, no entanto, a lei até é muito clara, uma vez que a equiparação legal das pessoas colectivas religiosas resulta claramente do art. 40º do Estatuto das IPSS, não se verificando qualquer violação do princípio da legalidade, quando se lhes considerou aplicável o art. 10º, nº1, b) CIRC.
É assim manifesto que não se verifica qualquer violação destes princípios constitucionais na decisão recorrida.
O Pedido de Juros Indemnizatórios
Dispõe a alínea b), do nº 1, do artigoº 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigoº 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigoº 29º, do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, como se viu, a Requerente autoliquidou e pagou IRC que não era devido.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, está verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigoº 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia paga de €231.333.96, a contar da data em que foi efetuado o pagamento até ao seu integral reembolso.
III – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente, como se viu, a questão prévia suscitada pela Requerida;
b) Julgar improcedente, nos termos expostos, a questão da incontitucionalidade suscitada pela Requerida;
c) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a declaração da ilegalidade, pelas razões expostas, das liquidações de IRC do ano de 2009 e juros compensatóroios, objeto dos autos da consequente anulação dessas liquidações por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
d) Condenar Requerida a reembolsar a Requerente de todo o montante pago, no valor de €231.333,96, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal até integral pagamento e
e) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €231.333.96, nos termos do artigo 32.º do CPTA e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas
Custas a cargo da Requerida, no montante de €4.284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de outubro de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão (Presidente)
Luís Menezes Leitão (Vogal)
Diogo Feio (Vogal)
DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Doutor Diogo Feio, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
I – RELATÓRIO
A…, com sede na Rua …, nº …, … – … – …, … – … …, Oeiras, pessoa colectiva nº …, ao abrigo do preceituado pelo artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigos 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1, al. a) e nº 2, do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), veio apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a auto liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2009, apresentada em 22 de fevereiro de 2013 e de que resultou um valor de imposto de 208.744,09 euros, que a Requerente pagou.
Alega a Requerente a fundamentar o pedido e no essencial:
- Foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para proceder à apresentação da declaração de rendimentos nomeadamente respeitante ao ano de 2009 e subsequente liquidação de IRC, com a cominação de que, caso não o fizesse, incorreria numa situação suscetível de configurar uma contraordenação. (Doc. 1);
- Face a essa notificação e embora discordando do teor da mesma, a ora Requerente apresentou, em 22 de fevereiro de 2013, a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009, procedeu à autoliquidação do IRC desse ano e procedeu ainda ao pagamento do correspondente imposto, no valor de 208.744,09 euros e 22.589,87 euro a título de juros compensatórios (Doc 3);
- Considerando desde o início que se encontrava isenta de IRC, não devendo, por isso, qualquer valor de imposto, a ora Requerente reclamou, em 24.06.2013, do acto de autoliquidação de IRC de 2009. (Doc. 4)
- Reclamação que veio a ser indeferida por despacho de 30 de dezembro de 2013 proferido pelo substituto do Diretor de Finanças de Lisboa. (Doc. 5)
- Inconformada com tal decisão, a ora Requerente interpôs dessa decisão, em 03.02.2014, o adequado recurso hierárquico. (Doc. 6)
- Recurso hierárquico que viria também a ser indeferido por despacho de 30 de outubro de 2014, proferido pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRC (DSIRC) (Doc. 7).
- Para motivar tais indeferimentos, veio a recorrida, basicamente, sustentar que a ora Requerente não é isenta de IRC, por a mesma não se encontrar registada como Instituição Particular de Solidariedade Social ou entidade legalmente equiparada na Direcção Geral da Segurança Social.
- Discordando deste entendimento, a ora Requerente pretende, com a presente ação, ver revogada a decisão de 30 de outubro de 2014, proferido pela Diretora de Serviços da DSIRC, que indeferiu o recurso hierárquico, por entender que a mesma se encontra eivada de vícios de violação de lei, e, em consequência, ver anulado o acto de autoliquidação de IRC de 2009.
- A ora Requerente é uma Congregação Religiosa, canonicamente ereta, que desenvolve, para além da atividade religiosa, uma atividade de promoção e proteção da saúde, num estabelecimento que lhe pertence denominado “B…”.
- A ora Requerente encontra-se organizada por Províncias Nacionais, sendo que a Província Portuguesa é a sede internacional da Congregação, a primeira registada em Portugal em 1876 e tem atividades a nível mundial.
- As primeiras Constituições da Requerente datam de 18 de Outubro de 1901, das quais resulta como finalidade primeira «tratar de enfermos tanto nos hospitaes, como em casa d’elles», característica que permanece com a aprovação dos seus Estatutos em 21/09/1937 e posteriormente com a celebração da Concordata de 1940 e a respetiva participação, em 6 de Novembro de 1940, ao Governo Civil do Porto, em que releva como finalidade «dedicar-se à assistência sanitária aos doentes e a outros serviços de beneficiência e assistência social». (Doc. 8)
- A Requerente foi assim reconhecida em Portugal, para além dos seus fins religiosos, como uma instituição de beneficência e assistência social.
- No estabelecimento “B…”, especialmente preparado e licenciado para esse efeito, são assim prestados pela Requerente cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelos quais recebe, naturalmente, o devido pagamento, embora nunca com fins lucrativos.
- É, pois, sobretudo do exercício dessa atividade que resultam os proveitos declarados na declaração de rendimentos de 2009 apresentada em 22 de fevereiro de 2013.
- E de que resultou a autoliquidação de IRC de 2009 e o subsequente pagamento à recorrida da quantia global de 231.333,96 euros (IRC e juros compensatórios).
- Note-se que, por entender que se encontrava abrangida pelo artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC), quanto à atividade da área de saúde desenvolvida na “B…”, estando, nesse contexto, isenta de IRC, a ora Requerente havia já solicitado anteriormente a emissão de uma certidão comprovativa da sua isenção de IRC. (Doc. 9)
- Pedido que visava apenas melhor documentar o entendimento que a ora Requerida já havia transmitido em 8 de Novembro de 2007. (Doc. 10)
- Não obstante, a ora Requerida, através da Subdiretora Geral dos Impostos, veio indeferir o pedido em causa em 21 de Fevereiro de 2011, razão pela qual a Requerente, através da sua mandatária e ora subscritora do presente requerimento, interpôs dessa decisão o adequado recurso hierárquico (Doc. 11 e 12).
- Apesar do tempo já decorrido, a mandatária da ora Requerente e subscritora do presente requerimento não foi ainda notificada de qualquer decisão sobre o referido recurso hierárquico, tal como determina o artigo 40º do CPPT (Doc. 13).
- Sendo certo que, ainda nos termos dessa disposição legal, do cumprimento dessa formalidade depende a produção de efeitos do acto praticado.
- Todavia, e sempre sem que a mandatária da Requerente tenha sido notificada da decisão quanto ao recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu o pedido de emissão de certidão de isenção de IRC, a verdade é que, como atrás já se referiu, a Requerente foi notificada pela Direção de Finanças para apresentar a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009 (e também em relação a 2010 e 2011), de que resultou a autoliquidação que ora se impugna.
- Tal como atrás se refere, o nº 1 do artigo 40º do CPPT determina que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.
- Apesar de já decorridos mais de 3 anos desde que a Requerente, através da sua mandatária e subscritora do presente requerimento, interpôs recurso hierárquico da decisão que indeferiu a reclamação formulada sobre o indeferimento do pedido de certidão de isenção de IRC, a verdade é que aquela não foi notificada de qualquer decisão até à data.
- A não notificação de qualquer decisão a esse respeito mantém, assim, em discussão no foro administrativo a questão da isenção de IRC da Requerente, até porque qualquer decisão que porventura tivesse sido tomada, e não notificada, não teria produzido quaisquer efeitos, tal como abundantemente a nossa jurisprudência assim tem decidido (v.d. acórdãos nºs 0927/10 de 04.05.2011 e 0409/12 de 16.05.2012 do STA).
- O que significa que o acto da Requerida que levou a exigir a liquidação de IRC de 2009 e o subsequente acto de autoliquidação labora, desde logo, num erro nos seus pressupostos de facto: o de que pela administração terá já sido decidido, valida e eficazmente, o pedido de emissão da certidão de isenção de IRC que a Requerente formulou em Julho de 2007.
- Algo que, como se vê, não corresponde, de todo, à realidade!
- Com efeito, a mandatária da ora Requerente nos autos de recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu a reclamação apresentada quanto à decisão de não emitir a certidão de isenção de IRC continua sem ser notificada de qualquer decisão final sobre o mesmo, pelo que qualquer decisão que possa ter sido tomada não produz qualquer efeito, mormente o de motivar o juízo da ora Requerida que levou a ora Requerente ao acto de autoliquidação de IRC de 2009.
- Deste modo, a ora Requerida, ao fundamentar a sua exigência de liquidação de IRC de 2009 no pressuposto de que a Requerente não seria isenta de IRC, fundamentada num alegado acto que, em violação do disposto no nº 1 do artigo 40º do CPPT, não foi notificado à mandatária da Requerente, mais não faz do invalidar o acto que exigiu a liquidação do IRC de 2009 e que levou à autoliquidação da Requerente, precisamente porque o mesmo assenta num facto e num juízo que não produziu ainda qualquer efeito e que, por isso, não pode fundamentar o acto em apreço.
- Ora, tal como é reconhecido doutrinaria e jurisprudencialmente, o erro nos pressupostos de facto constitui um vício de violação de lei, susceptível de motivar, sem mais, a anulação do acto inquinado – a autoliquidação de IRC de 2009.
VIOLAÇÃO DE LEI
- Mas ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese académica, sempre se dirá que, na verdade, a ora Requerente é manifestamente isenta de IRC, ao contrário do que sustenta a recorrida na decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
- Com efeito, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRC são isentas de IRC as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades conexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas.
- A Concordata de 18 de Maio de 2004, celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé (“Concordata de 2004”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, veio introduzir profundas alterações ao regime fiscal existente, no que constituiu uma opção clara do legislador de sujeitar a tributação rendimentos que se encontravam anteriormente isentos e de abandonar o conceito de isenção total e abrangente.
- Sumariamente, apenas os donativos monetários e em espécie que se destinem à realização de fins religiosos se qualificam como rendimentos não sujeitos, para efeitos do estabelecido na Concordata de 2004.
- Todos os outros rendimentos auferidos pelas entidades religiosas poderão beneficiar de isenção de IRC, em virtude do disposto no artigo 10.º do Código deste imposto, desde que estas entidades se qualifiquem, adicionalmente, como:
- a) Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
- b) Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades conexas, bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas;
- c) Pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
- Tendo a Requerente sido canonicamente erigida, constituída e participada à autoridade competente, em data anterior à da entrada em vigor da Concordata, a sua personalidade é reconhecida pelo Estado nos termos do artigo 10.º, número 2 da Concordata.
- Mais, por prosseguir, para além dos fins religiosos, actividades de assistência e solidariedade, nomeadamente na área da promoção e proteção da saúde, sem fins lucrativos, a Requerente é equiparada a uma IPSS, nomeadamente para efeitos fiscais, e no exercício daquelas atividades, conforme o disposto nos artigos 12.º e 26.º, número 5 da Concordata.
- A Requerente, enquanto organização ou instituição religiosa que se propõe exercer e que exerce actividades como a protecção e promoção da saúde, assim como na área da educação e formação profissional dos cidadãos, é igualmente equiparada a IPSS nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 40.º do Decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto das IPSS.
- Com efeito, desde sempre que aquela desenvolve actividades de carácter social, nomeadamente na área da promoção e da protecção da saúde, em particular na “B…”, desde a sua génese, ou seja, em momento muito anterior ao DL 119/83, prestando cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelo que é forçoso concluir que passou a ser considerada uma IPSS, independentemente da forma que tenha adoptado, ex vi do disposto nos citados artigos 1º, alínea e) e 94º, nº 5 do referido diploma - Estatuto Jurídico das IPSS.
- A ora Requerente, não sendo formalmente uma IPSS, é, pois, para todos os efeitos, designadamente fiscais, equiparada a uma IPSS nos termos dos artigos 10.º, número 2, 12.º e 26.º, número 5 da Concordata e artigos 1.º, número 1, alíneas e) e f) do artigo 1º e 40.º do Estatuto das IPSS.
- É aliás esse o enquadramento da declaração junta com o pedido de certidão em que o próprio Ministério da Saúde reconhece a actividade da B… como legalmente equiparada a IPSS, estabelecimento integrante da Congregação.
- Esta mesma conclusão é corroborada, inequivocamente, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) nos seus Acórdãos de 7 de Janeiro de 2009 (Processo nº 0812/08) e de 18 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 725/11).
- Aliás, importa referir que a fundamentação da decisão agora em causa é contraditória com os próprios termos da legislação aplicável.
- Tal como já se referiu, o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não se limita, meramente, a sujeitar as entidades aí previstas ao Estatuto das IPSS.
- Com efeito, são equiparáveis a IPSS as pessoas colectivas religiosas que prosseguem os fins das IPSS a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, fins esses que, nos termos da lei, justificam que estas entidades se encontrem isentas de IRC, nas actividades referidas.
- Para além disso, o facto de a Requerente se encontrar, por força do artigo 40º do mesmo diploma, sujeita ao estatuto previsto no mesmo, não obriga a que a mesma proceda ao registo previsto para as IPSS, facto aliás desproporcionado pois é a actividade que é isenta, sendo que essa mesma actividade, porque claramente não detentora de autonomia e de personalidade jurídica, não pode lograr obter o registo que pretende a recorrida.
- Por outro lado, se assim fosse, não existiriam pessoas colectivas legalmente equiparadas a IPSS, ou entidades religiosas que para além dos fins religiosos, prosseguissem actividades sociais, mas antes e apenas IPSS.
- Ou seja, as pessoas colectivas – organizações e instituições religiosas - que, não sendo IPSS, prosseguem actividades típicas das IPSS, como é o caso da Requerente, têm, assim, duas opções: ou pretendem ter a natureza de IPSS e podem proceder ao registo que resulta do artigo 7º daquele diploma legal ou não pretendem ter essa natureza e basta-lhes efectuar o registo que a sua natureza determina.
- Ora, sendo a Requerente uma entidade religiosa, apenas se encontra a mesma obrigada à comunicação a que se refere o artigo 45º, comunicação essa já há muito feita, enquadrados pelos artigos 10º, 12º e 26, nº 5 da Concordata de 2004.
- Decorre claramente do regime definido, que a adopção da forma de uma das entidades previstas no artigo 10º do CIRC é uma faculdade, e que não fica prejudicada a atribuição às pessoas colectivas religiosas dos direitos legalmente previstos para essas entidades, caso estas não adoptem a forma daquelas.
- Por outro lado, salienta-se que o que está em causa, no que à isenção de IRC está subjacente, tem a ver com a actividade desenvolvida pela recorrente ao nível da prestação de cuidados de saúde através da “B…”, estabelecimento detido por aquela.
- Em cujo contexto, aliás, a Direcção Geral de Saúde considerou já assente a equiparação da actividade da recorrente a uma IPSS.
- Isto tudo significa que a equiparação a IPSS não ocorre apenas por força de legislações específicas como aquela que se aplica às C… e D…, como erradamente a recorrida defende.
- A equiparação a IPSS ocorre mesmo por força do que se encontra estatuído no próprio artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não sendo, por isso, esta norma apenas um meio de sujeitar entidades que não revestem a natureza de IPSS ao estatuto destas últimas.
- Com efeito, não parece fazer sentido que se submetam as pessoas colectivas que desenvolvem as actividades previstas no artigo 1º daquele diploma ao Estatuto das IPSS e que depois se diga que essa não é uma forma de equiparação a essas mesmas IPSS.
- Aliás, neste sentido, importa ter em atenção o entendimento que a Direcção de Finanças de Lisboa já assumiu, nos termos do qual concluiu que a Requerente, no contexto do desenvolvimento da actividade de prestação de cuidados de saúde da “B…”, é uma entidade equiparada a IPSS, fundamentando-se, precisamente, nos referidos artigos 40º e 45º do Decreto-Lei n.º 119/83, nos termos do documento já junto ao presente requerimento.
- E mais concluiu aquela Direcção de Finanças que a isenção de IRC, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do CIRC, é uma realidade automática, que não carece de reconhecimento ministerial!
- O que, aliás, se encontra em linha com o que o STA decidiu em 7 de Janeiro de 2009, em cujo acórdão refere que “ao qualificar a Recorrida como “pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS”, isenta de IRC nos termos da alínea b) do art.º 10.º do CIRC, o acórdão recorrido faz correcta interpretação e aplicação do citado normativo e do artigo 95.º/5 do DL n.º 119/83, de 25 de Fev., já que tal disposição legal equipara a IPSS as pessoas jurídicas canonicamente erectas, juridicamente reconhecidas e que exerçam finalidades subsumíveis ao n.º 1 do seu artigo 1.º, já existentes à data da entrada em vigor desse diploma legal e que não tenham querido usar da faculdade de adoptar uma das formas jurídicas definidas para as IPSS”.
- Refere, ainda, o mesmo acórdão que «….o acórdão recorrido, com os fundamentos dele constantes, considerou que o aqui recorrido preenchia, de facto, os requisitos de inserção no último segmento da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, isto é, para efeitos de isenção de IRC devia ser tido como pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS. E isso porque, sendo uma pessoa jurídica canonicamente erecta, com personalidade jurídica reconhecida nos termos legais antes da vigência do DL 119/83, de 25/2, e prosseguindo, além da finalidade religiosa, atividade enquadrável na al. f) do n.º 1 do artigo 1.º do referido diploma legal – educação e formação profissional dos cidadãos -, e apesar de não ter usado da faculdade conferida pelo n.º 5 do artigo 94.º do DL 119/83 de se constituir em verdadeira IPSS, não poder deixar de se considerar entidade legalmente equiparada a IPSS do ponto de vista substantivo e beneficiar, assim, dos benefícios próprios destas que a lei resolva conceder –lhe.»
- Bem como o douto Acórdão nº 0725/11 de 18 de Janeiro de 2012, consultável em www.dgsi.pt, que especifica « Logo, sendo claras as disposições que determinam a aplicação de benefícios e regime fiscal das pessoas colectivas privadas às pessoas jurídicas canónicas, consagradas nos art. 12.º 26.º/5 da Concordata, não pode o intérprete querer fazer valer uma interpretação manifestamente contrária à letra da lei..»
- E ainda, «ora segundo o art. 40.° do Estatuto das IPSS (decreto-lei 119/83, de 25.02), as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham prosseguir actividades dirigidas à realização de fins de solidariedade social, ficam sujeitas, quanto ao exercício destas actividades, ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS. Estas entidades podem, pois, ser qualificadas como IPSS se, para além dos fins religiosos, também prosseguirem fins de solidariedade social (art. 40.°, do Estatuto das IPSS)
As organizações religiosas assumem pois a qualidade de IPSS nos termos das demais instituições, sejam elas civis ou religiosas. O reconhecimento desta qualidade significa a sua inserção numa categoria especial de pessoas colectivas - as pessoas colectivas de solidariedade social (Cf. Licínio Lopes, As Instituições Particulares de Solidariedade Social, Almedina, pags. 185-191.).
Assim sendo forçoso é concluir que as organizações e instituições religiosas e seus institutos que se proponham, para além dos fins religiosos, outros fins enquadráveis no artigo 1.° do diploma, são legalmente equiparadas, nos termos dos artigos 40º e 41.° do Estatuto das IPSS, a instituições particulares de solidariedade social. E sendo equiparadas a IPSS, beneficiam de uma isenção automática de IRC nos termos do artº 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC (Também neste sentido Isabel Marques da Silva, ob. cit., pag. 179 e Miguel Cortês Pinto de Melo Marques, IPSS, Uma abordagem Fiscal, revista Fiscalidade, Março 2010, pag. 45)
- Por tudo o que se deixou exposto, sendo a Requerente uma pessoa colectiva canónica que prossegue actividades sociais é equiparada, quanto a essas actividades, a uma IPSS e encontra-se a mesma automaticamente isenta de IRC, de acordo com o preceituado na alínea b), do número 1, do artigo 10.º deste Código, nas actividades enquadráveis no artigo 1º e 1º - A, bem como, artigo 40º do DL 119/83, republicado pelo DL 172-A/2014.
- No caso em apreço, actividades de saúde e educação.
- Aliás, importa salientar que a fundamentação da decisão ora impugnada não analisa os dispositivos legais que enformam o enquadramento da Requerente, limitando-se apenas a invocar um pretenso registo que sabe claramente não existir e, por outro lado, refere ainda que os acórdãos citados se aplicam apenas aos casos julgados, sem sequer percepcionar que a matéria em causa, em termos abstractos, é exactamente a mesma, merecendo assim o mesmo tratamento.
- Assim, ao concluir que, apesar de toda a exposição efectuada e documentação junta aos presentes autos, a recorrente não demonstra encontrar-se isenta de IRC, na actividade em causa, quando é evidente exactamente o contrário, a decisão mais não faz do que violar a norma constante da alínea b), do número 1, do artigo 10.º do CIRC, por não aplicá-la ao caso concreto.
- E por isso, não querendo a recorrida admitir a ilegalidade do acto de autoliquidação do IRC de 2009 e esgotados os procedimentos administrativos para esse efeito, não resta alternativa à Requerente que não seja a de, por esta via, fazer valer o seu direito à isenção de IRC na actividade social da Requerente – educação e saúde – ora em apreço, requerendo que, face à isenção de IRC, seja aquele acto anulado.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
- Nos termos do disposto no artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT), “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento a divida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
- E o artigo 100º da LGT também prescreve a obrigatoriedade de a AT repor a situação que se verificaria no caso de não ter sido cometida qualquer ilegalidade o que, consoante os casos, implicará o pagamento de juros indemnizatórios.
- Neste sentido, para que seja reconhecido à Requerente o direito de receber juros indemnizatórios terão que se verificar os seguintes pressupostos: a) erro imputável aos serviços no apuramento do imposto devido, b) que do referido erro resulte o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, c) que o erro dos serviços seja analisado em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
- Ora, a ilegalidade – por falta de fundamentação – e o erro de cálculo – pois não teve em consideração todas as possíveis e legais deduções específicas – do acto de liquidação adicional ficou plenamente demonstrada nos presentes autos.
- No que se refere ao requisito erro dos serviços parece curial que se conclua que o mesmo existe.
- Assim, à Requerente são devidos juros indemnizatórios desde a data da decisão da impugnação judicial, nos termos do nº 2 do artigo 61º do CPPT.
- Termos em que, reconhecendo-se a isenção de IRC por parte da Requerente, deverá ser revogada a decisão de 30 de outubro de 2014 da Diretora de Serviços da DSIRC, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Requerente, e anulado o acto de autoliquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas de 2009, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
Em 28-4-2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Coletivo.
Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, tendo-a apresentado no prazo legal, suscitando o que denomina “questão prejudicial” e impugna os fundamentos do pedido.
a) A “questão prejudicial” é configurada pela AT nos seguintes termos:
- O pedido principal dos presentes autos, para anulação da liquidação de IRC ora controvertida, tem como causa de pedir o disposto na 2ª parte da alínea b) do nº 1 do art. 10º do CIRC, uma vez que a Requerente sustenta a sua pretensão no facto de se considerar uma entidade legalmente equiparada a IPSS e, por essa via, beneficiar da isenção de IRC ali prevista;
- A pretendida qualidade da Requerente enquanto “entidade legalmente equiparada a IPSS” constitui, deste modo, uma questão controvertida de cuja decisão depende a solução a dar ao pedido principal;
- E porque esta questão preenche os pressupostos, como de seguida se verá, de dependência, autonomia e necessidade, constitui uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no art. 15º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), “ex vis” alínea d) do nº 1 do art. 29º do RJAT;
- Desde logo, trata-se de uma questão que representa um antecedente lógico-jurídico da decisão da questão principal, ou seja, o pretendido benefício fiscal constitui uma matéria de direito tributário que depende do entendimento que, a montante, vier a ser acolhido quanto ao enquadramento da Requerente naquele perfil de entidade legalmente equiparada a IPSS;
- Mais, constitui uma questão autónoma, no sentido de, por si só, pelo seu objeto ou natureza, legitimar a instauração de uma acão independente, sendo competente para a sua apreciação a título principal, com a consequente produção de caso julgado material, os tribunais de jurisdição administrativa;
- Na verdade, o presente tribunal arbitral, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não tem competência para julgar a questão ora em apreço a título principal, conforme decorre do disposto no art.º 2.º do RJAT;
- Como consequência desta autonomia, veja-se que a Direção de Serviços do IRC indeferiu o pedido de certidão apresentado pela Requerente para reconhecimento daquela isenção (despacho de 21/02/2011, da Subdiretora-Geral, exarado na informação n.º 0350/2011 da DSIRC), com fundamento na informação prestada pela Direção Geral da Segurança Social (DGSS), por ser esta a entidade competente para o registo e controlo das IPSS e das entidades equiparadas a IPSS no âmbito da saúde;
- Ou seja, muito embora tenha uma natureza automática, a isenção prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 10º do CIRC pressupõe o preenchimento de pressupostos que extravasam o âmbito tributário, e cujo controlo envolve a aplicação de outros ramos do direito e de outras entidades legalmente competentes para efeitos do reconhecimento de pressupostos de que depende aquela isenção;
- Por fim, a questão ora em análise apresenta-se como necessária, no sentido de a sua resolução ser plausível e não meramente dilatória.
b) Por impugnação:
- A E… a IRC, excepto quanto às prestações previstas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 26.º da Nova Concordata, pelo que para se enquadrar na isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º do CIRC, tem de cumprir os pressupostos desse artigo;
- O presente pedido deverá ser de indeferir, uma vez que a referida entidade não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada (natureza que não lhe é conferida pela Nova Concordata, nem pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro), nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, não cumprindo assim todos os requisitos para poder beneficiar da isenção aí prevista.”
- A Requerente procedeu à regularização da sua situação jurídico-tributária entregando, a 19/02/2013, a sua declaração de rendimentos mod. 22 referente a IRC de 2009, autoliquidando a quantia de € 208.744,09 de imposto e 22.589,87 de juros compensatórios, num total de € 231.333,96;
- A reclamação foi indeferida por despacho de 30/12/2013, do Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS mas antes sujeita-as ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS;
O Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social compete à DGSS;
De igual modo as organizações e instituições religiosas estão abrangidas pela obrigatoriedade de registo previsto no Decreto-Lei n.º 119/83 para efeitos de poderem ser consideradas entidades legalmente equiparadas a IPSS e, consequentemente, usufruir de isenções fiscais;
O reconhecimento previsto no art.º 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 não deve ser confundido com o registo a que se refere o art.º 7.º do mesmo diploma legal;
Remete para anterior informação da DSIRC prestada no âmbito de um pedido de certidão recusado à ora Requerente, de harmonia com a qual não existe, quer no Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, quer da nova Concordata, qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o art.º 45.º daquele Decreto-Lei, que efectuar o registo no termos do art.º 7.º do mesmo diploma legal, junto da Direcção Geral da Segurança Social, por ser esta a entidade competente, de acordo com a Portaria n.º 466/86, de 25/08;
No âmbito daquele pedido de certidão foi solicitada a colaboração da DGSS que informou que a ora Requerente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade legalmente equiparada a IPSS;
De harmonia com o estatuído no art.º 342.º do Código Civil e no art.º 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito recai sobre quem o invoque;
Não tendo a Requerente efectuado a prova dos requisitos de que depende a isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, foi o seu pedido recusado.
- Por requerimento de 05/02/2014, a ora Requerente recorreu hierarquicamente daquela decisão, com os mesmos fundamentos,tendo a AT indeferido o recurso hierárquico por despacho de despacho de 30/10/2014, da Directora de Serviços da DIRC, por subdelegação de competências.
Por despacho de 17/08/2015, o Tribunal considerou, nos termos do artigo 16.º, al. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 26/10/2015 para a prolação da decisão arbitral, tendo sido o prazo prorrogado nos termos do despacho de 26/10/2015.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
Questão prévia suscitada pela AT
Pretende a AT que existe e subsiste a necessidade de, em ação ou processo autónomo [para o qual não é materialmente competente este Tribunal mas antes os Tribunais Administrativos e Fiscais – artigo 2º, do RJAT], com enquadramento no artigo 15º, CPTA, ex vi artigo 29º-1/d), do RJAT, apurar se a Requerente é ou não uma entidade equiparada a IPSS, pese embora a natureza automática da isenção prevista no artigo 10º-1/b) do CIRC, porquanto tal isenção obriga ao “(...). preenchimento de pressupostos que extravasam o âmbito tributário e cujo conteúdo envolve a aplicação de outros ramos do direito de outras entidades legalmente competentes para efeitos do reconhecimento de pressupostos de que depende aquela isenção (...)”.
Vejamos então se procede ou não a defesa da Requerida neste particular.
Entende-se por “causa prejudicial” aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está (ou deva ser) apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá efetivamente ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial (cfr. v. g., artigo 92º, CPC).
No caso, é, claramente, objeto de impugnação, por violação de lei (erro nos pressupostos de facto e/ou violação do artigo 10º-1/b), do CIRC), o ato de autoliquidação de IRC de 2009.
Não se antevê, para apreciação deste alegado vício do ato tributário e do pedido de anulação do mesmo, que tal esteja dependente de qualquer procedimento de apuramento prévio em ação autónoma da competência da jurisdição administrativa.
Não pode ser confundido o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com as limitações de competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD em relação a actos de segundo ou terceiro graus que comportem a apreciação da legalidade de actos primários.
A problemática dos actos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, neste aspecto, com a questão de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta
No que respeita a esta questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau.
O STA veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”
“(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”.
Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é, no caso, o acto de autoliquidação de IRC, ou, mais exactamente, a apreciação da (i)legalidade do acto de autoliquidação IRC e não as decisões da AT em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico.
Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.
Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente da alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º quando refere expressamente a “decisão de recurso hierárquico” (sublinhado nosso) e está também, ao que se julga, no facto de o acto de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem.
Ou seja: não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras ainda: esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral [Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]: “(...)“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.
66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.
67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.
68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (...)”
Improcede, deste modo, a questão prévia suscitada pela AT.
Cumpre apreciar o mérito do pedido.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos essenciais provados
Os factos essenciais para o objeto do processo que o Tribunal considera provados, em face da posição das partes nos articulados, dos documentos incorporados nos autos e do processo administrativo instrutor, são os seguintes:
a) Em cumprimento ordem de serviço, foi efectuada pela AT uma ação inspetiva interna à Requerente tendo por âmbito o IRC de 2009, 2010 e 2011, uma vez que a Requerente, embora enquadrada no regime geral do IRC (art. 17º CIRC), não tinha feito a entrega da declaração de rendimentos modelo 22 nem da declaração anual de informação contabilística e fiscal, referentes a 2009;
b) Por ofício de 19/12/2012, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada para, ao abrigo do princípio da colaboração, exibir os livros de escrituração e toda a documentação relativa à actividade exercida nos anos de 2009, 2010 e 2011, bem como para regularizar a falta de entrega das respectivas declarações de rendimentos modelo 22 referentes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares daqueles exercícios;
c) No âmbito daquela ação inspectiva verificou a AT o seguinte, quanto às actividades exercidas e pelas quais se encontra inscrita no Registo de Contribuintes (as referencias são do Relatório de Inspeção integrado no processo administrativo instrutor):
“A referida entidade iniciou a sua atividade na data de 1985-09-01 e de acordo com o declarado, encontra-se inscrita nas seguintes actividades (Anexo I, 5 págs):
- Actividade Principal: “Actividades de Organizações Religiosas”, CAE 94910
- Actividade Secundária: “Actividades Prática Médica Clínica Geral, Ambulatório”, CAE 86210
- Actividade Secundária: “Actividades dos Estabelecimentos de Saúde com Internamento”, CAE 86100
- Actividade Secundária: “Ensino Básico (3.º Ciclo) e Secundário Geral”, CAE 85310
d) Mais se verificou, quanto ao pedido de certidão que havia apresentado, com vista ao reconhecimento do seu direito à isenção de IRC prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, o que se transcreve:
De acordo com a “Informação n.º .../2010”, a E…, NIPC …, requereu a isenção em IRC, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, relativamente à actividade desenvolvida na “B…”, referindo que esta se trata de entidade legalmente equiparada a IPSS, nos termos dos artigos 40.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro.
Ora, a “B…”, é um estabelecimento que pertence à E… (E…), através do qual esta exerce a actividade de prestação de serviços de saúde, ou seja, é a E… que é susceptível de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art.º 15.º da LGT), sendo que apenas existe um único NIPC E…
Deste modo, tratando-se a isenção do art.º 10.º do CIRC, de uma isenção subjectiva, a qual é concedida em função da qualidade ou natureza da pessoa beneficiada, é a Congregação que tem de verificar os requisitos da isenção.
e) Aquele pedido de certidão foi recusado, de harmonia com a decisão de indeferimento, não notificada à Requerente, exarada por despacho de Subdiretora-Geral de 21/02/2011, na informação n.º 350/2011, de 14/01/2011, tendo a ação inspectiva referido o seguinte no seu relatório final:
Face ao acima descrito destacam-se os seguintes parágrafos da “Informação n.º …/2010”:
“(…) . Refere o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS), que “As organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no n.º 1 ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades, ao regime estabelecido no (…) Estatuto”.
Ora, as IPSS são constituídas para prosseguir, a título principal, os fins previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro. Estas podem ainda prosseguir, de modo secundário, outros fins não lucrativos que com aqueles sejam compatíveis, no entanto, o regime previsto no Estatuto das IPSS não se aplica em tudo o que respeite exclusivamente a esses fins (n.º 2 e n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 119/83).
No caso concreto das organizações e instituições religiosas, em regra, estas prosseguem, a titulo principal, fins religiosos, e não os fins previstos no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto das IPSS.
Assim, afigura-se que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS, tem, sim, como objectivo sujeitá-las ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS.
(…)
21. (…), nos termos do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, e da Nova Concordata, afigura-se que não existe qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas e, no caso concreto, as entidades canonicamente erectas, às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, que efectuar o registo nos termos do artigo 7.º desse mesmo Decreto-Lei, junto da DGSS, a qual é a entidade competente para o mesmo, conforme Portaria n.º 466/86, de 25 de Agosto.
22. Assim, para se enquadrar na isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, a E… tem de cumprir os pressupostos desse artigo, nomeadamente, estar registada como IPSS (…).
23. Mais se informa que se contactou a DGSS, dada a sua competência na área das IPSS, para que esclarecessem todas as dúvidas quanto à detenção ou não, por parte da E…, da qualidade de IPSS. A referida Direcção-Geral, através do ofício S/..., de 2010-10-28, informou-nos o seguinte:
“…não consta nesta Direcção-Geral o registo da “E…” como instituição particular de solidariedade social, pelo que se presume nunca ter sido feita a participação a que alude o art.º 45.º do estatuto das IPSS (…), ou seja, a referida instituição nunca adquiriu personalidade jurídica na ordem jurídica civil.”
(…)
24. Ora, verificando-se que a E… não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada, nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, e sendo essa uma condição sine qua non da isenção prevista no referido artigo, somos de parecer em indeferir o presente pedido.
(…)
26. (…) As pessoas jurídicas canónicas (…) quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade (n.º 5 do artigo 26.º da Nova Concordata).
27.Assim, a requerente está abrangida pelas não sujeições e isenções estabelecidas no artigo 26.º da Nova Concordata, no entanto, estes são desagravamentos fiscais que se referem apenas aos rendimentos ali especificamente previstos, pelo que em relação a quaisquer outros rendimentos, nomeadamente, rendimentos provenientes das actividades referidas no n.º 5 daquele artigo, a E… está sujeita a IRC e, à partida, dele não isenta.
(…)
CONCLUSÃO
A E… está sujeita a IRC, excepto quanto às prestações previstas nos n.ºs 1 a 4 do artigo 26.º da Nova Concordata, pelo que para se enquadrar na isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º do CIRC, tem de cumprir os pressupostos desse artigo.
Face ao exposto, o presente pedido deverá ser de indeferir, uma vez que a referida entidade não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada (natureza que não lhe é conferida pela Nova Concordata, nem pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro), nem qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo artigo 10.º do CIRC, não cumprindo assim todos os requisitos para poder beneficiar da isenção aí prevista.”
f) A Requerente procedeu à regularização da sua situação jurídico-tributária entregando, a 19/02/2013, a sua declaração de rendimentos mod. 22 referente a IRC de 2009, autoliquidando a quantia de € 208.744,09 de imposto e 22.589,87 de juros compensatórios, num total de € 231.333,96;
g) Por requerimento de 19/07/2013, a Requerente reclamou graciosamente da sua autoliquidação de IRC 2009, invocando vício de violação de lei por entender poder beneficiar da isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC relativamente à actividade desenvolvida no estabelecimento “B…”, invocando os art.os 40.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 (Estatuto das IPSS), e art.º 12.º e 26º, n.º 5, da Concordata, defendendo o seu estatuto de pessoa colectiva legalmente equipara a IPSS, para efeitos daquele normativo legal.
h) A reclamação foi indeferida por despacho de 30/12/2013, do Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direção de Finanças de Lisboa, com os seguintes fundamentos:
O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS mas antes sujeita-as ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS;
O Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social compete à DGSS;
De igual modo as organizações e instituições religiosas estão abrangidas pela obrigatoriedade de registo previsto no Decreto-Lei n.º 119/83 para efeitos de poderem ser consideradas entidades legalmente equiparadas a IPSS e, consequentemente, usufruir de isenções fiscais;
O reconhecimento previsto no art.º 45.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02 não deve ser confundido com o registo a que se refere o art.º 7.º do mesmo diploma legal;
i) O antecedente despacho remete para anterior informação da DSIRC prestada no âmbito de um pedido de certidão recusado à ora Requerente, de harmonia com a qual não existe, quer no Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, quer da nova Concordata, qualquer disposição que equipare as organizações e instituições religiosas às IPSS, tendo estas, para além da participação a que alude o art.º 45.º daquele Decreto-Lei, que efectuar o registo no termos do art.º 7.º do mesmo diploma legal, junto da Direcção Geral da Segurança Social, por ser esta a entidade competente, de acordo com a Portaria n.º 466/86, de 25/08;
j) No âmbito daquele pedido de certidão foi solicitada a colaboração da DGSS que informou que a ora Requerente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade legalmente equiparada a IPSS;
k) Considerando que a Requerente não efectuou a prova dos requisitos de que depende a isenção prevista na 2.ª parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC, foi o seu pedido recusado.
l) Por requerimento de 05/02/2014, a ora Requerente recorreu hierarquicamente daquela decisão, com os mesmos e sobreditos fundamentos, tendo a AT indeferido o recurso hierárquico por despacho de 30/10/2014, da Directora de Serviços da DSIRC, por subdelegação de competências.
m)Em Dezembro de 2012, a Requerente foi notificada pela AT para proceder à apresentação da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009 e subsequente liquidação de IRC, com a cominação de que, caso não o fizesse, incorreria numa situação suscetível de configurar uma contraordenação. (Doc. 1);
n) Face a essa notificação e embora discordando do teor da mesma, a ora Requerente apresentou, em 22 de fevereiro de 2013, a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2009, procedeu à autoliquidação do IRC desse ano e procedeu ainda ao pagamento, em 2-5-2013, do correspondente imposto, no valor de 208.744,09 euros e 22.589,87 euro a título de juros compensatórios (Doc 3).
Não há outros factos essenciais provados e/ou não provados essenciais para apreciação do pedido.
Motivação para a fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção relativamente ao sobredito quadro factual fundado na análise dos documentos juntos por ambas as partes e no processo administrativo instrutor junto pela AT, tudo conjugado com a circunstância de não se surpreenderem nos respetivos articulados divergências substanciais quanto à realidade dos factos.
III – FUNDAMENTAÇÃO
O Direito
Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente.
A questão jurídica principal que é colocada tem a ver com a possibilidade de aplicação da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRC.
O artigo 10.º CIRC refere três grandes situações de isenção:
a) Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;
b) Instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas àquelas equiparadas (sublinhado nosso)
c) Pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade, social ou defesa do meio ambiente.
As duas primeiras isenções são automáticas (após cumprimento dos seus requisitos) e a terceira depende de reconhecimento por parte do “membro do Governo responsável pela pasta das finanças”. Assim no caso da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRC basta que se verifiquem os requisitos do artigo para que possa existir uma isenção.
Desta forma a isenção será concedida caso se esteja perante uma instituição particular de solidariedade social, ou uma pessoa coletiva que lhe seja equiparada. São consideradas entidades equiparadas as instituições religiosas que para além dos fins religiosos prossigam outros fins que sejam enquadráveis no artigo 1.º do Estatuto das IPSS (Decreto-lei n.º 118/93 de 25 de Fevereiro). Importa para este efeito tomar em atenção a consideração na alínea e) do n.º 1 do art. 1 do Estatuto das IPSS da promoção e proteção da saúde, nomeadamente através de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação.
De acordo com o artigo 3º da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, “o reconhecimento por parte do Estado da personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante.”
De harmonia com o artigo 4º da mesma Concordata, (...)“As associações ou organizações a que se refere o artigo anterior, podem adquirir bens e dispor deles nos mesmos termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente, as outras pessoas morais perpétuas, e administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente Autoridade eclesiástica. Se porém, além de fins religiosos, se propuserem também fins de assistência e beneficência em cumprimento de deveres estatutários ou de encargos que onerem heranças, legados ou doações, ficam, na parte respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se tornará efectivo através do Ordinário competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza(...).”
De acordo ainda com o artigo 10º/2 da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, “O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1º, 8º e 9º nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata(...)”.
A Requerente foi constituída em 1901 e os primeiros Estatutos foram aprovados em 1937, ou seja, em data muito anterior à celebração da Concordata de 2004, não se aplicando, pois, o número 3 do artigo 10º desta Concordata, que estipula que as pessoas jurídicas canónicas constituídas após a celebração da Concordata terão de estar inscritas em registo próprio do Estado.
Nos termos do artigo 40º do Decreto-Lei 119/83, “as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades” ao disposto no mesmo Decreto-Lei (Estatuto das IPSS).
As actividades da Requerente enquadram-se assim no citado artigo 1º, alínea e), no contexto da promoção e protecção da saúde.
De acordo com o artigo 10º/1 do CIRC, estão isentas de IRC: “(...) b) As instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas(...)”.
Como tal, não existe qualquer dúvida de que a Requerente é equiparada a IPSS, para os efeitos do CIRC, pelo que no meu entender, deverá ter ganho de causa.
Para além desta determinação, o artigo 40º do mesmo Estatuto prevê que as entidades religiosas que para além dos fins religiosos (a distinção entre fins religiosos e fins diversos dos religiosos está prevista na Lei de Liberdade Religiosa – Lei 16/2001 de 22 de Junho) se proponham a cumprir atividades prevista no artigo 1.º ficam sujeitas “quanto ao exercício daquelas atividades, ao regime estabelecido no presente Estatuto”(sublinhado nosso).
As atividades de prestação de serviços daquelas entidades religiosas relacionados com a saúde encontram-se entre as que têm fins diferentes dos religiosos e, a esta luz, gozam dos mesmos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza (artigo 12.º da Concordata de 2004; artigo 4.º da Concordata de 1940). De uma forma específica, o n.º 5 do artigo 26.º da Concordata de 2004, as pessoas jurídicas canónicas que se dediquem a outros fins quer não os religiosos ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade (reforçando a aplicabilidade ao caso concreto do artigo 10.º CIRC).
Para se aplicar a isenção prevista no artigo 10.º CIRC não basta ser pessoa jurídica canónica, pois não está prevista a atribuição do benefício fiscal a essas entidades. Também terá de ser uma IPSS ou uma pessoas coletiva equiparada, o que implica que uma instituição religiosa não terá de formalmente ser uma IPSS, bastando que seja materialmente equiparada a esta. Assim, independentemente de ter sido exercida a faculdade de se constituir como uma IPSS estas entidades poderão ser consideradas para efeito da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º CIRC.
Como existe uma determinação legal (art. 40.º do Estatuto das IPSS) que sujeita as entidades religiosas que exerçam atividades para além dos fins religiosos ao regime legal do Estatuto das IPSS, parece evidente que quando isso suceda se enquadram na isenção do artigo 10.º, do CIRC.
Em jeito de resumo: é aplicável o disposto no artigo 10º-1/b), do CIRC às entidades canonicamente eretas, desde que a sua existência tenha sido comunicada às entidades civis e prossiga também fins religiosos (cfr Acórdão do STA de 07-01-2009 relativo ao processo 0812/08; Acórdão do STA de 18-01-2012 relativo ao processo 0725/11 e Isabel Marques da Silva, “As Implicações Fiscais da Nova Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa” in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”, págs. 178 e ss.).
Daí que o ato tributário de liquidação de IRC/2009 objeto deste pedido de pronúncia, enferma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 10º-1/b – 2ªa parte, do CIRC e 1º-1/e) e f), do artigo 40º do Estatuto das IPSS aprovado pelo DL nº 119/83, de 25 de Fevereiro.
O Pedido de Juros Indemnizatórios
Dispõe a alínea b), do nº 1, do artigoº 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigoº 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigoº 29º, do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, como se viu, a Requerente autoliquidou e pagou IRC que não era devido.
Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, está verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigoº 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia paga de €231.333.96, a contar da data em que foi efetuado o pagamento até ao seu integral reembolso.
IV – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pela Requerida;
b) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a declaração da ilegalidade, pelas razões expostas supra, das liquidações de IRC do ano de 2009 objeto dos autos e respetivos juros compensatórios, com a consequente anulação dessas liquidações por padecerem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
c) Condenar Requerida a reembolsar a Requerente de todo o montante pago, no valor de €231.333,96, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal até integral pagamento e
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €231.333.96, nos termos do artigo 32.º do CPTA e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas
Custas a cargo da Requerida, no montante de €4.284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de novembro de 2015.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão (Presidente)
Luís Menezes Leitão (Vogal)
Diogo Feio (Vogal)