Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Tema: Imposto Único de Circulação – Incidência subjetiva
I – Relatório
1. No dia 28.01.2015, a Requerente, A…, S.A., com sede em Avenida …, …, com número de identificação fiscal …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações Oficiosas de Imposto Único de Circulação (“IUC”), respeitantes aos veículos identificados no quadro resumo junto pela Requerente como documento número 5, tendo como sujeito passivo a Requerente, relativos aos períodos de tributação de 2013 e 2014, que somam o valor total de 2.431,82€.
A Requerente peticiona ainda a condenação da Requerida a restituir os impostos liquidados e que alega ter pago, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios sobre as mesmas quantias.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 31.03.2015.
3. Por requerimento de 1.06.2015, na sequência de despacho arbitral de 28.05.2015, veio a Requerente retificar o valor da liquidação respeitante ao veículo matrícula …-…-… relativo ao ano de 2014 no sentido de esclarecer que, em conformidade com o documento comprovativo da liquidação e constante do sistema de gestão processual, que o mesmo é de 32,32 € e não de 329,86 €, e relativa ao ano de 2014 e não ao ano de 2013.
Em consequência, o valor total das liquidações impugnadas é de 2431,82 € e não de 2.729,36 € como, devido àquele lapso, foi indicado na petição inicial.
4. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
5. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
a. A fundamentação que consta em cada uma das notificações efetuadas à Requerente contém a mera indicação de normativos do Código do IUC, sem qualquer referência a facto ou factos, nomeadamente, não se indica a razão pela qual a Requerente é sujeito passivo do imposto liquidado oficiosamente.
b. O n.º 1 do art.º 3 do Código do IUC estabelece uma presunção de propriedade de veículo, pois considera como tal a pessoa em nome de quem o mesmo está registado.
c. Assim, face ao que prevê o aludido art.º 3.º, cada uma das notificações das liquidações teria de mencionar factos que permitissem concluir que, nos anos de 2013 e 2014 e relativamente aos veículos nelas referidos, a Requerente era proprietária, presumida ou não, ou equiparada a proprietária.
d. Mas como decorre do teor das mesmas, as ditas notificações nenhum facto mencionam a esse respeito, pelo que a Requerente fica sem saber como e porquê, qual a razão ou razões, que levaram a AT a considera-la sujeito passivo do IUC que liquidou e ora se impugna.
e. O que significa que padecem de falta de fundamentação legalmente exigida, de acordo com o art.º 77.º da LGT.
f. Entende ainda a Requerente que a posição tomada pela AT é ilegal, não sendo aquela responsável pelo pagamento de qualquer quantia a título de liquidação do IUC no período de exigibilidade já que o n.º 1 do art.º 3 do Código do IUC estabelece uma presunção de propriedade do veículo, considerando como tal a pessoa em nome de quem o mesmo está registado.
g. Trata-se de uma presunção legal inserida em uma norma de incidência pessoal do IUC, que não é uma presunção inilidível.
h. De facto, o art.º 73.º da LGT preceitua que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
i. Sendo assim, ainda que, em 2013 e 2014, os veículos referidos, estivessem registados em nome da Requerente, nas bases de dados do IRN e o do IMT, daí não resulta, sem mais, que a Requerente seja o sujeito passivo do IUC que a AT oficiosamente lhe liquidou.
j. Com efeito, a Requerente pode ilidir a presunção constante do n.º1 do art.º 3.
k. Retira do supra, a Requerente, a ilegalidade da exigência de liquidação do IUC, nos moldes em que foi feita, uma vez que a Requerente não era proprietária dos veículos à data da exigibilidade do imposto, tendo para o efeito entregue documentos comprovativos da transmissão da propriedade daqueles para terceiros.
l. Foi, pois, ilidida a presunção constante do n.º 1 do art.º 3.º do Código do IUC, pelo que se conclui que, nem sequer em 2013, a Requerente era sujeito passivo do IUC que a AT lhe liquidou, sendo, consequentemente ilegais as liquidações em crise.
6. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
a. Não tem razão a Requerente quando alega que os atos tributários colocados em crise padecem do vício de falta de fundamentação, alegando que a entidade Requerida deveria ter mencionado nos atos de liquidação factos que demonstrassem que a Requerente era proprietária dos veículos em causa.
b. O argumento invocado pela Requerente de que a entidade Requerida não fez prova de que era proprietária dos veículos em 2013 e 2014, constitui uma mera consideração desprovida de conteúdo.
c. Desde logo, a entidade Requerida aquando do exercício do direito de audição relativamente aos veículos em causa, juntou aos autos cópia da informação prestada pela Conservatória do Registo Automóvel – Instituto dos Registos e Notariado, onde se atesta claramente que a Requerente figurava como proprietária no registo – à data dos factos em causa.
d. A fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais a prosseguir.
e. O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados, não se tratando de uma presunção mas de uma clara opção de política legislativa acolhida pelo legislador dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
f. O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº 1 do art. 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência.
g. Também o elemento sistemático da interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável estabelecendo o artigo 6º, nº 1, do CIUC que “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”.
h. A não atualização do registo, nos termos do artigo 42º do Regulamento do Registo Automóvel, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste imposto.
i. A interpretação proposta pela Requerente do art. 3º, nº 1 do CIUC é contrária à Constituição da Republica Portuguesa na medida em que desvaloriza a realidade registal face a uma “realidade informal”, violando o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.
Mesmo que assim não se entendesse,
j. Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou cópias das faturas/ recibos de vendas de cada um dos veículos.
k. As faturas não constituem documento idóneo para comprovar a venda dos veículos em causa, uma vez que a mesma não é mais do que um documento unilateralmente emitido pela Requerente e não é idónea para comprovar um contrato sinalagmático como é a compra e venda.
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Se são ilegais as liquidações sub judice por vício de violação de lei ou por falta de fundamentação.
2) Se deve ser reconhecido à Requerente o direito à restituição dos impostos pagos.
3) Se deve ser reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios, sobre as quantias pagas.
II – Matéria de facto relevante
9. O tribunal considera provados os seguintes factos:
1. A Requerida efetuou as Liquidações Oficiosas de Imposto Único de Circulação (“IUC”), respeitantes aos veículos identificados no quadro resumo, que se incluem nas categorias A), B) ou C), junto pela Requerente como documento número 5, retificado de acordo com requerimento pela Requerente em 1.06.2015, relativos aos períodos de tributação de 2013 e 2014, que somam o valor total de 2.431,82€, tendo como sujeito passivo a Requerente;
2. A fundamentação que consta em cada uma das notificações é a seguinte: “Liquidação efectuada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2º, conjugado com os artigos 3º, 4º, 6º e 11º, todos do Código do Imposto Único de Circulação, por não ter sido liquidado nem pago, até à data de liquidação e no mês referidos no quadro, o imposto referente ao veículo identificado neste documento”.
3. Os veículos automóveis constantes do quadro-resumo foram vendidos em momento anterior à data do seu aniversário referente ao ano a que respeitam as obrigações tributárias em causa no presente processo, com exceção das viaturas matrícula …-…-… …-…-…, …-…-… e …-…-…..
4. Nas datas dos aniversários referentes aos anos a que respeitam as obrigações tributárias em causa no presente processo, todos os veículos a que respeitam as liquidações em causa no presente processo estavam registados na Conservatória do Registo Automóvel a favor da Requerente.
5. Antes da prática dos atos de liquidação em causa, a Requerida notificou a Requerente com vista ao exercício do direito de audição prévia;
6. A Requerente exerceu junto da Requerida tal direito tendo alegado, relativamente a cada uma das viaturas, o seguinte:
7. A requerente, em sede de exercício de audição prévia, procedeu ainda à junção de faturas de venda dos veículos em causa, com exceção das viaturas matricula …-…-… e …-…-…, relativamente às quais juntou documentos comprovativos das mesmas constarem da base de dados da Polícia de Segurança Pública como furtadas.
8. Por despachos do Sr. Chefe de Finanças Adjunto por Delegação do Serviço de Finanças de Gaia 2, foi decidido não acolher as pretensões da requerente, nos seguintes termos:
9. Nas datas da ocorrência dos factos geradores das obrigações tributárias em causa no presente processo, todos os veículos a que respeitam as liquidações impugnadas estavam registados na Conservatória do Registo Automóvel a favor da Requerente.
10. A Requerente procedeu ao pagamento dos valores correspondentes às liquidações impugnadas.
10. Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa não se provou, relativamente às liquidações respeitantes às viaturas matricula …-…-… e …-…-…, …-…-… e …-…-…, que as mesmas tenham sido vendidas pela Requerente em data anterior à da ocorrência do facto tributário e exigibilidade do imposto.
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo e nas posições das partes expressas nos articulados.
No que toca aos factos provados sob os números 3 e 8 há que, em primeiro lugar, referir que a Requerida não impugnou a exatidão das cópias das faturas[1] juntas com o pedido de pronúncia arbitral, tal como não as havia posto em causa aquando da sua junção em sede administrativa aquando do exercício do direito de audição antes da liquidação.
A convicção do Tribunal relativamente aos factos em questão resulta da emissão das respetivas faturas em conjugação com os demais documentos constantes do processo e com as posições da Requerida relativamente aos mesmos.
Apesar de tais documentos terem sido emitidos unilateralmente pelo vendedor, segundo as regras da experiência, nada aponta, antes pelo contrário, para a não coincidência de tais faturas com a realidade que representam.
Por outro lado, a Requerida não aponta qualquer concreta falta de correspondência das faturas com as transações nelas representadas, acrescendo ainda que, nas mesmas foi liquidado imposto sobre o valor acrescentado, não tendo sido alegado que o mesmo não tenha sido levado às respetivas declarações, ou que os adquirentes, destinatários das mesmas não as tenham tomado em consideração para efeitos jurídico-fiscais.
A prova dos demais factos resulta dos documentos constantes do processo junto pela Requerente e pela Requerida com o processo administrativo.
No que respeita aos factos não provados, a decisão do Tribunal resulta dos próprios documentos juntos aos autos pela Requerente, donde resulta que os veículos …-…-… e …-…-… não terão sido vendidos mas sim objeto de furto e que o veículos …-…-… terá sido vendido, mas em data posterior à do nascimento da obrigação tributária respetiva.
Quanto ao …-…-…, dos documentos constantes do processo, designadamente dos que foram juntos pela Requerente não resulta a prova de que o mesmo tenha sido vendido em data anterior à data do facto gerador do imposto.
-III- O Direito aplicável
12. Tendo a impugnante imputado diversos vícios aos atos tributários impugnados, há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202). (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico Da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202).
A procedência de qualquer dos vícios invocados pela requerente conduzirá à anulação do ato tributário. No entanto, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.
Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei.
13. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”
Dispõe o nº 2 do mesmo preceito que “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
O problema jurídico a decidir prende-se com a questão de saber se a pessoa em nome de quem está registada a propriedade dos veículos cujas liquidações oficiosas estão identificadas no Anexo I junto com a petição inicial, poderá provar, apesar de tal circunstância, que não era proprietária do mesmo à data do facto tributário, para efeitos de afastar a qualidade de sujeito passivo do imposto.
14. A fim de dar resposta ao problema em questão, afigura-se-nos pertinente indagar se o art. 3º, nº 1, do CIUC consagra uma presunção, posição sustentada pela Requerente ou se, diferentemente, se trata meramente da configuração do tipo legal de imposto, no âmbito da liberdade de conformação legislativa, conforme defende a Requerida.
A resposta a esta questão poderá ser decisiva, dado que, de acordo com o art. 73º da Lei Geral Tributária “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. Acresce, conforme se refere na Decisão arbitral proferida no processo 286/2013-T o “entendimento do Tribunal Constitucional, afirmado no acórdão n.º 348/97, de 29.4.1997 e reiterado no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, quanto à inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”.[2]
15. Na doutrina tem sido analisada a distinção entre as ficções e as presunções, na perspetiva do direito fiscal.
Assim, ANA PAULA DOURADO, (O Princípio Da Legalidade Fiscal: Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação”, Editora Almedina, coleção Teses, 2007 ) escreve:
“No que diz respeito às ficções, enquanto técnica utilizada nas leis fiscais, e à sua função, diz-nos Karl Larenz que “as ficções legais têm normalmente por fim a aplicação da regra dada para um facto previsto (F1) a outro facto previsto (F2)... a lei “finge” que F2 é um caso de F1” (p. 603).
“A ficção distingue-se da presunção simples e da presunção absoluta por não se basear “numa probabilidade que normalmente se transforma em verdade”, pois “deforma («uma verdade legal») conscientemente” (p. 604).
Também sobre esta questão, em termos convergentes com ANA PAULA DOURADO, JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, (“TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, Teses, 2010, pp. 48-49) considera que o critério de distinção entre a duas realidades deve ser “eminentemente jurídico” e que “À luz desse critério a diferença essencial entre presunção e ficção legal passa a residir no facto de a primeira ter como ponto de partida a verdade de um facto, ou seja, uma ligação à ordem natural das coisas, dado que de um facto conhecido se infere um facto desconhecido provável; enquanto a ficção, contrariamente, nasce de uma falsidade ou de algo irreal, desligado da ordem natural das coisas. Isto é, na ficção cria-se uma verdade jurídica distinta da real; na presunção cria-se uma relação causal entre duas realidades ou factos naturais.(…).
A despeito de tanto a presunção como a ficção constituírem o resultado de técnicas legislativas, através das quais se depreendem consequências de factos jurídicos tomados como verdadeiros, o que verdadeiramente as distingue é a circunstância de, na presunção legal, o facto presumido ter um alto grau de probabilidade de existir, e de, na ficção, o facto presumido ser muito improvável. “
CASALTA NABAIS, também se debruçou sobre esta questão (“O dever fundamental de pagar impostos”, Almedina, 2004, p. 500-501) escrevendo que “(...) há que separar as situações em que estamos face a presunções legais, em que de um facto conhecido (real ou até jurídico) se infere um facto jurídico naturalmente provável, caso em que se há-de admitir prova em contrário, para as compatibilizar com o princípio da capacidade contributiva, das situações em que nos deparamos com a assunção de regras da experiência comum como regras de tributação, verificando-se assim a construção de normas jurídicas (ou de tipos legais) com o (eventual) recurso a ficções legais. Nestas, o princípio da capacidade contributiva sofre o natural embate dos princípios da praticabilidade e da eficaz luta contra a evasão fiscal, havendo de contentar-se com uma válvula de segurança relativamente aqueles casos que, por atingirem tais rigores de iniquidade, não podem deixar de permitir o afastamento das referidas regras da experiência”.
16. No caso em apreço, e à luz da autorizada doutrina citada, afigura-se claro que, no art. 3º, nº 1, do CIUC, estamos perante uma presunção, na medida em que resulta (muito) provável do facto duma pessoa ter um veículo registado em seu nome, que ela seja, efetivamente, proprietária da mesma.
É esta mesma probabilidade que está na base da presunção derivada do registo consignada no art. 7º do Código de Registo Predial, aplicável por remissão do art. 29º do Regulamento do Registo automóvel.
É certo que a lei não usa a expressão “presumindo-se como tais, até prova em contrário”, que constava do art. 3.º, n.º 1 do Regulamento do Imposto Municipal Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78, de 12 de Junho e revogado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho), (“o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados”. Mas tal não se afigura impeditivo de estarmos materialmente perante uma presunção.
Como se escreveu na já citada decisão proferida no processo arbitral nº 286/2013-T, “tal como já se encontra assinalado em outras decisões arbitrais proferidas neste CAAD em relação à mesma matéria (cfr. as decisões proferidas nos processos n.ºs 14/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, nas quais é possível encontrar exemplos de disposições legislativas, distintas das acima invocadas, em que igualmente ocorre o uso da expressão “considerando-se” ou “considera-se” com o significado de presunção), não só não se pode dizer, de modo algum, que a atribuição de um significado presuntivo à expressão “considerando-se” não possui “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do art. 9.º do Cód. Civil), como, mais do que isso, deve mesmo reconhecer-se a tal vocábulo uma correspondência corrente e normal a esse sentido presuntivo.
Por isso, não assume peso decisivo o facto de, diferentemente do que sucedia com a enunciação literal “presumindo-se” que antes se encontrava no artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos, o legislador ter passado a usar no CIUC a fórmula “considerando-se” que consta do atual art. 3.º desse Código, porquanto esta expressão tem perfeita virtualidade semântica para envolver a consagração de uma presunção”. [3]
17. O acórdão do STA de 4-11-2009, proferido no processo 0553/09, aplicando o art. 73.º da Lei Geral Tributária, em sede de imposto sobre o rendimento, vai ainda mais longe considerando que esta regra “não parece aplicável apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também a todas as normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação). É este, parece, o alcance do advérbio «sempre» utilizado no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, que arvora esta regra em princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva”.
É certo que o IUC não está, essencialmente, subordinado ao princípio da capacidade contributiva, mas sim ao princípio da equivalência. Todavia, tal não parece impor soluções diferentes na medida em que ambos os princípios estão intrinsecamente ligados ao princípio geral da igualdade tributária, onde encontram o seu fundamento.
Na verdade, “O princípio da capacidade contributiva representa o critério material de igualdade adequado aos impostos”[4], ao passo que “O princípio da equivalência representa o critério material de igualdade adequado às taxas e contribuições”.[5]
18. De referir ainda que, para além do art 1.º do Código do IUC dispor que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, outras normas reforçam e concretizam o peso deste princípio no sistema interno deste imposto.
Desde logo, o art. 3º, nº 1, da Lei que aprovou o CIUC (Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho), concretizando esta ideia de equivalência determina que: “ É da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70 % da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador.”
E, para efeitos de concretização efetiva desta intenção legislativa dispõe o art. 19º, do CIUC que: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”
Por outro lado, concretiza ainda este princípio da equivalência o nº 2, do art. 3º do mesmo Código ao dispor que “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”
19. Fica assim bem clara a importância decisiva conferida pela Lei ao princípio da equivalência, quer do lado do causador do custo ambiental e viário, quer do lado do Município que tendencialmente suporta tais custos e que, por essa razão, é o beneficiário da receita do imposto.
Como salienta Sérgio Vasques: “É claramente comutativa também a estrutura do novo imposto único de circulação, que desde 2007 oneram os automóveis em função dos níveis de emissão de CO2, apelando abertamente ao princípio da equivalência e a uma relação de troca com os contribuintes”[6].
Caso não fosse possível à pessoa inscrita como proprietário no registo automóvel afastar a qualidade de sujeito passivo, mediante a prova de que não era ele o proprietário à data do facto tributário, esta ideia de equivalência poderia ser decisivamente posta em causa, tributando-se quem não causou o custo ambiental e viário e não se afetando a receita ao Município que tendencialmente suportou aqueles custos.
20. A Requerida sustenta que a interpretação proposta pela Requerente do art. 3º, nº 1 do CIUC é contrária à Constituição da Republica Portuguesa na medida em que desvaloriza a realidade registal face a uma “realidade informal”,[7] violando o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.
Não se vislumbra, salvo o devido respeito, como é que a posição que sustenta estarmos, no art. 3º, nº 1, do CIUC, perante uma presunção ilidível, poderá pôr em causa os princípios da confiança e da segurança jurídica, sendo que os mesmos impõem deveres e restrições da atuação jurídico-pública[8].
O mesmo se poderá dizer, no essencial, do princípio da proporcionalidade.[9]
Aliás, relativamente a este princípio, diríamos, até, que a questão que se poderia colocar seria se tal princípio não seria violado com a interpretação preconizada pela Requerida na medida em que, se se admitisse que o cidadão poderia ficar impedido, para efeitos de tributação, de provar que apesar do registo não é o efetivo proprietário do veículo, tal equivaleria sofrer a consequência da omissão dum ato (o registo automóvel) cujo interessado em termos em termos de segurança jurídica, na perspetiva jurídico-civil é outra pessoa (o comprador).
Na verdade, mesmo que se admita que tal solução seja idónea a alcançar o fim público em vista, não resulta clara a ausência de medidas alternativas igualmente aptas.
Por outro lado, do ponto de vista do equilíbrio ou da proporcionalidade em sentido estrito, entende-se que uma regra com a interpretação sustentada pela requerida, teria custos excessivos, do ponto de vista dos direitos e interesses dos particulares (nestes caso dos antigos proprietários do veículos) face aos benefícios que se visam alcançar com o interesse público, considerando-se não verificada esta exigência fundamental do princípio da proporcionalidade.
Na realidade, o benefício alcançado, na perspetiva da gestão do imposto, com a presunção ilidível já é significativa, sendo os casos de ausência de registo pelos compradores seguramente situações em número certamente pouco relevante no universo das transações de veículos, atento a natural motivação dos compradores em realizar o registo, uma vez que tal é do seu próprio interesse.
Note-se, também, que a presunção ilidível já representa algum sacrifício para os legítimos interesses do vendedor, na medida em que para se eximir a uma tributação ofensiva do princípio da equivalência, tem o ónus de ilidir a mesma.
No entanto, ponderando, designadamente, as exigências de praticabilidade da gestão fiscal, considera-se que a mesma é apta, necessária e razoável do ponto de vista do princípio da proporcionalidade, o que já não sucederia com uma presunção absoluta, explícita ou implícita, que não permitisse, sequer, que ao cidadão fosse permitido fazer a prova contrária à presunção.
21. A Requerida invocou, ainda, que a regra em causa, na interpretação sustentada pela Requerente, violaria o princípio da eficiência do sistema tributário.
Afigura-se-nos que a Requerida terá em mente a ideia de eficiência no direito fiscal, relacionada com a eficiência administrativa[10]. Há que observar, contudo, que a relevância dum princípio na solução dum caso concreto não deve ser operar isoladamente mas em ponderação conjunta com os demais princípios e na, sequência do que acima foi dito, a propósito dos princípios da igualdade, da equivalência e da proporcionalidade, a ideia de eficiência não é suficiente para postergar a possibilidade do contribuinte afastar a presunção resultante do registo automóvel. Acresce que a eficiência e a praticabilidade são suficientemente salvaguardadas pela existência duma presunção ilidível, nos termos acima referidos.
22. Assim sendo, conclui-se que o art. 3º, nº 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível tendo o interessado, para a afastar o ónus, de provar que, apesar do registo, não era o real proprietário, por entretanto o ter vendido.
Neste sentido, foram as decisões proferidas nos processo arbitrais números 26/2013-T, 27/2013-T, 14/2013-T, 170/2013-T, 256/2013-T, 286/2013-T e 289/2013-T, cujo entendimento, assim, se sufraga.
Por conseguinte, no que respeita aos impostos incidentes sobre veículos relativamente aos quais se provou terem sido vendidos pela Requerente antes da data do facto tributário, não pode o pedido de pronúncia arbitral deixar de proceder.
Como decorre do probatório, a prova das vendas prévia aos factos tributários foi feita, com exceção do que respeita aos veículos com as matriculas …-…-…[11], a que corresponde a liquidação relativa ao ano de 2013, no valor de 137,21€, …-…-…[12], referente ao ano de 2013, no valor de 53, 61€, …-…-…, respeitante ao ano de 2013, no valor de 657,48 € e …-…-… relativa ao ano de 2014, no valor de 32,32 €.
Relativamente às liquidações respeitantes a estes veículos não procede, pois, o alegado vício de violação de lei, que procede relativamente a todas as demais pelo que, no que a estas respeita fica prejudicado o conhecimento da invocada falta de fundamentação, nos termos do art. 124º do CPPT, por aplicação do art. 29º, nº 1 do RJAT.
23. Há ainda que apreciar se, relativamente às liquidações respeitantes aos veículos com as matriculas …-…-…, …-…-…, …-…-…, e …-…-…, procede o vício de falta de fundamentação[13], conforme alegado pela Requerente.
O artigo 77.º/1 da LGT determina que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.02.2010, proc. 01122/09:
“Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.”[14]
No caso em apreço, da notificação da liquidação consta o quadro normativo que fundamenta a liquidação designadamente o art. 3º e 6º do CIC.
Por outro lado, da tomada de posição da requerida sobre o direito de audição exercido pela Requerente deduz-se, sem margem para dúvidas, que a Requerida imputa à Requerente a responsabilidade pelo pagamento do imposto em razão da mesma constar do Conservatória do Registo automóvel como proprietária dos mesmos.
Como se escreveu na decisão arbitral proferida no processo 76/2013-T[15].
“se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.”
(…)
Como é igualmente consabido, a fundamentação pode ser também expressa ou tácita, “quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”[16]. Daí que deva considerar-se que a “declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária“ possa ser, da mesma forma, expressa ou tácita.”
No caso concreto e não sendo de olvidar a natureza de “processo de massa” que representa a liquidação de IUC, dúvidas inexistem, até pelas posições tomadas pela Requerente, desde logo em sede de exercício do direito de audição e, também, no presente pedido de pronúncia arbitral que a Requerente apreendeu as razões da prática do ato tributário, não revelando quaisquer dúvidas acerca das mesmas.
Nesta conformidade, entende-se que não ocorreu violação do art. 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária, improcedendo o vício em causa e não se decretando a ilegalidade das quatro liquidações em causa.
24. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes às liquidações sub judice, bem como os respetivos juros indemnizatórios.
Vejamos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação acima indicados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).
No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações ora anuladas imputável à Requerente, porquanto no exercício do direito de audição antes das liquidações apresentou à Requerida as faturas representativas da transmissão das viaturas, sobre as quais esta não se pronunciou, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
Julgar parcialmente procedente a impugnação nos seguintes termos:
a) Julgar improcedente o pedido relativamente aos veículos com as matriculas …-…-…, a que corresponde a liquidação relativa ao ano de 2013, no valor de 137,21 €, …-…-…, referente ao ano de 2013, no valor de 53, 61 €, …-…-…, respeitante ao ano de 2013, no valor de 657,48 € e …-…-… relativa ao ano de 2014, no valor de 32,32 €.
b) Julgar procedente a impugnação, relativamente a todas as demais liquidações, declarando-se a anulação das mesmas e, em consequência condenar a Requerida a restituir à requerente os respetivos montantes pagos referentes às liquidações ora anuladas com juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).
Valor da ação: 2.431,82 € nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida e pela requerente na proporção de sessenta e três virgula setenta e nove por cento e trinta e seis virgula vinte e um por cento, respetivamente, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Lisboa, 7 de Julho de 2015
O Árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] Para efeitos do art. 368º do Código Civil.
[2] Disponível no site “https://caad.org.pt”
[3] Acresce que, como sustentam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao artigo 73.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”) “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real” (Cfr. “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Encontros da Escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 651).
[4] Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 251.
[5] Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 260.
Como nota ainda este autor na pág. 227 da mesma obra “Até final do sec. XX, os impostos especiais sobre o álcool, tabaco, produtos petrolíferos ou automóveis não tinham outro objectivo se não o da angariação de receita, mostrando os contornos unilaterais típicos de qualquer imposto.
A partir dos anos 80 e 90 (…), no entanto, estas figuras tributárias passaram a ser instrumentalizadas à compensação dos custos que o consumos destes traz à saúde pública e ao meio ambiente, com o que os impostos especiais de consumo têm vindo a ganhar a natureza para comutativa que é típica das contribuições”.
[6] Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 229.
[7] De notar, porém, que vigora no direito português o princípio da liberdade da forma ou da consensualidade ( art. 219º do Código Civil). Salvo quando a lei o exigir, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial. A “realidade informal” que alude a requerente é na verdade a realidade material que resulta das normas do direito civil.
[8] Jorge Bacelar Gouveia refere que o princípio da segurança jurídica exige “a publicidade dos actos do poder público, assim como a clareza e a determinabilidade das fontes de direito” e que o princípio da proteção da confiança requer “que o quadro normativo vigente não mude de modo a frustrar as expectativas geradas nos cidadãos acerca da sua continuidade, com a proibição de uma intolerável retroactividade das leis, assim como a necessidade da sua alteração em conformidade com as expectativas que sejam constitucionalmente tuteladas” (Manual de Direito Constitucional, Almedina, 4ª Ed., Vol. II, pág. 821)
[9] Segundo o mesmo autor, a configuração deste princípio “assenta numa limitação material interna à actuação jurídico-pública de carácter discricionário, contendo os efeitos excessivos que eventualmente se apresentem na edição das providências de poder público de cariz ablatório para os respetivos destinatários” (ob. Cit. págs. 839-840).
[10] E não, manifestamente, o princípio da eficiência do direito fiscal pois, como escrevem Jónatas E.M. Machado e Paulo Nogueira da Costa “Do princípio da Eficiência decorre que o sistema tributário não deve ter efeitos distorcionários e não deve interferir com o funcionamento dos mercados, salvo quando, devido à existência de falhas de mercado, os mesmos não funcionam eficientemente.” (Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, 2009, pág. 28.)
[11] Note-se relativamente aos veículos dados como furtados, que a ocorrência de furto não implica a perda de propriedade e que face ao art. 4º, nº 2, do CIUC, o imposto é devido até ao cancelamento da matrícula que não foi provado, nem sequer alegado.
[12] Relativamente a este veículo resulta do processo que o mesmo foi vendido em 27.08.2013 e que a exigibilidade do imposto é do mês de agosto. À luz dos arts. 6º, nº 3 e 4º, nº 2, do CIUC, se a data da matricula fosse posterior ao dia 27 seria afastada a incidência subjetiva do imposto relativamente à Requerente. Todavia, tal prova não foi feita. Consequentemente não foi afastada a presunção legal.
[13] Embora a Requerente refira falta de fundamentação, afigura-se-nos que mais precisamente as suas alegações consubstanciam insuficiência de fundamentação, com idêntica consequência face ao art. 125º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo em vigo à data das liquidações.
[14] Pode ser consultado no site www.dgsi.pt.
[15]https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=76%2F2013-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=305.
[16] Artigo 217.º do Código Civil.