Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A, contribuinte n.º …, com sede na …, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular e apresentar pedido de pronúncia arbitral.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
3. A Requerente pretende a anulação, com as devidas consequências legais, do despacho de indeferimento parcial do Recurso Hierárquico interposto da decisão da Reclamação Graciosa de IRC, relativa ao exercício de 2007.
4. A Requerente optou pela não designação de árbitro.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação no prazo aplicável.
6. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10-03-2015.
8. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, onde apresenta defesa por impugnação, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
9. Por despacho de 04-05-2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dispensar a audição da testemunha arrolada pela Requerente determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas no prazo de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT.
10. As Partes apresentaram alegações.
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
13. Não se vislumbra qualquer nulidade.
II. Matéria de facto
a. Factos provados
14. Consideram-se provados os seguintes factos:
14.1. Ao abrigo da ordem de serviço OI200…, da Direção de Finanças do …, foi a Requerente objeto de ação inspetiva externa, na qual a Inspeção Tributária (IT) verificou e concluiu o seguinte:
14.1.1. A Requerente é uma sociedade anónima com capital atual de € 100.000,00, tendo como administrador único e acionista B, com o NIF …;
14.1.2. Na ação inspetiva realizada ao ano de 2007 e 2008 constatou-se no RIT que “a contabilidade do sujeito passivo não permite o devido controlo e apuramento do lucro tributável em sede de IRC nos exercícios em apreço de 2007 e 2008, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 17.º n.º 3 do Código do IRC (CIRC), não está organizada de acordo com os princípios contabilísticos vigentes nem tão pouco reflecte todas as operações realizadas” o que originou o recurso a métodos indiretos em sede de IRC e de IVA;
14.1.3. A Requerente é titular de duas contas bancárias, através das quais foram movimentadas as referidas importâncias, a conta 0000…. no Banco … e a conta 000… do Banco …. - sendo que apenas a primeira se encontra relevada na contabilidade;
14.1.4. Ocorreram movimentos financeiros entre a Requerente e B, com entradas a favor da Sociedade no montante de € 130.470,94 e saídas a favor de B no montante de € 420.245,14, originando um saldo a favor do acionista no montante de € 289.774,20, o qual foi considerado como adiantamento ao acionista por conta de lucros, com enquadramento no nº 4 do art. 6º do CIRS, calculando retenções na fonte de IRS em falta, de acordo com a alínea c) do nº 3 do art. 71.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei nº 192/2005, de 07/11, no montante de € 57.954,84 (420.245,14 X 20%):
Ano
|
Entradas a favor da Requerente
|
Saídas a favor do acionista
|
Saldo
|
2007
|
€ 130.470,94
|
€ 420.245,14
|
- € 289.774,20
|
14.1.5. Relativamente às saídas, ou seja, ao fluxo financeiro a favor de B, foram as mesmas calculadas pela IT no montante de € 420.245,14: o montante de € 183.995,04 está relevado a débito na conta “255102 – … M” por contrapartida da conta bancária relevada na contabilidade, e os restantes € 236.250,00 foram movimentados através da conta bancária que não está refletida na contabilidade;
14.1.6. Relativamente às entradas, ou seja, ao fluxo financeiro a favor da Requerente, esta procurou comprovar que o mesmo respeita a despesas suas pagas pelo acionista;
14.1.7. A Requerente alegou que aquelas transferências respeitam à restituição de despesas da sociedade suportadas pelo administrador e acionista, no montante de € 141.538,06, e a título “resgate” de suprimentos efetuados ao longo dos anos no montante de € 148.236,14, tudo no montante total de € 148.236,14, conforme a seguir melhor discriminado:
Restituição de encargos da sociedade suportados pelo administrador e acionista
|
Fornecimento de combustível
|
121.988,18
|
Vencimentos de RMSM
|
11.193,12
|
Rendas do imóvel
|
8.356,76
|
Suprimentos
|
Suprimentos
|
148.236,14
|
Total dos fluxos financeiros
|
289.774,20
|
Total do imposto (20%)
|
57.954,84
|
14.2. Assim, no entendimento da AT, ao longo do ano em causa ocorreram transferências para a conta particular do administrador / acionista da sociedade, B, no montante de €289.774,20, as quais, nos termos do previsto no n.º 4 do art. 6.º do CIRS, revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a IRS;
14.3. Na sequência da ação inspetiva realizada, a Requerente foi notificada, em 22/12/2011, da liquidação de IRS nº 2011 ..., no montante de € 66.935,45, sendo € 57.954,84 de imposto e € 8.980,61 de juros compensatórios;
14.4. Em 18/05/2012 a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo para o efeito invocado que a importância de € 289.774,20 não respeita a adiantamentos por conta de lucros mas antes à restituição ao acionista de encargos da sociedade por ele suportados, no montante total de €141.538,06, e ao reembolso ao acionista de empréstimo com a natureza de suprimentos, no montante de € 148.236,14;
14.5. A reclamação graciosa foi indeferida;
14.6. Em 12/12/2012 a Requerente deduziu recurso hierárquico;
14.7. Por despacho de 21/08/2014, da Subdiretora-Geral por subdelegação de competências, exarado na informação nº …/2014 da DSIRS, foi o mesmo deferido parcialmente;
14.8. No restante a pretensão da Requerente improcedeu;
14.9. O indeferimento parcial daquele recurso hierárquico originou a anulação parcial da liquidação controvertida, nos termos a seguir discriminados:
Liquidação
nº 2011 ...
|
Imposto
|
J Compensatórios
|
Total
|
Inicial
|
57.954,84
|
8.980,61
|
66.935,45
|
Anulado em Recurso Hierárquico
|
24.397,64
|
3.780,63
|
28.178,27
|
Remanescente
|
33.557,20
|
5.199,98
|
38.757,18
|
14.10. Ou seja, a AT considera como adiantamentos por conta de lucros – como tal sujeitos a retenção na fonte a taxa liberatória – o valor de €167.786,02, correspondente a transferências monetárias ocorridas da sociedade para a conta de B, nos termos a seguir melhor discriminados:
Correções em sede de Inspeção Tributária
|
Deferimento parcial no RH
|
Total dos fluxos financeiros
|
289.774,20
|
167.786,02
|
Total do imposto (20%)
|
57.954,84
|
33.557,20
|
b. Factos não provados
15. Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.
c. Fundamentação da decisão da matéria de facto
16. Os factos foram dados como provados com base na prova documental.
III. Matéria de direito
17. A questão decidenda consiste em determinar a natureza das transferências monetárias ocorridas entre a Requerente e o seu administrador único e acionista, cujo saldo ascende a € 167.786,02, e proceder ao respetivo enquadramento jurídico fiscal.
18. A Requerente afirma, na Petição Inicial, que:
«Não pode, pois, a Requerente deixar de considerar abusiva e, como tal, ilegal a consideração das transferências monetárias da sociedade para a conta bancária do accionista SM [B], dada a sua natureza de, numa parte, consistirem em meras compensações de encargos suportados em nome e por conta da sociedade cujo pagamento foi efectuado pelo accionista SM, e, na outra parte, tratar-se de meros reembolsos de empréstimos/ suprimentos do referido acionista»
19. A Requerente alega ainda, em síntese, que:
“[…]
3- Ou seja, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, não tendo a contabilidade da Requerente sido, oportunamente, posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – e, portanto, que foram pela sociedade e em seu favor utilizadas as quantias disponibilizadas pelo sócio e nos termos em que o foram, com o registo contabilístico respetivo.
4- Neste contexto, o ónus da prova de que tais operações/menções não correspondiam á realidade é devolvido à Administração Tributária e Aduaneira. Sucede que, nenhuma prova foi feita a este respeito – apenas foi alegado que,
Uma vez que a folha A4 com as alegadas entregas e restituições de importâncias efectuadas à Requerente pelo seu accionista, sem qualquer suporte contabilístico ou prova dos meios de pagamento utilizados ou outra prova documental, não permite atestar quer o alegado saldo existente a 01/01/2007 na conta corrente do accionista, quer o saldo a final a 31/12/2007.
[De referir que a Administração Tributária e Aduaneira tem, também, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, o dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material].
5- De todo o modo,
A factualidade alegada e indiciada, leva a concluir que o impugnante disponibilizou várias quantias á empresa – e, assim, contabilisticamente, foi relevado – vindo esta a ressarci-lo dos valores disponibilizados/mutuados.
6- Esta conclusão parece óbvia. E nem sequer necessita a contribuinte de ilidir qualquer presunção, já que a AT não apresenta mínima prova ou outro elemento que sustente a base presuntiva da tributação que empreedeu.
[Confira-se a este propósito o entendimento vertido no Ac 279/09.2BEPRT de 27-11-2014 do TCANorte]
7- Nestas condições, tendo em conta a referida previsão do CIRS [n.º 4 do art. 6.º], para que a AT beneficiasse da presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deveria provar ou indiciar minimamente o facto base, ou seja, que eles não resultam da invocada relação creditícia constante da contabilidade…o que, notoriamente, não fez.
[…]»
20. A AT apresentou resposta, na qual sustenta que:
«34.Concluindo, resulta do supra exposto que a Requerente não conseguiu comprovar que o saldo positivo a favor do accionista, resultante da totalidade dos movimentos financeiros registados entre as contas bancárias da Requerente e a conta bancária pessoal do accionista, não consubstancia um acréscimo patrimonial deste, com enquadramento no nº 4 do art. 6º do CIRS,
35.Quer porque, não obstante o saldo devedor da conta suprimentos, a Requerente não apresentou documentos e registos contabilísticos susceptíveis de justificar o saldo desta conta no início do ano de 2008, bem como as alegadas entregas pontuais que referem ter ocorrido ao longo deste ano,
36.Quer porque a Requerente não justificou a totalidade das importâncias recebidas pelo accionista que alegadamente refere como respeitando à restituição de despesas da sociedade pagas pelo accionista.
37.Nos termos supra expostos, deverá a pretensão da Requerente ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico e a consequente liquidação de retenções na fonte de IRS já parcialmente anuladas.»
21. A AT, nas suas alegações, afirma ainda, em síntese, que:
«15.Na verdade, e não obstante a certificação de contas a que a Requerente alude na sua PI, é um facto devidamente demonstrado no RIT que a contabilidade omite movimentos financeiros imprescindíveis ao conhecimento da realidade jurídico-tributária da Requerente, o que justificou, inclusive, a avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRC e de IVA.
16.Resulta deste modo que a Requerente não conseguiu efectuar a prova pretendida, ao contrário do aduzido no ponto 11 da sua PI, quanto à natureza das importâncias recebidas por B,
17.As quais, nos termos do nº 4 do art. 6º do CIRS, serão de considerar como adiantamentos por conta de lucros, não relevando para efeitos desta presunção qualquer vontade expressa do accionista, ou a presunção contida naquele normativo legal estaria destituída de qualquer efeito útil.
18.Não cabe à AT provar que aqueles recebimentos evidenciam adiantamentos por conta de lucros, mas antes demonstrar que a Requerente não comprovou, como lhe competia, qual a natureza daqueles recebimentos, justificando-se, então, a aplicação do nº 4 do art. 6º do CIRS.»
22. Para a decisão assumem particular relevo as normas contidas nos artigos 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 6.º, n.º 4, do CIRS.
23. O art. 74.º, n.º 1, da LGT prevê o seguinte:
«O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.»
24. Em coerência com o disposto no art. 74.º, n.º 1 da LGT, o art. 75.º, n.º 1, consagra uma presunção de veracidade e boa-fé das «declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».
25. O art. 6.º do CIRS contém diversas normas especiais, aplicáveis em sede de tributação de rendimentos de capitais. O texto do n.º 4 do art. 6.º é o seguinte:
«Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.»
26. Nas palavras de José Guilherme Xavier de Basto, «[a] previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de relativamente fácil sonegação. Assim, em certos casos, a lei presume a existência desses rendimentos, não aceitando, por exemplo, sem prova, que os contratos que lhes dão origem sejam qualificados de gratuitos, não produzindo, portanto, rendimento» [IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 338]
27. Acrescenta o mesmo Autor que «[a]s presunções, todavia, como é hoje regra geral do direito fiscal, estabelecida no art. 73.º da Lei Geral Tributária são ilidíveis, isto é admitem prova em contrário» [op. cit., p. 338] .
28. Importa, então, aplicar as normas citadas ao caso sub judice, no sentido de determinar se o ónus da prova recaía sobre a Requerente ou sobre a AT.
29. A Requerente invoca o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) n.º 279/09.2BEPRT, de 27-11-2014, para sustentar o entendimento segundo o qual a AT teria de provar o “facto base” para poder valer-se da presunção prevista no n.º 4 do art. 6.º do CIRS.
30. Nesse Acórdão, o TCAN afirma o seguinte:
«Mas para que o beneficiário de uma presunção legal a possa invocar – e assim ficar dispensado de provar o facto a que ela conduz –, tem previamente de provar determinado facto – o facto base. E só depois de provado este, a lei associa um outro que, embora desconhecido, se dá como assente em consequência da prova do primeiro.
Como refere A. Varela e outros (in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 503) “A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E a prova deste facto há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual (documentos, arbitramento, testemunhas ou inspecção judicial). A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado cumpre provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte contrária terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção”.
Nestas condições, tendo em conta a previsão do art. 6º/4 CIRS, para que a ATA beneficiasse da presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deveria provar o facto base, ou seja, que eles não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.»
31. No aresto citado o TCAN afirma ainda o seguinte:
«E se apelarmos ao disposto no n.º 4 do art. 6º do CIRS, parece claro que a norma em causa não contempla a previsão de que os depósitos na conta bancária do sujeito passivo se presumem feitos a título de adiantamento dos lucros. O que a norma diz é que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, o que é algo muito diferente do invocado pela AT.»
32. Com o devido respeito, não partilhamos totalmente do entendimento expresso pelo TCAN no Acórdão citado.
33. Estamos de acordo com o TCAN relativamente à indispensabilidade de a AT fazer prova do “facto base” para poder beneficiar da presunção prevista no n.º 4 do art. 6.º do CIRS.
34. Simplesmente, entendemos que o “facto base” consiste na existência de lançamentos feitos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial.
35. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), no Proc. 02371/08, de 15/07/2008, no qual se afirma que:
«Na realidade, o que determina o artigo em questão é que quando a AF constate, em quaisquer empresas referidas no preceito, que as contas correntes dos respectivos sócios contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor daqueles, cabe-lhe indagar da razão de ser de tais lançamentos, o que, por princípio, terá de ser revelado pela própria contabilidade, devidamente organizada segundo os princípios das leis comercial e fiscal; E então, ou os beneficiários demonstram que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, ou então a lei faz decorrer a “verdade ficta” de que correspondem a lucros ou a adiantamento de lucros, sendo que, a ocorrer esta última hipótese e porque embora estando perante ume presunção legal ela é apenas “iuris tantum” e não “iure et de jure”, àqueles mesmos beneficiários caberá ilidi-la para, assim, se eximirem à inerente tributação, na estrita medida do plasmado no transcrito n.º 5 do referido art.º 7.º do CIRS [n.º 4 do art. 6.º do CIRS, à data dos factos].
Contudo tem-se por inquestionável que a existências dos referidos lançamentos nas contas correntes dos sócios das aludidas sociedades é um pressuposto inultrapassável à existência da presunção legal ali contemplada, em favor da AT».
-
A presunção prevista no n .º 4 do art. 6.º do CIRS visa prevenir situações de evasão e fraude fiscais no âmbito da tributação de rendimentos de capitais, alguns dos quais, como bem sublinha Guilherme Xavier de Basto, são de relativamente fácil sonegação [op. cit, p. 338] e de difícil prova para a Administração Tributária.
-
Uma interpretação do preceito contido no n.º 4 do art. 6.º do CIRS no sentido de que deva ser a AT a fazer prova de que os lançamentos efetuados na conta do sócio não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, seria contrária à finalidade da norma, uma vez que tal se traduziria, na prática, numa exigência de que a AT fizesse prova do facto presumido.
-
É aliás, mais fácil para o sujeito passivo fazer prova positiva de que os lançamentos em causa se referem a mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, do que a AT fazer prova negativa dos mesmos.
-
Ora, no caso sub judice, considerando que se encontra provado que foram feitas transferências para a conta B, cabia à Requerente fazer prova de que os lançamentos em causa resultaram de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
40. A verdade é que a Requerente não conseguiu fazer essa prova.
41. A Requerente alega que o montante de € 11.193,12 respeita a importâncias suportadas por B com remunerações devidas pela ora Requerente a C.
42. Contudo, a Requerente não fez prova de que aquele montante tenha sido suportado pelo acionista, o que poderia ter sido feito, por exemplo, através de documento comprovativo de transferência bancária ou cópia de outro meio de pagamento.
43. Alega ainda a requerente que o montante de €8.356,76 respeita a importâncias suportadas pelo acionista com rendas do imóvel devidas pela ora Requerente.
44. Todavia, apesar de o pagamento daquela importância a título de rendas constar da modelo 10 de 2007 entregue pela Requerente, não foi feita prova de que a mesma tenha sido paga pelo acionista.
45. Também não foi provado pela Requerente que o montante de € 148.236,14, respeite à restituição a B de empréstimos por ele efetuados a título de suprimentos desde 1999.
46. Com efeito, o documento (doc. 2) apresentado, com indicação das alegadas entregas e restituições de importâncias efetuadas à Requerente pelo seu acionista, não permite atestar quer o alegado saldo existente a 01/01/2007 na conta corrente do acionista, quer o saldo a final a 31/12/2007.
47. Concluindo, a AT interpretou e aplicou corretamente o nº 4 do art. 6º do CIRS aos factos, daí resultando a presunção, que a Requerente não logrou ilidir, de que os lançamentos em causa, feitos na conta de B, revestem a natureza de lucros ou adiantamento de lucros, sujeitos a tributação em sede de IRS.
IV. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação impugnado e manter na ordem jurídica a decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico, com os respetivos efeitos legais.
V. Valor do processo
Procede-se à correção do valor do processo indicado pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, no montante de € 57.954,84, uma vez que a pretensão incidiu sobre o ato tributário parcialmente anulado para o montante de € 38.757,18, sendo € 33.557,20 referente a imposto e € 5.199,98 a juros compensatórios.
Assim, o valor do processo é fixado em € 38.757,18, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14 de julho de 2015
O Árbitro,
Paulo Nogueira da Costa