Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 805/2014-T
Data da decisão: 2015-05-29  IT  
Valor do pedido: € 2.909,81
Tema: IEC – Perdas de estampilhas por fabricantes de tabaco
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Processo 805/2014

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. No dia 09-12-2014, a sociedade “A…, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL”, NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IEC determinada por despacho do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco (AJT), no valor de € 2.909,81, Registo de Liquidação nº 2014/….

 

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.

 

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

 

4.1 A Requerente, adiante denominada por A…, é uma sociedade que se dedica à importação e distribuição de tabaco no território nacional, sendo titular do entreposto fiscal nº PT …, mantendo para o efeito uma conta-corrente de estampilhas fiscais com a INCM.

 

4.2. As estampilhas fiscais são solicitadas pela A… à INCM e remetidas por esta para os entrepostos de produção dos fabricantes de tabaco comercializado pela Requerente, conforme previsto pelo capítulo II da Portaria nº 1295/2007.

 

4.3. Pelo ofício nº … IEC de 17.07.2014, a Requerente foi notificada do encerramento da conta corrente de estampilhas fiscais referente ao ano de 2010, constando da notificação o pedido para a Requerente proceder à justificação de 1.066 estampilhas em falta (282 estampilhas de tipo 1, 252 estampilhas de tipo 2 e 532 estampilhas de tipo 3).

 

 4.4. As 1.066 estampilhas em falta no ano de 2010 foram remetidas pela Requerente para entrepostos de produção situados fora de Portugal (em território de Estados-membros da União Europeia) de que é titular um dos fabricantes do tabaco comercializado pela Requerente em Portugal.

 

4.5 As 1.066 estampilhas em falta no ano de 2010 foram remetidas pela Requerente para entrepostos de produção situados fora de Portugal (em território de Estados-membros da União Europeia) de que é titular um dos fabricantes do tabaco comercializado pela Requerente em Portugal.

 

4.6 As 1.066 estampilhas em falta foram todas destruídas no decurso do processo produtivo de tabaco, tendo a destruição sido causada pela própria operação e funcionamento das máquinas de produção e embalagem de tabaco.

 

4.7. Trata-se de uma situação comum e reconhecida pelo legislador já que é o próprio quem concede aos fabricantes uma franquia para perdas, ou seja, uma margem de erro para tratamento e manuseio das mesmas (2% para as estampilhas fiscais de tabaco e 4% para as estampilhas de álcool – cf. artigo 24º da Portaria 1295/2007 e 20º da Portaria 1631/2007).

 

4.8. Cada estampilha fiscal aposta no tabaco tem uma dimensão de 18mm de largura por 43,54 mm de comprimento (cfr. Anexo Portaria nº 1295/2007).

 

4.9. Dada a reduzida dimensão das estampilhas – 43,54 mm por 18 mm - não foi possível recolher os resquícios danificados das mesmas para as apresentar às estâncias aduaneiras de controlo nos países onde estão instalados cada um dos entrepostos de produção dos fabricantes de tabaco.

 

4.10. As 1.066 estampilhas inutilizadas no ano de 2010 durante o processo produtivo correspondem a 0,0005% do total de estampilhas recepcionadas durante o ano pela A….

 

4.11. Na verdade, foram encomendadas à INCM 195.280.000 estampilhas de tipo 1 e destruídas 282 estampilhas, o que corresponde a 0,00014%. Foram encomendadas à INCM 4.146.500 estampilhas de tipo 2 e destruídas 252 estampilhas, o que corresponde a 0,00608%. E foram encomendadas à INCM 12.026.500 estampilhas de tipo 3 e destruídas 532 estampilhas, o que corresponde a 0,00442%.

 

4.12. Em suma, foram encomendadas e consumidas 211.453.000 estampilhas com dimensão de 1,8 x 4,3 cm, sendo que as fábricas destruíram, por acidente, 1.066, o que significa que foram destruídas acidentalmente 0,0005% do total de estampilhas enviadas e correctamente utilizadas.

 

4.13. Em 29 de Julho de 2014, a Requerente apresentou prova documental da destruição durante o processo produtivo das 1.066 estampilhas e indicou as percentagens de estampilhas destruídas para efeito de aplicação do procedimento simplificado de justificação.

 

4.14. Em 02 de Setembro de 2014 a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento do requerimento de justificação das estampilhas por prova documental e por aplicação do procedimento simplificado de justificação.

 

4.15. Em 09.09.2014, a Requerente apresentou audição prévia ao projecto de indeferimento.

 

4.16. A AT não admitiu a prova documental apresentada pela Requerente e decidiu não considerar aplicável o procedimento simplificado de justificação de estampilhas previsto na Portaria nº 1295/2007.

 

4.17. Desde a entrada em vigor do sistema de SIC – ES (SISTEMA DE CONTROLO DAS ESTAMPILHAS ESPECIAIS PARA TABACOS MANUFACTURADOS), em 01 de Janeiro de 2008 e até Fevereiro de 2014, o acesso ao submenu “abatimentos” que permitiria à Requerente reportar as quantidades de estampilhas inutilizadas no processo produtivo conforme exigido pelo nº 19 da Portaria nº 1295/2007, estava bloqueado para a A….

 

4.18. Esse bloqueio do sistema entre 2008 e 2010 é alheio à vontade e procedimentos da Requerente, sendo da exclusiva responsabilidade das entidades alfandegárias gestoras do sistema SIC-ES.

 

4.19. Tendo resultado do facto de aos operadores com entrepostos de produção noutros Estados-membros da UE, a AT exigir um pedido prévio para que pudessem beneficiar do sistema simplificado, tendo inviabilizado o acesso ao sistema SIC-ES bloqueando o submenu “Abatimentos” entre 2008 e 2014 e não permitindo a aplicação do procedimento simplificado de justificação aos períodos em que ainda não tinha sido proferido o despacho previsto no art. 2º da Portaria nº 53/2012 de 5 de Março.

 

4.20. A Requerente pagou o montante de € 2.909,81 relativo à liquidação objecto do presente processo.

 

4.21. A Requerente solicitou à AT a justificação das estampilhas detectadas em falta no processo de conciliação de estampilhas do ano de 2010 com base em dois fundamentos alternativos – (i) aplicação do procedimento simplificado de justificação previsto no nº 23 da Portaria nº 1295/2007 ou (ii) admissão dos meios de prova permitidos pelo art. 110º nº 5 CIEC.

 

4.22. A AT indeferiu o pedido de justificação por considerar que não estavam cumpridas as condições para que a Impugnante pudesse beneficiar do procedimento simplificado de justificação, por um lado, e, no que concerne ao segundo pedido, por entender que os documentos apresentados não são documentos autênticos, tratando-se de “documentos emitidos por entidades com quem a A… mantém estreitas relações comerciais”.

 

4.23. Assim, a liquidação impugnada é ilegal porque deriva: (i) da não admissão de aplicação, ao caso concreto do procedimento simplificado de justificação e (ii) da não admissão da prova documental prevista no art. 110º nº 5 CIEC para prova da destruição das estampilhas ocorrida durante o processo produtivo.

 

4.24. A legislação portuguesa entre 1 de Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2014 (altura em que foi emitido o Oficio … 2014-02-28) é contrária ao direito da União Europeia, porquanto permitia que os operadores que produziam tabaco em entrepostos fiscais de produção no território nacional beneficiassem de um procedimento simplificado de justificação sem quaisquer condicionalismos ou obstáculos jurídicos (arts. 23º e 24º da Portaria nº 1295/2007), enquanto os operadores que produziam tabaco em entrepostos fiscais de produção num território de outro Estado-membro da UE não podiam beneficiar do procedimento simplificado de justificação (pois embora tenha sido juridicamente criada essa possibilidade através da Portaria nº 53/2012, de 5 de Março, não foi publicado o despacho do director-geral da AT que estabelecia as respectivas condições de acesso).

 

4.25. A Requerente pretende, em primeiro lugar, que no processo de conciliação de conta-corrente de estampilhas referente ao ano de 2010 sejam consideradas justificadas as 1.066 estampilhas em falta, ao abrigo do procedimento simplificado de justificação, por interpretação conforme ao direito da União Europeia da Portaria nº 1295/2007.

 

4.26. O não reconhecimento da pretensão da Requerente envolveria desrespeito do Direito da União Europeia por violação do princípio da igualdade e da não discriminação entre operadores cujo entreposto de produção de tabaco se situa no território nacional e operadores cujo entreposto de produção de tabaco se situa no território de outro Estado-membro da UE, violando-se os artigos 49º e 56º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE), respectivamente sobre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços.

 

4.27. A discriminação em razão da nacionalidade fica ainda patente na circunstância de a AT procurar recusar conceder o benefício do procedimento simplificado de justificação à Requerente por alegadamente esta não ter, nos termos do art. 19º da Portaria nº 1295/2007, comunicado mensalmente as quantidades de estampilhas inutilizadas, quando é certo e manifesto que a Requerente estava impedida de efectuar essa comunicação porque foi a própria AT que bloqueou o acesso da Requerente ao submenu abatimentos (tendo esse bloqueio resultado unicamente do facto de a Requerente ter os entrepostos de produção situados noutros EM da UE).

 

4.28. Por estar em causa uma questão de interpretação do Direito da União Europeia primário, se não se entender imediatamente pela interpretação conforme ao direito europeu dos art. 23º e 24º da Portaria nº 1295/2007, resulta ser aconselhável, suspender a instância e suscitar, nos termos do art. 267.º do TFUE, o reenvio prejudicial da questão ao TJUE, conforme pedido a final.

 

4.29. A Requerente entende que a liquidação impugnada que se fundamenta num despacho ilegal do Exmo. Senhor Director-geral da AT, está pois, viciada de violação de lei (por violação dos artigos 87º e 56º CPTA e 104º CPA), pelo que sempre terá que ser anulada.

 

4.30. Sendo a liquidação impugnada ilegal e inconstitucional, por erro grosseiro da entidade competente para a liquidação, deverá ser reconhecido o direito da Impugnante ao reembolso dos montantes já pagos, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT.

 

 

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

5.1 A A…, ora Requerente, interpôs, em 22.10.2014, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, uma acção administrativa e especial (AAE), Processo n.º .../14.1BELRS, Unidade orgânica …, visando a anulação do despacho do Director-Geral da AT que indeferiu o pedido de justificação da falta de estampilhas atinentes ao ano de 2010, na sequência do qual veio a ser efectuada a liquidação de Imposto sobre os Tabacos (IT) em causa nos presentes autos.

 

5.2 Ora, do confronto entre o pedido formulado na presente acção arbitral e a supra identificada, ambas visam, no fundo, discutir a legalidade do acto de liquidação de IT referente à falta de justificação de utilização de estampilhas especiais requisitadas para o ano de 2010.

 

5.3 Ou seja, não obstante na AAE supra identificada a A… pretenda a anulação do despacho que sustenta a liquidação de IT cuja declaração de ilegalidade vem peticionada no presente pedido arbitral, deve considerar-se que, em ambas as acções interpostas pela Requerente, existe identidade de sujeitos porquanto as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

 

5.4 Por outro lado, existindo identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo acto ou facto jurídico, ter-se-á de concluir que, tal identidade, quanto ao pedido e causa de pedir, ocorre nestas duas acções (artigo 581.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil).

 

5.5 Entende por isso a requerida haver nos termos do artigo 580.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, existir litispendência por estar a ocorrer a repetição duma causa, estando a anterior ainda em curso, a qual constitui uma excepção dilatória nos termos do artigo 577.º, alínea i), conduzindo à absolvição da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 278.º, n.º 1 alínea e) e 578.º do mesmo código.

 

5.6 Por outro lado, há que ter em consideração que a questão relativa à apreciação da legalidade do despacho de indeferimento de justificação das estampilhas em falta do Director-Geral, de 18.09.2014, sempre teria que ser considerada prejudicial relativamente à apreciação da legalidade da liquidação a que deu origem, o que impediria a apreciação do caso sub judice.

 

5.7 A A… é um operador na área dos Impostos Especiais de Consumo (IEC), concretamente de Imposto sobre o Tabaco, que detém o estatuto de depositário autorizado (PT …), sendo titular do entreposto fiscal de armazenagem situado no espaço fiscal do Continente, n.º PT …, sob a jurisdição da Alfândega do Jardim do Tabaco, a qual também procede, nesta sede, ao controlo da conta-corrente de estampilhas especiais de tabaco.

 

5.8 De acordo com a Informação n.º …/…/2014 (IT) da Alfândega do Jardim do Tabaco, com data de 17.07.2014, no âmbito do processo de encerramento da conta-corrente de estampilhas especiais de tabaco manufacturado da A…, ora Requerente, no sistema informático de controlo de estampilhas, designado SIC-ES, relativamente ao ano de 2010, foram apurados os saldos referentes a diferentes tipos de tabaco, cigarros (tipo 01), charutos e cigarrilhas (tipo 02) e tabaco de corte fino e tabaco de enrolar e outros tabacos de fumar (tipo 03) cuja utilização não se encontra justificada.

 

5.9 Efectivamente, tendo em conta a quantidade de estampilhas especiais requisitadas pela A… à Imprensa Nacional - Casa da Moeda (INCM), com referência ao ano de 2010, para o espaço fiscal do Continente, e as utilizações justificadas, o sistema SIC-ES apurou que não foram utilizadas regularmente 282 estampilhas especiais destinadas a cigarros, 252 estampilhas para charutos e cigarrilhas, e 532 estampilhas relativas a tabaco de enrolar e outro tabaco de fumar, conforme cópia da conta-corrente extraída do sistema informático).

 

5.10 Em face do descrito, não se encontrando regularmente utilizadas as estampilhas em questão que, nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, deveriam ter sido apostas em embalagens de venda ao público, a Alfândega do Jardim do Tabaco, por ofício (n.º … IEC) datado de 17.07.2014, notificou o operador, concedendo-lhe o prazo de 30 dias, para apresentar as estampilhas em falta, para efeitos de controlo e inutilização.

 

5.11 Em resposta datada de 29.07.2014, a A… veio afirmar que as estampilhas em questão, requisitadas à INCM, foram todas remetidas para entrepostos fiscais de produção situados em Nottingham e Cantábria, tendo sido inutilizadas durante o processo produtivo, cuja destruição foi presenciada pelos responsáveis do fabricante que assinaram declarações, solicitando a audição de uma testemunha com domicílio profissional em Hamburgo, na Alemanha, concluindo que, sendo o total de perdas inferior a 2% e atenta a prova apresentada seja a não apresentação considerada justificada nos termos do artigo 110.º, n.º 5 do CIEC ou, em alternativa, face aos art.º 23.º e 24.º da Portaria 1295/2007, de 1 de Outubro ser considerada automaticamente justificada.

 

5.12 Assim, em face do disposto no n.º 5, 2ª parte, do artigo 110.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, foi a pretensão do operador submetida à apreciação da DSIECIV que se pronunciou nos termos do vertido na Informação n.º …/…, de 25.08.2014, já que, não tendo a A… apresentado a declaração prevista no n.º 19 da Portaria n.º 1295/2007, não pode invocar a aplicação do procedimento simplificado, sendo obrigada a dar cumprimento ao disposto no n.º 22 da Portaria, o que não ocorreu.

 

5.13 Através do ofício n.º …, de 27.08.2014, o operador foi notificado do projecto de indeferimento do pedido de justificação apresentado para exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

 

5.14 Respondendo em sede de audição prévia, o operador afirmou discordar em absoluto com a interpretação da AT, defendendo, em suma, que se deve proceder à análise da prova apresentada e à justificação das perdas apuradas.

 

5.15 A AT, através da DSIECIV, pronunciou-se, de novo, sobre a resposta apresentada no âmbito da audição prévia, conforme consta da Informação n.º …/…/2014, datada de 10.09.2014, e, especificamente, dos pontos 4 a 10 que analisam os argumentos do operador, decidindo-se manter o sentido da decisão projectada.

 

5.16 Em 02.10.2014, a A… foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido formulado de justificação da falta de estampilhas especiais referentes a 2010, e seus fundamentos, proferida por despacho, de 18.09.2014, do Director-Geral da AT.

 

5.17 Conforme decorre do teor da informação n.º …/…/2014, de 07.10.2014, da Alfândega do Jardim do Tabaco, tendo sido indeferida a pretensão da A… quanto à validade da declaração do fabricante e aplicação do regime simplificado de justificação previsto na Portaria n.º 1295/2007, decidiu aquela alfândega dar início ao processo de cobrança do imposto, tendo notificado o operador, ora Requerente, da decisão de proceder à liquidação do montante de € 2.909,81 de IT e para exercer, neste âmbito, o direito de audição prévia em conformidade com o disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

 

5.18 Mantendo-se a liquidação, em 29.10.2014 foi, a A… notificada da mesma para proceder ao pagamento do montante de IT liquidado, tendo-lhe igualmente sido indicados os meios de reacção ao acto de liquidação e respectivos prazos, nos termos da lei, vindo deste acto, como se referiu acima, agora, apresentar o presente pedido arbitral.

 

5.19 A Requerente é detentora de um estatuto IEC que lhe foi concedido ao abrigo do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) e, estando em causa, no caso vertente, as estampilhas especiais referentes ao ano de 2010, aplica-se o Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 Dezembro, e também o actual CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, a partir da sua entrada em vigor que ocorreu em 21 de Julho de 2010.

 

5.20 Na sequência da Directiva Comunitária n.º 92/12/CEE, do Conselho, de 25 de Fevereiro, o CIEC anterior transpôs para o direito nacional a disciplina jurídica relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

 

5.21 Com a revogação daquela Directiva operada pela Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, esta veio a ser transposta, internamente, através do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo actualmente em vigor e que revogou o Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 Dezembro.

 

5.22 As normas relativas ao sistema de selagem do tabaco, que no CIEC anterior constavam do artigo 93.º, encontram-se previstas no novo Código no artigo 110.º que mantém a mesma epígrafe “Sistema de selagem”, inserindo-se no Capítulo III, atinente ao Imposto sobre o Tabaco.

 

5.23 A criação e utilização de estampilhas especiais encontram-se genericamente previstas, para os produtos sujeitos a IEC, no artigo 21.º da Directiva 92/12/CEE e no artigo 39.º da Directiva 2008/118/CE, constituindo instrumentos de controlo de pagamento do imposto, marcas de natureza fiscal, competindo aos Estados-membros definir o respectivo regime, criando as medidas adequadas tendo em vista a prevenção da fraude e evasão fiscais.

 

5.24 Na sequência da legislação comunitária, o regime relativo à selagem do tabaco encontra-se definido, a nível nacional, pelas normas constantes do CIEC e de Portarias diversas, encontrando-se em vigor, à data dos factos, a Portaria n.º1295/2007, de 1 de Outubro, que veio estabelecer “as regras relativas às formalidades a observar para a requisição, fornecimento e controlo das estampilhas especiais para o tabaco manufacturado”, aplicável ao caso sub judice, por força do artigo 5.º (Norma transitória) do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho. A referida Portaria foi alterada pela Portaria n.º 53/2012, de 5 de Março, que entrou em vigor em 06.03.2012.

 

5.25 E, atentos os factos em litígio, relevam as normas previstas nos n.ºs 8 e 9 do artigo 93.º do CIEC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, como se referiu, em vigor até 21 de Julho de 2010.

 

5.26 A redacção do artigo 110.º, relativo ao sistema de selagem constante do CIEC actual, que entrou em vigor em 21 de Julho de 2010, apresenta, no entanto, uma diferença quanto à letra do n.º 5, que releva para o caso em apreço.

 

5.27 A Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, alude, no seu preâmbulo, com referência aos n.ºs 1 e 6 do artigo 93.º (n.º 1 e n.º 2 do actual artigo 110.º) do CIEC à necessidade de garantir a proveniência legal dos produtos que exige um reforço dos mecanismos de controlo e segurança, para o efeito assumindo particular relevância o modelo de estampilha que contemple elementos de alta segurança.

 

5.28 A mesma Portaria refere expressamente que se aplica aos produtos de tabaco manufacturado destinado a ser introduzido no consumo no território nacional, devidamente acondicionado em embalagens de venda ao público, nos termos e condições de comercialização estabelecidos pelo Código dos Impostos Especiais de Consumo e restante legislação aplicável (1.º da Portaria n.º 1295/2007).

 

5.29 E, de acordo com o n.º 12.º da Portaria, no caso da selagem na origem os requisitantes devem declarar, por transmissão electrónica de dados, a localização das instalações fabris a que se destinam as estampilhas.

 

5.30 O n.º 19.º da Portaria estabelece, ainda, que os requisitantes de estampilhas especiais devem declarar, até ao dia 8 de cada mês, por transmissão electrónica de dados, as quantidades consumidas e inutilizadas no decurso do processo produtivo referido no n.º 23.º, discriminadas por tipo de produto e reportadas ao mês anterior.

 

5.31 Por outro lado, quanto à inutilização de estampilhas que ocorra noutro país, esclarece o n.º 22.º, da Portaria 1295/2007, que no caso de a inutilização ocorrer fora do território nacional, a falta de estampilhas especiais deve ser justificada mediante declaração adequada, emitida pelas autoridades competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, que identificará o tipo de produto e o ano económico a que respeitam as estampilhas.

 

5.32 Acrescentando, ainda o n.º 26.º da Portaria 1295/2007, no que concerne à inutilização ou extravio das estampilhas, que, quando devidos a caso fortuito ou de força maior, só podem ser justificados em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo, devendo ser comunicados à estância aduaneira competente, para efeitos de confirmação, até ao 2.º dia útil imediato ao da sua ocorrência.

 

5.33 Só através da Portaria n.º 53/2012, de 5 de Março de 2012, o procedimento simplificado de justificação, que anteriormente se encontrava previsto apenas para os entrepostos fiscais de produção nacionais, veio a ser admitido para o mesmo tipo de entrepostos situados noutros Estados-Membros, encontrando-se tal possibilidade dependente das condições a fixar por despacho do Director-Geral da AT.

 

5.34 Despacho que veio a ser proferido em 19 de Fevereiro de 2013 (Despacho n.º 2658/2013) e que fixa as condições que os operadores devem cumprir no caso de pretenderem beneficiar do regime simplificado de justificação para as inutilizações ocorridas fora do território nacional.

 

5.35 No que concerne à justificação da falta de estampilhas especiais, o n.º 9 do artigo 93.º do CIEC, bem como actualmente o n.º 5 do artigo 110.º, conforme o acima transcrito, consideram justificada a falta de apresentação de estampilhas mediante a entrega de declaração adequada emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas ou em face de prova reconhecida em processo administrativo proferido no âmbito de um processo administrativo, (ou em face de prova admitida pelo Director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo).

 

5.36. E, não obstante a selagem tenha ocorrido na origem, isto é, em entrepostos fiscais de produção (EFP) situados noutros Estados-membros, no caso em Espanha e Reino Unido, os EFP encontram-se sob a jurisdição e controlo das autoridades fiscais e aduaneiras daqueles países, cuja legislação, relativa aos IEC, decorre, igualmente, como se referiu, da legislação comunitária.

 

5.37. Acrescendo que, ao nível da União Europeia, são, inclusivamente, definidas, através do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), medidas de combate à fraude e evasão fiscais destinadas a ser aplicadas em todos os Estados-membros.

 

5.38. Razões pelas quais, a lei exige que a prova se faça com a apresentação de uma declaração emitida pelos serviços aduaneiros competentes que controlam o entreposto do operador no local onde se realizam as operações de produção, embalagem e selagem do produto que se encontra em regime de suspensão de imposto.

 

5.39. No caso em apreço, resulta claro que, além de não se ter verificado uma situação enquadrável no âmbito do caso fortuito ou de força maior a que alude o n.º 26.º da Portaria n.º 1295/2007, face ao disposto no citado n.º 9 do artigo 93.º do CIEC anterior, e no n.º 5 do artigo 110.º do CIEC actual, o operador não apresentou a declaração exigida por lei que permitiria justificar as diferenças de estampilhas constatadas, face às quantidades requisitadas.

 

5.40. Quanto à referência ao Direito da União Europeia, importa relembrar que, constituindo a produção e a importação factos geradores do imposto, a legislação europeia aplicável aos IEC - que, com excepção das taxas, se encontra harmonizada ao nível da UE - impõe restrições à circulação dos produtos a eles sujeitos, através, designadamente, do controlo dos movimentos em regime de suspensão e da aposição de marcas fiscais.

 

5.41. E, no caso do tabaco, tratando-se de um produto altamente permeável à fraude, a legislação nacional, decorrendo da transposição das Directivas, segue as orientações europeias emitidas neste âmbito, respeitando, consequentemente, os princípios consagrados no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5.42. Efectivamente, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, que se encontra consagrado no artigo 18.º do TFUE, trata-se de uma cláusula geral de proibição de discriminação, aplicando-se subsidiariamente face às normas de natureza específica do Tratado, visando-se a igualdade perante a lei, não ocorrendo aqui, qualquer tipo de discriminação em função da nacionalidade, até porque a Portaria em causa tem apenas, como destinatários, os cidadãos/titulares de entrepostos fiscais (de produção ou de armazenagem) nacionais.

 

5.43. E quanto aos invocados artigos 49.º e 56.º do TFUE, o facto de se exigir determinado tipo de prova da inutilização das estampilhas não configura uma restrição ao exercício da liberdade de estabelecimento, pois, por força da legislação europeia aplicável, os entrepostos fiscais estão sujeitos ao controlo das respectivas autoridades aduaneiras, quer estejam estabelecidos em Portugal ou noutro Estado-membro.

 

5.44 O CIEC exige expressamente que a prova da inutilização das estampilhas, quando ocorra na origem, seja efectuada através da apresentação de uma declaração adequada, emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas.

 

5.45. Mas insiste a Requerente em querer provar a inutilização das estampilhas com documentos ou declarações de representantes da empresa fabricante, titular do EFP, incluindo uma declaração efectuada por quem, em princípio, tendo domicílio profissional na Alemanha, dificilmente assistiria a uma inutilização de estampilhas ocorrida no Reino Unido e em Espanha.

 

5.46. Ainda que se aplicasse a 2ª parte, do n.º 5, do artigo 110.º do CIEC, ou o artigo 2.º da Portaria n.º 53/2012, que, a partir da sua entrada em vigor, já admite a possibilidade de existir um procedimento simplificado de justificação para as inutilizações que ocorram nos EFP situados noutros Estados-membros, tal admissibilidade sempre dependeria de pedido prévio do operador interessado e da fixação das condições por despacho do Director-Geral da AT.

 

5.47. Não deve ser deferido o pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, ao abrigo do previsto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, já que só os tribunais que julgam em última instância estão obrigados a submeter ao TJUE as questões de interpretação de direito da União Europeia que forem suscitadas no processo, ficando, no entanto, dispensados de efectuar o reenvio quando haja jurisprudência europeia sobre o assunto, a questão for impertinente ou seja clara a interpretação do direito comunitário.

 

6. Face à excepção invocada pela Autoridade Tributária na sua resposta, relativa à litispendência entre o presente processo arbitral, e em ordem a assegurar melhor o exercício do contraditório, o Tribunal convidou a Requerente a pronunciar-se por escrito sobre a mesma no prazo de 10 dias, tendo esta apresentado em 30-03-2015, uma resposta à excepção, na qual refere em súmula:

 

6.1. O processo .../14.1 BELRS tem por objecto "o despacho de 26 de Setembro de 2014, praticado pelo Exmo. Senhor Director de Serviços da Divisão do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas da Direcção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos, o qual determinou o indeferimento do pedido de justificação de estampilhas fiscais apresentado pela A…".

 

6.2. Sendo o pedido da acção que corre termos sob o n° .../14.1 BELRS o de que seja "anulado o despacho que indeferiu a justificação de estampilhas destruídas no decurso do processo produtivo durante o ano de 2010".

 

6.3. Defende por isso a Requerente que entre o presente processo (em que se visa a anulação da liquidação de imposto especial sobre o consumo de tabaco relativa à conciliação de conta corrente do ano de 2010 no valor de € 2.909,81) e a acção judicial que corre termos sob o n° .../14.1BELRS não existe identidade de pedidos.

 

6.4. Isto porque no caso do processo n° .../14.1BELRS aquilo que se pretende é apenas a anulação do despacho que determinou o indeferimento do pedido de justificação de estampilhas fiscais no ano de 2010 sendo que o processo de contagem e verificação da conta corrente de estampilhas fiscais é independente e autónomo do processo de liquidação de impostos especiais sobre o consumo e tem outras implicações para a contribuinte para além da mera liquidação de imposto especial sobre o consumo de tabaco.

 

6.5. Na verdade o processo de controlo de estampilhas que culmina com o despacho que admite ou indefere o pedido de justificação das estampilhas apuradas não tem como fim último e necessário a liquidação de imposto especial sobre o consumo podendo, ao invés, ter repercussões (i) em sede de pedido de reembolso por destruição de tabaco no decurso do processo produtivo (ou outros fundamentos) conforme previsto no art. 20° CIEC, (ii) em sede de definição dos limites de introdução no consumo conforme previsto no art. 106° n° 1 e 2 CIEC e (iii) em sede de manutenção do estatuto de entreposto fiscal porquanto, nos termos do art. 33° CIEC, a não observância reiterada das obrigações estabelecidas no CIEC pode determinar a perda de estatuto e a não justificação das estampilhas requisitadas pode ser entendida como tal e ainda (iv) em sede reputacional e de obrigações contratuais com terceiros, nomeadamente fabricantes de tabaco, pois a credibilidade e competência do operador são aferidas também por referência ao uso diligente, sério e absolutamente preciso das estampilhas fiscais.

 

6.6. A decisão a proferir numa e noutra acção nunca seria contraditória pois que o resultado de uma e outra são distintos (anulação do despacho que indefere a justificação de estampilhas e anulação da liquidação de IT).

 

6.7. Também não se verifica qualquer prejudicialidade entre uma e outra acção pois como se demonstrou os pedidos e os efeitos de cada uma das acções são completamente distintos sendo certo que nunca a prejudicialidade de uma questão levou ao "inquinar da apreciação do caso sub judice" mas apenas a uma suspensão do processo até à decisão do caso prejudicial (art. 276° n° 1 c) CPC).

 

7. Em 13 de Abril de 2015, o Tribunal Arbitral proferiu ao abrigo do art. 16º c) do RJAT despacho a dispensar a reunião prevista no art. 18º do mesmo diploma por o objecto do litígio respeitar fulcralmente a matéria de direito, a Requerente já ter tido oportunidade de se pronunciar por escrito sobre a excepção, e constarem dos autos os documentos pertinentes.

 

8. As partes não requereram que se promovesse a reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

9. No dia 21-05-2015, a Requerente apresentou requerimento, juntando cópia do documento comprovativo da data em que a AT foi citada para contestar a acção administrativa nº .../14.1BELRS (06-03-2015).

 

II - Factos provados

 

8. Antes de entrar na apreciação das questões que cabe resolver, começando pela excepção dilatória e prosseguindo, na hipótese de nenhuma daquelas vir a ser aceite pelo Tribunal, ao conhecimento de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto, e em face dos factos alegados, se fixa como segue:

 

8.1. A A… é uma sociedade que se dedica à importação e distribuição de tabaco no território nacional, sendo titular do entreposto fiscal nº PT …, e mantendo uma conta-corrente de estampilhas fiscais com a INCM.

 

8.2. As estampilhas fiscais são solicitadas pela A… à INCM e remetidas por esta para os entrepostos de produção dos fabricantes de tabaco comercializado pela Requerente, conforme previsto pelo capítulo II da Portaria nº 1295/2007.apresentou e Tributºaria7-DU-34, Tributtas constantes dos documentos juntos como-81-AC, 87-85-UX, 87-BD-21, 87-DD-67, 87-DU-34,

 

8.3. Pelo ofício nº … IEC de 17.07.2014, a Requerente foi notificada do encerramento da conta corrente de estampilhas fiscais referente ao ano de 2010, constando da notificação o pedido para a Requerente proceder à justificação de 1.066 estampilhas em falta (282 estampilhas de tipo 1, 252 estampilhas de tipo 2 e 532 estampilhas de tipo 3).

 

8.4. As 1.066 estampilhas em falta no ano de 2010 foram remetidas pela Requerente para entrepostos de produção situados fora de Portugal (em território de Estados-membros da União Europeia) de que é titular um dos fabricantes do tabaco comercializado pela Requerente em Portugal.

 

8.5. As 1.066 estampilhas inutilizadas no ano de 2010 durante o processo produtivo correspondem 0,0005% do total de estampilhas recepcionadas durante o ano pela A….

 

8.6. As 1.066 estampilhas inutilizadas no ano de 2010 durante o processo produtivo correspondem a 0,0005% do total de estampilhas recepcionadas durante o ano pela A….

 

8.7. Foram encomendadas à INCM 195.280.000 estampilhas de tipo 1 e destruídas 282 estampilhas, o que corresponde a 0,00014%.

 

8.8. Foram encomendadas à INCM 4.146.500 estampilhas de tipo 2 e destruídas 252 estampilhas, o que corresponde a 0,00608%.

 

8.9. Foram encomendadas à INCM 12.026.500 estampilhas de tipo 3 e destruídas 532 estampilhas, o que corresponde a 0,00442%.

 

8.10. Em 29.07.2014, a Requerente apresentou documento relativo ao processo produtivo das 1.066 estampilhas e indicou as percentagens de estampilhas que teriam sido destruídas.

 

8.11. Em 02 de Setembro de 2014 a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento do requerimento de justificação das estampilhas por prova documental e por aplicação do procedimento simplificado de justificação.

 

8.12. Em 09.09.2014, a Requerente apresentou audição prévia ao projeto de indeferimento

 

8.13. Desde a entrada em vigor do sistema de SIC – ES (SISTEMA DE CONTROLO DAS ESTAMPILHAS ESPECIAIS PARA TABACOS MANUFACTURADOS), em 01 de Janeiro de 2008 e até Fevereiro de 2014, o acesso ao submenu “abatimentos” que permitiria à Requerente reportar as quantidades de estampilhas inutilizadas no processo produtivo estava bloqueado para a A….

 

8.14. Em 06.01.2012, o Director de Serviços da Alfândega do Jardim do Tabaco confirmou que entre a entrada em vigor do sistema SIC-ES (em 01.01.2008) e Janeiro de 2012 nenhum dos operadores do mercado solicitou qualquer autorização para a aplicação do procedimento simplificado de justificação.

 

III - Factos não provados

 

9. Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.

 

IV.      Do Direito

 

10. Cumpre, pois, apreciar e decidir. Haverá que apreciar em primeiro lugar a excepção relativa à litispendência e à pendência de causa prejudicial invocadas pela Requerida. Apenas caso as mesmas sejam julgadas improcedentes é que se apreciará da ilegalidade do acto de liquidação de liquidação adicional de IEC determinada por despacho do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco (AJT), no valor de € 2.909,81, e do reconhecimento do direito à restituição do imposto, bem como eventual direito a juros indemnizatórios.

Analisemos assim estas questões:

 

A) DA EXCEPÇÃO DE LITISPENDÊNCIA.

 

11. Nos termos do artigo 581º, nº1, CPC, "repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica à outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir", acrescentando o nº3, que  "há identidade de pedido quando numa e noutra causa se visa obter o mesmo efeito jurídico".

 

12. Ora, é manifesto que, no caso presente, o pedido não é o mesmo, uma vez que o pedido da acção que corre termos sob o n° .../14.1 BELRS é o de que seja "anulado o despacho que indeferiu a justificação de estampilhas destruídas no decurso do processo produtivo durante o ano de 2010", enquanto no presente processo se pretende antes a anulação do acto de liquidação de IEC, proferido em consequência dessa não justificação.

 

13. Não se podendo, portanto, considerar que exista litispendência, nos termos do artigo 580º do Código de Processo Civil.

 

14. Mas ainda que tal fosse equacionado, a excepção de litispendência teria que ser deduzida na acção proposta em segundo lugar (art. 582º, nº1, CPC), acrescentando o nº2 que a se considera proposta em segundo lugar a acção para a qual o Réu foi citado posteriormente.

 

15. No caso presente, a Requerida foi citada para a acção administrativa especial em 6/3/2015, enquanto que foi notificada da constituição deste Tribunal Arbitral em 17/2/2015, pelo que seria naquela acção que teria que ser deduzida a litispendência.

 

16. Nestes termos, julga-se improcedente a alegada excepção de litispendência.

 

B) DA EXCEPÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL.

17. Também não nos parece que exista prejudicialidade entre as duas acções, uma vez que se torna absolutamente desnecessária a impugnação judicial de actos autónomos pretensamente lesivos do direito do contribuinte, a partir do momento em que estes dão lugar a uma liquidação de imposto.

 

18. Efectivamente, e conforme se refere no Ac. STA 15/5/2013 (FRANCISCO ROTHES), processo 0449/12, "a possibilidade de impugnação judicial autónoma desse acto só faz sentido quando ainda não tenha sido praticado o acto de liquidação, pois, se este já foi efectuado, aqueloutro foi consumido por ele e o direito à tutela judicial efectiva (art. 20º da CRP) fica plenamente assegurado pela possibilidade de impugnar a liquidação".

 

19. Nunca se poderia, por isso, considerar prejudicial a impugnação de um despacho que indefere um procedimento de justificação em relação à impugnação da liquidação do imposto.

 

20. Mas, mesmo que existisse prejudicialidade, também nunca se poderia sustentar que se devesse suspender a instância no presente processo arbitral, uma vez que estando este tão adiantado, os prejuízos da sua suspensão são muito superiores a qualquer vantagem que pudesse advir da mesma (art. 272º, nº2, CPC).

 

21. Nestes termos, também se desatende a invocação da pendência de causa prejudicial.

 

C) DA LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IEC.

 

22. Respeitando os factos tributários aqui previstos ao ano de 2010, haverá que aplicar as regras vigentes nessa data, designadamente as normas previstas nos n.ºs 8 e 9 do artigo 93.º do CIEC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, em vigor até 21 de Julho de 2010, e a Portaria n.º1295/2007, de 1 de Outubro, aplicável ao caso por força do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.

 

23. Os nºs 8 e 9 do então art. 93º CIEC dispunham o seguinte:

"8. Para além do disposto no artigo 9.º, considera-se também ter sido introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais fornecidas aos agentes económicos e que não se mostrem utilizadas regularmente através da aposição em embalagens de venda ao público saídas dos entrepostos fiscais, ou regularmente introduzidas no consumo, ou que não sejam apresentadas ao serviço fiscalizador a solicitação deste.

9. Considera-se justificada a falta de apresentação das estampilhas especiais ao serviço fiscalizador caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo".

 

24. Os arts. 21º a 24º da Portaria 1295/2007 dispõem o seguinte:

"Artigo 21.º

A inutilização de estampilhas deve ser solicitada às autoridades aduaneiras, com indicação do local, data e motivos justificativos, sendo obrigatoriamente efectuada sob controlo presencial daquelas, lavrando -se o respectivo auto, que identificará, designadamente, o tipo de produto, o espaço fiscal e o ano económico a que respeitam as estampilhas, procedendo -se, ainda, ao registo na conta corrente.

 

Artigo 22.º

No caso de a inutilização ocorrer fora do território nacional, a falta de apresentação das estampilhas especiais deve ser justificada mediante declaração adequada, emitida pelas autoridades competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, que identificará o tipo de produto e o ano económico a que respeitam as estampilhas.

 

Artigo 23.º

As inutilizações de estampilhas, ocorridas durante o processo de fabrico nos entrepostos de produção situados no território nacional, podem ser objecto de procedimento simplificado de justificação.

 

Artigo 24.º

Para efeitos do número anterior, consideram-se automaticamente justificadas as inutilizações de estampilhas até ao limite de 2 % das estampilhas consumidas anualmente, no decorrer do processo produtivo".

 

25. A Requerente pretende que deveria ter sido automaticamente justificada a inutilização das estampilhas ao abrigo dos arts. 23º e 24º da Portaria 1295/2007, mas é manifesto que essas disposições só se aplicam a entrepostos de produção situados no território nacional, uma vez que em relação a entrepostos de produção estrangeiros aplicam-se antes os arts. 21º e 22º desse diploma, que exigem uma declaração das autoridades do país onde ocorreu a produção ou outro tipo de prova autorizada por despacho ministerial.

 

26. É verdade que posteriormente a situação veio a ser alterada, já que o novo art. 110º, nº5, CIEC, estabeleceu que "considera-se justificada a falta de apresentação das estampilhas especiais à autoridade aduaneira caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face de prova admitida pelo Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo".

 

27. Pelo que, através da Portaria n.º 53/2012, de 5 de Março de 2012, o procedimento simplificado de justificação veio a ser admitido para o mesmo tipo de entrepostos situados noutros Estados-Membros, encontrando-se no entanto tal possibilidade dependente das condições a fixar por despacho do Director-Geral da Autoridade Tributária.

 

28. Em consequência, o despacho n.º 2658/2013, de 19 de Fevereiro de 2013, fixou as condições que os operadores devem cumprir no caso de pretenderem beneficiar do regime simplificado de justificação para as inutilizações ocorridas fora do território nacional.

 

29. Sucede que estas novas regras são posteriores ao caso dos autos, pelo que não lhe podem ser retroactivamente aplicáveis, não se podendo aceitar a justificação se a Requerente não obteve a declaração oficial do país do entreposto, à data legalmente exigida.

 

30. Também não se pode considerar que esta situação viole o Direito da União Europeia, tendo plenamente justificação, quer no art. 21º da Directiva 92/12/CEE, quer no artigo 39.º da Directiva 2008/118/CE, tendo esta substituído aquela a partir de 1 de Abril de 2010.

 

31. Efectivamente, a exigência de um determinado tipo de prova da inutilização das estampilhas não configura uma restrição ao exercício da liberdade de estabelecimento, pois, por força da legislação europeia aplicável, os entrepostos fiscais estão sujeitos ao controlo das respectivas autoridades aduaneiras, quer estejam estabelecidos em Portugal ou noutro Estado-membro, não se podendo, pois, considerar que foram violados os artigos 49.º e 56.º do TFUE.

 

32. Como refere o Acórdão de 15.06.2006, emitido no Processo nº C-494/04 (Heintz van Landewijck SARL vs Staatssecretaris ban Financiën" do Tribunal de Justiça da União Europeia: “O artigo 21.°, n.° 1, da Directiva relativa aos impostos especiais de consumo reconhece aos EstadosMembros a possibilidade de colocarem marcas fiscais nos produtos destinados ao consumo no seu território. Do mesmo modo, o artigo 10.°, n.° 1, da Directiva relativa aos tabacos manufacturados prevê que, durante as fases anteriores à da harmonização das modalidades de cobrança do imposto especial de consumo, este último será cobrado, em princípio, por meio de marcas fiscais. Por outro lado, o artigo 22.°, n.° 2, alínea d), da Directiva relativa aos impostos especiais de consumo prevê a possibilidade de obter o reembolso do imposto especial de consumo junto das autoridades fiscais do EstadoMembro que emitiu as marcas fiscais, na hipótese particular de a destruição dessas marcas ter sido verificada pelas autoridades fiscais do EstadoMembro que as emitiu. Ao invés, a directiva relativa aos impostos especiais de consumo não contém nenhuma disposição relativa à hipótese do desaparecimento dessas marcas. Por conseguinte, deve considerarse que esta directiva deixa aos EstadosMembros a tarefa de determinar as consequências desse desaparecimento. Consequentemente, a referida directiva não pode ser interpretada no sentido de que obsta a que os EstadosMembros prevejam regras nacionais que, em caso de desaparecimento de estampilhas especiais, façam recair a responsabilidade financeira da perda destas estampilhas sobre o seu adquirente. As regras nacionais dessa natureza também não podem ser consideradas contrárias ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, uma regulamentação nacional que permitisse ao adquirente de estampilhas especiais obter o seu reembolso alegando simplesmente a sua perda seria susceptível de favorecer os abusos e as fraudes. Ora, a prevenção destes abusos e fraudes constitui precisamente um dos objectivos prosseguidos pela regulamentação comunitária. Por conseguinte, as regras nacionais como as que estão em causa no processo principal que, em caso de desaparecimento das estampilhas especiais, fazem recair a responsabilidade financeira da respectiva perda sobre o seu adquirente contribuem para a realização do objectivo de prevenção da utilização fraudulenta das mesmas. Além disso, essas regras nacionais não excedem o que é necessário para prosseguir este objectivo, visto que não excluem, por outro lado, toda e qualquer possibilidade de reembolso ou de compensação noutras hipóteses, como a da perda das estampilhas por acidente ou em caso de força maior. A este respeito, o argumento de que o risco de utilização abusiva das estampilhas desaparecidas é mínimo nas circunstâncias particulares em causa no processo principal não tem qualquer influência sobre o sentido da resposta que deve ser dada ao tribunal de reenvio, uma vez que esse risco de utilização abusiva não é inexistente. Por conseguinte, há que responder à primeira questão que nem a Directiva relativa aos impostos especiais de consumo nem o princípio da proporcionalidade obstam a que os EstadosMembros adoptem uma regulamentação que não preveja a restituição do montante do imposto especial de consumo pago em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, fazendo assim recair a responsabilidade financeira da perda das estampilhas especiais sobre o seu adquirente.

 

33. Esta posição foi aliás corroborada pelo Acórdão do TJUE de 13 de Dezembro de 2007, emitido no processo C-374/06 (BATIG Gesellschaft für Beteiligungen GmbH v Hauptzollamt Bielefeld) onde o Tribunal de Justiça declarou que "a Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, alterada pelo Regulamento (CE) n.° 807/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003, que adapta à Decisão 1999/468/CE as disposições relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução previstas em actos do Conselho adoptados pelo procedimento consultivo (unanimidade), não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que exclui o reembolso do montante pago pela aquisição de marcas fiscais emitidas por esse Estado‑Membro, quando essas marcas foram colocadas em produtos sujeitos a imposto especial de consumo antes da sua introdução no consumo no referido Estado‑Membro, quando esses produtos foram furtados noutro Estado‑Membro, determinando o pagamento do imposto especial de consumo nesse outro Estado‑Membro, e quando não é feita prova de que os produtos furtados não foram escoados no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas".

 

34. De acordo com o Artigo 267º do TFUE (ex-artigo 234.º TCE), sempre que uma questão de título prejudicial seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

 

35. Só que, como no caso presente, estamos perante uma questão sobre a qual o Tribunal da Justiça da União Europeia já proferiu decisão, não existe qualquer motivo para pedir ao Tribunal que se volte a pronunciar sobre o mesmo assunto.

 

36. E tendo em conta a jurisprudência do TJUE, não podemos considerar que tenha havido qualquer violação do Direito Comunitário.

 

37. Não se vê por isso que exista qualquer vício a apontar ao acto de liquidação de IEC.

 

VI – Decisão

Face ao exposto, julga-se improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IEC determinada por despacho do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco (AJT), no valor de € 2.909,81, Registo de Liquidação nº 2014/…, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de restituição do imposto e juros indemnizatórios.

 

Valor do processo

Fixa-se ao processo o valor de € 2.909,81 (valor indicado e não contestado).

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela  Requerente.

 

Lisboa, 29 de Maio de 2015

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)