Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 506/2014-T
Data da decisão: 2015-03-24  Selo  
Valor do pedido: € 29.808,42
Tema: IS - Verba 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I.         RELATÓRIO

 

A..., S. A. (de ora em diante designada apenas por “Requerente”), com o número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede social na …, PORTO, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”), com vista à:

 

a)         Declaração da ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo, emitido pela AT, relativa ao ano de 2013, com data de 17 de Março de 2014, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), constante dos documentos de cobrança nºs 2014 ..., 2014 ... (documentos nº s 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral – primeira e segunda prestação) e 2014 ... (documento junto com o requerimento superveniente ao pedido de pronúncia arbitral - terceira prestação), na importância total de 29.808,38 euros, e, consequente anulação daquele acto;

 

b)         Condenação da Requerida à restituição do imposto pago, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

 

Para o efeito, alega, em síntese, que:

 

1.         Vício de ausência de fundamentação legal, uma vez que das notificações dos documentos para pagamento do Imposto do Selo não consta o número da identificação do acto de liquidação que lhe está subjacente, que constitui um elemento essencial;

 

2.         Erro sobre os pressupostos de direito, pois, numa interpretação teleológica da verba 28.1., a intenção do legislador foi a de tributar as habitações de maior valor patrimonial, “habitações de luxo”, excluindo imediatamente os “terrenos para construção”;

 

3.         Um terreno para construção, pela sua própria natureza, não pode ser considerado um prédio afecto à habitação, dado que, não existe qualquer prédio susceptível de ser utilizado para fins habitacionais ou quaisquer outros fins, mas apenas existe uma mera expectativa potencial de tal vir a acontecer, não podendo ter as características de um prédio habitável;

 

4.         Vício de Dupla tributação, uma vez que, a mesma realidade é tributada duas vezes, pois, os terrenos para construção já são anualmente sujeitos a IMI e agora a Imposto do Selo, mas apenas alguns sujeitos passivos residentes é que estarão sujeitos a esta dupla tributação, com violação do princípio da igualdade tributária e da legalidade, colocando em causa os princípios da justiça e da proporcionalidade;

 

5.         A alteração da redacção da verba 28.1. da TGIS operada pelo art. 193.º da Lei nº 83-C/2013, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, cuja entrada em vigor se deu no dia 1 de Janeiro de 2014 não tem a natureza jurídica de uma norma interpretativa e como tal retroactiva.

 

*

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que foi designado árbitro singular pelo CAAD, de harmonia com o preceituado no nº 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

O tribunal arbitral ficou constituído em 25-09-2014, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

*

Notificada para o efeito, a Entidade Requerida apresentou resposta, na qual, invoca, em suma:

i)          A noção de afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel na determinação do valor patrimonial tributário, sendo igualmente aplicável o coeficiente de afectação em sede de avaliação aos terrenos para construção, conforme previsto no art. 41.º e do nº 2 do art. 45.º, ambos do CIMI, não podendo ser ignorada;

 

ii)         A verba nº 28 da TGSI ao remeter para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apela a uma qualificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI, devendo ser entendida de uma forma ampla, “abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção”, e, “cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, nº 1 do CIMI”;

 

iii)        Pelo que, a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei.

 

Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo ser absolvida do mesmo.

 

*

Por requerimento superveniente, admitiu-se a junção pela Requerente aos presentes autos do documento de cobrança relativos à terceira prestação do Imposto do Selo liquidado em 17.03.2014, por ter sido recepcionado em data posterior à da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, tendo a AT sido notificada da referida junção. 

 

*

Por se tratar de uma questão estritamente jurídica, o tribunal arbitral decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por proposta da Entidade Requerida e com o consentimento da Requerente. Como a Requerente não prescindiu da apresentação de alegações escritas, notificada para o efeito, veio manter a sua posição e pedido.

 

A AT não apresentou alegações. 

.

*

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto no art. 2.º, nº 1, al. a) do RJAT.

 

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, conforme o disposto nos arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades e inexistem excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

*

II.        FUNDAMENTAÇÃO

 

a)         De facto

 

Com base nos elementos constantes do processo e com interesse para decisão, dão-se como provados os factos seguintes:

 

1.         A Requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., como terreno para construção.

 

(cfr. Caderneta predial junta como documento nº 4 ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.)

 

2.         O identificado terreno para construção tem o valor patrimonial tributário de € 2.980.838,01.

 

(cfr. Documentos de cobrança e caderneta predial juntos com o pedido arbitral e com o requerimento superveniente àquele pedido como documentos nº 1, 2 e 4, respectivamente, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

3.         O identificado prédio urbano não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.

(Caderneta predial junta como documento nº 4 ao pedido de pronúncia arbitral e provado por acordo).

 

4.         Em Março de 2014, a Requerente foi notificada do documento para pagamento do Imposto do Selo do ano de 2013, relativo à primeira prestação, com indicação da data de liquidação em 2014-03-17 e com a data limite de pagamento em Abril de 2014, tendo sido apurado uma colecta de 29.808,38 euros, a seguir discriminado:

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (COBRANÇA)  DESCRIÇÃO DO PRÉDIO VERBA DA TGIS            VPT    TAXA (%)      COLECTA     1ª PRESTAÇÃO        Data do pagamento

2014 ...            ... ... -U-0...     28.1     2.980.838.01   1          29.808,38        9.936,14          17-04-2014

 

(cfr. Documento de cobrança e documento comprovativo do pagamento juntos ao pedido de pronúncia arbitral como Documentos 1 e 3, cujos teores se dão como reproduzido.)

 

5.         Em Julho de 2014, a Requerente foi notificada do documento para pagamento do Imposto do Selo do ano de 2013, relativo à segunda prestação, com indicação da data de liquidação em 2014-03-17 e com a data limite de pagamento em Julho de 2014, a seguir discriminado:

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (COBRANÇA)  DESCRIÇÃO DO PRÉDIO VERBA DA TGIS            VPT    TAXA (%)      COLECTA     2ª PRESTAÇÃO        Data do pagamento

2014 ...            ... ... -U-0...     28.1     2.980.838.01   1          29.808,38        9.936,14          07-07-2014

 

(cfr. Documento de cobrança e documento comprovativo do pagamento juntos ao pedido de pronúncia arbitral como Documentos 2 e 3.1, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

6.         A Requerente foi notificada do documento para pagamento do Imposto do Selo do ano de 2013, relativo à terceira prestação, com indicação da data de liquidação em 2014-03-17 e com a data limite de pagamento em Novembro de 2014, a seguir discriminado:

 

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (COBRANÇA)  DESCRIÇÃO DO PRÉDIO VERBA DA TGIS            VALOR PATRIMONIAL    TAXA (%)      COLECTA     3ª PRESTAÇÃO       

Data do pagamento

2014 ...            ... ... -U-0...     28.1     2.980.838.01   1          29.808,38        9.936,14          25-11- 2014

 

(cfr. Documento de cobrança e documento comprovativo do pagamento, juntos com o requerimento superveniente ao pedido de pronúncia arbitral como Documentos 1 e 2, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

7.         A liquidação do Imposto do Selo, na importância de 29.808,38 euros, foi efectuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS.

 

(cfr. Documentos de cobrança juntos comos documentos nºs 1 e 2 ao pedido de pronúncia arbitral e ao requerimento autónomo àquele pedido, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos).

 

Atentas as posições assumidas pelas partes e dado que a questão a dirimir por este tribunal arbitral é estritamente jurídica (adiante identificada), a factualidade provada teve por base o pedido de pronúncia arbitral, a resposta apresentada pela Requerida e os documentos oficiais, assinalados em cada um dos pontos da matéria de facto, os quais não foram impugnados. 

 

Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.

*

 

c)         Do direito

As questões a decidir nos presentes autos arbitrais consistem em saber se:

 

i.          o acto tributário de liquidação do Imposto do Selo enferma do vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação da verba nº 28.1 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, na sua redacção inicial, no sentido de se enquadrarem os “terrenos para construção” no âmbito da incidência daquela verba 28.º nº 1;

ii.         o acto de liquidação em causa padece ainda dos vícios de duplicação de colecta, inconstitucionalidade e de falta de fundamentação.

 

Sobre a questão controvertida dos autos já se pronunciou o presente Tribunal Arbitral Tributário, nomeadamente nas decisões proferidas nos processos nºs 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, cuja jurisprudência arbitral aqui acompanhamos, tendo já sido igualmente objecto de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, as decisões são unanimes ao considerarem que os “terrenos para construção” não se subsumem na previsão da verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, na sua redacção originária.

 

Conforme resulta da factualidade assente, a AT veio liquidar Imposto do Selo à Requerente, por considerar que o terreno para construção com o artigo matricial U- 0... da freguesia de ..., do qual é proprietária, se enquadra na previsão da verba 28.1 da TGIS.

 

Alega a Requerente que num “terreno para construção”, atenta a sua natureza, não existe qualquer prédio susceptível de ser utilizado quer para fins habitacionais, quer para outros fins pois apenas existe uma expectativa potencial ou meramente virtual de tal vir acontecer. Invoca ainda que a qualificação de um prédio ou a sua afectação dependem da sua utilização normal que só lhe pode ser conferida em face das suas características actuais e reais e a utilização normal de um terreno para construção nunca poderá ser a habitação, dado que não existe nenhum prédio edificado apto a permitir tal utilização.

 

Por sua vez, a Requerida sustenta, em síntese que, “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da tabela Geral do Imposto do Selo não pode ser ignorada (…)”

 

Vejamos.

 

O art. 4.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba nº 28, com a redacção seguinte:

 

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

 

Dispondo o art. 6.º da supra citada Lei quanto ao ano de 2013 que, “a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.”

 

            À data dos factos, são assim pressupostos de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios (urbanos), com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a 1.000,000,00 euros.

 

Tendo em vista aplicação da verba 28 aditada à TGIS, a Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro estabeleceu várias alterações ao Código do Imposto do Selo (“CIS”), nomeadamente quanto à sua liquidação e pagamento, remetendo expressamente para as regras previstas no CIMI (cfr. art. 23º, nº 7, art. 44º, nº 5, art. 46º, nº 5, art. 49.º, nº 3 do CIS) com as devidas adaptações, prevendo-se ainda no º 2 do art. 67.º do CIS que, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

Das referidas normas, constata-se desde logo que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na verba nº 28.1 não se encontra definido no CIS, nem na citada Lei, pelo que importa averiguar as normas atinentes no CIMI, uma vez que estas são de aplicação subsidiária, conforme disposto no nº 2 do art. 67.º do CIS.

 

Assim, encontramos desde logo um conceito de prédio, no nº 1 do art. 2.º do CIMI (para cujo conceito remete o nº 6 do art. 1.º do CIS), o qual se traduz no seguinte:  “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

 

O CIMI prevê três categorias de prédios: rústicos, urbanos e mistos, cujos conceitos encontram-se definidos, respectivamente, nos arts. 3º, 4º e 5º do mesmo diploma.

 

E, no que concerne aos prédios urbanos, o nº 1 do art. 6.º do CIMI veio ainda estabelecer uma categorização nas seguintes espécies:

(…)

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.”

 

Entendendo-se como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços “os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”, de harmonia com o disposto no nº 2 da norma em referência.

 

No que toca aos terrenos para construção preceitua o nº 3 da mesma disposição legal que são “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” .

 

 

Estabelecendo o nº 4 do art. 6.º do CIMI que enquadram-se “na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

 

Resulta das normas acima citadas que, quer na classificação de prédios, quer na divisão de prédios urbanos, o legislador não faz qualquer referência ao conceito de “prédios com afectação habitacional”, não o fazendo também noutras disposições do CIMI, nem noutro diploma de natureza fiscal.

 

Pelo que, na interpretação do conceito aqui em discussão haverá que atender ao disposto no art. 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto do nº 1 do art. 11.º da LGT. 

 

Sobre esta questão, já se pronunciou este Tribunal Arbitral na decisão proferida no processo nº 53/2013-T, cuja doutrina aqui se acolhe, a qual seguiremos de perto:

“(…)

Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.

O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 

3.2.5. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais

 

O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais. 

A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

3.2.6. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»                        

A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso».

«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa que não margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento do Estado, por um legislador fiscal sem a orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental (…).

“Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.

            À face do teor literal da verba nº 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do imposto é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção de algumas Requerentes que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não tem utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afectação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

Mas, isto não basta para esclarecer a situação daqueles terrenos para construção que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino determinado, designadamente, na licença de loteamento (…). .

Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.”

           

            Em face da fundamentação exposta, que aqui acompanhamos, um “terreno para construção” não pode assim subsumir-se na previsão da verba 28.1 da TGIS, na sua redacção originária, pois não se trata de um «prédio com afectação habitacional”.

Defende ainda a Requerida que afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel na determinação do valor patrimonial tributário, sendo igualmente aplicável o coeficiente de afectação em sede de avaliação aos terrenos para construção, conforme previsto no nº 2 do art. 45.º do CIMI, “pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo não pode ser ignorada”.

 

Arguindo ainda que, a verba nº 28 da TGIS ao remeter para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apela a uma qualificação que “se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI”, devendo ser entendida de uma forma ampla, “abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção”, e, “cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, nº 1 do CIMI.”

 

A Requerida invoca ainda que a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, o valor da área de implantação do edifício, sendo possível apurar a afectação do terreno para construção antes da efectiva edificação do prédio.

 

Não podemos concordar com a tese defendida pela Requerida, em face dos fundamentos acima expostos.

 

Com efeito, o nº 1 do art. 45.º do CIMI preceitua que o “ valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”, acrescentando no seu nº 2 que o “valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”, dispondo ainda o nº 3 da mesma norma que na ”fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º”

 

O citado art. 45.º do CIMI – sob a epígrafe “ valor patrimonial tributário dos terrenos para construção” – apenas estabelece os critérios a considerar para efeitos de avaliação patrimonial de terrenos para construção, sem qualquer influência na tipologia de prédios constante do art. 6.º do CIMI, pois aquele não deixa de ser qualificado como um terreno para construção, para efeitos tributários, em face da sua avaliação.

 

Ainda que se admita que o “coeficiente de afectação” seja um dos critérios a aplicar na determinação do valor patrimonial, o que não resulta claro em face do disposto no art. 45.º do CIMI e é matéria que ultrapassa o âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, mas ainda assim, em nada afasta o que acima se aduz em relação à interpretação do conceito de “prédio com afectação habitacional” no sentido de que tem de ser um prédio que já tenha efectiva afectação a esse fim, não sendo suficiente que seja um “prédio habitacional”.  

 

O mesmo se diga em relação ao entendimento da Requerida ao sufragar que a verba nº 28 da TGSI ao remeter para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apela a uma qualificação que “se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do art. 6º do CIMI”, devendo ser entendida de uma forma ampla, “abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção”, e, “cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, nº 1 do CIMI”, valendo aqui os argumentos e fundamentos acima tecidos, ou seja, a única interpretação possível é de que apenas abrange, repita-se, os prédios que já tenham efectiva afectação a esse fim, isto é, com afectação habitacional actual, não sendo suficiente que seja um prédio habitacional nos termos no nº 1 da norma em referência, não podendo assim abranger os terrenos para construção, nem se sobrepor às espécies ou integrar outras realidades para além das previstas no sobredito nº 1 do art. 6.º.

 

Motivos pelos quais também não concordamos com o entendimento da Requerida de que a lei ao considerar o valor da área de implantação do edifício, é possível apurar a afectação do terreno para construção antes da efectiva edificação do prédio. Com efeito, o valor da área de implantação é mais um coeficiente, entre outros, de avaliação dos terrenos para construção, que não altera a classificação deste noutro tipo de prédio urbano.

 

Aliás, conforme acima explicitado, o facto de existir um alvará de construção ou licença de loteamento somente significa que apenas tem um destino, uma situação futura e previsível mas que não corresponde de forma nenhuma a uma situação já existente, pois, só são subsumíveis no conceito de “prédio com afectação habitacional”, para efeitos de incidência do IS prevista na verba 28. 1 da TGIS os prédios em que a afectação habitacional já esteja concretizada, ou seja, só quando a “efectiva atribuição desse destino é concretizado” e não quando aquele destino é fixado num acto de licenciamento.

 

Valendo mais uma vez aqui o que se sufragou na citada decisão proferida por este Tribunal no sobredito processo nº 53/2013-T, ao referir: 

 

“De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.

No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.

A correcção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efectivamente afectos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis perceptível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afectação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos.”

 

Com efeito, na apresentação e discussão da citada proposta de Lei nº 96/XII/2ª (pode ser consultada no Diário da Assembleia da República DAR, I Série nº 9/XII/2012, de 11-10-2012)  na Assembleia da República, o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, declarou a dado passo o seguinte:

 

“É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013”.

 (negrito e itálico nosso)

 

Pelo que, numa interpretação teleológica o que se pretendeu tributar foi o património imobiliário de luxo, tendo ficado de fora do âmbito da incidência do Imposto do Selo os prédios com afectação a serviços, indústria ou comércio, ou seja, como se escreveu na citada decisão proferida no processo nº 53/2013-T, “prédios afectos à actividade económica, que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica”.

 

Concluindo mais à frente que “os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas.”

 

Atentos os considerandos expendidos, o terreno para construção, objecto dos presentes autos arbitrais, pela sua própria natureza não pode ter uma afectação habitacional actual, não constituindo assim um prédio com efectiva e concreta afectação àquele fim. Tanto mais que, conforme resulta da matéria de facto provada, não existe qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.

 

Em face do exposto, o prédio in casu não se subsume na verba 28.1 da TGIS, por não se tratar de um “prédio com afectação habitacional”. 

 

Pelo que, o acto de liquidação de Imposto do Selo, na importância de € 29.808,42, objecto de pronúncia arbitral, padece do vício de violação da verba 28.1 da TGIS, na sua redacção originária, por erro sobre os seus pressupostos de direito, declarando-se assim a ilegalidade daquele acto de liquidação, com a consequente anulação do mesmo (art. 135.º do CPA, de aplicação subsidiária ex vi art. 29.º nº 1, al. a) e d) do RJAT).

 

 

Fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente os alegados vícios de duplicação de colecta, vício de inconstitucionalidade e vício formal por falta de fundamentação, por ter sido declarada a ilegalidade da liquidação supra, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na al. a) do nº1 do art. 29.º do RJAT.

 

 

III.      Da Restituição do Imposto Pago e dos Juros Indemnizatórios

A Requerente pede ainda a restituição do imposto já pago, acrescidos dos devidos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

Dispõe a al. b) do nº 1 do art. 24.º do RJAT que a AT deve “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, no caso de não ter sido interposto recurso ou impugnada a decisão arbitral que recaiu sobre o mérito da pretensão.

 

Aliás, já o art. 100.º da LGT - sob a epígrafe  “efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo” -  determina que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

Pelo que, em face do disposto do art. 100.º da LGT e da al. b) do nº 1 do art. 24.º do RAJT, é inequívoco que in casu a Requerente tem direito à restituição do imposto pago, na sequência da declaração de ilegalidade do acto de liquidação, objecto de pronúncia dos presentes autos.

 

Vejamos quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

O nº 5 do citado art. 24.º do RJAT estatui ainda que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos da lei geral tributária e no Código de Processo e Procedimento Tributário”. Resulta da mencionada disposição legal que em caso de procedência de decisão arbitral a favor do sujeito passivo haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 e 2 do art. 43.º e art. 100.º da LGT.

 

O nº 1 do art. 43.º da LGT estabelece que são “ devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Assim, como nos diz Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, Março de 2013, página 223, o direito aos juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes requisitos:

“- que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

- que ele seja imputável aos serviços (directamente ou por via de orientações genéricas);

- que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

- que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

No caso em apreço, dúvidas não restam que o acto tributário de liquidação de IS, objecto da presente decisão arbitral, se ficou a dever a um erro imputável aos serviços, ou seja, a um erro sobre os pressupostos de direito, em face dos considerandos acima descritos, e para os quais se remete. Desse erro resultou o pagamento do imposto, na importância de € 29.80842, conforme matéria dada como provada.

 

Pelo que, encontrando-se preenchidos todos os requisitos, a Requerente terá direito ao pagamento a juros indemnizatórios, os quais serão liquidados e contabilizados nos termos do art. 61.º do CPPT, ou seja, desde a data em que efectuou o pagamento, calculados com base nas importâncias pagas até à data do integral reembolso da quantia paga, à taxa legal. 

 

*

IV.      DECISÃO

 

Nestes termos e na fundamentação exposta, o presente Tribunal Arbitral decide:

 

a)         Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, constante dos identificados documentos de cobrança, na importância de € 29.808,42, com a consequente anulação do mesmo.

 

b)         Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia de € 29.808,42;

 

c)         Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que efectuou o pagamento do imposto, até à data do integral reembolso daquela quantia, calculados com base nas referidas quantias.

 

Fixa-se o valor do processo em € 29.808,42, em conformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT e nº 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do art. 306.º do CPC.

 

Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 1.530,00, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 22.º do RJAT e do nº 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Março de 2015.

 

A árbitro,

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela signatária.

 

Na redacção da presente decisão adoptou-se o antigo acordo ortográfico.)