Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 46/2015-T
Data da decisão: 2015-09-29  IABA  
Valor do pedido: € 10.673,49
Tema: IABA – Liquidação do Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas
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Decisão Arbitral

 

1. - RELATÓRIO

 

1.1. - A Cooperativa A…, CRL contribuinte n.º …, requerente no procedimento tributário acima e à margem referenciado (doravante Requerente), veio, invocando o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e do art.º 99.º do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista:

- A declaração de anulação da liquidação do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (de ora em diante designado por IABA), no valor de € 10.673,49, a que se refere o Registo de Liquidação n.º … de 28-05-2014, da Delegação Aduaneira de …, efectuada na sequência do despacho n.º …, de 28-05-2014, proferido pelo Chefe da referida Delegação Aduaneira.

- O reembolso da quantia de € 10.673,49, associada ao Registo de Liquidação n.º … de 28-05-2014, da Delegação Aduaneira de ….

- A condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento da quantia indevidamente liquidada e paga.

1.2. - Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário, em 16-03-2015, como árbitro singular António Correia Valente, que comunicou a aceitação do encargo.

- Em 16-03-2015 foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

- Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 31/3/2015.

- No dia 7 de Setembro de 2015, o Tribunal Arbitral considerou dispensada a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, tendo em conta, quer os despachos a este propósito exarados no SGP, quer a circunstância do litígio respeitar, fundamentalmente, a matéria de direito, quer a vontade das partes em dispensar a dita reunião.

1.3. - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

- Que é uma empresa que se dedica à produção e distribuição de bebidas alcoólicas, designadamente de vinho do Porto.

- Que, no âmbito da sua actividade, vendeu ao seu cliente B…, cfr factura n.º … emitida em 04-06-2010, a quantidade de 20.880 garrafas de vinho do Porto (C…), pelo valor de € 40.716,00, as quais tinham como destinatário a empresa D…, em França.

- Que a referida mercadoria foi, nessas circunstâncias, expedida para França em 04-06-2010, tendo para o efeito, sido emitido o Documento Administrativo de Acompanhamento, (doravante DAA), nos exemplares legalmente previstos.

- Que foi destinatária de uma acção de controlo documental orientada para diversos DAA por si emitidos, tendo, então, sido constatado que o DAA n.º 2010/…/…, respeitante à remessa das garrafas em causa nos autos, não tinha sido objecto de apuramento.

- Que o Chefe da Delegação Aduaneira de … entendeu que as formalidades inerentes à circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, não foram cumpridas, particularmente por não ter sido remetido a essa estância aduaneira, o exemplar n. º 3 do DAA., tendo considerado, no seu despacho de 29-10-2012, que o regime inscrito no aludido DAA não foi objecto de apuramento.

- Que o exemplar n.º 3 do DAA foi, efectivamente, extraviado, razão pela qual não foi possível proceder ao seu envio à Delegação Aduaneira de ….

- Que na sequência do despacho do Chefe da Delegação Aduaneira de … relativo ao não apuramento do regime, procedeu ao pronto envio do exemplar n.º 4 do DAA, carimbado, com data de 10-04-2010, pela Alfândega de Valenciennes - França, enquanto Estância Aduaneira competente no destino.

- Que, tendo em vista munir as autoridades aduaneiras com a necessária documentação para efeitos do apuramento do DAA n.º 2010/…/…, desenvolveu diversas diligências, quer junto da empresa D…, quer junto da Alfândega de Valenciennes.

- Que, na sequência do pedido formulado, em 18-06-2014, à empresa D… no sentido de confirmar a recepção da mencionada remessa de vinho do Porto (3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas), recebeu 2 documentos: um, corporizado no CMR, como documento referente ao transporte da mercadoria para a referida empresa; outro, designado por “BON DE LIVRASION”, que certifica a entrega da dita remessa de garrafas de vinho do Porto, à D….

- Que, na sequência do pedido formulado, em 18-06-2014, à Direcção Regional da Alfândega de Valenciennes, solicitando uma cópia do exemplar 3 do DAA, ou uma declaração que atestasse a chegada da referida mercadoria a França, recebeu, em 30-07-2014, da referida Alfândega de Valenciennes, a confirmação de que a mercadoria foi recebida pela empresa D…, bem como, adicionalmente, uma cópia do extracto contabilístico atestando o pagamento da mercadoria efectuado por esta empresa à empresa B…, que intermediou o negócio da venda da remessa do vinho do Porto em causa à empresa D…, conforme cópia, que, também, recebeu da factura n.º GD0…, emitida em 09-07-2010 pela empresa. B… à aludida empresa D….

- Que recebeu, por transferência bancária, o montante global de € 122.148,00, dos quais € 40.716,00 correspondem ao valor da factura n. º …, de 04-06-2014, relativa ao pagamento das mercadorias em causa nos autos, vendidas à empresa B…, conforme Ordem de Pagamento recebida pelo Banco E….

- Que, no quadro do exercício do direito de audição prévia, relativo a um Projecto de Correcções em sede de IVA, associado ao alegado incumprimento das formalidades relativas à remessa de garrafas de vinho do Porto expedida para França, remeteu à Direcção do Serviço de Finanças de Vila Real toda a documentação que está junta ao presente processo, documentação que fora, igualmente, remetida à Alfândega de Braga, aquando da apresentação da reclamação graciosa.

- Que apresentou, em 11-08-2014, reclamação graciosa do acto de liquidação suportado no despacho do Chefe da Delegação Aduaneira de …, tendo, então, apresentado toda a documentação que está junta ao presente processo, requerendo a anulação desse acto, a qual foi indeferida.

- Que as Autoridades Aduaneiras efectuaram um Pedido de Verificação de Movimentos junto da Alfândega de Valenciennes, sem que tenham obtido qualquer resposta conclusiva.

- Que as mercadorias em causa nos autos não foram, em momento algum, introduzidas no consumo em território nacional, mas sim expedidas para França em regime de suspensão de imposto e aí consumidas, pelo que, face ao disposto no art.º 7.º do CIEC, o imposto especial de consumo não pode ser exigível.

- Que a Administração Tributária, face ao disposto no art.º 6.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e no art.º 58.º da LGT, deve proceder a todas as diligências que se mostrem necessárias à descoberta da verdade material.

- Que a liquidação do IEC referente às mercadorias em causa no processo, que foram, na realidade, expedidas de Portugal para França, apenas porque o exemplar 3 do DAA não foi remetido às autoridades aduaneira corresponde à violação do princípio da prevalência da substância sobre a forma.

1.4. - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), procedeu, em 18-05-2015, à junção do Processo Administrativo e apresentou resposta, na qual afirma, em suma, o seguinte:

- Que a Requerente é um operador na área dos IEC, com o NIEC PT …, titular do estatuto de depositário autorizado, cuja actividade se encontra sujeita ao controlo da Alfândega de Braga - Delegação Aduaneira de …, e que, face ao CIEC, pode, designadamente, efectuar expedições de produtos sujeitos a IEC em suspensão de imposto para outros Estados-membros.

- Que no âmbito do controlo documental dirigido à Requerente, instaurado sob o n.º …/…/2012, de 17-10-2012, pela Delegação Aduaneira de …, foi constatado o não apuramento de uma operação de circulação intracomunitária, em regime suspensivo de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), com destino a França, relativamente a 20.880 garrafas de vinho do Porto.

- Que as 20.880 garrafas de vinho do Porto foram expedidas de Portugal para França, a coberto do DAA n.º 2010/…/01, de 04-06-2010, e que, não tendo sido entregue o exemplar 3 do referido DAA com vista ao apuramento da operação de circulação em causa, foi efectuado um Pedido de Verificação de Movimentos às autoridades aduaneiras do referido Estado-membro de destino, não tendo sido obtida qualquer resposta.

- Que, face ao não apuramento do regime de circulação em referência, foi iniciado o processo de cobrança “a posteriori” n.º …/2014, referente ao acto de liquidação em IABA, no montante de € 10.673,49, tendo a AT, em 30-05-2014, notificado a Requerente para, no prazo de 15 dias, proceder ao seu pagamento.

- Que a Requerente reagiu ao acto de liquidação mediante a apresentação de reclamação graciosa, a qual, por despacho do Director da Alfândega de Braga, proferido em 30-10-2014, foi indeferida, tendo a Requerente, nessa mesma data, sido notificada de tal indeferimento.

- Que o regime de circulação de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, implica o processamento do DAA por parte do expedidor, documento que acompanha a circulação de tais produtos e cujo exemplar 3, face ao disposto no n.º 1 do art.º 35.º do CIEC, deve ser reenviado ao expedidor para apuramento do regime.

- Que o regime de circulação de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, nos termos do estabelecido na alínea b), do n.º 6, do art.º 35.º do CIEC é apurado “Após a recepção pelo expedidor do exemplar de reenvio do documento administrativo de acompanhamento ou de uma cópia do documento comercial de acompanhamento devidamente anotados”.

- Que o exemplar 3 do DAA, enquanto documento de reenvio, deve conter as referências previstas do n.º 5 do CIEC, sendo que, por outro lado, face ao disposto no n.º 8 desse mesmo artigo, o expedidor tem a obrigação de comunicar às autoridades aduaneiras os casos de não apuramento do regime, no prazo de dois meses.

- Que o DAA n.º 2010/…/… constituiu o suporte da expedição intracomunitária em causa nos autos, pelo que o respectivo regime de circulação em suspensão de imposto teria de ser apurado na aplicação informática SIC-DAA, após a recepção do respectivo exemplar 3, tal como previsto na alínea b), do n.º 6, do art.º 35.º do CIEC, o que não aconteceu, impondo a lei a liquidação do imposto.

- Que a prova alternativa à não devolução do exemplar 3 do DAA não pode ocorrer mediante a apresentação da documentação que a Requerente entender e após a detecção da irregularidade, sendo que, por outro lado, tal prova só será possível caso o expedidor tenha cumprido a obrigação legal de informar a estância aduaneira competente, do não apuramento do regime, nos termos do disposto no n.º 8, do art.º 35.º do CIEC.

 

2. - QUESTÃO DECIDENDA

 

Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das partes e aos argumentos apresentados, a questão a decidir é a seguinte:

Conhecer da legalidade do despacho de 28/05/2014, do Chefe da Delegação Aduaneira de …, proferido no Proc. CP …/2014, relativamente à liquidação objecto do Registo de Liquidação n.º B - …., de 28/05/2014, da Delegação Aduaneira de ..., no montante de € 10.673,49, resultante do não apuramento do regime de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, relativo à expedição de 20.880 garrafas de vinho do Porto, de Portugal para França, a coberto do DAA n.º 2010/…./01, de 04-06-2010.

 

3. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

- O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJAT;

- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art.º 1.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março);

- O processo não enferma de vícios que o invalidem;

- Não subsistem incidentes que importe resolver, nem existem questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar.

 

Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue.

 

4. - FUNDAMENTOS DE FACTO

 

4.1. - FACTOS PROVADOS

 

Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

- A Requerente é uma empresa que se dedica à produção e distribuição de bebidas alcoólicas, designadamente de vinho do Porto, sendo um operador na área dos IEC, com o NIEC PT …, titular do estatuto de depositário autorizado, cuja actividade se encontra sujeita ao controlo da Alfândega de Braga - Delegação Aduaneira de ..., que, face ao CIEC, pode, designadamente, efectuar expedições de produtos sujeitos a IEC em suspensão de imposto para outros Estados-membros.

- A Requerente, no âmbito da sua actividade, vendeu ao seu cliente B…, cfr. factura n.º …, emitida em 04-06-2010, a quantidade de 20.880 garrafas de vinho do Porto (C…), as quais tinham como destinatário a empresa francesa D….

- As 20.880 garrafas de vinho do Porto foram expedidas para França em 04-06-2010, tendo para o feito, sido emitido o Documento Administrativo de Acompanhamento, nos exemplares legalmente previstos.

- A Requerente foi destinatária de uma acção de controlo documental, com o n.º …/…/2012, realizado pela Delegação Aduaneira de …, orientada para diversos DAA por si emitidos, tendo, então, sido constatado o não apuramento de uma operação de circulação intracomunitária, em regime suspensivo de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), referente ao DAA n.º 2010/…/….

- O Chefe da Delegação Aduaneira de ... entendeu que as formalidades inerentes à circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, não foram cumpridas, particularmente por não ter sido remetido a essa estância aduaneira, o exemplar n. º 3 do DAA n.º 2010/…/01, considerado que o regime suportado no aludido DAA não foi apurado, tendo-se, nesse quadro, procedido à liquidação do IABA.

- O exemplar n.º 3 do DAA n.º 2010/…/ foi extraviado.

- Na sequência do despacho do Chefe da Delegação Aduaneira de ..., relativo ao não apuramento do regime, a Requerente procedeu ao envio, à Delegação Aduaneira de …, do exemplar n.º 4 do DAA, carimbado, com data de 10-04-2010, pela Alfândega de Valenciennes - França, enquanto Estância Aduaneira competente no destino.

- A Requerente desenvolveu diversas diligências destinadas à obtenção de documentos para efeitos do apuramento do DAA n.º 2010/…/…, quer junto da empresa D…, quer junto da Alfândega de Valenciennes.

- A Requerente formulou, em 18-06-2014, um pedido à empresa D… no sentido de confirmar a recepção da mencionada remessa de vinho do Porto (3480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas), tendo, nesse contexto, sido recebidos 2 documentos: um, corporizado no CMR, enquanto documento referente ao transporte da mercadoria para a referida empresa; outro, designado por “BON DE LIVRASION”, que certifica a entrega da dita remessa de garrafas de vinho do Porto, à D….

- A Requerente formulou, em 18-06-2014, um pedido à Direcção Regional da Alfândega de Valenciennes solicitando uma cópia do exemplar 3 do DAA, ou uma declaração que atestasse a chegada da referida mercadoria a França, tendo recebido, em 30-07-2014, da referida Alfândega de Valenciennes, a confirmação de que a mercadoria foi recebida pela empresa D…, bem como, adicionalmente, uma cópia do extracto contabilístico atestando o pagamento da mercadoria efectuado por esta empresa à empresa B…, que intermediou o negócio da venda da remessa do vinho do Porto em causa à empresa D…, conforme cópia, que, também, recebeu da factura n.º GD…, emitida em 09-07-2010 pela empresa. B… à aludida empresa D….

- No quadro do exercício do direito de audição prévia, relativo a um Projecto de Correcções em sede de IVA, associado ao alegado incumprimento das formalidades relativas à remessa de garrafas de vinho do Porto recebida e expedida para França, a Requerente remeteu à Direcção do Serviço de Finanças de Vila Real toda a documentação que está junta ao presente processo, documentação que foi, igualmente, remetida à Alfândega de Braga, aquando da apresentação da reclamação graciosa.

- Face ao não apuramento do regime de circulação em referência, foi iniciado o processo de cobrança “a posteriori” n.º …/2014, referente ao acto de liquidação em IABA, no montante de € 10.673,49, tendo a Requerente, em 30-05-2014, sido notificada para, no prazo de 15 dias, proceder ao seu pagamento.

- A Requerente efectuou o pagamento da dívida apurada, no valor de € 10.673,49, objecto do registo de liquidação n.º …, de 28-05-2014, o qual foi inscrito no n.º de receita 5609, de 16-06-2014, da Delegação Aduaneira de ….

- A Requerente apresentou, em 11-08-2014, reclamação graciosa do acto de liquidação suportado no despacho do Chefe da Delegação Aduaneira de …, requerendo a sua anulação, a qual, por despacho do Director da Alfândega de Braga, proferido em 30-10-2014, foi indeferida.

- As Autoridades Aduaneiras efectuaram um Pedido de Verificação de Movimentos junto da Alfândega de Valenciennes, sem que tenha sido obtida qualquer resposta conclusiva.

- As mercadorias em causa nos autos não foram, em momento algum, introduzidas no consumo em território nacional, mas sim expedidas para França em regime de suspensão de imposto e aí recepcionadas.

 

4.2. - FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

4.3. - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A fundamentação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos aos autos, relativamente a cada um dos factos.

 

5. - FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

5.1. - A matéria de facto está fixada, tal como consta do n.º 4.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, tendo em vista a questão decidenda identificada no n.º 2 supra, ou seja, conhecer da legalidade do despacho de 28/05/2014, do Chefe da Delegação Aduaneira de …, proferido no Proc. CP …/2014, relativamente à liquidação objecto do Registo de Liquidação n.º B - …, de 28/05/2014, da Delegação Aduaneira de ..., no montante de € 10.673,49, resultante do não apuramento do regime de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, relativo à expedição de 20.880 garrafas de vinho do Porto, de Portugal para França, a coberto do DAA n.º 2010/…/…, de 04-06-2010.

Tudo visto, e tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas e decorrentes dos pontos 1.3 e 1.4 supra, e considerando, por outro lado, que a questão a decidir, tal como atrás se mencionou, é indissociável do apuramento, ou não, do regime de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, relativo à expedição da mercadoria identificada nos autos, cumpre, neste quadro, apreciar e proferir decisão.

 

6. - DO APURAMENTO DO REGIME DE CIRCULAÇÃO INTRACOMUNITÁRIA DE PRODUTOS SUJEITOS A IEC, EM SUSPENSÃO DE IMPOSTO

 

6.1 - A questão central que no presente processo importa dilucidar, porque indissociável da liquidação do IABA, é a de saber se face à não apresentação do exemplar 3 do DAA, é possível, ou não, apresentar outros documentos probatórios que nos revelem uma certeza e segurança equivalentes às que se visam alcançar por via da apresentação do referido exemplar 3 e, nessas circunstâncias, proceder, ou não, ao apuramento do regime.

6.2 - A Requerente, no âmbito da sua actividade, vendeu ao seu cliente B…, cfr. factura n.º …, emitida em 04-06-2010, a quantidade de 20.880 garrafas de vinho do Porto (C…), as quais tinham como destinatário a empresa D…, em França.

A referida mercadoria foi, nessas circunstâncias, expedida para França em 04-06-2010, tendo, para o feito, sido emitido o Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) n.º 2010/…/01.

As formalidades inerentes à circulação intracomunitária dos produtos em questão, não foram plenamente cumpridas, particularmente por não ter sido reenviado à estância aduaneira de expedição (Delegação Aduaneira de …) o exemplar n. º 3 do DAA., tendo, assim, o Chefe dessa Delegação Aduaneira, considerado, no seu despacho de 29-10-2012, que o regime inscrito no atrás referido DAA não foi objecto de apuramento, pelo que, designadamente, à luz do disposto no art.º 10.º e no art.º 35.º, n.º 1, alínea a) e n.º 6 alínea b) e n.º 8, todos do CIEC, determinou a consequente liquidação de IABA.

6.3 - Na sequência da liquidação do referido imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, a Requerente enviou à Delegação Aduaneira de … cópia do exemplar n.º 4 do DAA, carimbado, com data de 10-06-2010, pela Alfândega de Valenciennes - França, enquanto Estância Aduaneira competente no destino.

 

7 - DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS PARA O APURAMENTO DO REGIME DE CIRCULAÇÃO INTRACOMUNITÁRIA DE PRODUTOS SUJEITOS A IEC, EM SUSPENSÃO DE IMPOSTO

 

7.1 - No âmbito do controlo documental, que atrás se referiu, dirigido à Requerente, instaurado sob o n.º …/…/2012, de 17-10-2012, pela Delegação Aduaneira de .., foi constatado o não apuramento de uma operação de circulação intracomunitária, em regime suspensivo de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), com destino a França, relativamente a 20.880 garrafas de vinho do Porto.

7.2 - Na sequência do mencionado controlo, a Requerente desenvolveu diversas diligências, quer junto da empresa D…, quer junto da Alfândega de Valenciennes, tendentes à obtenção de provas destinadas a demonstrar o regular encaminhamento das 20.880 garrafas de vinho do Porto em causa nos autos, destinadas à obtenção de documentos capazes de provar que a mercadoria foi efectiva e regularmente recebida no destino, tendo, nesse contexto, recebido, da empresa D…, dois documentos: um, corporizado no CMR, como documento referente ao transporte da mercadoria para a referida empresa, no qual está exarado um carimbo, visado, com data de 10-06-2010, referindo o recebimento da mercadoria em questão; outro, designado por “BON DE LIVRASION”, emitido pela empresa B…, certificando, quer a “boa entrega”, em 10-06-2010, da remessa de vinho do Porto (3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas) à referida empresa D…, quer o seu transporte de Portugal para França, no veículo com a matrícula …-…, a qual consta no “campo 11” do DAA n.º 2010/…/…, de 04-06-2010.

7.3 - Para além dos documentos referidos no ponto anterior, a Requerente, em resposta ao pedido que endereçou, em 18-06-2014, à Direcção Regional da Alfândega de Valenciennes, recebeu igualmente, em 30-07-2014, da Alfândega de Valenciennes, um documento transmitindo duas informações: uma, confirmando que a remessa de 20.880 garrafas, com peso líquido de 15.660,00 kg foi recebida pela empresa D… e que a referida mercadoria foi integrada na contabilidade de existências dessa empresa, em 10-06-2010, sob o registo n.º 4804, conforme cópia do extracto contabilístico, que juntou; outra, referindo expressamente que a mercadoria em causa foi recebida e paga pela empresa D… à empresa B…, que intermediou o negócio da venda do vinho do Porto em causa, juntando a correspondente cópia da factura n.º GD… emitida, em 09-07-2010, pela empresa. B… à aludida empresa D….

 

8 - DA APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE O APURAMENTO DO REGIME DE CIRCULAÇÃO INTRACOMUNITÁRIA DE PRODUTOS SUJEITOS A IEC, EM SUSPENSÃO DE IMPOSTO

 

8.1 - A primeira questão que se coloca é a de saber se, em caso de extravio do exemplar 3 do DAA, o regime em causa pode, ou não, ser apurado, suportado na apresentação de outros documentos. A resposta, adiante-se, desde já, não pode deixar de ser afirmativa, condicionada, porém, à exigência de que os documentos apresentados para esse efeito revelem que as mercadorias tiveram, na realidade, o destino declarado, o que, no caso, corresponde ao seu regular recebimento pela empresa D…, no Estado-membro de destino, o que significa que tais documentos terão de ser capazes de assegurar o apuramento do regime com a certeza e segurança equivalentes às que se visam alcançar por via da apresentação do exemplar 3 do DAA.

8.2 - Os formalismos legalmente destinados ao apuramento do regime em questão bem se compreendem, atenta a elevada sensibilidade fiscal dos produtos em causa. Entre eles, deve notar-se que o apuramento do regime em questão ocorre após a recepção pelo expedidor do Documento Administrativo de Acompanhamento ou de uma cópia do Documento Comercial de Acompanhamento, devidamente anotados, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art.º 35.º do CIEC, anotações que constam nas diversas alíneas do n.º 5 do aludido artigo.

8.3 - Cabe também referir, no quadro dos formalismos em causa, a obrigação imposta ao expedidor de informar a autoridade aduaneira no prazo de dois meses, a contar da data de expedição dos produtos, sobre os casos de não apuramento do regime, tal como estabelecido no n.º 8 do art.º 35.º do referido Código. Deve ainda referir-se que, decorrido o referido prazo de dois meses e constatada que seja a situação de não apuramento, a estância aduaneira competente, procederá à liquidação do imposto, no caso do IABA, como decorre do n.º 9 do referido artigo e Código, por cujo pagamento, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 36.º do CIEC, é responsável a pessoa singular ou colectiva que se constituiu garante pelo pagamento do imposto, no caso a Requerente.

8.4 - Em suma, decorre das normas mencionadas nos dois pontos anteriores, que o não recebimento do exemplar 3 do DAA determina o não apuramento do regime, presumindo a lei que, nessas circunstâncias, a mercadoria saiu do regime de suspensão em que se encontrava, sendo considerada como introduzida irregularmente no consumo, presunção que, aliás, vem expressamente consagrada no art.º 7.º do CIEC, mais propriamente no corpo do n.º 2 do referido artigo, conjugado com o disposto na sua alínea a).

8.5 - A mencionada presunção não pode deixar de ser ilidível, como, aliás, nota Rui Oliva, in “Impostos Especiais de Consumo e Regime Fiscal das Bebidas Alcoólicas”, Lisboa : Rei dos Livros, p. 78, quando, a este propósito, refere tratar-se de «uma presunção ilidível da responsabilidade do expedidor, como não pode deixar de ser, sob pena de se privilegiar o destinatário infractor, impondo uma penalização absurda ao expedidor que comprovadamente cumpriu as suas obrigações declarativas […] e expediu regularmente a mercadoria, apenas pelo facto de não ter comunicado nos dois meses seguintes à expedição a falta de envio do exemplar n.º 3 do DAA por parte do destinatário». (sublinhado nosso)

8.6 - No caso dos autos, ocorreu, justamente, que a Requerente cumpriu todas as obrigações associadas à expedição das 20.880 garrafas Vinho do Porto, para a empresa D… em França, não tendo, porém, em conformidade com o disposto no n.º 8 do art.º 35.º do CIEC, comunicado à Delegação Aduaneira de …, nos dois meses seguintes à expedição, a falta de envio do exemplar n.º 3 do DAA por parte do destinatário, ou seja, o não apuramento do regime.

8.7 - A dívida do IABA em causa nos autos, liquidada pela referida Delegação Aduaneira, face à situação de não apuramento, é da responsabilidade do expedidor, a menos que este prove que a mercadoria foi, na realidade, recebida regularmente no destino, ilidindo, assim, a aludida presunção, sendo essa prova feita, quer através do DAA, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 6 do art.º 35.º do CIEC, quer através de outros meios de prova idóneos à demonstração desse facto, como mais explicitamente abaixo se refere.

 

9 - DA APRECIAÇÃO DA PROVA PARA APURAMENTO DO REGIME DE CIRCULAÇÃO INTRACOMUNITÁRIA DE PRODUTOS SUJEITOS A IEC, EM SUSPENSÃO DE IMPOSTO

9.1 - Como resulta do que atrás se referiu a não comunicação, no prazo de dois meses, à referida Delegação Aduaneira de …, do não apuramento do regime, não pode ser entendida como impossibilitando, em absoluto, o apuramento do regime, a não ser que se atribua à dimensão formal do preceito que prevê o referido prazo de dois meses um valor superior ao da sua dimensão substantiva.

9.2 - A ratio dos preceitos relativos aos atrás aludidos formalismos, outro sentido não terá, que não seja o de que o produto sujeito a IEC, no caso IABA, quando for tributado no país de destino, não deverá ser tributado no país de expedição, o que é um elemento basilar do regime. Em rigor, o que se visa é assegurar que o produto, no caso 20.880 garrafas Vinho do Porto, seja tributado correctamente no Estado-membro em que foi recepcionado. Ora no caso dos autos a mercadoria, na medida em que foi recepcionada no Estado-membro de destino - França, tendo aí sido tributada, como decorre da documentação apresentada, não pode, novamente, vir a ser tributada no país de expedição.

9.3 - A propósito do que se refere no ponto anterior, vide FERNANDES, Manuel Teixeira, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal do IDEFF, Ano VII, n,º 2, p. 180 e segts quando, relativamente aos principais objectivos do regime em questão, indica, desde logo, o de que “ […] os produtos circulem intracomunitariamente sem carga fiscal - “princípio da tributação no destino”- facilitando-se, assim, a actividade comercial dos operadores económicos comunitários que actuam nos respectivos sectores de actividade”. (sublinhado nosso)

9.4 - Já se referiu que o apuramento do regime de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, para além de, por regra, ser concretizado através do exemplar 3 do DAA, pode igualmente sê-lo por intermédio de outros meios de prova idóneos, não sendo, pois, de todo, aceitável, a tese de que tal regime só pode ser objecto de apuramento mediante a apresentação do mencionado exemplar.

9.5 - Face a tudo o que já se deixou dito, o disposto na alínea b) do n.º 6 do art.º 35.º do CIEC deverá ser interpretado à luz do que se estabelece nos artigos 50.º e 115.º, n.º 1, do CPPT, admitindo-se, por isso, outros meios de prova capazes de demonstrar que a remessa de garrafas de Vinho do Porto em causa teve, na realidade, o destino que lhe fora declarado, aquando da sua expedição. A propósito desta questão, veja-se o entendimento inscrito, designadamente, no Acórdão n.º 01560/05.5BEPRT, de 12-03-2015, do Tribunal Central Administrativo Norte, quando considera que “Contrariamente ao propugnado pela Recorrente […], não se exige prova vinculada, admitindo-se qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, de acordo com o disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, acrescentado que o Entendimento contrário, nomeadamente, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos na elisão daquela presunção é inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados - cf. art.º 20.º, da Lei Fundamental.” (sublinhado nosso)

9.6 - Como já se assinalou nos pontos 7.2 e 7.3, a documentação apresentada está corporizada no seguinte: CMR (DOC. 10) e “BON DE LIVRASION” (DOC.11) remetidos pela empresa D…, sendo que o primeiro, enquanto documento referente ao transporte da mercadoria para a referida empresa, tem exarado um carimbo, visado, com data de 10-06-2010, referindo o recebimento da mercadoria em questão e o segundo desses documentos certifica, quer a “boa entrega”, em 10-06-2010, da remessa de vinho do Porto (3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas) à referida empresa D…, quer o seu transporte de Portugal para França, no veículo com a matrícula …-…, a qual consta no “campo 11” do DAA n.º 2010/…/…, de 04-06-2010. Na documentação apresentada consta também o extracto contabilístico (cópia) da contabilidade de existências da empresa destinatária da mercadoria (DOC. 13), remetido pela Alfândega de Valenciennes, revelador de que a mercadoria em causa foi recebida pela empresa D… e que está inscrita na sua contabilidade, documento esse que se mostra acompanhado da confirmação de que a remessa de 20.880 garrafas, com peso líquido de 15.660,00 kg foi recebida pela empresa D… (DOC. 12) e que tal mercadoria estava registada, na dita contabilidade, sob n.º … (DOC. 12) e ainda uma cópia da factura n.º GD… (DOC. 14), remetida igualmente pela referida Alfândega de Valenciennes, emitida em 09-07-2010 pela empresa B… à aludida empresa D…, referindo expressamente que a mercadoria em causa foi recebida e paga pela empresa D… à empresa B…, que intermediou o negócio da venda do vinho do Porto em questão (DOC.12).

9.7 - Assente que está a documentação apresentada, a que acresce a Ordem de Pagamento Recebida pelo Banco E…. (DOC.15), por via da qual a Requerente recebeu da empresa B…, por transferência bancária, o montante de € 40.716,00 correspondente ao valor da factura n. º …, de 04-06-2014, (DOC. 3) relativa às mercadorias em causa nos autos, vendidas à mencionada empresa, há que aferir do seu valor probatório com vista ao apuramento do aludido regime.

9.8 - Os documentos referidos nos dois pontos anteriores não se reconduzem aos que, em princípio, titulam e pertencem aos contratos comerciais subjacentes a qualquer operação de circulação, como a que está em causa nos autos, nomeadamente contratos de transporte, ordens de pagamento do exterior ou facturas, na medida em que a Alfândega de Valenciennes, enquanto Estância Aduaneira competente para o controlo da operação de circulação em causa e do destino da mercadoria em questão, certifica o efectivo recebimento da quantidade das 20.880 garrafas de vinho do Porto (C…) pela empresa D…, referindo expressamente o seu registo na contabilidade dessa empresa, devendo ainda notar-se, que tais documentos incluem todas as referências previstas nas diversas alíneas do n.º 5 do art.º 35.º do CIEC, como devendo constar do exemplar de reenvio.

9.9 - Nestas circunstâncias, os documentos em causa, cuja apreciação não deve ser efectuada de per se, mas ajuizados no seu todo, não abrem qualquer espaço para que se possa admitir o não recebimento da mercadoria pelo destinatário indicado no DAA, ou seja, pela D…, importando sublinhar que tais documentos permitem alcançar com segurança um grau de certeza claramente equivalente ao que se alcançaria por via da apresentação do exemplar de reenvio (exemplar 3 do DAA) visado pela Alfândega competente no destino, pelo que a presunção de introdução irregular no consumo das 20.880 garrafas de vinho do Porto (C…) é, deste modo, ilidida. Neste sentido pode, nomeadamente, ver-se o Acórdão referenciado no ponto 9.5.

10 - Sabendo-se que a mercadoria em causa nos autos chegou regularmente ao seu destino, onde foi sujeita aos correspondentes encargos fiscais, mal seria voltar a tributá-la de novo, no país de expedição. Tal situação, para além de absurda, não podendo corresponder às finalidades legalmente visadas, é manifesta e designadamente intolerada pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, enquanto princípios constitucionais a que se alude no art.º 266.º da CRP. Com efeito, a Administração Tributária deve prosseguir as suas atribuições e exercer as suas competências de acordo com o princípio da legalidade, o qual, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 446, não se traduz “[…] numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo”, acrescentando que “Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais, quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto […]”, resultado este que, no caso dos autos, se traduz na tributação das mercadorias em questão no país de expedição, não obstante a sua tributação ter já ocorrido no destino. Por outro lado, a finalidade legal do regime de circulação intracomunitária, em regime de suspensão de imposto, foi alcançada, na medida em que não há dúvidas de que a mercadoria em causa nos autos foi tributada no destino, não podendo a Administração Tributária, nestas circunstâncias, agravar a tributação das mercadorias em causa por via da sua tributação no país de expedição, o que não é tolerado pelo princípio da proporcionalidade. Sobre a verdade material dos elementos essenciais à liquidação do imposto, entre os quais estará o conhecimento dos verdadeiros sujeitos passivos do imposto, cabe referir o que nos dizem os atrás mencionados autores, ibidem, na anotação n.º 5 ao art.º 55.º da LGT, quando aí referem que, no domínio do procedimento tributário, a administração tributária, particularmente à luz dos princípios da justiça e da imparcialidade, deve nortear-se por “[…] critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender”. (sublinhado nosso)

 

11 - DO REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

- Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

- Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)

- O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação (IABA e JC), referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, a título de imposto e de juros compensatórios, o que no caso dos autos se concretiza no montante de € 10.673,49, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

- Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €10.673,49, que serão contados, desde a data do pagamento do imposto e dos correspondentes juros compensatórios, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

12 - CONCLUSÕES

 

Tendo em conta todo o exposto, e preparando a decisão, dir-se-á, em jeito de conclusão, o seguinte:

12.1 - No caso dos autos, face ao disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, são admissíveis quaisquer meios de prova adequados a demonstrar a realidade dos factos, devendo o disposto na alínea b) do n.º 6.º do artigo 35º do CIEC ser interpretado à luz daquelas nomas.

12.2 - As provas a que se refere o ponto anterior, não podem bastar-se com os documentos pertinentes ao contrato comercial subjacente ao mencionado regime de circulação intracomunitária, antes postulam a confirmação por parte da competente Alfândega, no caso francesa, de que a mercadoria foi, regular e efectivamente, recebida no destino.

12.3 - A documentação junta ao processo, destinada a provar que a remessa de vinho do Porto (3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas) foi recebida pela empresa D…, não se consubstancia apenas nos documentos de pendor comercial, na medida em que é também integrada pela expressa confirmação, por parte da Alfândega de Valenciennes, de que a referida remessa foi, na realidade, recebida pela empresa D… (DOC. 12), bem como pelo extracto contabilístico (cópia) da contabilidade de existências da empresa destinatária da mercadoria (DOC. 13), indicando que tal mercadoria estava registada, na dita contabilidade, sob n.º ….

12.4 - Os documentos em questão, destinados a provar que a remessa de vinho do Porto (3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas) foi recebida pela empresa D…, foram, igualmente, apresentados pela Requerente, quer no quadro do exercício do direito de audição prévia, quer aquando da apresentação da reclamação graciosa, tal como se referencia nos autos.

12.5 - Os documentos em causa não permitem a existência de qualquer dúvida sobre o efectivo recebimento da mercadoria pela empresa D…, enquanto sua destinatária, como tal constante do DAA n.º 2010/…/01, de 04-06-2010.

12.6 - A prova corporizada nos aludidos documentos proporciona um grau de certeza equivalente ao que se alcança com a formalidade do visto e da certificação no exemplar 3 dos DAA, por parte da estância aduaneira competente no destino (Alfândega de Valenciennes - França), comprovando que a mercadoria foi, na verdade, recebida de forma regular no destino, pela empresa ….

12.7 - O imposto, no caso o IABA, é exigível em território nacional no momento da introdução no consumo dos produtos em questão, considerando-se como introdução no consumo a saída de tais produtos do regime de suspensão - cfr. alínea a) do n.º 2, art.º 7.º do CIEC.

12.8 - O pagamento dos montantes liquidados no presente processo é da responsabilidade do expedidor, a menos que, tratando-se, como é o caso, de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, seja feita prova de que a mercadoria foi regularmente recebida no Estado-membro de destino, ilidindo-se a presunção de que os produtos foram irregularmente introduzidos no consumo, face à não devolução do exemplar n.º 3 visado pela estância aduaneira de destino - cfr. alínea a) do n.º 2 do art.º 7.º e alínea b) do n.º 6, do art.º 35.º, ambos do CIEC.

12.9 - A presunção de que as 20.880 garrafas de Vinho do Porto (C…) foram irregularmente introduzidas no consumo, foi ilidida pela Requerente, face aos documentos apresentados para o efeito.

12.10 - O montante de € 10.673,49, liquidado a título de IABA e de Juros Compensatórios, relativamente à mercadoria referenciada no presente processo, objecto do Registo de Liquidação n.º B - …, de 28/05/2014, da Delegação Aduaneira de …, foi pago pela Requerente.

12.11 - Ao não admitir como provado, que a mercadoria foi, efectiva e regularmente, recebida no destino, a AT, face ao que vem de referir-se, faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais mencionadas, seja porque não teve em conta uma adequada interpretação e aplicação das normas legais relativas ao apuramento do regime, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de direito, seja porque a liquidação do IABA em questão nos autos, assentou numa matéria de facto, claramente divergente da concreta realidade, o que consubstancia um erro sobre os pressupostos de facto, verificando-se, assim, a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que determina a sua anulação, por violação de lei.

 

13 - DECISÃO

 

Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

13.1- Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IABA e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente, relativamente à expedição de 3.480 caixas de 6 garrafas/20.880 garrafas de Vinho do Porto para a empresa D… - França, em regime de circulação intracomunitária de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto.

13.2 - Anular, consequentemente, os actos de liquidação do Chefe da Delegação Aduaneira de …, referentes quer ao IABA, quer aos juros compensatórios que lhe estão associados, decorrentes da não consideração do apuramento do regime mencionado no ponto anterior.

13.3 - Condenar a AT ao reembolso da quantia de € 10.673,49, referente ao IABA e aos juros compensatórios liquidados e pagos, e ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o seu pagamento, até ao integral reembolso da referida quantia.

13.4 - Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.673,49.

 

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 918,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 29 de Setembro de 2015

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)