Processo n.º 795/2014-T
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-02-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… - SOCIEDADE DE COSMÉTICA, LDA, NIPC …, apresentou, em 30-11-2014, um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º d0 Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios com os n.ºs 2013 … e 2013 …, respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010, respectivamente, e os indeferimentos tácitos dos recursos hierárquicos que interpôs das decisões proferidas na reclamações graciosas n.ºs … 2014 … e … 2014 … que tiveram por objecto aquelas liquidações, respectivamente.
A Requerente pretende ainda reembolso do imposto que pagou e o pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 01-12-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira na mesma data.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-01-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 16-02-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 19-05-2015, realizou-se uma reunião em que se procedeu à inquirição das testemunhas e se acordou que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Foi realizada uma acção inspectiva externa à Requerente levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 20120 …, referente ao período de tributação de 2009;
b) Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III.1 – Correções à matéria colectável em sede de IRC
III.1.1 Gastos com o pessoal
No exercício de 2009, ocorreu uma reestruturação na sequência de:
-Aquisição das participações sociais até então detidas pelos antigos gerentes B… e C… pela D…Europe INC.;
- Renúncia e substituição dos gerentes B… e C...F…,
A reestruturação visou:
- Encerramento do armazém da A… em território nacional, …, deslocalizando-o para Madrid, armazém do Grupo D1….
- Redução do número de funcionários, empregados de armazém e "account managers".
O Relatório de Gestão, refere: - " b) Na sequência do plano de reestruturação anunciado durante o ano passado peia D2… lnternational a filial reduziu 42 postos de trabalho que implicaram um valor de indemnizações de 3.271.583,00 €."
Este é o facto que explica a variação dos resultados, ocorrida no exercício de 2009, gasto que se encontra contabilizado na conta 634001 Indemnizações Pessoal.
Na análise efetuada a esta rubrica detetaram-se as seguintes incorreções/omissões:
Em 4 de Março de 2010 foi assinado entre C…a e a sociedade A… - Sociedade de Cosmética, Lda., um acordo de revogação de contrato de trabalho.
Neste acordo está prevista a cessação da relação laboral e das funções de gestora de C… na A…, Lda., mediante o pagamento a título de indemnização de €296.100,00 e uma compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência no valor de € 140.000,00, no total de €436.100,00.
Os gastos com pessoal, no valor de € 436.100,00, relativos ao acordo de revogação de contrato de trabalho assinado com a ex-gerente, foram contabilizados pela A…, Lda, na conta 634001 em 30/06/2010, sob o lançamento n.º …-…-…. A cessação da relação laboral bem como o pagamento das importâncias devidas, ocorreu em 30/09/2010. (vd. Anexo 4)
Nos termos do n.º 13 (aditado pela Lei n.º 3-B/2010 de 28/04) do art. 88.º do CIRC, os gastos ou encargos com indemnizações ou quaisquer compensações não relacionadas com objetivos de produtividade devidas, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%. Assim os gastos contabilizados na conta 634001 Indeminizações Pessoal, em 30/06/2010, sob o lançamento n.º …-….-…, com a gerente C…, conexas com o acordo de revogação de contrato de trabalho, a título de indemnização, €296.100,00 e uma compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência, € 140.000,00, no total de € 436.100,00 estão sujeita a tributação autónoma calculada à taxa de 35% (€ 436.100,00 x 35%) ou seja no valor de € 152.635,00.
III.1.2 Custos não dedutíveis - artigo 23.º do CIRC
III.1.2.1 Gastos com o pessoal
Encontra-se contabilizada sob o lançamento …-…-…, uma fatura do fornecedor G..., S.A, NIF …, n.º e …/2009, datada de 2009/10/15, no montante de € 11.377,80 a que acresce IVA à taxa normal.
Esta fatura foi contabilizada em 2009/10/23, como gastos com o pessoal, (conta 638002, formação de pessoal) e deduziram o IVA nesta mencionado de € 2.275,56 (conta 243237). Questionados no ponto 4 da notificação de 2013/06/19, o sujeito passivo, clarificou tratar-se de um Evento que denominaram por Missão Impossível, efetuado para o departamento de vendas. (vd. Anexo 5)
Apesar de os encargos deduzidos pelo sujeito passivo se encontrarem devidamente contabilizados e suportados em faturas e documentos de quitação justificativos da sua origem, natureza e montante, o sujeito passivo não comprovou a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da A…, nos termos preconizados pelo artigo 23.º do CIRC.
Nos termos do art.º 23.º n.º 1 do CIRC, não são considerados como "comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora" uma vez que o conceito de custos não indispensáveis à atividade está essencialmente associado à necessidade de evitar abusos que possam decorrer da existência de encargos que possam ser desnecessários, e, como tal, possam não ser considerados como "comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".
A qualificação dos custos como dedutíveis implica que estejam em relação com a atividade exercida pela empresa em termos da sua adequação económica face à finalidade de obtenção de resultados.
Transcreve-se de seguida o acórdão de 29/03/2006, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 01236/05, onde se considera que "o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedira consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios".
A este propósito, transcreve-se ainda um excerto do acórdão do Tribunal Central Administrativo de 10/03/2009, proferido no processo nº 02608/08, o qual, "Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177)" conclui no sentido de que "A indispensabilidade a que se refere o art. 23º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro."
Tratam-se pois de gastos de natureza meramente recreativa, não sendo por isso o custo contabilizado aceite para a formação do lucro tributável, nos termos dos artigos 23.º do CIRC, no valor de € 11,377,80.
A quantificação das correções em sede de IVA, será focada adiante, no capítulo III.2.1.
III.1.2.2 Despesas não documentadas: H… Card’s, cheques I…, Cheques Oferta J…, cartões presente K… e Vouchers L…
Estão contabilizadas aquisições de cartões designados:
1. H… Card- Campanha Operação Sucesso: O fornecedor M.., Lda NIF …, define este produto que comercializa na sua página de internet, como cartões de multibanco (visa/elétron) pré-pagos. Também foram facturadas a concepção e produção de brochuras, cartas, a produção dos cartões H… Card e o acompanhamento mensal da campanha. Questionada a directora financeira N…, clarificou que os beneficiários desta campanha foram as vendedoras, das perfumarias, que são os clientes da A…, tendo por objectivo promover vendas. Esclareceu ainda que as cartas às vendedoras e atribuição de valores a debitar nos cartões de multibanco foi efectuado pelo fornecedor M…, Lda.(vd. Anexo 6)
Estas aquisições foram contabilizadas como custo pela A…, com a natureza de custos de publicidade e propaganda (conta 622002) ou de material de publicidade (conta 623005) e encontram-se suportadas pelas faturas abaixo indicadas e assumem os seguintes valores:
Nos termos do artigo 81º n.º 1 (atual 88.º) do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, como é este caso, uma vez que são pagamentos em relação aos quais o sujeito passivo não identificou o encargo a que tal pagamento está relacionado ou a entidade beneficiária de tal pagamento, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50% (€ 64.996,24 x 50% = € 32.498,12), e os custos contabilizados não são aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, no valor de €64.996,24.
2. Cheques I…, Cheques oferta J…, cartões presente K…
Encontra-se contabilizado na A… a aquisição dos cartões/cheques. Consultados na internet os sites dos fornecedores, os produtos surgem definidos: (vd. Anexo 7)
– Cheques oferta J…, são cheque oferta multimarca, comercializados pela O… Portugal, Lda., com oferta diversificada, valores faciais: 10€, 15€, 25€, 30€ e 50€, prazo de validade de 6 a 18 meses, aceite em mais de 600 lojas a nível nacional.
Encontra-se contabilizada em 2009/09/17, doc. n.º …-…-…, a fatura/rec. n.º 2009663 da O… Portugal, Lda, referente à aquisição de Cheques Oferta J…, no total de €4.650,00.
– I… - Existem à disposição dos nossos clientes cheques oferta, que são válidos para a totalidade dos produtos I… e I…Service. O seu valor unitário é de 5€, 10€, 20€ e 30€. O portador do cheque oferta poderá trocá-lo pelo produto que desejar no próprio estabelecimento.
Os cheques oferta I…. são válidos igualmente para produtos preço verde e aceites em qualquer loja I…, I…Service, P…, Q… ou R….
Encontram-se contabilizados:
i. Em 2009/09/17, doc. n.º FCR-10-000595, a fatura n.º 20090739 de 2009/08/19 da I… Portugal, referente à aquisição de Cheques, no total de € 2.000,00;
ii. Em 2010/05/12, doc. …-…-…, a fact/rec. 13670 da I… Portugal, referente à aquisição de 21 cartões de oferta, no total de € 2.100,00.
o K… - O cartão, depois de carregado, representa um valor monetário ao portador.
Com referência ao fornecedor …, encontram-se contabilizadas as faturas abaixo, em contas de 623004 e 622108, no total de € 16.321,90,
3. Vouchers L…
Encontra-se contabilizada em 2010/05/21 sob o lançamento n.º DP-10-01316, uma transferência bancária de € 810,00, efetuada da conta de depósitos à ordem da A… no BES, para um NIB …. Notificados em 2012/04/19, para apresentarem os documentos de suporte desta operação, exibiram um e-mail que refere a compra de vouchers L… e a cópia do extracto bancário do BES onde consta esta transferência, (vd. Anexo 8)
Não foi exibida qualquer fatura ou documento equivalente, acresce que os vouchers são meios de pagamento e não um custo efectivo.
4. Diversos cartões presente, etc.., contabilizados na conta de 623004 artigos para oferta, todos com natureza de meios de pagamento e não de custos efetivos: (vd. Anexo 9)
Notificámos o sujeito passivo em 19 de junho de 2013, para, relativamente aos fornecedores M…, Lda., K… Hipermercados, S.A., O… Portugal, Lda. I… Portugal e L… e à aquisição de H… Card's, cartões presente K…, Cheques Oferta J… cheques I…, e Vouchers L…, cheques S… e cheques/cartão presente T…, respectivamente, contabilizadas no decurso do exercício de 2009, identificarem os beneficiários com o n.º de identificação fiscal e valores atribuídos e para concretizarem a indispensabilidade daqueles custos nos termos do artigo 23.º do CIRC. (vd. Anexo 10)
O sujeito passivo veio referir que:
> Com o objetivo de aumentar vendas a A… (objetivos de Sell Out), desenvolveu campanhas de incentivos, entregando cheques aos vendedores das perfumarias clientes em função de vendas realizadas.
> Também foram atribuídos cheques continente e vouchers da L… a trabalhadores da A…, como incentivo e reconhecimento do trabalho.
Em súmula,
Os elementos apresentados pelo sujeito passivo não permitiram identificar encargos e/ou beneficiários dos referidos pagamentos e/ou montantes atribuídos.
A aquisição e oferta de H… Cards (no total de € 64.996,24), cartões de multibanco pré-pagos, Cheques I…, Cheques oferta J…, cartões presente K…,cheques/cartão presente T… e Vouchers, tratam-se de valores monetários ao portador, traduzem-se em operações de mera troca de meios de pagamento e não num custo efetivo, pois que a despesa só ocorre quando se contabiliza o documento (fatura/recibo) justificativo.
Podia e devia, o sujeito passivo documentar a despesa correspondente a cada aquisição dos bens/serviços subjacentes a cada saída de dinheiro. Se aquelas saídas de dinheiro correspondem ao pagamento de quaisquer aquisições de bens/serviços, ou se tiveram qualquer outro destino, não foi possível determinar, pelo que são integrados nas denominadas despesas confidencias.
Nos termos do artigo 88.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, como é este o caso, uma vez que são pagamentos em relação aos quais o sujeito passivo não identificou o encargo a que tal pagamento está relacionado ou a entidade beneficiária de tal pagamento, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%, no total de € 50.029,07, e os custos contabilizados não são aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, no valor de € 100.058,14.
(...)
(...)
VIII - Direito de Audição
Em cumprimento do disposto no artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar da Inspeção Tributária foi efetuado projeto de conclusão de relatório, que acompanhou a notificação enviada ao contribuinte através do Oficio n.º … de 26/08/2013 com registo n.º RC … PT, dando-lhe o prazo de quinze dias para o exercício do direito de audição prévia.
O sujeito passivo exerceu o direito de audição, na pessoa de um seu procurador – U…, através de petição escrita, remetida a esta Direcção de Finanças por carta registada, que deu entrada em 12/09/2013. (vd. anexo 12)
No âmbito do exercício do direito de audição vem o sujeito passivo contestar as correções aritméticas propostas, de tributação autónoma, em sede de IRC, das quais resultam imposto no valor de €152.635,00, descritas e fundamentadas no capítulo III. 1.1 Gastos com o pessoal, concentrando a sua defesa nas seguintes alegações:
• A verba paga a C… a título de indeminização ou compensação no âmbito da cessação do contrato de trabalho, não se enquadra na previsão do artigo 88.º n.º 13 do Código do IRC (CIRC), juntaram acordo de revogação de contrato de trabalho (doc.2);
• C…, cessou funções de gerente em 31/12/2009, quando recebeu a indemnização não era gerente, vindo juntar, a declaração de renúncia (doc. 4) apresentada por aquela, a certidão do registo comercial (doc. 3) onde consta a inscrição da mencionada renúncia e os recibos de vencimento de C…, de julho de 2009 a agosto de 2010 (doc.6);
• A partir de 31/12/2009, C…, passou a exercer funções de Diretora Geral, ao abrigo de uma relação de trabalho dependente, juntam formulário da Segurança Social de fevereiro de 2010 (doc.5);
O sujeito passivo refere que "vem a AT pretender interpretar o conceito de gestor abarcando todo o tipo de cargo susceptível de apresentar algumas características semelhantes às de um administrador ou gerente" - art. 47.
Sobre os documentos juntos em direito de audição de referir:
• Os recibos de vencimento de C… (em anexo ao Direito de audição - doc. 6) documentam que o vencimento base de € 10.000,00, que auferia enquanto gerente, se manteve inalterado até 30/09/2010, data em que cessou funções na A…, Lda.;
• O "Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho" assinado entre a A…, Lda., e C…, em 4 de março de 2010, refere:
"A) A primeira e segunda contraentes celebraram entre si, em 1 de Julho de 1998, contrato de trabalho, nos termos do qual a segunda contraente vem desempenhando as funções de Directora Geral;"
"B) As partes pretendem pôr termo, por mútuo acordo, a relação laboral identificada na alínea anterior;"
Ou seja, apesar da carta de renúncia à gerência em 31/12/2009 remetida por C… à A…, Lda., ficou acordado que manteria as funções que desempenhava como gerente e que no acordo vêm definidas como "funções de Directora Geral", até que cessasse a sua relação laboral com a A…, Lda., facto que veio a ocorrer no final do mês de Setembro de 2010.
Outros documentos que importa analisar:
1. A partir de 31 de dezembro de 2009, com a renúncia à gerência de direito, C…, deixou de poder obrigar a sociedade. Assim para que aquela pudesse continuar a representar e obrigar a A… perante terceiros, foi outorgada uma procuração em 13/01/2010, estabelecendo como procuradores da A…, Lda (representada pelo gerente B… no dia em que renunciou à gerência): (anexo 13)
o C…;
o V…;
o W…;
Sendo a sociedade obrigada "conjuntamente por C… com qualquer um dos outros procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da procuradora C…."
2. Sobre as funções exercidas por C…, na A…., Lda., no decurso do procedimento inspectivo ao exercício de 2009, que compreendeu análise de documentos que comprovam e suportam factos ocorridos entre 01/07/2009 e 30/06/2010, constatámos que: - Os documentos por nós observados que obrigavam a empresa perante terceiros foram durante todo aquele exercício assinados por C…. Nomeadamente, meios de pagamento e ordens de pagamento bancárias, acordos de rescisão de contrato de trabalho celebrados entre a A…, Lda., e trabalhadores, factos que documentamos no anexo 14 deste relatório;
Finalmente com referência à última alegação formulada pelo sujeito passivo "vem a AT pretender interpretar o conceito de gestor", cabe esclarecer que tal não foi por nós invocado, pois as funções exercidas por C…ra foram as de Gerente.
Concluímos que:
o Até 31/12/2009, C…, foi gerente de direito e de facto da A…, Lda., a partir daquela data até 30/09/2010, continuou a representar e a obrigar a sociedade.
o Em anexo 14, documentamos que após 31/12/2009, C…, levou a cabo a execução do plano de reestruturação da A…, Lda, outorgando pela A…, Lda., os acordos de rescisão que foram celebrados com os trabalhadores.
o A cessação das funções de gerente, não terminaram em 31/12/2009, mas em 30/09/2010, como surge expressamente acordado entre a A… e C…, no "Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho", entre estas celebrado:
o Assim a tributação autónoma desta indemnização ou compensação encontra-se prevista no n.º 13 (aditado pela Lei n.º 3-B/2010 de 28/04) do art. 88.º do CIRC, os gastos ou encargos com indemnizações ou quaisquer compensações não relacionadas com objetivos de produtividade devidas, quando se verifique a cessação de funções do gerente estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%.
Face ao exposto são mantidas as correcções propostas
c) Na sequência da inspecção referida a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, no valor de € 202.664,07, e a liquidação de juros compensatórios, materializada na compensação n.º 2013 …, no valor de € 22.631,74, no montante total a pagar de €225.295,81, referente ao período de tributação de 2009, (documento n. 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) No cálculo da quantia de IRC relativa ao exercício de 2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira incluiu a quantia de € 202.664,07 de tributações autónomas, resultante das correcções efectuadas;
e) A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação referida na alínea anterior, que veio a ter o n.º … 2014 … e foi indeferida por despacho de 29-05-2014, proferido pelo Senhor Director de Finanças Adjunto de Lisboa, cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que remete para um parecer em que se refere, além do mais, o seguinte:
2.2. Gastos com pessoal - indemnização (§ 57º a § 109º)
Valor da correção reclamada: € 152.635,00
Nas alegações refere a reclamante "a mesma colaboradora deixou de tomar decisões de gestão a partir da data em que renunciou à gerência, momento a partir do qual voltou a exercer funções de simples directora... Na tributação autónoma em IRC, o facto gerador do Imposto é a própria despesa, não se estando perante um facto complexo... mas perante um facto tributário instantâneo. No caso em apreço ... a criação da despesa com a indemnização e compensação a pagará ex-colaboradora .... Ocorre... antes da publicação da Lei nova, que entrou em vigorem 29 de Abril de 2010.
Relatório da inspecão: na análise à conta 634001-lndemnizacões Pessoal, detetou-se o seguinte: "Em 4 de Março de 2010 foi assinado entre C… e a sociedade A…- Sociedade de Cosmética, Ida., um acordo de revogação de contrato de trabalho. Neste acordo está prevista a cessação da relação laboral e das funções de gestora de C… na A…, Ida., mediante o pagamento a titulo de indemnização de € 296.100,00 e uma compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência no valor de € 140.000,00, no total de € 436.100,00...A cessação da relação laboral bem como o pagamento das importâncias devidas, acorreu em 30/09/2010...Nos termos do n.º 13 (aditado pela Lei n.º 3-B/2010 de 28/04) do art 88.º do CIRC, os gastos ou encargos com Indemnizações ou quaisquer compensações não relacionadas com objetivos de produtividade devidas, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente estão sujeitas a tributação autónoma â taxa de 35%. Assim os gastos ... no total de € 436.100,00 estão sujeita a tributação autónoma calculada á taxa de 35% (€ 436.100,00 x 35%) ou seja no valor de € 152.635,00.
Em primeiro lugar, relativamente a datas, para que não restem dúvidas, esclarece-se o seguinte com base no descrito no relatório da Inspeção:
- Conforme Certidão da Conservatória "C…" consta como sócia gerente no período compreendido entre 2004-08-02 e 2009-12-31, tendo renunciado à gerência à data 2009-12-31 (cf. fl. 72 em anexo);
- A gerência de facto ocorreu no decurso do ano em análise (período de tributação de 2009-07-01 a 2010-06-30), conforme comprovativos documentais apresentados no ponto anterior
- O acordo de revogação do contrato entre a reclamante e a trabalhadora em causa, foi assinado e data de 2010-03-04 (cf. fl. 73 em anexo);
- À data 2010-01-13, foi outorgada uma procuração (cf. fls. 78,140 e 141 em anexo), "a quem são conferidos ... todos os poderes necessários"; sendo a reclamante obrigada "conjuntamente por C… com qualquer um dos outros procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da procuradora C…."
De facto, o objetivo da tributação autónoma é o de tentar evitar que através destes gastos, indemnizações não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade, serem aceites na totalidade como gastos do período de tributação.
Estes gastos são tributados autonomamente à taxa de 35%, por disposição legislativa vertida no n.º 13 do artº 88º do CIRC.
"Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
(...)
13—São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade..."
Reafirmamos o referido pela reclamante 'a criação da despesa com a indemnização e compensação a pagar à ex-colaboradora .... Ocorre... antes da publicação da Lei nova, que entrou em vigor em 29 de Abril de 2010"
Ora, de acordo com as informações disponíveis, a Administração Tributária (AT) tem vindo a sustentar que a taxa da 35% deve incidir sobre a totalidade dos bónus ou remunerações variáveis atribuídas no período em que as mesmas foram reconhecidas como gasto, desde que se mostrem cumpridos os pressupostos de incidência e não se apliquem as condições de exclusão de tributação constantes da norma em análise.
De facto a reclamante não apresentou nenhuma prova concreta que sirva de suporte para alteração da correção inicial, isto é, nenhum elemento novo foi apresentado, pelo que se nos afigura que a correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontra correta.
2.3. Gastos com pessoal da sua indspensabilidade ... (§ 110ºa § 139º)
Valor da correção reclamada: € 11.377,80
Nas alegações, refere a reclamante: "Os Serviços de Inspecção ... alegam que os gastos ...no valor de € 11.377,80 e relacionados com a condução do evento destinado ao departamento de vendas teriam uma natureza recreativa ...tais acções mostram-se imprescindíveis e fundamentais a uma boa gestão empresarial"
Relatório da Inspeção: 'Encontra-se contabilizada ... uma fatura do fornecedor G… , SA NIF …, n.º e 310/2009, datada de 2009/10/15, no montante de €11.377,80...conta 638002, formação de pessoal ... Questionados no ponto 4 da notificação de 2013/06/19, o sujeito passivo, clarificou tratar-se de um Evento que denominaram por Missão Impossível, efetuado para o departamento de vendas ...*
Analisados os documentos em anexo (cf. fs 92, 93 e 150 a 167), verificamos tratar-se de um evento denominado "Missão Impossível", que ocorreu de 30 de setembro a 1 de outubro, para quadros médios e superiores, conforme descrição que se transcreve:
"VOCÊ FOI CONVOCADO PARA UMA MISSÃO ESPECIAL.
APRESENTE-SE NA L… (…) AS 10HOO DO DIA 30 DE SETEMBRO DE 2009.
USO OBRIGATÓRIO DE ROUPA DESPORTIVA E FATO DE BANHO."
Ora vejamos,
Os sujeitos passivos são livres da efetuar a gestão das suas empresas, suportando os gastos que considerarem necessários. Diferente é a sua aceitação em termos fiscais.
Dispõe o n.º 1 do artº 23.º do Código do IRC que, apenas, se consideram custos ou perdas os que "comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora", ou seja, a qualificação dos custos como dedutíveis, implica que estejam em relação com a atividade exercida pela empresa em termos da sua adequação económica, face â finalidade de obtenção de resultados.
A questão da comprovação do gasto exigida pelo artº 23.º, constitui a prova da efetiva realização dos factos constitutivos dos encargos. Em matéria de gastos o meio de prova mais importante é a documental.
Assim, consideram-se estes gastos como anormais e não imprescindíveis à manutenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovada falta de adequação e conveniência à atividade da empresa.
Concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como gasto fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 01236/05, de 2006-03-29, considera que "o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração Intrometer-se na gestão das empresas, ditando como deve ser ela a aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevam no âmbito da actividade da empresa, (oram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros Interesses alheios*.
A este propósito, transcreve-se um excerto do acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido no processo n.º 02608/08, de 2009-03-10, o qual "Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) conclui no sentido que "A indispensabilidade a que se refere o artigo 23º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável Intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.'
Em face do exposto, atento o facto da reclamante não ter provado a indispensabilidade e a finalidade do gasto para efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC, e bem assim de que esses gastos existem, sob pena da respetiva despesa não ser fiscalmente dedutível, e tal prova, manifestamente, não foi lograda, as despesas em causa devem ser desconsideradas como gasto fiscal, mantendo-se a correção efetuada petos Serviços de Inspeção Tributária.
2.4. Despesas não documentada* (§ 140º a § 163º)
Valor da correção reclamada: € 100.056,14 e € 50.029,07, a título de tributação autónoma
Refere a reclamante "a globalidade destas despesas destinaram-se a premiar e/ou Incentivar colaboradores e parceiros da Reclamante... Reclamante dispõe e entregou aos Serviços de Inspecção, documentos internos que lhe permitem controlar e comprovara atribuição desses cheques e vouchers*
É mencionado no relatório da inspeção:
"Os elementos apresentados pelo sujeito passivo não permitiram Identificar encargos e/ou beneficiários dos referidos pagamentos e/ou montantes atribuídos.
A aquisição e oferta de H… Cards (no total de € 64.996,24), cartões de multibanco pré-pagos, Cheques I…, Cheques oferta J…, cartões presente K….cheques/cartão presente T… e Vouchere, tratam-se de valores monetários ao portador, traduzem-se em operações de mera troca de meios de pagamento e não num custo efetivo, pois que a despesa só ocorre quando se contabiliza o documento (fatura/recibo) justificativo.
Podia e devia o sujeito passivo documentar a despesa correspondente a cada aquisição dos bens/serviços subjacentes a cada saída de dinheiro. Se aquelas saídas de dinheiro correspondem ao pagamento de quaisquer aquisições de bens/serviços, ou se tiveram qualquer outro destino, não foi possível determinar, pelo que são integrados nas denominadas despesas confidenciais.
Nos termos do artigo 88.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, como é este o caso, uma vez que são pagamentos em relação aos quais "o sujeito passivo não identificou o encargo a que tal pagamento está relacionado ou a entidade beneficiária de tal pagamento, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%, no total de € 50.029,07, e os custos contabilizados não são aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, no valor de € 100.058,14."
De facto, um encargo não se encontra devidamente documentado quando não se encontre apoiado em documentos externos credíveis e no caso em apreço, analisados os documentos em anexo (cf. fls 94 a 104 e 168 a 215), constatamos tratarem-se apenas de documentos internos.
Com os argumentos ora apresentados, concluímos que não foram apresentados documentos externos adicionais, base de suporte contabilístico aos lançamentos efetuados, apenas documentos internos já apresentados no procedimento de inspeção, de modo a possibilitar conhecer de forma fiel, clara e precisa as respetivas operações, evidenciando a causa, natureza e montante.
Ora, o código do IRC há muito claro quanto à obrigatoriedade das sociedades comerciais disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal.
Salientando a al. a) do n.º 3 do artº 17º do CIRC que refere que a contabilidade deverá 'estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade (...)", estando consagrados no art. 115.º do CIRC, os deveres específicos para a escrita das empresas, nomeadamente na al. a) do n.º 3 - "Na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário".
E assim é, atendendo à lógica do IRC, porquanto o "documento justificativo" a que se refere a al. a) do n.º 3 do art.º 115.º do CIRC, no caso de um encargo, é um documento externo que permita a identificação da natureza do mesmo - nomeadamente, para o efeito de se saber se é indispensável à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora, conforme o n.º 1 do art. 23.º do CIRC -do beneficiário, da sua realização e da respetiva imputação temporal, para o efeito imprescindível da periodização do rendimento, conforme art.º 18.º do CIRC.
À luz da lei conclui-se pois, que, para serem dedutíveis, e, para além dos outros requisitos já anteriormente citados, os custos serão obrigatoriamente comprovados por documentos válidos, entendendo-se, em regra, por documento válido aquele cuja origem externa - é a regra geral quanto aos que justificam as aquisições de bens e serviços--- demonstre de forma inequívoca, a veracidade da operação económica, subjacente ao lançamento contabilístico efetuado, bem como os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respetivos reflexos.
O requisito da comprovação exigido no artº 23.º do CIRC reporta-se à efetividade da realização dos custos. No âmbito desta questão releva a exigência de comprovação e a ligação desta exigência com outros deveres do contribuinte, como a emissão de fatura e os meios de prova a ser utilizados.
No mesmo sentido, advogou o entendimento da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, através do Acórdão n.º 01486/06 de 30 de janeiro de 2007, ao entender que "A luz dos princípios expostos não constituam encargos dedutíveis para efeitos do determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados (existem quando não se encontram apoiados em documentos externos em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente a operação, evidenciando a causa, natureza e montante) e ..."
O nexo causal de «indispensabilidade» deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos e não estando documentados não podem os mesmos ser aceites fiscalmente.
Os factos por nós apresentados, vão no sentido da opinião de Freitas Pereira no seu Parecer emitido no CEF n.º 3/92, de 6/1/1992, publicado na CTF n.º 365, págs. 343 a 352, "A Inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade ..."
Nesta sequência, não confirmamos a argumentação apresentada pela reclamante e afigura-se-nos que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram corretas.
f) A Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2009, recurso esse que teve o n.º … 2014 …, deu entrada em 04-07-2014 e não foi decidido até à data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) Tendo a Requerente prejuízo fiscal no ano de 2010, deduziu-o no cálculo do IRC relativo ao ano de 2010;
h) A Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção inspectiva externa levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI 2013 …, referente ao período de tributação de 2010, tendo efectuada uma correcção que se traduziu na desconsideração dos prejuízos fiscais que tinham sido deduzidos, no valor total de € 111.435,94, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 16, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas
Da ação de inspeção sob a Ordem de Serviço n.º …, efetuada ao sujeito passivo A… - Sociedade de Cosmética, Lda,, com o NIF: …, para o exercício de 2009, resultaram correções técnicas, matéria coletável de IRC, no valor de € 111.435,94, alterando o resultado fiscal apurado pelo sujeito passivo de € - 1.304.476,62 para € - 1.193.040,68.
No artigo 52.º do Código do IRC está regulado o regime de dedução de prejuízos fiscais.
Assim os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os em um ou mais dos quatro exercícios seguintes.
No exercício de 2010, o sujeito passivo declarou um lucro tributável de € 2.144.336,95 ao qual deduziu o prejuízo fiscal que declarou para o exercício de 2009 no montante de € -1.304.476,62, apurando uma matéria colectável de € 839.860,33.
Prevê o n.º 4 que quando se efetuarem correções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo devem alterar-se em conformidade as deduções efetuadas.
Assim, iremos efetuar a correcção no apuramento da matéria colectável do exercício de 2010, alterando o montante dos prejuízos fiscal deduzidos do exercício de 2009 de € -1.304.476,62 para € -1.193.040,68.
Desta resultará a alteração da matéria colectável apurada no exercício de 2010, de € 839.860,33, para €951.296,27.
i) Na sequência da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente ao ano de 2010, foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2013 …, com referência a 2010, na qual a AT apurou o montante de imposto de € 27.856,98 a pagar pela Requerente e € 2.178,81 de juros compensatórios, no total de € 30.035,79 (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) A Requerente deduziu reclamação graciosa da referida liquidação relativa ao ano de 2010, que teve o n.º … 2014 … e veio a ser indeferida por despacho de 18-07-2014, da Senhora Chefe de Divisão, em substituição, da Direcção de Finanças de Lisboa (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
k) A Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2010, recurso esse que teve o n.º … 2014 …, deu entrada em 11-08-2014 e não foi decidido até à data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) A Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 27.858,98, referente à liquidação relativa ao ano de 2010, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, previsto no Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, o que a permitiu ser dispensada do pagamento dos juros compensatórios (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
m) A Requerente tem como actividade o comércio de perfumes, artigos para cabeleireiros, produtos cosméticos, objectos de adorno e de decoração e actividades similares de higiene e limpeza (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) No âmbito desta sua actividade, a Requerente é a importadora exclusiva de diversos produtos do grupo económico internacional, a saber, D3… Companies;
o) No exercício de 2009 a Requerente desenvolveu um processo de restruturação, o qual se mostrou necessário considerando a estrutura internacional em que a Requerente se insere;
p) No âmbito do dito processo de reestruturação, houve vários colaboradores que cessaram a sua relação com a Requerente;
q) Em 2009, C… exercia as funções de gerente da sociedade da Requerente;
r) Em Dezembro de 2009, C… renunciou à gerência da sociedade, com efeitos a partir de 31-12-2009, por discordar da reestruturação que estava a ser efectuada (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
s) Após a renúncia às funções de gerente e até à cessação de funções a C… continuou a receber a remuneração que auferia como gerente;
t) A partir de Janeiro de 2010, a gerência da Requerente passou a ser feita de uma perspectiva integrada, exercendo essencialmente Y… funções enquanto gerente da Requerente (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) Foi a gerência da Requerente, que C… não integrava, que decidiu todos os passos a tomar no desenvolvimento da reestruturação em causa, tendo a então colaboradora C… se limitado a executar as decisões que eram tomadas;
v) Desde a data da produção de efeitos da renúncia às funções de gerente, a então colaboradora C… deixou de ter qualquer real intervenção na tomada de decisões de gestão;
w) Foi na qualidade de trabalhadora por conta de outrem que a então colaboradora C… passou a estar inscrita na Segurança Social a partir de 04-02-2010 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
x) Discordando a C… dos sacrifícios que resultavam da reestruturação da Requerente, tornou-se inviável, em Março de 2010, manter-se a relação funcional;
y) Em 04-03-2010, a C... celebrou com a Requerente um acordo de cessação de contrato de trabalho, do qual resultou a cessação da relação laboral daquela, mediante o pagamento a título de indemnização de € 296.100,00 e uma compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência no valor de € 140.000,00, no total de € 436.100,00 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
z) No processo arbitral n.º 297/2014-T, que correu termos no CAAD, foi decidido por acórdão de 30-10-2014, já transitado em julgado, que a partir da renúncia ao cargo de gerente, em Dezembro de 2009, a C... limitou-se a exercer funções de trabalhadora por conta de outrem, cumprindo as ordens e decisões de gestão tomadas pela gerência da Requerente, da qual não mais fazia parte (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
aa) Em Outubro de 2009, a Requerente organizou, através da empresa G… -, S.A. um evento denominado «Missão impossível» em que, além do mais foram tratados os assuntos referidos nos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 19, cujos teores se dão como reproduzidos;
bb) No exercício de 2009, a Requerente desenvolveu algumas campanhas em que premiou colaboradores e parceiros pelas vendas efectuadas e objectivos alcançados, tendo feito ofertas de H… Card’s, cheques I…, Cheques Oferta J…, cartões presente K… e Vouchers L…, nos termos referidos no ponto III.1.2.2. do Relatório da Inspecção Tributária, no valor global de € 100.058,14;
cc) Em 30-11-2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a C..., entre 01-01-2010 e 30-09-2010, exercesse, de facto ou de direito, funções de gerente da A… Lda.
O depoimento da testemunha W… foi esclarecedor em sentido contrário ao exercício das funções de gerente pela C..., após 01-01-2010.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se, em geral, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e, quanto aos restantes pontos, nos depoimentos das testemunhas W…, E… e E….
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.
3. Matéria de direito
A Requerente imputa vários vícios ao acto de liquidação de IRC e juros compensatórios cuja anulação pede.
O artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, estabelece uma ordem de conhecimento de vícios, que pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Nos termos da alínea b) do n.º 2 do referido artigo 124.º, sendo imputados ao acto vícios de forma e vícios de violação de lei substantiva, deve começar-se por apreciar o vício de erro sobre os pressupostos de facto, pois a eventual anulação que nele se baseie proporciona à Requerente estável e eficaz tutela dos seus interesses.
No caso em apreço, a Requerente invoca, em primeiro lugar, o vício de falta de fundamentação das decisões das reclamações graciosas, mantidas pelos indeferimentos tácitos.
Mas, tratando-se de um vício de natureza formal, a tutela proporcionada pela sua eventual procedência é menos estável do que a que pode derivar da procedência de vícios de violação de lei.
Por isso, apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de violação de lei e, depois, se o seu conhecimento não ficar prejudicado, apreciar-se-ão os vícios de falta de fundamentação dos actos de decisão das reclamações graciosas.
3.1. Questão da correcção relativa à cessação de contrato de trabalho de C...
A fundamentação do acto tributário é apenas a que consta do próprio acto e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos que são objecto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, nem atender aos que só foram invocados tardiamente, designadamente no processo arbitral.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a quantia total de € 436.100,00, paga pela Requerente à sua ex-colaboradora C... conexionada com a cessação do seu contrato de trabalho (€ 296.000,00 a título de indemnização e € 140.000,00 como compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência) está sujeita à tributação autónoma com a taxa de 35%, prevista no n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
O referido n.º 13 do artigo 88.º, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, estabelece o seguinte, na sua alínea a), que foi aplicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira:
13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;
Como se vê, esta norma é aplicável apenas nas situações de cessação de funções de gestor, administrador ou gerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que a C... era gerente, quando celebrou o acordo de cessação de funções na Requerente.
Mas, no caso em apreço, está documentalmente provado pela certidão do registo comercial que a C... deixou de exercer as funções de gerente a partir de 31-12-2009 (página 4 do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
Por isso, só o exercício de facto de funções de gerência poderá relevar para enquadramento da situação da C... na situação na norma referida.
No ponto 2.2. da decisão da reclamação graciosa, «para que não restem dúvidas, esclarece-se o seguinte com base no descrito no relatório da Inspeção:
- Conforme Certidão da Conservatória "C…" consta como sócia gerente no período compreendido entre 2004-08-02 e 2009-12-31, tendo renunciado à gerência à data 2009-12-31 (cf. fl. 72 em anexo);
- A gerência de facto ocorreu no decurso do ano em análise (período de tributação de 2009-07-01 a 2010-06-30), conforme comprovativos documentais apresentados no ponto anterior
- O acordo de revogação do contrato entre a reclamante e a trabalhadora em causa, foi assinado e data de 2010-03-04 (cf. fl. 73 em anexo);
- À data 2010-01-13, foi outorgada uma procuração (cf. fls. 78,140 e 141 em anexo), "a quem são conferidos ... todos os poderes necessários"; sendo a reclamante obrigada "conjuntamente por C… com qualquer um dos outros procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da procuradora C..."
O primeiro destes factos prova precisamente o contrário, pois na certidão refere-se que a cessação das funções de gerente ocorreu em 31-12-2009, pelo que já não seriam exercidas em 04-03-2010, quando foi celebrado o acordo de cessação do contrato de trabalho.
O terceiro, que é a assinatura do contrato em 04-03-2010, também não prova o exercício da gerência, pois nada nele se refere a esse exercício.
Restam, assim, os factos indicados em segundo e quarto lugares, a procuração outorgada em 13-01-2010, dá suporte para a prática dos actos que se indicam que são os seguintes:
Na verdade, refere-se na procuração que para obrigar a sociedade em juízo ou fora dele, são necessárias e suficientes as assinaturas de dois gerentes, um gerente e um mandatário designado ou um ou mais mandatários designados nos termos das respectivas procurações e que para actos de mero expediente bastará a assinatura de qualquer dos gerentes.
Por aqui se vê que, para obrigar a sociedade não era necessário ter a qualidade de gerente, pois previa-se a possibilidade de a sociedade se obrigar através de mandatários, mesmo um apenas, designado nos termos das respectivas procurações.
Por isso, o facto de a Requerente ter assinado documentos obrigando a sociedade não implica que a Requerente estivesse a exercer a gerência de facto, pois a qualidade de procuradora permitia-lhe praticá-los.
Por outro lado, o depoimento da testemunha W… esclareceu, de forma inequívoca e coerente, que a gerência da Requerente, em 2010, passou a ser efectuada do estrangeiro, que a C... deixou de exercer de facto as funções de gestão a partir de 01-01-2010 e que as quantias que lhe foram pagas não se reportam à cessação das funções de gestão, mas sim às funções de colaboradora, que passou a exercer após ter deixado de exercer as de gerente.
No que concerne a ter sido mantida depois da renúncia a remuneração anterior, tal não implica que as funções fossem as mesmas, significando apenas que passou a exercer funções remuneradas da mesma forma, seja qual for a razão, que não foi apurada, mas pode ser mesmo obrigação contratual ou acordo das partes interessadas. Designadamente, neste contexto, não pode deixar de ter-se em mente que se está perante o exercício de funções especiais, com remuneração invulgarmente alta (€ 10.000 mensais), certamente justificada por competências excepcionais na área em causa, e que a preocupação da protecção dos interesses da empresa após a cessação de funções até justificaram uma indemnização por cessação de funções invulgarmente alta (€ 436.100,00). Esta indemnização, em que parte se refere a um pacto de não concorrência, revela que a empresa teria preocupações mais importantes em relação à cessação das funções de gerente pela C... do que baixar-lhe a remuneração, pois, substancialmente, até lhe pagou a inactividade posterior ao exercício de funções, na área a que a empresa se dedica.
Por isso, o facto de não ter baixado a remuneração não pode considerar-se um indício de que a C... tenha continuado a exercer as mesmas funções, após a renúncia.
Assim, tem de se concluir que a correcção referida tem subjacente um erro sobre os pressupostos de facto (errado entendimento de que a C... exercia as funções de gerente e que a quantia que recebeu estava relacionada com a cessação do exercício desses funções), que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação.
O erro sobre os pressupostos de facto constitui vício de violação de lei, uma vez que, sendo os poderes legais exercidos no acto administrativo atribuídos para serem exercidos em determinadas condições, está em dissonância com a lei o seu uso em situações fácticas que não correspondem àquelas que estiveram subjacentes à atribuição de tais poderes. ( [1] )
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quer quanto à correcção à matéria quer quanto à tributação autónoma de 35%, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente a propósito desta correcção, designadamente a relativa à aplicação no tempo do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.
3.2. Indispensabilidade de gastos
O artigo 17.º do CIRC estabelece que «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
O artigo 23.º do CIRC na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (vigente até ao final do ano de 2009), estabelece que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção relativa à despesa documentada por uma factura do fornecedor G…, S.A, datada de 2009/10/15, no montante de € 11.377,80 a que acresce IVA à taxa normal.
Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que «esta fatura foi contabilizada em 2009/10/23, como gastos com o pessoal, (conta 638002, formação de pessoal) e deduziram o IVA nesta mencionado de € 2.275,56 (conta 243237). Questionados no ponto 4 da notificação de 2013/06/19, o sujeito passivo, clarificou tratar-se de um Evento que denominaram por Missão Impossível, efetuado para o departamento de vendas. (vd. Anexo 5)».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «apesar de os encargos deduzidos pelo sujeito passivo se encontrarem devidamente contabilizados e suportados em faturas e documentos de quitação justificativos da sua origem, natureza e montante, o sujeito passivo não comprovou a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da A…, nos termos preconizados pelo artigo 23.º do CIRC» e concluiu dizendo que «tratam-se pois de gastos de natureza meramente recreativa, não sendo por isso o custo contabilizado aceite para a formação do lucro tributável, nos termos dos artigos 23,º do CIRC, no valor de € 11,377,80».
A deficiência da fundamentação deste ponto do Relatório da Inspecção Tributária é manifesta, já que não se esclarece em que consistiu a actividade que se concluiu ter «natureza meramente recreativa».
De qualquer forma, os documentos que integram o documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral mostram que nesse evento foram tratados assuntos de potencial interesse para a actividade da Requerente, como problemas de concorrência, estrutura da empresa, ciclo de vida de produtos, modelo de negócio e, em geral, estratégia empresarial, designadamente formas de agir para concretizar os objectivos da empresa.
O depoimento da testemunha F… confirma que o evento não teve natureza meramente recreativa e foi esclarecedor sobre a sua relevância para a eficiência da empresa.
Por isso, tem de se concluir que é errado o pressuposto em que assentou a correcção efectuada pois é manifesto que o evento não teve «natureza meramente recreativa» e, por isso, o acto praticado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que, só por si, justifica a anulação da liquidação, na parte respectiva.
Por outro lado, como vem sendo entendido, o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose. ( [2] )
No caso em apreço, a ligação entre o evento referido e o interesse da Requerente é provada pelo conteúdo dos documentos juntos como documento n.º 19, para além do citado depoimento.
Assim, não é correcta a interpretação do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao excluir do âmbito da indispensabilidade dos custos despesas com eventos em que foram tratadas matérias do tipo das referidas.
Por isso, a correcção efectuada enferma também de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.
3.2. Despesas não documentadas
A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou confidenciais ou não documentadas despesas indicadas na contabilidade da Requerente relativas a campanhas em que premiou colaboradores e parceiros pelas vendas efectuadas e objectivos alcançados, tendo feito ofertas de H… Card’s, cheques I…, Cheques Oferta J…, cartões presente K… e Vouchers L…, nos termos referidos no ponto III.1.2.2. do Relatório da Inspecção Tributária, no valor global de € 100.058,14.
Para além de não considerar tais despesas como custos dedutíveis, por falta de prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a tributação autónoma de 50%, prevista no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, no valor de € 50.029,07.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que:
«Os elementos apresentados pelo sujeito passivo não permitiram identificar encargos e/ou beneficiários dos referidos pagamentos e/ou montantes atribuídos.
A aquisição e oferta de H… Cards (no total de € 64.996,24), cartões de multibanco pré-pagos, Cheques I…, Cheques oferta J…, cartões presente K…,cheques/cartão presente T… e Vouchers, tratam-se de valores monetários ao portador, traduzem-se em operações de mera troca de meios de pagamento e não num custo efetivo, pois que a despesa só ocorre quando se contabiliza o documento (fatura/recibo) justificativo.
Podia e devia, o sujeito passivo documentar a despesa correspondente a cada aquisição dos bens/serviços subjacentes a cada saída de dinheiro. Se aquelas saídas de dinheiro correspondem ao pagamento de quaisquer aquisições de bens/serviços, ou se tiveram qualquer outro destino, não foi possível determinar, pelo que são integrados nas denominadas despesas confidenciais.
Nos termos do artigo 88.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, como é este o caso, uma vez que são pagamentos em relação aos quais o sujeito passivo não identificou o encargo a que tal pagamento está relacionado ou a entidade beneficiária de tal pagamento, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%, no total de € 50.029,07, e os custos contabilizados não são aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, no valor de € 100.058,14».
3.2.1. Despesas confidenciais e não documentadas
O artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, a que corresponde actualmente o artigo 88.º, estabelecia o seguinte:
1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º
Com a redacção introduzida por aquela Lei n.º 67-A/2007, a redacção desta norma passou a ser a a seguinte:
1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º
Como se vê, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, utilizavam-se cumulativamente os conceitos de «despesas confidenciais» e de «despesas não documentadas», suprimindo-se, na nova redacção, a referência às primeiras.
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 28-1-2009, proferido no processo n.º 575/08, definiu os dois conceitos:
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade». ( [3] ) Trata-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas. ( [4] )
No contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente.
(...)
A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.
No referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo estavam em causa despesas com os chamados «cheques-auto», que eram «títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores, uma vez que, depois de adquiridos, tais cheques tanto podem ser utilizados na aquisição daqueles produtos, como podem ser trocados novamente, pelo menos em parte, por moeda».
O Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a aquisição de cheques-auto pelas empresas configurava apenas uma troca de meios de pagamento, considerando que, desconhecendo-se o destino que tinha sido dado aos referidos cheques, se estava perante despesas confidenciais, por se estar perante «despesas não identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade». ( [5] )
No entanto, como se referiu, na redacção do artigo 81.º do CIRC (actual artigo 88.º) vigente em 2009, não havia qualquer referência a despesas confidenciais, pelo que a tributação autónoma apenas se pode basear na eventual qualificação das despesas como não documentadas.
Por outro lado, a relevância das despesas em causa para efeitos da determinação do lucro tributável tem de ser apurada à face do artigo 23.º do CIRC.
Antes de mais, há que precisar em que consistem essas despesas e a prova que foi efectuada sobre elas.
3.2.2.1. H… Card’s
Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, os H… Card’s são cartões de multibanco pré-pagos de que foram beneficiários vendedores das perfumarias que são clientes da Requerente tendo por objecto promover as vendas. Foram facturados a concepção e produção de brochuras, cartas, a produção de cartões e o acompanhamento e as facturas foram encontradas na contabilidade da Requerente.
Por outro lado, as vendedoras das perfumarias a quem foram entregues os cartões multibancos são identificadas pela Requerente na lista que consta do documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, não sendo questionada a sua correspondência à realidade.
3.2.2.2. Cheques oferta J…
Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que os cheques oferta J… são cheque oferta multimarca, comercializados pela O… Portugal, Lda., com oferta diversificada, valores faciais: €10, €15, €25, €30 e €50, prazo de validade de 6 a 18 meses, aceite em mais de 600 lojas a nível nacional.
A aquisição desses cheques encontra-se contabilizada em 17-09-2009, através da factura n.º 2009663 da O… Portugal, Lda, no total de €4.650,00.
A Requerente no documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido identifica as perfumarias a quem foram entregues os cheques e os seus valores.
3.2.2.3. Cheques I…
Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que a I… dispõe de cheques oferta, que são válidos para a totalidade dos produtos I… e I… Service. O seu valor unitário é de 5€, 10€, 20€ e 30€. O portador do cheque oferta poderá trocá-lo pelo produto que desejar no próprio estabelecimento. Os cheques oferta I… são válidos igualmente para produtos preço verde e aceites em qualquer loja I…, I… Servive, P…, Q… ou R….
A Requerente não indicou a quem foram entregues estes cheques.
3.2.2.4. Cartões K… (Z…, S… e T…)
Trata-se de cartões que, depois de carregados, representam um valor monetário ao portador.
A aquisição de tais cartões encontra-se documentada na contabilidade da Requerente e o documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral indica as perfumarias a quem foram entregues.
3.2.2.5. Vouchers L…
Foi efectuada uma transferência de € 810,00, tendo a Requerente informado que se trata de compra de vouchers L…, mas não foi exibida factura ou documento equivalente.
No presente processo a Requerente refere, no artigo 228 do pedido de pronúncia arbitral, que os documentos comprovativos da natureza, finalidades e beneficiários constam dos anexos 8 e 9 ao Relatório da Inspecção Tributária e do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
Nem dos anexos 8 e 9 ao Relatório da Inspecção Tributária nem do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral consta qualquer factura relativa ao pagamento da quantia de € 810,00 referida.
3.2.3. Decisão da questão das despesas que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não documentadas
No que respeita aos H… Card’s, cheques J… e cartões K…, para além de existirem documentos comprovativos das despesas, foi comprovado o seu destino, que permite concluir que se está perante actividades de promoção de venda dos produtos da Requerente, que, para além de não se enquadrarem no artigo 81.º, n.º 1, do CIRC (actual artigo 88.º), se devem considerar custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC, já que se enquadram no conceito de «publicidade» expressamente indicado na alínea b) do seu n.º 1.
No que concerne aos cheques I…, as despesas estão documentadas através das facturas, pelo que não se está perante uma situação enquadrável no artigo 81.º, n.º 1, do CIRC (actual artigo 88.º). Por outro lado, ao contrário do que sucedia na situação dos cheques-auto, tratados na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se citou, não se está perante uma mera troca de meios de pagamento, eventualmente reversível, pelo que se está perante despesas definitivamente efectuados pela Requerente. De qualquer modo, não se tendo provado o destino que foi dado aos cheques referidos, a quantia despendida não pode relevar para efeitos da determinação do lucro tributável.
Quanto aos Vouchers da L…, constata-se que não foi apresentada factura, pelo que se está perante despesas não documentadas para efeitos do artigo 81.º n.º 1, do CIRC (actual artigo 88.º), para além de a despesa não poder relevar para efeitos de determinação do lucro tributável.
Assim, o pedido de pronúncia arbitral procede no que concerne às correcções e tributações autónomas relativas aos H… Card’s, cheques J e cartões K….
Improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcçã…o relativa aos Vouchers da L…, quer quanto a tributação autónoma respectiva (€ 405,00) quer quanto à relevância para determinação do lucro tributável (€ 810,00).
Quanto à correcção relativa aos cheques I… (no valor global de € 4.100,00), procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da tributação autónoma e improcede quanto à questão da relevância para determinação do lucro tributável.
A Requerente defende que os artigos 23.º e 81.º, n.º 1, do CIRC (este último, actual artigo 88.ª) serão materialmente inconstitucionais se interpretados com o sentido de à qualificação de certas despesas como confidenciais ou não documentadas basta a invocação da inexistência de documentos externos, quando o contribuinte demonstra que estas têm suporte documental, atesta quais a sua actividade, implica a violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
No entanto, a exigência de cumprimento das obrigações contabilísticas, imposta pelo artigo 115.º do CIRC, na redacção vigente em 2009, tem evidente fundamento no princípio da praticabilidade, indispensável para a Autoridade Tributária e Aduaneira levar a cabo a actividade de fiscalização, que na prossecução do interesse público lhe cabe levar a cabo.
Por isso, é adequado que ao incumprimento dessas obrigações esteja associada a irrelevância de despesas não documentadas.
Por outro lado, no que concerne às tributações autónomas, a sua justificação, apesar de serem entorses num sistema de tributação do rendimento das empresas, foi adequadamente explicada na Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas.
Na verdade, diz-se na referida Proposta de Lei:
O actual modelo de tributação do rendimento foi estabelecido em 1988, assente no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), e correspondeu à adopção de soluções de base idênticas às que são comuns nos países da OCDE, o que não se cuida obviamente de alterar.
No entanto, razões de ordem pragmática determinaram logo algumas entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar.
Acresce que a evolução do país introduziu alterações na realidade económica e social, em parte resultado do impacto da União Europeia e da própria dinâmica de aprofundamento do processo de integração, com repercussão no tecido das relações e institutos que são objecto das leis tributárias.
Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que o sistema fiscal não reparte equitativamente a carga fiscal entre os cidadãos, estando a cargo dos mais cumpridores, entre eles, os trabalhadores por conta de outrem, a maior quota‑parte de esforço fiscal, enquanto a evasão e a fraude fiscais mantêm uma presença significativa que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível.
4.Pelo exposto, o Governo, na sequência da elaboração de estudos e relatórios técnicos elaborados sob a égide de anteriores Governos, em particular do XIII Governo, bem como dos trabalhos levados a cabo pela Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), que foi criada em Janeiro de 2000, para além do debate que estes temas têm suscitado, entendeu ser chegada a altura de submeter à Assembleia da República uma ampla reforma do sistema tributário português.
Pretende‑se com estas medidas dar cumprimento a um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.
Perante esta explicação, torna-se claro que, na perspectiva legislativa, as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC.
Mas, decorre também desta explicação que um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.
Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».
A esta luz, a tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 1, do CIRC (actual artigo 88.º), não se afigura como desproporcionada, pelo que não ocorre a inconstitucionalidade invocada, razão por que se não anula o acto de liquidação relativo ao ano de 2009, na parte em que aplicou a tributação autónoma de € 405,00 sobre a correcção relativa aos Vouchers da L….
3.3. Conclusão
Em resumo, quanto ao exercício de 2009, a correcção à matéria tributável de IRC do exercício de 2009 deveria ter sido de € 4.910,00 e não de € 111.435,94, pelo que são ilegais correcções no montante de € 106.525,94.
Quanto às tributações autónomas, apenas se justifica a relativa às despesas com Vouchers da L…, no montante de € 405,00 (810,00 x 50%), pelo que são ilegais as tributações autónomas relativas ao ano de 2009, no montante de € 202.259,07 (€202.664,07 – €405,00),
4. Liquidação relativa ao ano de 2010
Sendo a correcção que está subjacente à liquidação relativa ao ano de 2010 dependente dos prejuízos ocorridos no ano de 2009, o pedido de pronúncia arbitral procede na medida em que procede o pedido de pronúncia arbitral na parte em que se impugna a liquidação relativa ao ano de 2009, na parte correspondente à determinação do lucro tributável.
A liquidação relativa ao exercício de 2010 assentou nos seguintes elementos quantitativos:
Como resulta do que se expôs relativamente ao exercício de 2009, a correcção à matéria tributável deveria ter sido de € 4.910,00 (despesas relativas aos cheques I… e aos Vouchers L…) e não de € 111.435,94 (pelo que se verifica uma correcção ilegal no montante global de € 106.525,94).
Assim, os prejuízos fiscais a deduzir em 2010 são de € 1.299.566,62 (1.304.476,62 – 4.910,00) e a matéria colectável deste exercício é de € 844.770,33 (€2.144.336,95 – e1.299.566.62).
Assim, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral relativo à liquidação correspondente ao exercício de 2010, na parte em que assentou na correcção da matéria tributável ilegal no montante de € 106.525,94.
5. Questão da falta de fundamentação
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral relativamente à parte das correcções com fundamento em vício de violação de lei, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento do vício de falta de fundamentação que é imputado pela Requerente, justificando-se apenas se ele se verifica em relação às correcções relativas aos cheques I… e aos Vouchers a L….
Como a jurisprudência tem vindo a afirmar ( [6] ), a «fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto». A fundamentação «visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro».
Neste quadro, deve considerar-se que «um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível».
No caso em apreço, é perfeitamente claro, pelo que se refere nas páginas 13 e 14 do Relatório da Inspecção Tributária relativo ao ano de 2009, que o fundamento das correcções relativas aos cheques I… e aos Vouchers a L… é a falta de identificação dos beneficiários das despesas e quanto a estes últimos também a falta de facturas ou documentos equivalentes.
Por isso, não ocorre vício de falta de fundamentação quanto a estas correcções.
6. Decisões das reclamações graciosas e recursos hierárquicos
As decisões das reclamações graciosas e os indeferimentos tácitos dos recursos hierárquicos delas interpostos, na medida em que mantiveram as liquidações de IRC, enfermam dos mesmos vícios, pelo que se justifica a sua anulação (artigo 135.º do CPA de 1991).
7. Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia de € 27.858,98, referente à liquidação relativa ao ano de 2010, com dispensa de juros compensatórios.
Procedendo parcialmente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à liquidação de 2010, nos termos referidos no ponto 4. deste acórdão, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia que pagou em excesso, a que deverão acrescer juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento até ao reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
8. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular parcialmente a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2013 …, relativa ao ano de 2009, na parte correspondente a correcções à matéria tributável de IRC no montante de € 106.525,94, e na parte relativa a tributações autónomas no montante de € 202.259,07 (nos termos referidos no ponto 3.3.);
C) Anular parcialmente a liquidação de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2010, na parte correspondente à correcção a matéria tributável no montante de € 106.525,94 (nos termos referidos no ponto 4.)
D) Absolver dos pedidos a Autoridade Tributária e Aduaneira na parte restante das liquidações referidas;
E) Anular parcialmente os despachos de 29-04-2014 e de 18-07-2014 que indeferiram, respectivamente, as reclamações graciosas n.ºs 3247 2014 … e … 2014 … e os indeferimentos tácitos dos recursos hierárquicos delas interpostos, nas partes correspondentes às correções ilegais acima referidas;
F) Julgar parcialmente procedentes os pedidos de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios, na medida correspondente às ilegalidades das liquidações relativas aos exercícios de 2009 e 2010, acima referidas.
9. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 230.523,05.
10. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 07-07-2015
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(A. Sérgio de Matos)
(Leonor Fernandes Ferreira)
[1] MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 503, refere que «está implícita na lei ou constitui princípio geral de direito a norma segundo a qual os factos que sirvam de causa a um acto administrativo devem sempre ser verdadeiros».
Em sentido diferente, mas conduzindo à mesma conclusão sobre a existência de vício, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, página 400, que entende que «o que se passa é que falta um requisito de validade que a lei exige, qual seja o de que a vontade da Administração seja uma vontade livre e esclarecida».
[2] Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 587/2014-T, em que se refere, citando TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137:
“A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.
“ …A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.
( [3] ) Neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-3-94, proferido no recurso n.º 17812, publicado em Apêndice ao Diário da República de28-11-96, página 1145, e de 5-7-2000, recurso n.º 24632, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 499, página 163, e em Apêndice ao Diário da República de 17-1-2003, página 2963.
( [4] ) Neste sentido, pode ver-se VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 602, nota (1).
Confirmando que todas as despesas referidas no Decreto-Lei n.º 375/74, tanto as denominadas como «confidenciais» como as denominadas «não documentadas», eram despesas não documentadas, podem ver-se os preâmbulos dos Decretos-Lei n.ºs 235-F/83, de 1 de Junho, e 167/86, de 27 de Junho, que se referem àquele primeiro diploma como o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».
( [5] ) No mesmo sentido, podem ver-se, os acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 488/07,e de 26-09-2007, processo n.º 55/06, e os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15-6-2005, recurso n.º 45/05, e de 28-6-2006, processo n.º 55/06.
( [6] ) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-06-2008, processo n.º 0247/08.